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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24825: Casos: a verdade sobre...(35): Op Revistar, programada no ar condicionado de Bissau, uma operação das grandes, destinada ao assalto e ocupação de Salancaura, e que acabou por abortar... (Mário Gaspar, ex-fur mil at inf MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68 / José Brás, ex-fur mil trms, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68),


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) e 7º Pel Art / BAC > O obús 8.8. Foto do álbum do nosso saudoso cap SGE ref  José Neto (1929-2007), na altura o 2º sargento da CART 1613, que chefiava a secretaria.

Foto: © José Neto (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (entrou para a Tabanca Grande em 8/12/2013; tem 135 referências no nosso blogue; por razões de saúde não tem prestado maior colaboração ao blogue nos últimos tempos; alegramo-nos com
o seu reaparecimento).

Data - 4/11/2023 04:39  
Assunto - Operação Revistar  
Caros Camaradas, Luís e Carlos

Capa do livro
de José Brás, "Lugares de passagem",
Lisboa, Chiado, Editora, 2011


Dia 5 deste mês faz precisamente 55 anos que regressou da Guiné a CART 1659. Desembarcámos só na manhã de 6, passando mais de 12 horas ao largo de Lisboa.

Cheguei com muitas dúvidas, tendo a sorte de desvendar todas,  com uma falha: a "Operação Revistar”.

No Blogue não surgiu ninguém que tivesse conhecimento da mesma. Passei horas no Arquivo Histórico-Militar, esclarecendo muitas dúvidas. Sabia que só era possível levar-se a efeito tal Operação, com objectivos tão ambiciosos, direi inclusive estúpidos. Pretendiam esses senhores de gabinete acabar com a guerra, inclusive matar os líderes ('Nino' Vieira) e apanharem toda a documentação confidencial.

Chegara de licença e em Bissau não se falava de outro assunto. (*)

Um Abraço a todos os Camaradas
Mário Vitorino Gaspar

PS - Podem publicar no Blogue. Continuo bastante doente, mas acrescentar a informação de José Brás à minha, a tudo que assisti, deixou-me melhor. Até parece que tenho menos dores.

2. Operação Revistar (não consta do livro da CECA, 2015, relativo à atividade operacional no CTIG, de 1967 a 1970)(**)



José Brás, (ex-fur mil trms, CCAÇ 1622, 
Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68),

Do livro de José Brás “Lugares de Passagem” (texto que me enviou, a mim, Mário Gaspar, o amigo José Brás; conheço-o desde o início dos anos 60; estudei no Colégio Sousa Martins, em Vila Franca de Xira): 

(..) Mas nada disto de que venho a falar-vos tem importância e a importância dou-lha eu no
 engano de vos fazer compreender melhor a encomenda do Santinhos no episódio burlesco que desde o início vos quero relatar. 

Comecemos pelo princípio! Em certo tempo, que como vocês sabem não é o mesmo que em tempo certo… em certo mau tempo, direi, foi programada no ar condicionado de Bissau uma operação das grandes, destinada ao assalto e ocupação de Salancaur (...). Salancaur, imaginem…  

Tal operação envolvia várias Companhias que passaram a noite deitadas pelo chão do acanhado quartel de Medjo e incluía bombardeamentos prévios nos dias precedentes pela aviação, Fiats, T6’s (...), e DO-27 no ar a horas que deveriam ser as do assalto, e bojardas dos tais obuses do Santos a partir de Medjo, tudo antes da planeada entrada da tropa apeada. 

As quatro peças de artilharia foram deslocadas dos seus espaldares para o exterior da paliçada, alinhadas lado a lado e apontadas em paralelo ao objetivo como dedos de deuses vingativos. A regulação do tiro seria feita, e foi, a partir do voo de um DO-27, Major de operações mais que duvidoso a mandar vir, tantos graus à esquerda, alongar o tiro mais cem metros…

Diz-se que o homem põe e Deus dispõe. Dizia Fernando Pessoa que Deus quer, o homem sonha e a obra nasce. Que Deus quisesse tal coisa, quer dizer, o assalto a Salancaur, é duvidoso, ainda que num mundo como este nem em deuses se possa confiar, e esta parte digo eu que tanta desgraça vi naquelas terras. O sonho, neste caso, o sonho seria do mastronço que ocupava a cadeira do poder de Bissau, ou de alguns dos seus bengalinhas querendo mostrar serviço, movendo pioneses coloridos no amplo mapa que ornamentava paredes nas competentes salas do QG (...) e do palácio do Governador. 

Pesadelo se deveria dizer, em vez de sonho, já que sonho é palavra mais adequada a gente que luta e morre por liberdade de sua terra e povos, e por justiça, o que ali, claramente, não era o caso, mas bem o seu contrário. Pesadelo, portanto, também querendo justificar-se a coisa torta e deformada, causadora de sofrimento e dores, talvez mortes a somar a mortes nos dois lados da contenda. 

A operação que deveria ser de um dia, naquela mata quase virgem, avançando nos poucos quilómetros à força de catana para evitar sinais de picada antiga, chegou à antecâmara do destino apenas na terceira madrugada. Sete quilómetros, a bem dizer, se medidos em linha reta, acho que era a leitura dos generais em Bissau. Fomes, sedes, exaustão, desidratação, medos, esfrangalharam corpos e convicções. As evacuações começaram em catadupa, umas de necessidade absolutamente comprovada e outras aproveitadas no ressalto, todas, vi eu, mais que justificadas no limite de cada um, nas caras torcidas de esgar, nos olhos febris. Na frente da tropa que se aprestava para o ataque, havia agora um enorme espaço de bolanha nua e rasa que era necessário passar para chegar ao objetivo.

Ordem para iniciar procedimentos de tiro de obus em Mejdo. Tudo a postos, cada peça com seu apontador e municiador. Em PRC-10 (...) ouvia eu as ordens do DO ao Santinhos, e em wallkie talk, a comunicação entre o Santinhos e o apontador de cada obus, conversa esta, em especial, para a qual peço a vossa inesgotável imaginação, recriando a manhã naquele lugar, quente e húmida, mais abafada ainda pelo stress da espera de meia dúzia de soldados que haviam ficado a garantir a segurança das peças, encarrapitados na bancada da paliçada; o DO esvoaçando e dando indicações, não tão longe dali que não se pudesse enxergar-lhe a evolução a olho nu; a voz do Santinhos nas perguntas ao avião, nas ordens às peças, pastosa, embrulhada na língua, augurando tensões.

− Primeira bateria?

− Pronto,  meu Alferes!

− Segunda bateria?

− Pronto.  meu Alferes!

− Terceira bateria?

− Pronto. meu Alferes!

− Quarta bateria?

− Quarta bateria?!

− Quarta bateria?!!!

− Foooooda-se!

BUUUUUUUUUUUUUUUUUM!!! Quatro buuuns num só, ecoaram inesperados nos meus ouvidos e no susto dos ocupantes do DO que voava em frente, não muito acima da linha de tiro!

− Tirem-me daqui!!!  − esganiçou o Alferes.  − Tirem-me daquiiiii!

Um médico de fora que por ali ficara para a possibilidade de ter de servir na operação, diagnosticou sintomatologia histeriforme e solicitou evacuação para o Alferes. O helicóptero que o veio buscar,  carregou já para Medjo o seu substituto, outro Alferes, açoriano, diferente do Santinhos no talhe físico e na atitude. Para aquele dia nem valia a pena a pressa da substituição. 

Os obuses não teriam mais serventia naquela operação acabada por ordem superior, como superior havia sido a do seu início. Do DO para a tropa na orla da mata a ordem foi de recuar porque do outro lado daquele largo espaço aberto, eram muitos os morteiros, canhões sem recuo, possíveis foguetões terra-terra dissimulados e outros materiais eficazes na função de matar, prontos para bater a bolanha nua e rasa.

Não havia tropas helitransportadas. E que houvesse! A morte de dezenas estaria assim mais que certa, ainda por cima, para nada, segundo concluíram os chefes. Sensatamente, desta vez.

Não morreu ninguém, portanto, do nosso lado, pelo menos.

Só fomes.

Só sedes.

Só medos.

Só pragas.

Só raivas!

E do Santinhos, Alferes e civil, engenheiro brilhante, segundo se dizia, e contestatário, nunca mais ouvi fosse o que fosse, por palavras escritas, ou ditas… ou (des)ditas.


In "Lugares de Passagem" (com a devida vénia...)

Nota do editor: nesta altura devia estar em Mejo o 6º Pel Art / BCAC (8,8 cm). OU o 7º, que depois foi para Guileje.
 



Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas,
CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68)
  

3. Sobre a  “Operação Revistar” ver o texto que publiquei no blogue, Poste P14302 (***).

(...) A CCAÇ 1622 viria a ser a maior vítima da “Operação Revistar”, que tinha por objectivo a Acção ofensiva em diversos acampamentos do PAIGC e o aprisionamento do chefe Nino Vieira. Participaram na “Operação Revistar”, a CCAÇ 1622; CCAÇ 1591; CCAÇ 1624 e CART 1613.

No dia 3 (de dezembro de 1967), teve a Companhia, 3 feridos (um Oficial, um Sargento e um Soldado; 18 evacuados por esgotamento físico e dois por doença).

No dia 6, repete-se a Operação, e para além das Companhias que tinham estado na 1.ª Acção no terreno, foram reforçados com a minha CART 1659 e CCAÇ 1620.

Na História da Unidade da CCAÇ 1620, nem uma linha sobre a “Operação Revistar”, entretanto esteve lá.

Na História da Unidade da CART 1659 consta:

“De 1 a 3 e de 6 e 7 de Dezembro de 1967, feita a Operação Revistar, uma Acção ofensiva na Península de Salancaur, tendo as forças da CART 1659 colaborado numa primeira fase, montando segurança ao aquartelamento de Mejo. Numa segunda fase, participaram da operação juntamente com as forças da CART 1613 e CCAÇ 1591, 1622 e 1624. Os objectivos previstos não foram atingidos devido ao esgotamento físico das nossas tropas”.

Na História da Unidade da CCAÇ 1591, repetem-se as dificuldades que a NT teve ao percorrer matas fechadas, calor intenso o que provocou o agravamento do estado físico das NT. Termina dizendo que a Companhia acusou, notoriamente, as 5 noites ao relento, dormindo no chão e a falta de alimentação capaz, antes de iniciar a Operação.

Na História da Unidade da CCAÇ 1624, repete-se o mesmo, só com mais 15 evacuações (1 Oficial e 1 Sargento), não existindo condições para se concluir a Operação. (...)

(...) Sobre a actividade da Força Aérea nada é focado, mas que a aviação esteve lá não me podem negar. Dias antes já actuava, e em força, bombardeando constantemente a Península de Salancaur.

Em relação aos motivos que levaram que a Operação não fosse concluída, todos falam em desgastes nas NT. Estavam Paraquedistas, Fuzileiros e Comandos do lado contrário da Bolanha? E a aviação?

Uma Grande Operação falhada. Quem foram os culpados?

Estes também foram para mim dias horríveis, 7 dias consecutivos que não esqueço. (,,,)


4. E agora acrescento eu, para se percebeu o meu reencontro como Zé Brás:

No início dos anos 60 um grupo de 9 estudantes do Externato Sousa Martins fundaram o Jornal “Eco Académico”, entre eles estava eu. A Direcção do Externato pensou ser um Jornal tipo “quadro de honra”. Através do Padre, Professor de Moral, conseguiu-se que fosse composto e impresso na Tipografia do Centro de Apoio Social Infantil (CASI).

Conseguimos assinantes e publicidade, após cada um de nós entrar, penso com 50$00.

Começámos por inserir artigos que foram contestados pelo Externato e o CASI deixou de nos apoiar. Falou-se em desistirmos mas continuámos. Foi complicado visto termos de pagar a uma Tipografia.

Entretanto já tínhamos sido convidados para colaborar na Criação da Secção Cultural do União Desportivo Vilafranquense (UDV).

Quem nos coordena é o escritor Alves Redol em reuniões semanais (?).

Já deixara de estudar mas continuei a frequentar esses encontros. Nasci em Sintra e desde os meus 3 anos que vivia em Alhandra – rival nº 1 do União. Os meus Amigos chamaram-me traidor por colaborar com o clube de Vila Franca. Trabalhava mas continuei a frequentar o Restaurante Maioral, local onde anteriormente nos juntávamos diariamente e que continuava por ser o “local de encontro”. Vítor Manuel Caetano Dias, meu primo, é um dos obreiros.

A Secção Cultural nasce, já com o amigo José Brás que a compõe. Outras figuras surgem. O Cineclube do UDV faz história.

A 3 de Maio de 1965 sou obrigado a iniciar o Serviço Militar no RI 5, nas Caldas da Rainha o Curso de Sargentos Milicianos. José Brás encontra-se na mesma unidade. Finda a Recruta vou para Tavira em Agosto, e o Amigo José Brás também.

O meu Comandante de Pelotão é o Alferes de Infantaria Luís Carlos Loureiro Cadete.

Devido a ter sido hospitalizado no Hospital Militar de Évora, perco a Especialidade – Armas Pesadas – e vou de Licença Registada para casa. Em Janeiro mandam-me apresentar na Escola Prática de Artilharia (EPA), em Vendas Novas e termino a Especialidade e sou promovido após ter sido forçado contra vontade a prestar Provas para os Comandos – recusei, tive a sorte de me safar – e após Licença sou colocado no RI 14, Viseu. Monitor em várias Recrutas, com sucesso. Imagine-se. 

Quando penso estar prestes em terminar o Serviço Militar vou, contra vontade, Prestar Provas para os Rangeres. Após concluir todas as provas, foram 9 dias, e uma caminhada de 40 quilómetros, regresso a Viseu, onde integro a Equipa de Natação no Campeonato da Região Militar. Sou o único elemento da equipa a apurar-se para os Campeonatos das Regiões Militares Nacionais. Volto a ter esperança, mas sou destacado para o RAC, em Oeiras. Dai sigo para a Escola Prática de Engenharia, Tancos para frequentar o Curso de Minas e Armadilhas. Acontecem aqui umas histórias curiosas, mas noto ter sido deveras enganado. Preferível ter ido para os Comandos ou Rangeres. Passei o Curso com 14,8 (?), recebi um diploma e fui mobilizado para a Guiné.

Chego a Bissau em Janeiro de 1967 – não desembarcamos na cidade – e seguimos de LDM para o desconhecido. Defronte de Cacine dizem irmos para Gadamael Porto. Visto um Pelotão e uma Secção ter de ir para o Destacamento de Ganturé, toca-me esse destino.

Vários Furriéis Milicianos, Amigos e conhecidos que estavam já destacados na zona falam-me que o meu amigo – já Capitão Cadete – se encontrava em Mejo, entre eles o Amigo José Brás. Sempre que era destacado para Operações nesse aquartelamento, tentava que ele não me visse. Em Dezembro de 1967 dou de caras com o Capitão na falada “Operação Revistar”.

Devido a um Rebentamento, no dia 4 de Julho, quando morrem (dizem) 10 nativos e mais de 20 feridos graves,  vou para Gadamael. Entretanto já tenho o doutoramento de Minas e Armadilhas.

Não li o livro de José Brásm  “Lugares de Passagem”, só por mero acaso há poucos dias, tomei conhecimento. É notório que a Operação é a mesma – uma mancha tremenda na História que se recusam em falar – História da Guerra Colonial.


5. Lisboa > 
Hospital Júlio de Matos >  25 de Setembro de 1998 > Colóquio "Amor em Tempo de Guerra"

Volto a encontrar-me com José Brás, Aqui fica uma resumo,

O Amor em Tempo de Guerra

 por Mário Vitorino Gaspar

No dia 25 de Setembro de 1998 houve um Colóquio com o tema “Amor em Tempo de Guerra – A Guerra Colonial Portuguesa”, no Anfiteatro do Hospital Júlio de Matos. Para além do Psiquiatra Doutor Afonso de Albuquerque e da Psicóloga Clínica Doutora Fani Lopes, esteve presente um convidado surpresa, José Brás, ex-combatente que publicou o livro “Vindimas do Capim”, Prémio Revelação do Ano de 1986,  que começou por afirmar: 

– Na Guerra Colonial não existiram, quanto sei, orgias, como as vistas nos filmes americanos da Guerra do Vietname. (…). Que soldados portugueses eram estes? Alguns fizeram-se homens com as prostitutas das feiras anuais da província. E vão para a guerra. Guiné, onde cumpri o serviço militar, é um território pequeno… mas a solidão era maior. O soldado, na maioria carente de bens materiais, e muitas vezes de sexo, vai para a guerra e sente-se mais livre em combate que no quartel. 

Continua: 
– A masturbação, essa, sim, existia, até pela descoberta do corpo.

