N/M Ambrizete, navio misto, da SG, Grupo CUF
Fonte: Álbum dos Navios da Marinha Mercante Portuguesa (Publicado pela Junta Nacional da Marinha Mercante em Junho de 1958). Reproduzido aqui com a devida vénia...
1. Texto enviado hoje pelo Helder Sousa (ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72):
Deste modo, juntando “as pontas” e as vontades, aqui me prontifico a fazer isso, tanto mais que as datas relacionadas não andam longe. Também devo referir que alguns aspetos da viagem, principalmente das circunstâncias anteriores à mesma, já foram referidos num dos primeiros artigos que escrevi para o Blogue e a que dei o título de “O último adeus”.
Começando pelo princípio devo dizer que a minha viagem, em rendição individual, estava marcada para a manhã do dia 26 de Outubro de 1970 (e ainda é a que figura na caderneta militar). Ora bem, como se podem lembrar, nessa madrugada ocorreu o chamado atentado ao N/M Cunene (**) e, nessa referida manhã, no Cais da Rocha, as dificuldades para os passageiros que deveriam tomar o transporte atribuído eram muitas. Não sei se por causa disso, não me recordo se foi ou não mencionado, a verdade é que o referido transporte, o N/M Ambrizete estava ancorado no meio do Tejo e para lá chegar isso fazia-se nas lanchas da Sociedade Geral que serviam de comunicação.
O “Ambrizete” era um cargueiro que dispunha de 6 cabinas duplas,
Não me apercebi que se tinha formado uma fila de pessoas que também queriam telefonar e quando me voltei deparei com vários olhares de comiseração e de quem estava a “olhar para um morto”, pois por esses tempos a palavra “Guiné” era sinónimo de complicações….
Acabado o cinema, fui jantar com a então minha namorada, num pequeno restaurante próximo de Santa Apolónia, que ainda lá está e que tenho ideia de se chamar “O Farol”, a seguir ela foi apanhar o comboio e eu o transporte para o Cais, onde a lancha me levou ao “Ambrizete”, houve mudança de turno e lá seguiu rumo à Guiné, agora com “apenas” 7 graus de inclinação.
Os meus companheiros de viagem já estavam ambientados, já estavam no barco há muito tempo, mas eu tinha acabado de chegar, vinha de uma despedida, vinha de um filme dramático e não estava com muita disponibilidade para grandes brincadeiras, grandes alegrias e por isso isolei-me, encostado à amurada, a olhar de modo a absorver tudo o que via para poder depois fechar os olhos e rever, e pensar no que o “destino” me poderia reservar.
Nisto, sou surpreendido pela presença do tal homem da Tecnil que me vem pedir para fazer “uma oração de despedida e de pedido de bom acompanhamento para a viagem”, pois os “sacaninhas” dos meus camaradas TSF, que se encontravam no deck superior a gozar a cena, lhe tinham dito que eu era muito religioso e até tinha estado num Seminário…
Como me apercebi da tramoia, não quis desiludir, nem tratar mal, o personagem, e lá o deixei contente e satisfeito, com a minha homilia, apesar de por esses tempos me encontrar militantemente afastado da Igreja.
Durante a viagem as refeições normais (geralmente muito boas) mereciam a companhia do Sr. Comandante do navio mas dada a falta de higiene do tal mecânico, que não tinha roupa para mudas, ele comentou haver um cheiro desagradável, o que fez com que se tivesse que “tomar medidas” e explorando a natural curiosidade do “nosso mecânico”, houve quem o levasse a ver o “veio da hélice”, havendo então elementos da tripulação que aproveitaram para lhe proporcionar um banho de agulheta e depois, enquanto a roupa era lavada e posta a secar, houve que lhe emprestar alguma roupa interior, embora isso o obrigasse a ter as refeições no camarote.
A viagem em si mesma, ressalvando a tal inclinação a que nos habituámos depressa, correu bem. Tenho ideia que se navegou a 13 nós (não sei confirmar), que passámos por entre dois grupos das Ilhas Canárias, que aconteceu por várias vezes sermos presenteados com a companhia exibicionista de peixes-voadores e que durante a noite de 8 para 9 de Novembro ultrapassámos o “Carvalho Araújo” que seguia pachorrento com a sua “carga humana”, sendo que por isso chegámos a Bissau na manhã cedo do dia 9.