O Psiquiatra Doutor Afonso de Albuquerque, que cumpriu o serviço militar como Médico em Moçambique, referiu: 
– A sexualidade em tempo de guerra tem a ver com a experiência havida em tempo de paz. Quando parti para Moçambique chorei … limpei as lágrimas e lancei o lenço ao mar… Chegado à zona onde se instalou a minha Companhia, as prostitutas quando souberam que estavam nas imediações novos militares instalados, surgiram logo. Existia uma mulher branca, por cada dez europeus. Os perigos das relações sexuais com as nativas eram as doenças venéreas. Não havia preservativo, mas bisnagas de sulfamida. Os soldados afirmavam que aquilo tirava a potência. Sucedeu que um número de militares analfabetos, e não só, acabaram por ter experiências sexuais com animais.

Falou-se da homossexualidade existente na Guerra Colonial.

A Psicóloga Clínica Doutora Fani Lopes, disse: 

– Era natural que a namorada ou noiva fosse virgem. Casos houve que antes da partida para a guerra deixava de o ser. Decerto que algum pacto foi feito por mulheres de ex-combatentes, visto esses casamentos durarem ainda hoje.

Mário Vitorino Gaspar, fez notar:

– Importante referir, pela minha experiência, que o amor em tempo de guerra, estava aqui e não no sul da Guiné em 1967/1968. Lá existia guerra e não amor. Em Ganturé, destacamento de Gadamael Porto, o Régulo da zona, o beafada Abibo Injasso, Tenente de 2ª Linha, e elo de ligação entre o Exército Português e os “informadores” – que jogavam com um “pau de dois bicos” – e pago com uma viagem anual a Meca pelo Estado Português, proibia que as mulheres, e principalmente as bajudas (raparigas novas e em princípio virgens) de terem relações sexuais com os militares, sendo castigadas se o fizessem. Quando confrontadas com a tropa para terem relações sexuais, as mulheres ou bajudas recusavam com uma frase: - “Mim cá nega!”

Amor era o amor de pais, família, da noiva ou namorada.

Mas até se fazia sexo por correio – por carta ou aerograma – sexo por escrita, com noiva, namorada ou madrinha de guerra, por vezes até havia masturbação! Os militares na zona onde me encontrava só podiam ter relações sexuais, quando evacuados por ferimentos ou doença para Bissau, onde existiam prostitutas

Muitas vezes ficava imensamente triste por receber tanta correspondência e soldados nem um simples aerograma terem. Estes quando me falavam choravam e queixavam-se que as namoradas andavam com outros, por vezes até familiares, principalmente primos.

O Dr. Santinho Martins completou: 
– Necessário fazermos a distinção entre oficiais, sargentos e praças. É que estes últimos não tinham dinheiro. As prostitutas eram mulheres na decadência, já com uma certa idade.

Foi levantada a questão:
– Até que ponto o amor pode ser uma boa terapia para o Ex-Combatente que sofre de Perturbações do Stress Pós Traumático de Guerra?

A Doutora Fani Lopes, ao terminar afirmou: 
– Um ou outro regressa da guerra e posteriormente isola-se de tudo e de todos. O isolamento consigo próprio é uma situação de risco. A vida não é aquilo que queremos, mas aquilo que ela é!

Discutiu-se o “Amor em Tempo de Guerra – o Sexo em Tempo de Guerra”

NOTA: Este texto foi publicado no Jornal APOIAR, fui um dos seus fundadores e 1º Director.
 ____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24447: Casos: a verdade sobre... (34): A CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72), comandada pelo cap inf Augusto José Monteiro Valente (1944-2012), e depois maj gen ref, que embarcou para o CTIG sem três alferes (que terão desertado) e durante a IAO ficou sem o último, por motivos disciplinares...

(**) Fonte: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015).

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20638: Em busca de... (300): Alf mil Pereira Gomes, da CCAÇ 1622 (1966/68), que o meu pai conheceu conheceu em Aldeia Formosa (Luísa Lemos, filha do ex-fur mil Álvaro Lemos, São Miguel, RA Açores)

1. Mensagem de Luisa Lemos, nossa leitora, filha de um camarada nosso, açoriano

Data: quinta, 30/01/2020 à(s) 12:13
Assunto: Informações sobre o Alferes Miliciano Pereira Gomes, da Companhia de Caçadores 1622

Bom dia, caros senhores.

Eu sou filha de um antigo combatente que gostava de encontrar o contacto de um senhor que esteve com ele na Guiné. Ele procura o Sr. Alferes Miliciano Pereira Gomes, da Companhia de Caçadores 1622.

O meu pai é o Furriel Miliciano Álvaro Lemos, da ilha de São Miguel,  do arquipélago dos Açores. Ele esteve na Guiné na Aldeia Formosa e diz que era conhecido como o "homem psíco". Terminou a sua missão em 1969.

Se tiverem alguma informação,  por favor disponibilizam-me para dar ao meu pai.

O meu número de telemóvel é 966 227 200, no caso ser necessário.

Um bem haja pelas informações que têm na Internet pois através daí que cheguei aos vossos contactos.

Obrigada,
Luísa Lemos


2. Resposta dos editores:

Luísa, obrigado pela sua gentil mensagem. Um alfabravo (ABraço) para seu pai e nosso camarada, Álvaro Lemos.

Temos mais de 3 dezenas de referências à CCAÇ 1622:

(i) mobilizada pelo RI 2 (Abrantes);

(ii) partiu para a Guiné em 12/11/1966 e regressou a 18/8/1968;

(iii) esteve em Aldeia Formosa,  Mejo, Bolama, Jolmete, Teixeira Pinto e Bissau;

(iv) comandante: cap mil inf António Egídio Fernandes Loja;

(v) pertencia ao BART 1896, a par da CCAÇ 1623 e CCAÇ 1624.


O José Brás, que hoje faz anos [, foto atual, à direita, acima}, é um dos ilustres camaradas do seu pai:

(i) ex-fur mil trms, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68;

(ii) nasceu em Alenquer em 1943;

(iii) trabalhou na TAP como tripulante comercial de 1972 a 1997;

(iv) foi sindicalista e autarca;

(v) mora em Montemor-o-Novo;

(vi) tem mais de 130 referências no nosso blogue;

 (vii)  é autor dos seguintes livros com memórias da guerra colonial na Guine: (a) “Vindimas no Capim”, 2.ª Edição, Lisboa, Publicações Europa América, 1987; (b)  "Lugares de Passagem", Chiado Books, Lisboa, 2010;

(vii) sobre a sua biografia oficiosa, ler aqui mais, na Chiado Books.

Outro notável escritor da CCAÇ 1622 é o António Loja,  madeirense, nascido no Funchal em 1934, ex-cap mil... Infelizmente não temos o contacto dele, não é formalmente membro da nossa Tabanca Grande.

Cara amiga Luísa, vamos  pô-la em contacto com o José Brás, de que o pai se deve lembrar (, era o furriel de transmissões da CCAÇ 1622),  esperando que ele lhe/nos dê notícias, boas, do ex-alf mil  Pereira Gomes, cujo paradeiro infelizmente desconhecemos.

Em boa verdade, só um ou dois camaradas,por companhia, é que aqui aparecem,  nos escrevem, mandam fotos, e vão dando notícias... ou então somos nós que descobrimos algo sobre eles (, é o caso por exemplo do antigo capitão António Loja).

Por outro lado, não temos nenhum crachá, guião ou brasão da CCAÇ 1622, apenas um distintivo do BART 1896, a que a CCAÇ 1622 pertencia, e que reproduzimos acima.

De qualquer modo, o nosso camarada Álvaro Lemos, representado aqui pela filha Luisa Lemos, tem lugar de pleno direito no nosso blogue, na nossa Tabanca Grande: basta que nos mande duas fotografias, uma atual e outra do tempo da Guiné. E que nos diga, em meia dúzia de linhas, quem foi, onde esteve durante a comissão de serviço na Guiné,  e o mais que se lhe oferecer dizer...

Esclareça, em todo o caso, o seguinte, com o seu pai: provavelmente o Álvaro Lemos era de rendição individual, para regressar só em 1969... A CCAÇ 1622 regressou a casa em 18/8/1968 e esteve em vários sítios, para além de Aldeia Formosa e Mejo (que eram no sul, na região de Tombali)...

Pergunte ao seu pai: a que subunidade pertenceu, de facto ? À CCAÇ 1622 (1966/68) ou outra, sediada, até 1969, em Aldeia Formosa?  O alf mil  Pereira Gomes, esse, já percebemos, pertencia à  Companhia de Caçadores 1622, do BART 1896 (Buba e Bissau, 1966/68), comandado pelo ten cor art Celestino da Cunha Rodrigues. (Temos cerca de duas dezenas de referências a este batalhão.)
______________

Nota do editor:

Últumo poste da série > 21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20264: Em busca de... (299): Camaradas do ex-alf mil António Vieira Abreu, recentemente falecido em Lisboa, e que pode ter pertencido ao BART 1904 (Bissau e Bambadinca, jan 67 / out 69) (João Crisóstomo, Nova Iorque; Manuel Carvalho Gondomar; José Martins, Odivelas)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20629: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte VII


Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC colocando uma mina", Fundação Mário Soares / DAC – Documentos Amílcar Cabral, disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43786 (com a devida vénia)


Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC colocando uma mina antipessoal num trilho.", Fundação Mário Soares / DAC – Documentos Amílcar Cabral, disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43129 (com a devida vénia).


Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC montando uma mina", Fundação Mário Soares / DAC – Documentos Amílcar Cabral, disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44195 (com a devida vénia).




O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, 
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, indigitado régulo da Tabanca de Almada e da Tabanca dos Emiratos; tem 230 registos no nosso blogue.GUINÉ



ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA – PARTE VII


1. - INTRODUÇÃO

Continuamos a levar ao conhecimento do colectivo da «Tabanca Grande» os resultados da investigação que encetámos, titulada de «Ensaio sobre as mortes de militares do Exército, no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutores auto rodas"», tendo por principal fonte de consulta e análise o universo das "Baixas em Campanha" identificadas na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.

Para a estruturação do presente fragmento – o sétimo – partimos do contexto abordado no anterior (P20576), que tinha por cenário Cumbijã – "um deserto cheio de minas" – e onde o colectivo da CCAV 8351 (os Tigres do Cumbijã), do ex-Cap Mil Vasco da Gama, contabilizou o levantamento de mais de três dezenas de engenhos explosivos durante o mês de Abril de 1973.

Porque a acção do levantamento desses engenhos é "causa e efeito" da sua existência, onde o primeiro acto (colocação) é responsável pelo segundo (levantamento), quem sabe se na "árvore de minas", ronco e obra do colectivo da CCAV 8351, apresentada no poste anterior, está alguma que as imagens acima documentam/comprovam. Ou se, na pior das hipóteses, foram accionadas, provocando dor, sofrimento e perdas humanas.


2. - ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)

Recordamos que a análise demográfica que comporta esta investigação, e as variáveis com ela relacionada, continuam a incidir sobre os casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), e identificados nos "Dados Oficiais" publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).

No presente fragmento, a análise demográfica foi estratificada a partir da naturalidade do universo dos casos (n=191), primeiro por Distrito (dezoito no continente), Ilhas do Atlântico (Arquipélagos da Madeira e dos Açores) e CTIG (Recrutamento Local). Seguiu-se a sua organização pelas três Regiões Continentais (Norte, Centro e Sul), mais as duas Regiões Autónomas (Madeira e Açores) e o CTIG (Recrutamento Local).

São de salientar dois casos particulares. No continente, o Distrito de Setúbal não registou qualquer baixa na especialidade de "condutor auto rodas" durante o conflito. Igual resultado foi apurado na Região Autónoma da Madeira.

Para conhecimento do vasto auditório, abaixo de apresentam os diferentes quadros elaborados para o efeito, seguido do mapa do território nacional à data do conflito.







3. - MAIS ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERAM MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO DE REBENTAMENTO DE "MINAS"

Neste ponto, reservado à caracterização de cada uma das ocorrências identificadas durante a realização do estudo, apresentamos mais dois "casos" (de um total de trinta e três). Em cada um deles, recuperamos algumas memórias, consideradas relevantes, extraídas das diferentes fontes de informação consultadas, em particular o vasto espólio do nosso blogue, enquadradas pelos contextos conhecidos.

3.20 - O CASO DO 1.º CABO 'CAR' JÚLIO FERNANDO ANTUNES FERNANDES, DO PREC FOX 1101, EM 19.MAI.1967, ENTRE ALDEIA FORMOSA E MISSIRÁ

A nona morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina, foi a do 1.º Cabo Júlio Fernando Antunes Fernandes, natural da freguesia de Vilarinho, Município da Lousã, Coimbra, ocorrida no dia 19 de Maio de 1967, 6.ª feira, no decurso de uma coluna militar, no itinerário entre Aldeia Formosa e Missirá (ver mapa abaixo), na qual participavam, também, elementos da CCAÇ 1622.


O condutor Júlio Fernandes pertencia ao Pelotão de Reconhecimento FOX 1101 [PEL REC FOX 1101], uma unidade formada no Regimento de Cavalaria 8, de Castelo Branco. O contingente do PREC 1101 cumpriu a sua comissão entre 12Mai66 (chegada a Bissau) e 17Jan68 (regresso a Lisboa). Sobre a História desta unidade não foi possível obter qualquer informação, apenas sabemos que os seus dezanove meses de missão foram passados em Aldeia Formosa.

De referir que a morte do condutor Júlio Fernandes ocorreu oito meses e meio depois da primeira baixa registada pelo Pel Rec Foz 1101, pelos mesmos motivos, como foi o caso do soldado Arnaldo Augusto Fernandes Clemente, natural da freguesia de Chacim, Município de Macedo de Cavaleiros, Bragança. Esta verificou-se no decurso de uma coluna militar, no itinerário entre Aldeia Formosa e Cumbijã (P20576).

Quanto à CCAÇ 1622 [18Nov66-18Ago68, do Cap Mil António Egídio Fernandes Loja], assumiu, em 18Nov66, a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa, em substituição da CCAÇ 764 [17Fev65-20Nov66, do Cap Inf António Jorge Teixeira (1.º), Cap Inf José Domingos Ferros de Azevedo (2.º) e Ten Inf José Alberto Cardeira Rino (3.º)], destacando um Gr Comb para Cumbijã e, depois, outro para Chamarra, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1861 [23Ago65-17Abr67, do TCor Inf Alfredo Henriques Baeta] e depois do BART 1896 [18Nov66-18Ago68, do TCor Art Celestino da Cunha Rodrigues].

Em 09Fev67, deslocou um Gr Comb para Colibuia, a fim de colmatar a saída da CCAÇ 1488 [26Out65-01Ago67, do Cap Inf António Manuel Rodrigues Cardoso] até à instalação da CART 1613 [18Nov66-18Ago68, do Cap Mil Grad Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz (1.º) e Cap Art Eurico de Deus Corvacho (2.º) e de onde saiu em 28Mai67, a fim de guarnecer, temporariamente, a localidade de Contabane.

Em 18Jun67, após rotação com a CCAÇ 1591 [04Ago66-09Mai68, do Cap Inf Luís Carlos Loureiro Cadete], foi instalada em Mejo, no mesmo sector, com vista à realização continuada de emboscadas e patrulhamentos no corredor de Guileje, em coordenação com a actividade de outras subunidades do sector e onde se manteve até ser substituída pela CCAÇ 2316 [24Jan68-08Nov69, do Cap Inf Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (1.º), do Cap Inf António Jacques Favre Castel Branco Ferreira (2.º), …], em 22Mar68, após o que se deslocou para Bolama, mantendo, no entanto, um Gr Comb em Catió até 16Mai68, em reforço do BART 1896 [18Nov66-18Ago68, do TCor Art Celestino da Cunha Rodrigues].

Após um período de descanso e recuperação em Bolama [vinte e cinco dias], então como subunidade de reserva do Comando-Chefe, foi transferida para Jolmete em 17Abr68, onde substituiu a CCAÇ 1683 [02Mai67-16Mai69, do Cap Mil Cav José Manuel Pontífice Mancoto Monteiro], ficando então integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1911 [o seu, do TCor Inf Álvaro Romão Duarte (1.º), …] e depois do BCAÇ 2845.

Em 05Jun68, foi substituída em Jolmete pela CCAÇ 2366 [06Mai68-03Abr70, do Cap Mil Art Fernando Lourenço Barbeitos], por troca, seguindo para Teixeira Pinto, no mesmo sector, onde se manteve até 22Jun68, colaborando na realização de patrulhamentos, emboscadas e na segurança do aquartelamento. Em 23Jun68, recolheu a Bissau, onde se manteve a aguardar o embarque de regresso.

3.21 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' JOAQUIM CORVO TRINDADE, DA CCAÇ 2446, EM 29.AGO.1969, ENTRE GALOMARO E DULOMBI

A vigésima quarta morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, foi a do soldado Joaquim Corvo Trindade, natural da freguesia e Município de Castro Marim, Faro, ocorrida no dia 29 de Agosto de 1969, 6.ª feira, no decurso de uma coluna militar de reabastecimento, no itinerário entre Galomaro e Dulombi, na qual participava, também, o 3.º Gr Comb da CART 2339 [21Jan68-04Dez69, do Cap Mil Grad Art Arnaldo Manuel Pedroso de Lima (1.º), …], do camarada Carlos Marques dos Santos, falecido em 30 de Dezembro último (P20513).