Ainda durante a viagem, por força do bom relacionamento e interação que se foi fazendo com a tripulação, numa das primeiras manhãs, aquando do que seria o pequeno almoço, perguntaram se não queríamos um “mata-bicho”. Pensando que se trataria de aguardente ou coisa assim, recusámos, mas lá nos explicaram que era uma refeição mais forte para o pessoal que saía de turno e que à hora do almoço estaria a descansar. Então venha de lá esse “mata-bicho”! Bem… recordo que o primeiro deles foi um “arroz à valenciana” bastante bom, o qual antecedeu então o café e o pão com manteiga habituais.
Pois, sei que nesses aspetos fui bastante beneficiado e protegido pelos “deuses”, com uma viagem quase particular, com uma cabina sem luxos mas funcional e apenas para duas pessoas, com refeições condignas, com a amável companhia do Comandante e suas palavras de conforto, nada comparado com os relatos das miseráveis condições em que viajaram inúmeros militares, principalmente os que tiveram a desdita de ocupar os porões “adaptados” dos navios, mas tendo sido essa a minha realidade, é essa que relato.
A aproximação à Guiné, na penumbra da pré-alvorada, com a visão da vegetação mal definida, o bafo quente que de lá vinha, os sons abafados que, entretanto, também chegavam, ajudavam a criar uma aura de mistério e de apreensão. Depois o barco ficou ancorado ao largo (mais uma vez), deixando vago o cais acostável para o “Carvalho Araújo”, sendo que a passagem para terra se fez por meio daquelas espécies de pirogas, não sem que o Sr. Comandante se despedisse de todos e de cada um com simpatia e de modo a que o “Ambrizete” ficasse para sempre na memória.
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
O Último Adeus
Vd. também poste de 14 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2438: História de vida (9): O Último Adeus ou as peripécias da minha partida no N/M Ambrizete (Helder Sousa)
(***) Vd. 16 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22722: A nossa guerra em números (5): o Vera Cruz, o Niassa e o Uíge foram, de um frota de 15 navios, requisitados à marinha mercante, os que asseguraram o transporte de 3/4, da tropa mobilizada para o Ultramar
Construído em 1948 na Inglaterra, tinha cerca de 138 metros de comprimento e 5500 toneladas de arqueação bruta. Deslocava-se a uma velocidade de 13 nós (1 nó = 1 milha náutica/hora = 1,852 quilómetros/hora), tinha 37 tripulantes e pertencia à SG, a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, com sede em Lisboa (Grupo CUF).
Recorde-se que a CUF - Companhia União Fabril estava representado na Guiné pela Casa Gouveia, adquirida na década de 1920 (1)... Eram cargueiros da SG como o Ambrizete que traziam para a Metrópole a mancarra com que a CUF fazia o seu famoso Óleo Fula (em 1929 conseguiu a autorização para produzir óleo alimentar, em regime de monopólio, e em clara concorrência, desleal, com os produtores de azeite) (*)
1. Texto enviado hoje pelo Helder Sousa (ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72):
A minha viagem para a Guiné no N/M “Ambrizete”
O nosso Amigo e Editor da “Karas”, da Tabanca do Centro, Miguel Pessoa, pediu-me colaboração com um texto para publicação. Entretanto, na procura de inspiração e de recordações, apareceu e li no Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné” um conjunto de artigos e comentários sobre os navios que foram utilizados no transporte de tropas e de material e das memórias que isso concitavam (**). A acrescentar, também o Amigo e Editor da Tabanca Grande, Luís Graça, me desafiou a relembrar a minha viagem com as suas particularidades.
Vinheta de propaganda da ARA, referente à sabotagem do navio de mercadorias Cunene, Lisboa, em 26 de outubro de 1970. |
Deste modo, juntando “as pontas” e as vontades, aqui me prontifico a fazer isso, tanto mais que as datas relacionadas não andam longe. Também devo referir que alguns aspetos da viagem, principalmente das circunstâncias anteriores à mesma, já foram referidos num dos primeiros artigos que escrevi para o Blogue e a que dei o título de “O último adeus”.
Começando pelo princípio devo dizer que a minha viagem, em rendição individual, estava marcada para a manhã do dia 26 de Outubro de 1970 (e ainda é a que figura na caderneta militar). Ora bem, como se podem lembrar, nessa madrugada ocorreu o chamado atentado ao N/M Cunene (**) e, nessa referida manhã, no Cais da Rocha, as dificuldades para os passageiros que deveriam tomar o transporte atribuído eram muitas. Não sei se por causa disso, não me recordo se foi ou não mencionado, a verdade é que o referido transporte, o N/M Ambrizete estava ancorado no meio do Tejo e para lá chegar isso fazia-se nas lanchas da Sociedade Geral que serviam de comunicação.