Este episódio aconteceu três dias depois de uma outra viatura da mesma unidade ter accionado uma mina anticarro na região de Cansissé, na estrada Madina Xaquili-Galomaro, provocando a morte do soldado Fernando Orlando Rodrigues Vasconcelos, natural da freguesia de Santa Luzia, Município do Funchal, Madeira.

O soldado Fernando Vasconcelos e o soldado "CAR" Joaquim Trindade pertenciam à Companhia de Caçadores 2446 [CCAÇ 2446], uma unidade formada no Batalhão Independente de Infantaria 19 [BII19], no Funchal, Madeira [15Nov68-01Out70, do Cap Mil Inf Manuel Ferreira de Carvalho].

Esta unidade "Madeirense" foi colocada no Cacheu, em 04Dez68, a fim de render a CCAÇ 1681 [02Mai67-16Mai69, do Cap Inf Manuel Francisco da Silva], assumindo, então, a responsabilidade do respectivo subsector em 07Dez68, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 2845 [06Mai68-03Abr70, do TCor José Martiniano Moreno Gonçalves] e depois do BCAV 2868 [01Mar69-30Dez70, do TCor Cav Carlos José Machado Alves Morgado], com um Gr Comb destacado em Bachile, desde 29Nov68 a 24Abr69. Em 24Abr69, foi substituída na missão de quadrícula pela CCAV 2485/BCAV 2868 [do Cap Cav José Maria de Campos Mendes Sentieiro], ali colocada anteriormente de reforço, recolhendo temporariamente a Bissau.

Em 01Mai69, foi deslocada para Mansabá, onde se manteve até 20Jun69. Em 21Jun69, seguiu para Bafatá, a fim de assumir a função de subunidade de intervenção e reserva do AGR 2957, tendo sido atribuída em reforço do BCAÇ 2856 [28Out68-01Out70, do TCor Inf Jaime António Tavares Machado Banazol], para a realização de operações na região de Sinchã Jobel e de emboscadas na região de Padada, tendo-se deslocado para Madina Xaquili, en 24Jul69.

Em 28Jul69, foi atribuída ao COP 7, então criado, com vista à realização de emboscadas e batidas na região de Cansissé/Madina Xaquili/Duas Fontes, estacionando em Dulombi a partir de 31Jul69, permanecendo dois Grs Comb em Madina Xaquili.

Em 19Ago69, o comando e um Gr Comb foram deslocados para Galomaro, continuando dois Grs Comb destacados em Madina Xaquili e Dulombi, respectivamente até 05Nov69 e 23Nov69. Em 07Nov69, a subunidade assumiu a responsabilidade do subsector de Cancolim, então criado com a entrada em sector do BCAÇ 2861 [11Fev69-07Dez70, do TCor Inf César Cardoso da Silva (1.º) e TCor Inf João Polidoro Monteiro (2.º)] e respectiva reformulação de limites de zonas de acção do AGR Leste, tendo transferido para aquela localidade a sua sede em 16Nov69 e guarnecido o destacamento de Sanguê Cambomba, a partir de 23Nov69.

Em 30Jun70, foi rendida no subsector de Cancolim pela CCAÇ 2699 [01Mai70-20Mar72, do Cap Mil Art João Fernando Rosa Caetano], por troca, tendo-se deslocado, por fracções, para o sector de Bissau, em 28Jun70 e 02Jul70, assumindo então a responsabilidade do subsector de Brá (Bissau).


Mapa da região de Bafatá e do subsector de Galomaro por onde circulou o contingente da CCaç 2446 (Madeirense) durante um ano (Jun'69-Jun'70).

Entretanto, e em face do particular agravamento da situação na zona de Pirada, foi atribuída, temporariamente, ao COP 1 em reforço dos efectivos na área, em 17Jul70, com vista a garantir a defesa de Pirada e povoações de Sissancunda, Goler e Deabugu, ali permanecendo até à chegada da CART 2762 [20Jul70-17Jun72, do Cap Art Fernando Manuel Gomes da Silva Malha], em 26Jul70, após o que regressou a Bissau, permanecendo em Brá até finais set/70.

Pela análise à síntese operacional da CCAÇ 2446, constata-se que o episódio que vitimou o soldado "CAR" Joaquim Trindade ocorreu um mês após o estacionamento da sua unidade em Dulombi.


Um dos elementos que esteve envolvido neste doloroso acontecimento foi o nosso camarada ex-Fur Mil Art Carlos Marques dos Santos (1943-2019), da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69) [imagem ao lado]. Sobre esta ocorrência, a nossa testemunha ocular conta-nos o que presenciou (P9340):

"Um mês a feijão-frade, sem banho e sem muda de roupa, em Mondajane (Dulombi-Galomaro), de 27 de Agosto a 27 de Setembro de 1969, a menos de três meses do fim da comissão, onde estive com o meu pelotão em reforço do sector de Galomaro/Dulombi, mais propriamente em Mondajane. (…)

"A 27Ago69 foi recebida a notícia de que íamos para Galomaro, em reforço da CCAÇ 2405 [30Jul68-28Mai70, do Cap Mil Inf José Miguel Novais Jerónimo]. No dia seguinte (28), saímos e chegámos cerca do meio-dia com indicação de que iríamos para Mondajane, a seguir a Dulombi, o que não aconteceu nesse dia mas sim no dia seguinte (29). No cruzamento para Dulombi rebenta uma mina na GMC que segue à minha frente (nós íamos apeados, fazendo a segurança à coluna que integrava uma nova Companhia em treino operacional e que era de madeirenses, a CCAÇ 2446, a cerca de 15/20 metros, destruindo a sua frente.

"O resultado desta explosão foi um morto (desintegrado) [António Camacho da Silva, natural da freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, Município de Câmara de Lobos, Madeira] e um ferido (condutor) [Joaquim Corvo Trindade] que faleceu nesse dia. Esta mina rebentou a cerca de 12 metros de mim e felizmente nada sofri. O soldado, pela acção da mina, desintegrou-se, literalmente. Bocados desse soldado, o relógio, roupa, etc., ficaram agarrados à árvore. Impossibilitados de prosseguir fomos para Dulombi com os reabastecimentos. Aí fomos informados que deveríamos seguir a pé para Mondajane (a sudoeste de Dulombi), que atingimos e onde nos instalámos." (…).

Em comentário à narrativa do Carlos Santos, publicada no P9340, Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ
3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/1974) refere:

"A minha companhia foi render a CCAÇ 2700 [01Mai70-22Mar72, do Cap Inf Carlos Alberto Maurício Gomes], no Dulombi, em Janeiro de 1972 (…). Passado aquele tempo todo [dezasseis meses], um pouco a seguir ao cruzamento da picada entre Galomaro e Dulombi, com a picada para Mondajane, ainda existiam vestígios nas árvores dessa mina A/C que tu referes. A tabanca de Mondajane terá sido abandonada, após uma forte ataque do PAIGC já em 1970".

Continua …
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Fontes Consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.
31Jan2020
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sexta-feira, 14 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19890: Notas de leitura (1186): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (10) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2019:

Queridos amigos,
Aqui se fala de quem morre e a inquietação de comunicar a perda para muito longe ou para muito perto. Vivi uma experiência que ainda não dou por terminada. Em 16 de outubro de 1969, em Ganturé, no regulado do Cuor, uma mina anticarro espatifou um Unimog 404, deixou-me imediatamente o condutor, Manuel Guerreiro Jorge, natural de Monte da Cabrita, Santana da Serra, Ourique, moribundo, foi um sofrimento que se arrastou por horas, exalou o último suspiro em Finete, o médico, David Payne Pereira, nada pôde fazer, os seus órgãos vitais tinham entrado imediatamente em falência aquando da explosão que deflagrou principalmente do seu lado.
O importante é que escrevi para o Sr. Jesuíno Jorge, procurei abafar quanto o moribundo penou, relevando as qualidades do jovem e a consternação que deixara. Imediatamente na volta do correio era-me feito um pedido terrível, descrever ao pormenor todas as vicissitudes daquela morte. O que, como se compreende, não fiz, andei à volta deixando a promessa, não cumprida, de que um dia o iria abraçar no Monte da Cabrita, esse desgosto ninguém mo tira. E aprendi igualmente que esta necessidade descritiva é muito mais universal do que eu pensara. Já em Lisboa, de visita à mãe do meu maior amigo, que morrera em Mocímboa da Praia, também ela mostrou saber todos os pormenores que antecederam a sua partida deste mundo. Continuo a ignorar o que nos leva a querer saber ao pormenor como o nosso ente querido morreu, será que encontramos alívio na aproximação, nesses últimos momentos de vida. Penso que nunca encontrarei resposta, mesmo depois de tudo quanto li e ouvi.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (10)

Beja Santos

“António dos Santos Alberto,
Conto o que me aconteceu
Foi a primeira emboscada
Que a Companhia sofreu.

A minha saída primeira
foi dia 9 de Setembro.
A hora é que não me lembro,
mas foi numa segunda-feira
o meu amigo Teixeira
disse tudo está bem certo.
Mansabá está bem perto
da pior zona dos malvados,
pois passou uns maus bocados
António dos Santos Alberto.

O comer é bem ruim
e a água é pouca também.
Não desejo isto a ninguém,
acreditem que é assim!
Tudo isto para mim,
o coração me comoveu.
O pessoal uma vez não comeu
pela demora dos cozinheiros,
eu mais que os meus companheiros
conto o que me aconteceu.

O amigo quinhentos e três
do Jeep não desceu.
Não sei como não morreu
o Farinha desta vez.
Foi a 16 deste mês,
num dia de trovoada,
caminhando pela estrada,
a seguir à serração,
jogámo-nos todos para o chão:
foi a primeira emboscada.

Íamos nós capinar
de manhã até ao meio-dia
e aquela patifaria
só nos queria era matar.
Estavam-nos sempre a espiar
mas a gente não se rendeu.
Um caso triste se deu:
na quadra seguinte contarei
todas as coisas que sei
que a Companhia sofreu.”

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O trovador regista nestes primeiros tempos de comissão a aspereza da adaptação, as perdas humanas, o insólito da emboscada, a comida enfadonha. O que me remete para um livro bastante singular no panorama da literatura da guerra. António Loja, que teve atividade política na Região Autónoma da Madeira e foi professor do ensino secundário, comandou a CCAÇ 1622, em local duríssimo do Sul da Guiné. Muitos anos depois do regresso, gerou uma atmosfera, no dia-a-dia do ambiente hospitalar, onde estava em pós-operatório de uma cirurgia no Hospital de Coimbra, terá o sono ressuscitado, nas pessoas que ia encontrando nos corredores, os seus companheiros de combate, europeus e africanos, mas também homens, mulheres e crianças com quem conviveu naqueles eremitérios. Quando reeditou “As Ausências de Deus” na Âncora Editora, em 2013, convidou-me a apresenta-lo, o que fiz com imensa satisfação, relevei que alguns destes parágrafos irão fazer obrigatoriamente parte de qualquer antologia que se venha a escrever sobre a guerra da Guiné, é intensíssima a carga emocional da recuperação da sua memória: aqueles dois amigos que andaram juntos na escola, que foram recrutados no mesmo ano, destacados para a mesma unidade, quase dois gémeos típicos que caíram juntos e que depois foram enviados às suas famílias em dois caixões que viajaram no porão do mesmo navio e que depois foram enterrados no mesmo cemitério, nos arredores de Barcelos; o Roncolho, um herói improvisado que um dia gritou “Ai minha mãe!” lá numa emboscada e a quem o capitão teve de dar uma estalada e que estupidamente morreu na véspera da partida, atropelado para os lados do aeroporto; as queixas da dobrada liofilizada, dos coronéis incapazes, dos momentos de depressão que assaltam toda a gente…

Oiçamos António Loja e os seus dons narrativos:
“Quando estava na guerra os primeiros soldados que morreram foram europeus. Sentíamos evidentemente a dor de ver desaparecer jovens de vinte anos, mas participar a sua morte aos seus pais ou suas mulheres era tarefa que ficava a cargo das autoridades das suas terras de residência. Para além de um processo burocrático em que se descreviam as condições em que ocorrera a morte, de colocar o corpo num caixão e enviá-lo para Bissau a fim de ser transferido para a sua terra nada mais restava ao comandante de Companhia para além de dizer duas palavras aos outros soldados na formatura da manhã e extrair da ocorrência os ensinamentos úteis para evitar a sua repetição.

Com os soldados nativos a situação era diferente. As suas famílias viviam na aldeia, junto ao quartel, e sabia ter de enfrentar a situação se houvesse algum desastre com um deles. E foi precisamente o que aconteceu quando Mutaro Jau, filho do chefe da aldeia, um velhote trémulo e débil de nome Suleimane Jau, morreu no cruzamento de Guileje. Carregámo-lo em padiola durante todo o percurso de regresso.
Quando chegámos à vista da aldeia mandei Umarú Julde Jaló, o meu temperamental guarda-costas, avisar o chefe da aldeia que queria falar com ele. Encontrámo-nos à porta do quartel-aldeia e ele estava na expetativa de qualquer coisa fora do comum. Disse-lhe, sem rodeios:
- Suleimane, o teu filho morreu em Guileje.
O homem olhou-me de um modo que nunca me permitiria descobrir se tinha ficado em estado de choque ou se representava o papel que lhe fora destinado no teatro da vida:
- Vontade de Deus, nosso capitão, vontade de Deus.
‘A vontade de Alá é infinita! Só Alá é nosso Deus! Seja feita a vontade de Alá!’. São assim os muçulmanos.
Mas será esta fé tão infinita e inesgotável? Dois meses depois, um rapazinho que em Guileje pediu para vir no carro da tropa que escoltávamos de volta a Mejo foi derrubado por um tiro durante uma emboscada inimiga.
- Quem é ele? - Perguntei eu.
- É filho do chefe de Mejo, respondeu-me Umarú, então presente, assumindo de modo pleno a sua função de meu guarda-costas.
- Quando chegarmos à aldeia vai chamar o chefe para falar comigo.
- Sim, meu capitão.

Encontrámo-nos, mais uma vez, à porta da aldeia e ele mostrou-se de novo na expectativa de qualquer coisa inesperada. Disse-lhe, ainda sem rodeios:
- Suleimane, o teu filho morreu na emboscada.
Desta vez a fé pareceu fraquejar. Deus estava ausente… O homem ficou com os olhos espantados, em evidente estado de choque. Não houve palavras, nem de fé nem de desespero, mas duas lágrimas grossas correram-lhe pela face negra e rugosa. Abracei-o.”

“As Ausências de Deus” também levantam o delicado problema da arbitrariedade das fronteiras impostas à Guiné-Bissau. António Loja viu o irreparável e destaca a intensidade das tensões desses retalhos arbitrários:
“Sambele, régulo de Contabane, no Sul da Guiné, tinha das fronteiras uma visão mais coerente que o comum dos chefes políticos africanos. E agia em conformidade, provocando embaraços políticos nas instituições internacionais, mais interessadas em manter o status quo já tornado única possibilidade de gestão do difícil problema mas que continua a levantar atritos insanáveis entre a lei tradicional e a tradição. Feito tenente pelo Exército Português, Sambele vestia sempre a sua farda de caqui amarelo e ostentava sobre os ombros a insígnia do seu posto, tinha a vantagem de lhe permitir juntar a autoridade tradicional do régulo ao prestígio de partilhar com a potência colonial, aos olhos do seu povo, uma fração da força que aquela representava.
Para nós, a ‘sua’ zona terminava na fronteira que acordáramos com os franceses, talvez setenta ou oitenta anos atrás, enquanto, para ele, a ‘sua’ zona era a do regulado tradicional, que se estendia mais para Sul, muito para além da aldeia de Mampatá Bacirgo, limite que tínhamos a preocupação de não ultrapassar. Do outro lado da fronteira vinham ataques dirigidos aos nossos aquartelamentos e às aldeias nativas. Defendíamos aqueles, enquanto Sambele e os seus caçadores nativos, a quem entregáramos uniformes camuflados e centenas de espingardas Mauser do nosso exército, cuidavam da defesa das aldeias, a que acorríamos sempre que necessário, prosseguindo os atacantes até à linha da fronteira. Para ele, o ‘seu’ território estendia-se por todo o Sul do Forreá e alcançava uma larga fatia da Guiné Conacri, pelo menos até Boké. E agia em conformidade. Pouco antes da minha chegada à Guiné fizera uma incursão no território vizinho, um ataque a algumas aldeias do seu regulado, manifestamente na Guiné Conacri.
Falei a Sambele e tentei convencê-lo a abandonar as suas reivindicações àquele território, ele replicou:
- Meu capitão, não tenho culpa que português e francês tenham feito fronteira no lugar errado. Regulado do meu pai ia muito mais longe. E eu vou lá para mostrar a minha autoridade. Assim, meu povo que vive para lá da fronteira aprende a não vir para a nossa Guiné matar nossas mulher e atacar quartel das nossa tropa”.

António Loja é admirável neste transcurso memorial, a partir de um pós-operatório, em Coimbra. Tão impressivo, e tão conhecedor daquilo que nós vivemos e que o bardo Santos Andrade aqui dedilha que a ele voltaremos numa próxima oportunidade.

(continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 7 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19869: Notas de leitura (1184): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (9) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 10 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19878: Notas de leitura (1185): “As Papaias da Guiné”, por António Coelho Ferreira; Chiado Books, Agosto de 2018 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19821: Notas de leitura (1180): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (7) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
O nosso bardo Santos Andrade fixou a data da entrada nas hostilidades, 11 de agosto de 1963. De novo, o tema da comida, a chegada da monotonia e insipidez alimentares. E o espectro da flagelação e a saída para operações.
Valeu-nos para Companhia um confrade que legou à literatura da guerra uma verdadeira gema, "Vindimas no Capim", o Zé Brás, que fez longa permanência no Sul. Aqui temos a impressiva descrição da viagem pela noite fora até Buba, as safadezas da cantina, da messe e do bar, as desconfianças da roubalheira, de quem se abotoava com as vendas debaixo da mesa, e o primeiro embate, o inesquecível primeiro embate, de pesadelo, de um morto que não deu pela morte e de outro que suplica ver o seu filho, que não chegou a conhecer. Parece-nos boa companhia para esta entrada em funções da CCAV 488.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (7)

Beja Santos

“Algum tempo se passava
a luta começou
E no dia 11 de agosto
a 488 alinhou.

Com as marmitas na mão,
nós fazíamos grandes bichas
comendo arroz com salsichas
e sopa de macarrão.
Com esta alimentação
o pessoal não aguentava
e o vague-mestre não gostava
de dar de comer com muito azeite.
Bebendo café com pouco leite
algum tempo se passava.

Ao Sul foram dois pelotões
da 1.ª e 3.ª Companhia.
E como o António José dizia
só comiam rações.
Sofreram muitas aflições:
o Matias também as passou;
o Aníbal Joaquim chegou
a comer carne só com sal.
Com fome na guerra afinal
a luta começou.

Fartaram-se de sofrer
nesta maldita saída.
Já diziam mal da vida
quando não tinham que comer,
pois eles tinham que se defender
com a sua arma ao rosto.
Chegava a hora do sol-posto,
começava a pancadaria
E ao norte saiu o Joaquim Maria.
No dia 11 de agosto.

Ordenou o capitão
a toda a rapaziada
que nesse dia de madrugada
tinham que ir para a missão.
Juntam os comandantes do pelotão
e o que iam fazer lhes contou.
E a dois colegas meus calhou
a saída desta vez.
E no dia 11 deste mês,
a 488 alinhou.”

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Há o desembarque, a instalação precária, a viagem para uma unidade ou para o desconhecido, a descoberta das amarguras do rancho, as primeiras operações. Vai-nos servir hoje de guia José Brás e o seu esplêndido “Vindimas no Capim”, Prémio de Revelação de Ficção 1986 da Associação Portuguesa de Escritores:
“… E lá se foi Lisboa, agora longe outra vez, e eu de novo ali na Guiné, na noite anterior a bordo de navio de transporte de tropas Niassa a ver ao longe as luzes de Bissau; a noite toda numa LDG a navegar rios acima por essa Guiné adentro, só com o ruído do motor do barco e a mata adivinhada no escuro das margens, ora longe, ora perto, às vezes tão perto que quase roçavam os bordos da lancha; a manhã vermelha nas copas do matagal; a metralhadora 12,7 na proa, lança-rockets, morteiro 60, tudo a postos no barco a cargo dos fuzileiros. O pessoal da Companhia de Caçadores 1622 era ainda uma excursão, turistas cheios de curiosidade.
E por volta da uma da tarde, Buba!
Ao longe pareceu-nos um bairro de lata. O Prior Velho. O rio era a autoestrada do Norte e o barco a carreira dos Claras a caminho de Lisboa.
As barracas iam crescendo e já se viam braços no ar à beira do espelho da estrada; um amontoado de troncos a entrar na largura da rota, em forma de cais, e uma mancha a alargar-se, a mexer-se, a gritar. A mancha definia-se, tomava forma, decompunha-se em formas, em gestos… Já se distinguia uma palavra ou outra no emaranhado de berros e de gritos, da beira da estrada, agora de novo a armar-se em rio, para o barco dos fusas, para o Niassa, que estava em Bissau à espera, para o Cais da Rocha, onde outra mancha havia de esperar o que restava destes dois anos”.

Passemos agora, sempre pela mão de José Brás, pelas tremendas questões da cantina, ele vai falar da sua experiência de gerente de bar:
“No início, o batalhão de que dependíamos informara-nos de que deveríamos apresentar balancetes mensais de gerência. O Capitão Velez sugeriu-me que fizesse dois balancetes, um falso, para o batalhão, e um real, para nosso governo.
Queria ele que o batalhão apresentasse saldo pequeno. No fim dos 20 meses não havia de facto, cem contos de lucro, mas apenas dezassete. Espantado fiquei eu quando, no último dia de Guiné, mesmo na véspera do embarque, já com as contas todas fechadas e entregues na respetciva repartição em Bissau, o primeiro-sargento da Companhia me pediu as contas do bar que tínhamos fechado dois meses antes, com os tais dezassete contos de saldo positivo, e que ele conhecia melhor do que ninguém.
No barco ainda tentaram, ele, o capitão e dois alferes, na noite da chegada a Lisboa, até de madrugada, no camarote do Velez, apertar comigo. O único pilim que tinha era o que o Estado depositava mensalmente na minha conta do banco da vila, e com esse contava eu para me aguentar nos primeiros tempos de vida nova”.

E há descrição do primeiro contacto, andava por lá a ceifeira da morte:
“A granada de bazuca, ou de lança-rockets, irá explodir contra uma árvore atrás do bagabaga onde estará abrigado e semeará estilhaços nos corpos todos que ali estarão contraídos de medo. A sementeira é rápida e os frutos brotam de imediato. A terra é virgem e a floração, vermelha e lasciva, salta e alastra em borbotões.
A semente que coube ao Madeirense levou-lhe metade da cabeça num golpe de mágica. Num segundo era uma cabeça normal, cara de fuinha, barba rala, olhos assustados… Um segundo depois já lá não estava tampa, cortadinha assim, pela testa, num golpe a descer para a base da nuca, junto ao pescoço, atrás.
Ao Barcelos, a sementeira abriu-lhe buraquinhos no peito e na barriga. Esse deu pela morte. Levou aí uma hora a esgotar-se, às costas dos companheiros na fuga para o quartel. O perigo da proximidade dos guerrilheiros proibia-lhe os berros de dor, obrigando-nos a enfiar-lhe na boca um rolo de ligaduras.
Para evitarmos as minas na picada, dois soldados, um negro e um branco, abriam mata à faca e os ramos fustigavam-nos e fustigavam o Barcelos, destapando-lhe as brechas da barriga. Nos altos pousávamos o Barcelos no chão e viam-se-lhe dois nós na cara, um de cada lado, logo abaixo das patilhas, e rolos de lágrimas a misturarem-se com suor:
‘- Aguenta-te, pá! Aguenta! Aguenta, que os sacanas andam aqui perto à nossa volta e se nos agarram nesta mata de merda fodem-nos a todos!’.
O alferes Vilar tentava suster o desânimo do soldado e escondia-lhe a sua própria angústia e as lágrimas a saltarem-lhe dos olhos vermelhos.
‘- Não quero morrer! Quero ver o meu filho!’.
‘- Aguenta, pá! Os gajos estão aqui perto, a cinquenta metros. As rajadas são para ver se a gente responde’.
‘- O meu filho! Morro e não vejo o meu filho!’
Pelo canto da boca saía-lhe um leve fio de sangue.
‘- Não morres nada, pá! Estás a aguentar bem! Ânimo! É só mais um quilómetro!’.
O Barcelos cansou-se daquilo muito antes do helicóptero e não houve forma de o convencer a ficar connosco”.


(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 17 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19797: Notas de leitura (1178): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (6) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19807: Notas de leitura (1179): “Colóquio sobre Educação e Ciências Humanas na África de Língua Portuguesa”, Fundação Calouste Gulbenkian (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18215: Notas de leitura (1032): “Uma Estrada para Alcácer Quibir”, por António Loja; Âncora Editora, Dezembro de 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
É com satisfação que saúdo o regresso de António Loja, autor de uma obra memorável e referência obrigatória da literatura da guerra da Guiné, "As Ausências de Deus".
Regressa com lembranças pícaras, desvelando episódios ridículos da nomenclatura militar, obrigatoriamente regressa ao corredor de Guileje e ao quartel de Mejo, aos 83 anos lá estão as memórias em carne viva.
António Loja é o exemplo acabado quando ao dever de memória, com o filtro da idade apuram-se lembranças eivadas de ternura e mantem-se hasteada a bandeira do companheirismo, neste caso é incansável a tecer louvores ao bando de irmãos da sua companhia operacional que foi do Forreá até ao Jolmete, percorrendo a estrada para Alcácer Quibir.

Um abraço do
Mário


O regresso de António Loja e o seu bando de irmãos

Beja Santos

Devemos a António Loja um dos livros mais impressivos, compassivos e inspiradores da literatura da guerra da Guiné: "As Ausências de Deus"; Âncora Editora, 2013[1]. Reincidente, temo-lo de volta com “Uma Estrada para Alcácer Quibir”; Âncora Editora, Dezembro de 2017. Desta feita, temos um rossio estuante de recordações de alguém que cumpriu por três vezes o serviço militar obrigatório, em todas essas etapas lhe assaltam a memória episódios pícaros, brutais e de grande companha. Em dado passo, ruminando sobre a guerra, ele escreve:
“Foi então que comecei a pensar em como seria constituído esse exército que preparávamos para combater na segunda batalha de Alcácer-Quibir. Tínhamos todo um país para mobilizar: do Minho ao Algarve, dos Açores à Madeira, de Cabo Verde à Guiné, de Angola a Moçambique, da Índia, de Macau e Timor, emigrantes dispersos pelo Brasil, África do Sul e Venezuela, por Paris e Bruxelas, pela Alemanha e pelo Luxemburgo; cavadores de enxada e tratoristas, condutores de autocarro e carteiristas, distribuidores de jornais e engenheiros civis, economistas e médicos, enfermeiros e amanuenses, contabilistas e feirantes, licenciados em Filosofia e Matemática, mas sobretudo muitos analfabetos.
E foi assim que partimos para África, cada um com a sua espingarda, alguns com um morteiro ou com um lança-granadas, outros mais sofisticados levaram um tanque ou um avião ou mesmo um helicóptero. Todos eles fizeram parte da força armada que combateu na segunda batalha de Alcácer-Quibir, travada entre os anos de 1961 e 1974”.

E assim se vão desenrolando episódios da sua passagem pelo RI 14, em Viseu, estávamos em 1961, coube-lhe organizar os serviços da secretaria, ali lhe apareceu o Francisco Esteves que se oferecia como voluntário, o alferes quis saber mais sobre o motivo, era bem prosaico: “É que eu casei-me há três meses e já não aguento a minha mulher. Estou farto dela e prefiro ir para a guerra”. Temos cenas dos pequenos poderes daqueles majores que comunicavam abruptamente quem era mobilizado, até ao dia em que foi bem ensinado. Vem a talhe de foice referir um telegrama que assim rezava: “Informo V. Exa. que se encontra ao dispor dessa unidade no Depósito Geral de Material de Guerra um equipamento M-201, que deve ser levantado, mediante requisição, nas próximas 24 horas”. No topo da hierarquia, para não dar parte fraca, despachou-se para baixo e a certa altura houve um sargento que quis resolver o transcendente problema do equipamento M-201, requisitou-se uma GMC, daquelas que tem 10 pneus e bebe 100 litros de gasolina aos 100 quilómetros, lá foi com um condutor com uma escolta de um cabo e seis soldados até ao Entroncamento. Ninguém tivera a veleidade de fazer um telefonema para saber o que era esse M-201. A GMC e a escolta regressaram com uma embalagem ridícula, era um vulgar filtro para a água.

Estamos agora na Guiné, o autor comanda a CCAÇ 1622, que esteve em Mejo e acabou no Jolmete, passou também por Aldeia Formosa e Teixeira Pinto. Recorda aquelas operações em que se tinha que passar a vau vários braços de rios, sentindo a sucção do lodo e quando se chegava a terra firme era-se recebido com uma tempestade de fogo. A missão, daquela vez, era atingir Chinchin-Dari, ali perto do corredor de Guileje. Emboscadas não faltaram, reagiu-se como se pôde, pediu-se apoio aéreo, houve que dar uma estalada a quem gritava a plenos pulmões: “Ai! Minha rica Nossa Senhora do Sameiro, vamos todos pró caralho”. E o antigo capitão de Mejo recorda: “Nem todos fomos para o caralho. Regressámos ao quartel com três mortos e sete feridos, carregados penosamente pelos sobreviventes, ao longo de 20 quilómetros de mato e lama”.

Porquê bando de irmãos? O autor dá a seguinte justificação: “Assim designa Shakespeare na peça Henrique V que os homens de armas que à volta do rei se associam na aventura da missão comum. Juntos correm perigos idênticos e juntos se apoiam no encontro de soluções para os problemas que enfrentam, alternando derrotas com vitórias, batendo-se cada dia com a morte. Na luta sentem-se solidários. Na solidariedade descobrem-se irmãos”. E o autor justifica-se que é o capitão do bando de irmãos, que andou por terras do Forreá, percorreu o corredor de Guileje à procura de Balantas e cubanos, deslocou-se ao longo das margens do Geba e do Cacine. E explica-se melhor: “Três meses depois de terminado o treino operacional, com deslocações a Santa Margarida e a Lamego, eis-nos embarcado no navio Uíge que nos deixou em Bissau e logo transferidos numa LDG para Buba e daí rapidamente recambiados por terra para Aldeia Formosa, onde nos instalámos para uma estadia que se prolongou por nove meses até sermos transferidos para Mejo, mais conhecida na gíria militar por colónia penal”. A soma de tudo isto eram ataques quase diários dirigidos contra o quartel, o isolamento da instalação militar que no flanco do corredor de Guileje tinha as suas deslocações por terra frequentemente emboscadas. Foi assim que se forjou o bando de irmãos naquela companhia operacional com cerca de 170 homens.

Peripécias vividas nas operações é coisa que não falta neste polifacetado registo de memórias, desde a tormenta das formigas das emboscas noturnas, o terror dos crocodilos, o cão Guileje que espetava as orelhas quando sentia no capim a presença hostil dos guerrilheiros, e não esqueceu o mais imprevisto dos ferimentos:  
“Foi uma refrega rápida. Saltámos dos carros e, lançados ao longo da picada, ripostamos com o mesmo entusiasmo da noite anterior. Entretanto, ainda rastejando e metralhando do capim onde se escondiam os guerrilheiros, senti que tinha sido atingido numa coxa depois do rebentamento de uma granada.
Chegado ao quartel chamei Brado, o sempre diligente e eficaz furriel enfermeiro, para ver o que havia na coxa que ainda sangrava. O homem desinfetou a área e fez uma incisão ligeira com o bisturi para extrair o suposto estilhaço de granada. Surpresa! Enquanto rastejara sobre o rico solo da Guiné, uma formiga furara o camuflado e, encontrando um menu mais apetitoso, começara a perfurar um túnel e iniciara a caminhada para dentro do meu corpo. O bisturi retirou-a a tempo”.

Por vezes o rossio estuante de recordações começa numa história recente e chega rapidamente à Guiné. Foi o caso de naquela conversa se falar numa antena que ia ser colocada num edifício para melhorar a rede de ligações telefónicas, logo se falou de uma antena existente nos CTT de Chaves que servia de refúgio a milhares de estorninhos. E assim se volta ao passado:  
“Disse-lhe da minha profunda emoção ao presenciar em Bolama, na antiga colónia da Guiné, um espetáculo em todo idêntico, não com estorninhos mas com morcegos que todos os dias se deslocavam aos milhares entre Bolama e a mata densa na outra margem do rio, no momento do pôr e do nascer do sol. Porque esta é uma das mais comoventes manifestações da natureza que guardo da minha passagem por aquele território guineense”.

É de saudar o regresso de António Loja à Guiné, aos 83 anos ainda está firme no seu posto de capitão daquele bando de irmãos, um exemplo para todos nós.
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Notas do editor:

[1] - Vd. postes de:

27 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6477: Notas de leitura (112): As ausências de deus, de António Loja (1) (Mário Beja Santos)

28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6483: Notas de leitura (113): As ausências de deus, de António Loja (2) (Mário Beja Santos)
e
30 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11993: Notas de leitura (515): "As Ausências de Deus", por António Loja (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 12 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18203: Notas de leitura (1031): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (17) (Mário Beja Santos)