O “Ambrizete” era um cargueiro que dispunha de 6 cabinas duplas,
pelo que levava 12 passageiros, sendo 6 militares das Transmissões (3 Furriéis TSF e 3 TPF), ocupando no conjunto 3 cabinas; uma mãe, que a memória me sussurra ser cabo-verdiana, com 3 filhos, ocupando 2 cabinas; e a restante era ocupada por dois civis, um homem já maduro que ia de contrato para ir trabalhar para a Tecnil e um outro, mecânico de automóveis, que não sei como, mas arranjou maneira de ir para a Guiné para fugir à perseguição que a sua mulher e o padeiro lá da terra lhe moviam a contas de uma alegada infidelidade conjugal entre ele e a mulher do tal padeiro, tendo a bordo
apenas a roupa que tinha vestida, pois parece que não teve tempo para mais.
Na hora da despedida no Cais, o pessoal da lancha comentou baixinho para nós militares, que “não era preciso tanta despedida pois não íamos partir hoje”.
Ao chegar ao barco fomos convidados a escolher as cabinas e fomos informados que, devido a vários problemas, como por exemplo uma má distribuição da carga que fazia o barco adornar (inclinar) cerca de 13 graus a bombordo (à esquerda, tomando como referência a proa do navio) e também com uma avaria num dos frigoríficos. Não sei a que se devia a “má distribuição da carga”, se por o barco ter eventualmente largado o cais à pressa, devido à tal ação de sabotagem, para se colocar no meio do rio, ou por terem realmente depositado no porão vários materiais não tendo em conta os seus diferentes pesos, sendo que a carga era de natureza diversa, desde géneros alimentares (alguns chegaram lá à Guiné já em menores condições por não se ter conseguido colocar o frigorífico em boas condições), até bombas para avião, segundo disseram.
Pouco tempo decorrido da chegada a bordo, o cargueiro apontou à foz do Tejo, fazendo crer a quem estava no Cais que era a partida, mas na realidade o que se fez foi andar o resto da manhã e boa parte da tarde a “fazer agulhas” ao largo da baía de Cascais, com vista a tentar melhorar a distribuição da carga. Ao fim da tarde regressou-se ao ponto de partida e, como era 6ª feira, o Comandante do navio disse que quem quisesse podia ficar a bordo mas quem quisesse sair e passar o fim-de-semana em casa o podia fazer, pois durante o sábado e domingo não ia haver saída, mas com a condição de se voltar na 2ª da manhã.
Aqui voltou a haver aspetos que normalmente não aconteceram com a maioria dos que embarcaram nos diversos navios e que foi, por exemplo, o transporte gratuito entre as margens do Tejo nas lanchas que levavam pessoal para Cacilhas e ligavam a Lisboa, facilidades que utilizei.
Os meus outros dois camaradas TSF foram a Setúbal, a casa do Nelson Batalha, pois por coincidência nesse fim de semana o F.C.Porto, clube da simpatia do Manuel Martinho, jogava lá com o Vitória local. Voltaram na 2ª feira, conforme aprazado e já não saíram, a não ser umas escapadas rápidas a Cacilhas nas tais lanchas.
Na hora da despedida no Cais, o pessoal da lancha comentou baixinho para nós militares, que “não era preciso tanta despedida pois não íamos partir hoje”.
Ao chegar ao barco fomos convidados a escolher as cabinas e fomos informados que, devido a vários problemas, como por exemplo uma má distribuição da carga que fazia o barco adornar (inclinar) cerca de 13 graus a bombordo (à esquerda, tomando como referência a proa do navio) e também com uma avaria num dos frigoríficos. Não sei a que se devia a “má distribuição da carga”, se por o barco ter eventualmente largado o cais à pressa, devido à tal ação de sabotagem, para se colocar no meio do rio, ou por terem realmente depositado no porão vários materiais não tendo em conta os seus diferentes pesos, sendo que a carga era de natureza diversa, desde géneros alimentares (alguns chegaram lá à Guiné já em menores condições por não se ter conseguido colocar o frigorífico em boas condições), até bombas para avião, segundo disseram.
Pouco tempo decorrido da chegada a bordo, o cargueiro apontou à foz do Tejo, fazendo crer a quem estava no Cais que era a partida, mas na realidade o que se fez foi andar o resto da manhã e boa parte da tarde a “fazer agulhas” ao largo da baía de Cascais, com vista a tentar melhorar a distribuição da carga. Ao fim da tarde regressou-se ao ponto de partida e, como era 6ª feira, o Comandante do navio disse que quem quisesse podia ficar a bordo mas quem quisesse sair e passar o fim-de-semana em casa o podia fazer, pois durante o sábado e domingo não ia haver saída, mas com a condição de se voltar na 2ª da manhã.
Aqui voltou a haver aspetos que normalmente não aconteceram com a maioria dos que embarcaram nos diversos navios e que foi, por exemplo, o transporte gratuito entre as margens do Tejo nas lanchas que levavam pessoal para Cacilhas e ligavam a Lisboa, facilidades que utilizei.
Os meus outros dois camaradas TSF foram a Setúbal, a casa do Nelson Batalha, pois por coincidência nesse fim de semana o F.C.Porto, clube da simpatia do Manuel Martinho, jogava lá com o Vitória local. Voltaram na 2ª feira, conforme aprazado e já não saíram, a não ser umas escapadas rápidas a Cacilhas nas tais lanchas.
Eu aproveitei para ir a Vila Franca surpreender e assustar a minha mãe e quando na 2ª feira, 29, voltei, disseram-me nos escritórios da SG que “podia voltar para casa, pois os trabalhos estavam demorados e o melhor era ir telefonando para saber quando seria”, coisa que fiz então diariamente até ao dia 3 de Novembro de 1970, quando recebi a indicação de que “era hoje à noite, e tinha que apanhar, o mais tardar, a lancha das 22:00”.
Durante esses dias do intervalo de tempo fiz várias coisas, sendo que no tal dia 3 de Novembro fui ver um filme no “Tivoli”, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni, com o título original em italiano “I girasoli” mas que foi intitulado em Portugal de “O Último Adeus” e que tratava da busca de uma jovem italiana pelo seu marido dado como desaparecido, quando integrado num batalhão italiano que participava na invasão da Rússia pelas tropas alemãs na 2ª Grande Guerra Mundial.
Durante esses dias do intervalo de tempo fiz várias coisas, sendo que no tal dia 3 de Novembro fui ver um filme no “Tivoli”, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni, com o título original em italiano “I girasoli” mas que foi intitulado em Portugal de “O Último Adeus” e que tratava da busca de uma jovem italiana pelo seu marido dado como desaparecido, quando integrado num batalhão italiano que participava na invasão da Rússia pelas tropas alemãs na 2ª Grande Guerra Mundial.
Em dada altura do filme vê-se o protagonista, o Marcello Mastroianni, caminhando num campo gelado e encontra alguns corpos congelados de camaradas seus e, quando tenta pegar num deles por um braço, o mesmo parte-se como um pedaço de gelo. Nesta altura o filme interrompe-se para o intervalo e como já eram cerca das 17:00 horas, hora mais ou menos combinada com os escritórios da SG para o contacto diário da tarde, precipitei-me para o telefone do “foyer” e lá fiz a chamada, referindo com as cautelas necessárias para diminuir a identificação, mas sendo claro que se tratava “do militar que queria saber se a partida para a Guiné estava ou não prevista para hoje”. De lá disseram que sim, com referi no final do parágrafo anterior.
Não me apercebi que se tinha formado uma fila de pessoas que também queriam telefonar e quando me voltei deparei com vários olhares de comiseração e de quem estava a “olhar para um morto”, pois por esses tempos a palavra “Guiné” era sinónimo de complicações….
Acabado o cinema, fui jantar com a então minha namorada, num pequeno restaurante próximo de Santa Apolónia, que ainda lá está e que tenho ideia de se chamar “O Farol”, a seguir ela foi apanhar o comboio e eu o transporte para o Cais, onde a lancha me levou ao “Ambrizete”, houve mudança de turno e lá seguiu rumo à Guiné, agora com “apenas” 7 graus de inclinação.
Os meus companheiros de viagem já estavam ambientados, já estavam no barco há muito tempo, mas eu tinha acabado de chegar, vinha de uma despedida, vinha de um filme dramático e não estava com muita disponibilidade para grandes brincadeiras, grandes alegrias e por isso isolei-me, encostado à amurada, a olhar de modo a absorver tudo o que via para poder depois fechar os olhos e rever, e pensar no que o “destino” me poderia reservar.
Nisto, sou surpreendido pela presença do tal homem da Tecnil que me vem pedir para fazer “uma oração de despedida e de pedido de bom acompanhamento para a viagem”, pois os “sacaninhas” dos meus camaradas TSF, que se encontravam no deck superior a gozar a cena, lhe tinham dito que eu era muito religioso e até tinha estado num Seminário…
Como me apercebi da tramoia, não quis desiludir, nem tratar mal, o personagem, e lá o deixei contente e satisfeito, com a minha homilia, apesar de por esses tempos me encontrar militantemente afastado da Igreja.
Durante a viagem as refeições normais (geralmente muito boas) mereciam a companhia do Sr. Comandante do navio mas dada a falta de higiene do tal mecânico, que não tinha roupa para mudas, ele comentou haver um cheiro desagradável, o que fez com que se tivesse que “tomar medidas” e explorando a natural curiosidade do “nosso mecânico”, houve quem o levasse a ver o “veio da hélice”, havendo então elementos da tripulação que aproveitaram para lhe proporcionar um banho de agulheta e depois, enquanto a roupa era lavada e posta a secar, houve que lhe emprestar alguma roupa interior, embora isso o obrigasse a ter as refeições no camarote.
A viagem em si mesma, ressalvando a tal inclinação a que nos habituámos depressa, correu bem. Tenho ideia que se navegou a 13 nós (não sei confirmar), que passámos por entre dois grupos das Ilhas Canárias, que aconteceu por várias vezes sermos presenteados com a companhia exibicionista de peixes-voadores e que durante a noite de 8 para 9 de Novembro ultrapassámos o “Carvalho Araújo” que seguia pachorrento com a sua “carga humana”, sendo que por isso chegámos a Bissau na manhã cedo do dia 9.
Ainda durante a viagem, por força do bom relacionamento e interação que se foi fazendo com a tripulação, numa das primeiras manhãs, aquando do que seria o pequeno almoço, perguntaram se não queríamos um “mata-bicho”. Pensando que se trataria de aguardente ou coisa assim, recusámos, mas lá nos explicaram que era uma refeição mais forte para o pessoal que saía de turno e que à hora do almoço estaria a descansar. Então venha de lá esse “mata-bicho”! Bem… recordo que o primeiro deles foi um “arroz à valenciana” bastante bom, o qual antecedeu então o café e o pão com manteiga habituais.
Pois, sei que nesses aspetos fui bastante beneficiado e protegido pelos “deuses”, com uma viagem quase particular, com uma cabina sem luxos mas funcional e apenas para duas pessoas, com refeições condignas, com a amável companhia do Comandante e suas palavras de conforto, nada comparado com os relatos das miseráveis condições em que viajaram inúmeros militares, principalmente os que tiveram a desdita de ocupar os porões “adaptados” dos navios, mas tendo sido essa a minha realidade, é essa que relato.
A aproximação à Guiné, na penumbra da pré-alvorada, com a visão da vegetação mal definida, o bafo quente que de lá vinha, os sons abafados que, entretanto, também chegavam, ajudavam a criar uma aura de mistério e de apreensão. Depois o barco ficou ancorado ao largo (mais uma vez), deixando vago o cais acostável para o “Carvalho Araújo”, sendo que a passagem para terra se fez por meio daquelas espécies de pirogas, não sem que o Sr. Comandante se despedisse de todos e de cada um com simpatia e de modo a que o “Ambrizete” ficasse para sempre na memória.
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
Reproduz-se aqui, com a devida vénia, a sinopse do filme, acima referido, com a devida vénia ao CineCartaz do jornal Público:
Título original:I Girasoli
De: Vittorio De Sica
Género: Drama
Classificação:M/12
Outros dados: ITA/URSS, 1970, Cores, 96 min.
Foi com este I Girasoli que Vittorio De Sica realizou o primeiro filme ocidental rodado na URSS, uma história de amor entre as personagens de Marcello Mastroianni e Sophia Loren. Ela é uma mulher italiana que procura o marido dado como perdido em acção durante a II Guerra. A travessia faz-se por paisagens urbanas e campos de girassóis. Foi o filme mais famoso da dupla de actores. Texto: Cinemateca Portuguesa
Foi com este I Girasoli que Vittorio De Sica realizou o primeiro filme ocidental rodado na URSS, uma história de amor entre as personagens de Marcello Mastroianni e Sophia Loren. Ela é uma mulher italiana que procura o marido dado como perdido em acção durante a II Guerra. A travessia faz-se por paisagens urbanas e campos de girassóis. Foi o filme mais famoso da dupla de actores. Texto: Cinemateca Portuguesa
Vd. aqui o trailer do filme I Girasoli (1970).
(*) Vd. poste de 6 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)
___________
Notas do editor: