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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14275: (Ex)citações (261): Uma coisa posso dizer com clareza: o povo guineense é um povo digno de admiração (Manuel Joaquim, membro da ONGD Ajuda Amiga)









Fonte: Solidariedade - Para Amizade Sovieto-Africana, boletim de informação, agência Novosti, 8, 1969, p.4. (Material apreendido ao PAIGC em Nhacobá,. Região de Tombali, Guiné, em maio de 1973 (*).. Coleção de António Murta [ex-alf mil inf , Minas e Armadilhas, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74]

Foto: © António Murta (2015). Todos os direitos reservados [Edição de CV]



Sintra > Azenhas do Mar > Setembro de 1977 > Adilan, o menino balanta-mané que o Manuel Joaquim trouxe da Guiné em 1967 e que criou como se fosse seu filho... Aqui,com as suas "manas"... Hoje, o José Manuel S. C., com 54 anos, casado, pai de filhos, é cidadão português e está plenamente integrada da sua segunda pátria.

Foto: © Manuel Joaquim  (2010). Todos os direitos reservados.



Cascais > Janeiro de 2011 > Quando fez 50 anos, em 12 de janeiro,  o Adilan [, José Manuel S.C....] com as suas "manas", não de sangue mas de afeto... Uma belíssima história, já aqui contada e recontada, e que na começa num operação militar ao Morés (**)...

Foto: © Manuel Joaquim  (2011). Todos os direitos reservados.



1. Comentário de Manuel Joaquim (***) [, membro da ONG Ajuda Amiga,  ex-fur mil  armas pesadas, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67; padrinho do "Adilan, nha minino";  professor do ensino básico, reformado; por todas as razões, talvez o camarada da Tabanca Grande que menos de lições precisa de dar e receber  em matéria de afetos lusoguineenses...]

Vamos aos afectos, queridos camaradas da Guiné! (Veem como estou afectuoso?) Falo por mim que de afectos é o que mais preciso agora, neste momento de opinar.

Isto de levar a dianteira em matéria de afectos será complicado de gerir pelos sujeitos da afeição:"Quero lá eu saber se aquele chegou em 1º ou em último lugar; agrada-me é que gostem de mim, o resto é lá com eles".

Bem, não dirão nada pois não terão conhecimento desta tão agradável notícia, digo eu.

O objectivo é saber se há uma relação afectuosa entre alguns (muitos, poucos?) portugueses e os guineenses. Porque entre os dois conjuntos, "povo português" e "povo guineense", duvido que alguém consiga avaliar essa relação. E penso que, a ser avaliada, não obteria uma posição de relevo se comparada com a de outros povos ditos amigos da Guiné-Bissau.

É verdade que tenho afeição ao povo guineense mas este inquérito não é sobre afectos individuais.
Começo já por dizer que concordo totalmente que "em matéria de afectos e em relação aos guineenses, levamos a dianteira ....". 

Mas agora me pergunto: Qual a posição nessa dianteira? Encostados, mais ou menos perto ou muito à frente do segundo lugar?

Não sei responder. Russos, chineses, cubanos, suecos, etc.etc., actuaram na guerra colonial em favor do povo guineense?

Aceitando a linguagem política da questão, digo que sim, que actuaram na retaguarda, na formação militar e ideológica e na logística da guerra do PAIGC, alguns a participarem directamente nos combates (quase só cubanos).

Ajudaram sob o signo da amizade? Ajudaram, sim. Mas não o fizeram só pela amizade (ficava-lhes caro demais). 

As «Associação de Amizade X - Guiné-Bissau», (sendo, por exemplo, X o nome de um dos países ajudantes) parecem querer dizer que sim mas a Amizade" talvez seja o último dos objectivos a atingir pelos parceiros da Guiné-Bissau. Há outros, económicos e estratégicos, mais importantes e prioritários. De resto a chamada "amizade entre os povos", notariada em cerimónias diplomáticas, é quase sempre fantasia para uso político-económico, onde os afectos não contam.

Na dianteira dos afectos vão os portugueses. Acredito, mas até quando?

Afinal o que é que nos liga à população guineense, qual foi o "cimento" e o adubo desses afectos?
Penso que o "cimento" foi a guerra colonial e o adubo tem vindo a ser distribuído desde o início da guerra. Mas não podemos equiparar à realidade actual o grau afectivo das relações entre muitos dos antigos combatentes portugueses e a população guineense com quem conviveram. E é o que pode acontecer quando se escrutinarem os resultados desta consulta, pois quer-me parecer que haverá gente a responder pensando "particular" (em si) e não "global".

Esta afectividade ainda existente, não sei em que grau, deve muito aos afectos nascidos durante a guerra e presentes na memória de muitos dos participantes nessa guerra ainda vivos, combatentes ou não, militares ou civis.

Mas o tempo não perdoa. Muitos dos usuários dessa memória, a maior parte deles guineenses, já morreram. Por isso não acredito que os laços afectivos se tenham vindo a fortalecer apesar de não ser difícil encontrar notícias de afectividades recentes resultantes dos contactos de cidadãos portugueses que têm visitado a Guiné nos últimos anos. Tenha-se em atenção que muitas destas afeições são interesseiras, só existem no discurso: "a necessidade aguça o engenho!".

Creio que esta relação afectiva não é igual de parte a parte. Será mais forte do lado guineense do que do lado português. O desenrolar da vida política, social e económica da Guiné tem sido um desastre desde a sua independência. Como não admitir que o povo sabe fazer comparações sobre a sua situação entre os tempos de antes e o pós-independência?

 Afinal o que é que liga à Guiné, afectuosamente, muitos dos antigos combatentes portugueses?
Será a recordação dos tempos difíceis e das situações aflitivas por que passaram, dos momentos de camaradagem, de alegria e de sofrimento, das marcas deixadas pela guerra e que, para o bem e para o mal, não se apagaram?

Serão as memórias da sua juventude passada na Guiné, para muitos deles tempos de muitas dificuldades mas também tempos de revelação de si próprios,  das suas capacidades e do comportamento humano perante o bem e o mal, tempos de descoberta de outros "mundos", de outros lugares, de outro(s) povo(s) com seus usos e costumes?

Será para alguns a lembrança da ternura e da afabilidade sentidas nos momentos de convívio com a população que os rodeava, contrapondo esses consolos aos momentos de tristeza e medo, provocados pela guerra para onde foram obrigados a ir e de onde regressaram (os que regressaram) muito diferentes do que eram quando lá chegaram?

Procurar conviver com a população foi para muitos um objectivo facilmente cumprido pois o povo que os "recebeu" tinha, em geral, um comportamento não conflituoso com os militares. Era mais frequente mostrar afabilidade que indiferença. Sinais visíveis de desprezo seriam raros, o que não quer dizer que não pudessem existir em número mais elevado. Mas também havia sinais de dedicação e de sacrifício no apoio a muitos militares portugueses.

A afectividade ainda hoje existente nasceu de tudo isto?

Os afectos que muitos dos ex-combatentes têm por muitos guineenses poderão assentar nestas recordações de uma terra estranha para onde foram lançados e onde se viram obrigados a situarem-se de modo a lhes ser mais fácil alimentar a esperança de regressarem, vivos e inteiros.

Procurando um ponto de equilíbrio, conscientemente ou não, criaram laços, criaram amigos, "forçaram" relações pessoais e/ou aceitaram de bom grado outras delas, entraram de cabeça, uns, de mansinho e receosos outros. E assim conviveram sem sobressaltos de maior com o povo que lhes rodeava os aquartelamentos.Quem perde a memória feliz daqueles momentos?

 Durante algumas centenas de anos não houve naquela terra qualquer tipo de convívio social de portugueses com a generalidade da população da Guiné. Não me admira nada, os tempos eram outros, a visão centralista europeia olhava os povos africanos não como seus semelhantes mas como seus servidores. Portanto não acuso ninguém.

Não houve convívio mas houve muitos conflitos violentos, guerras mesmo.

Algumas relações sociais existiram mas para permitir acordos de negócios entre as partes, entre o poder colonial, oficial ou particular, e o dos chefes tradicionais locais. Acordos estes que variavam "conforme os ventos".

Outras relações, entre patrões e serviçais, entre dominadores e dominados, "colonos" e "colonizados", estavam assentes em posições de domínio absoluto do mais forte.

O poderem ter acontecido relações afectivas, pontuais e muito limitadas no tempo, no espaço e na sua abrangência, não me leva a dizer que as relações do poder com a população criaram afectos que se foram cimentando no decorrer do tempo. Não se acusa ninguém, há que ter em conta a relatividade histórica na análise do comportamento das sociedades.

Para que serve, então, bater na tecla das relações de amizade com os povos da Guiné, de há 500 anos para cá? Não serve nada, deixemos esta balela para gestão política.

Relações de amizade? Não estou a falar de relações sociais, amigas ou não, entre reduzidos números de portugueses residentes e algumas entidades gentílicas. 

Falo dos afectos resultantes da convivência diária, da partilha de vivências, da aculturação mútua surgida de contactos mais duradouros que foi o que se verificou em muitos lugares durante a guerra colonial de 1963/74.

A ida para a Guiné de tantos militares transportando a diversidade cultural existente na sociedade portuguesa, proporcionou ao povo guineense o ter alguma noção do que é "ser português" (o povo não é burro). Apesar de andarem de armas na mão, estes militares, não se pareciam com os antigos que, há séculos, se vinham sucedendo muitas vezes lançados ao deus-dará e a assumirem o poder colonial sem que para isso estivessem preparados nem mandatados, decididos a serem obedecidos a qualquer preço, na satisfação dos seus caprichos e ambições.

E quanto ao futuro?

Vai havendo bom trabalho, feito por organizações portuguesas e guineenses. Mas é pouco. Sei alguma coisa do que falo. Sabemos, aqui no blogue, de algumas associações e do seu trabalho na manutenção deste ambiente solidário e amigo entre muitas pessoas da Guiné e de Portugal. Convivo regularmente com guineenses, alguns deles antigos militares portugueses.

A base de sustentação dos afectos está, principalmente, nos antigos combatentes na Guiné e em poucos mais. Mas estes poucos mais não são  "pouco", são o sinal de que a solidariedade afectiva não morreu. Na Guiné sucede o mesmo. Há muita gente que gosta dos portugueses mesmo que políticos de serviço tenham algumas vezes afirmado o contrário. A população que conviveu com os militares portugueses não os esqueceu.

Não deixámos más memórias ao povo com quem convivemos. Isto na generalidade pois pode sempre haver "fruta podre nas caixas". Mas o povo não é estúpido em lugar nenhum do mundo, ainda que muita gente o afirme.  E, normalmente, sabe relativizar os acontecimentos, princípio básico necessário à sua sobrevivência com alguma dignidade social.

E uma coisa posso dizer com clareza: O povo guineense é um povo digno de admiração.

Agradecendo a quem se deu ao trabalho de ler todo este meu "discurso" um pouco atabalhoado. (****)

Abraços para todos
Manuel Joaquim
__________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14226: A guerra vista do outro lado... Documentos apreendidos ao PAIGC em Nhacobá em 17 de maio de 1973 - Parte I (António Murta, ex-alf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

(**) Vd. poste de:

 10 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7261: História de vida (32): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 1ª Parte (Manuel Joaquim)

12 de novembro de 2010 >  Guiné 63/74 - P7267: História de vida (33): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 2ª parte (Manuel Joaquim)

(***) Vd. poste de 11 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14240: Sondagem: somos um povo de afetos ? Resultados preliminares (n=70): 80 % dos respondentes "concordam totalmente", com a proposição segundo a qual "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...

domingo, 26 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7038: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (6): Tivemos bons mestres, dizem angolanos, guineenses e brasileiros, quando falam de corrupção

1. Texto de António Rosinha [, foto à direita]:


Somos mesmo assim tão corruptos?

É que na Guiné, no Brasil ou em Angola, quando se fala em corruptos, e estiver um português por perto,  dizem logo "tivemos bons mestres".... Se na nossa cara falam assim, imaginemos nas nossas costas o que dizem.

A história do engenheiro Alves dos Reis que venceu todas as burocracias necessárias para mandar fazer notas de 500 na Inglaterra, nos anos vinte do século passado, era do conhecimento de todos os adultos que sabiam ler, na cidade de Luanda, quando eu lá cheguei.

Eu, e a maioria que íamos daqui com carta de chamada e passagem do próprio bolso, nunca tinhamos ouvido falar nessa história. Como esse vigarista tinha vivido em Angola, havia gente que o tinha conhecido, ou sabia pelo menos da sua actividade. Talvez soubessem disso os que iam em comissão de serviço por quatro anos, como os governadores gerais e seus secretários, ou comandantes militares.

De facto, esse Alves dos Reis demonstra a capacidade de alguém para corromper tanta gente, desde conseguir assinaturas, carimbos, ser recebido por ministros, e depois distribuir e pôr esse dinheiro a circular em bancos e comércio...E esse génio da vigarice e corrupção era português, com fama internacional.

Agora andam por aí banqueiros que talvez já ultrapassem aquela antiga glória dos anos vinte do outro século.

Claro que se a vida não tivesse uma qualidade melhor em Angola do que cá, seria deprimente para mim e todos os que íamos daqui, ouvindo bocas como de atrasados, íamos só para viver à custa deles, mas esta de corruptos era aquela que talvez se estranhava mais, para quem nunca tinha ligado a tal coisa. Claro que eram conversas de café e o tal jeito da adaptação, dificil de explicar, resolvia tudo, em Angola, no Brasil ou na Guiné.

No Brasil era pior, onde o português era o alvo das anedotas do "menos inteligente". Hoje, os brasileiros emigrantes em Portugal também ficam marcados por outros motivos.

Na França, as marcas do português emigrante também se fariam sentir mas penso que não por corrupção. Mas por sua vez o emigrante que retornava, voltava a ser novamente marcado na sua terra.

Mas essa marca do "mestre da corrupção", penso que é invocado mais nas ex-colónias. Pessoalmente, em Bissau vi sinais de corrupção e vigarices bem (mal) disfarçadas por gente portuguesa em conluio com guineenses, em que a vítima era o Estado Português e o Guineense. Claro que não posso dizer nomes porque não sou polícia e não sou tetemunha. Mas casos descaradissimos não faltavam.

Eu próprio, não sei se me considere corrupto ou não. O que escrever um dia aqui, se tiver oportunidade, quem leia, julgará. Se era corrupto ou "ficava à porta". Mas não sei se já disse outras vezes, em Bissau não são precisos jornais. E o povo em Bissau tudo sabe, e até um dia Nino Vieira teve que fazer um comício para demonstrar que não era corrupto, no fim eu conto.

Eu acredito que na chamada África a sul do Sahara, antes de Diogo Cão ir visitar aquela gente, não havia corrupção tal qual como a praticamos hoje, europeus e africanos.

Sempre se falou e fala muitas vezes nas riquezas "fabulosas" dos países africanos, principalmente em Angola, e Congo que eu conheci um pouco, mas tambem na Guiné e é sabido que os dirigentes dos movimentos independentistas e muita gente pensava isso, que as riquezas das colónias portuguesas não eram divulgadas, para evitar a cobiça das potências estrangeiras.

Essas ideias também provocavam e provocam corrupção e tudo o que de negativo venha atrás, como no caso extremo em certos países africanos com os afamados "diamantes de sangue". No caso de Angola, parece que os diamantes continuam a ser moeda de troca. Não me admira que,  igualmente ao tempo colonial, haja muita dinheiro a ser investido em quartzo e vidro triturado.

Mas na Guiné, como não há grandes riquezas naturais à vista, talvez não haja grandes escândalos, mas é constante falar-se em corrupção e se um tuga estiver por perto pode ouvir a insinuação de mestre da dita mania da corrupção.

Houve um Natal de 1980 em que a Tecnil por hábito fazia a distribuição pelos clientes de umas lembranças, e como habitualmente era obrigatório uma lembrança para o presidente da República e outra para o Ministro das Obras Públicas. Ora naquele ano, 'Nino' Vieira era presidente havia um mês e o ambiente estava muito tenso e até algo violento devido ao golpe recente, e da Tecnil ninguém se achava com à vontade para levar essa lembrança à residência do Presidente, porque não se sabia qual seria a reação. Mas alguém teve que ir, e esse alguém lá entregou umas caixas com garrafas e mais umas embalagens com um cartão aos seguranças, mas passados uns minutos estava tudo devolvido sem explicações.

Dentro de uma perspicácia especial dos guineenses, toda a gente é baptizada com uma alcunha, e sempre com muita originalidade. Quem não podia escapar era o Presidente 'Nino' Vieira. que embora já tivesse a alcunha habitual, adaptavam-lhe uma alcunha (não muito às claras, penso eu) de uma novela brasileira, Sinhôzinho Malta. Desde o poder absoluto, aos carrões, ao relógio de ouro que exibia no pulso, e toda a gente ter um respeito absoluto àquela figura, e até a corrupção que se imaginava, tudo se adaptava à alcunha.

E passados uns anos, 'Nino' Vieira teve que explicar que não era corrupto, como se andava a falar. Usou um comício, transmitido pelo rádio e televisão e entre outros assuntos falou do "boato que anda por aí a correr". E agora digo apenas do que me lembro de ouvir e o sentido que o Presidente queria transmitir, e o pessoal comentou durante uns dias:
- Dizem que sou corrupto, mas se por exemplo, este relógio de ouro que tenho no pulso (e levanta o pulso com um relógio vistoso) que me foi oferecido pela Soares da Costa (a maior empresa a trabalhar na Guiné), como uma lembrança, eu devia recusar? Se o fizesse até era má educação.
- Isso é ser corrupto? - perguntava 'Nino' à assistência.

Claro que o povo que assistia ao comício respondeu em côro: 
- Nããão!

E agora, podemos nós aqui perguntar se, apesar de dezenas de nacionalidades representadas com seus nacionais em Bissau, e ser exactamente uma empresa portuguesa, a  Soares da Costa,  a dar um relógio ao Presidente, isso faz-nos,  aos portugueses,  mais suspeitos de corrupção do que os outros?

Claro que alguns de nós diremos: 
- Siiiim!

Mas concerteza haverá lugar para outras definições desse acto desde nããão, talvez ou niiim.

Não estou a imaginar ver os Suecos que tanto ajudaram o PAIGC, a dar particularmente um relógio a 'Nino' Vieira e este a explicar publicamnte. Mas vi os Suecos darem a cada ministro um Volvo topo de gama e renová-lo periodicamente e grandes máquinas para madeireiros trabalharem.

Também não imaginamos Russos que tanto ajudaram o PAIGC, oferecer um relógio ao Presidente. Mas vimos oferecer carros de combate e aviões de guerra.

O acto dos russos e suecos são ajudas de um povo a outro povo , no caso português são apenas negócios com uma empresa portuguesa em que uma da mãos lava a outra.

É esta a imagem que fica das diferenças de uma cooperação e outra. O que a Soares da Costa fez, é aquilo que podemos imaginar que foi a aventura,  de séculos por esse mundo fora, da diáspora portuguesa. Podemos dizer que é o tal desenrascanço, e ficam sempre suspeitas (os guineenses chamam o soco por baixo da mesa, em crioulo).

Enquanto outros cidadãos e empresas só agem com colaboração de embaixadas e consulados, em Portugal parace que se evitam mutuamente esses contactos.

Chegava-se a ver em Angola, no tempo colonial, comerciantes totalmente isolados durante anos, sem chefes de posto, nem missionários nem postos médicos que se instalassem a menos de um dia de viagem a pé (estradas nem vê-las). Claro que tinham que se desenrascar através de uma integração desde a aprendizagem das línguas, até aos remédios do povo e certamente compra de favores (corrupção?). 

Eu aprendi com colegas angolanos, logo nos meus primórdios, a deslocar-me em lugares distantes de povoações, acompanhado com um saco de sal. Era ouro com que comprava desde alimentação, informações e até protecção. Seria corrupção?

Claro que muitas vezes referem-se casos de imenso sucesso de portugueses na França, Brasil, Angola e até na China e América, mas os insucessos são varridos para baixo do tapete. Mas que a imagem que fica,  podia ser melhor se não nos auto-marginalizássemos, disso não tenho dúvida.

 Cumprimentos,

Antº Rosinha (*)
_______________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 19 de Setembro de 2010  > Guiné 63/74 - P7006: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (5): Portugal nem explorava nem desenvolvia, colonizava pouco e mal

terça-feira, 17 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2955: PAIGC: Instrução, táctica e logística (12): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XII Parte): Saúde (A. Marques Lopes)


Reprodução da primeira página da 1ª página do Blufo, Orgão dos Pioneiros do PAIGC, nº 3, Março de 1966, além de parte das páginas 2 e 4 (continuação dos artigos da 1ª página). Era feito a stencil. "Em Janeiro de 1966, a Escola-Piloto começou a publicar o Blufo, órgão dos pioneiros do PAIGC, assumindo-se como a voz da Juventude que se lançou corajosamente na luta de libertação nacional do nosso povo, na Guiné e em Cabo Verde. A colecção que agora disponibilizamos, digitalizada a partir dos originais cedidos por Luís Cabral, vai do n.º 1 (Janeiro de 1966) ao n.º 22 (Dezembro de 1970)" (FMS).

Neste número dá-se um destaque às mulheres que tiveram um papel importante, em sectores como saúde e a educação, bem como no apoio de rectaguarda à guerrilha. Um dos artigos é sobre "As mulheres do Komo" que "se recusaram a abandonar a ilha quando, num momento de grande perigo, foi dada ordem, para se retirarem os velhos, as crianças e as mulheres. Pegando em armas, ao lado dos homens, elas lutaram com bravura pela defesa da ilha. Tudo isto se passou em Março de 1964. Desde então os colonialistas portugueses nunca mais tentaram pôr os pés na ilha do Komo" (...). É óbvia aqui a função ideológica da narrativa sobre a Batalha do Como que se tornou num dos mitos ou lendas do PAIGC. As mensagens eram simples mas eficazes, do ponto de vista comunicacional.

O outro artigo, um editorial, tem como título "Glória às mulheres das nossas terras"... Comemorava-se então o dis 8 de Março de 1966, dia das mulheres. "Também na nossa terra, na vida nova que vamos construir depois da saída dos portugueses, vamos festejar o dia das mulheres com muita alegria (...). As mulheres conquistaram também um lugar ao lado dos homens nba luta pela nossa liberdade e independência. Elas fazem a comida para os guerrilheiros, tratam dos combatentes feridos e doentes. As raparigas estudam nas Escolas do Partido ou nos países estrangeiros para participarem amanhã na construção da nossa Pátria livre dos colonialistas portugueses" (...).

Fonte: © Fundação Mário Soares > Dossier Amílcar Cabral (2008) (com a devida vénia...)







1. Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, em 19 de Setembro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma, e a quem mais uma vez agradecemos publicamente :

PAIGC - Instrução, táctica e logística (12): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (Parte XI) >


Logística: (e) SAÚDE

(1) O Desenvolvimento do Serviço de Saúde no PAIGC

Vencendo inúmeras dificuldades, resultantes muito especialmente da falta de quadros logo após a eclosão da luta armada, o PAIGC começou a instalar pouco a pouco em diversos pontos das Regiões Libertadas alguns postos de saúde, onde colocou os poucos enfermeiros que o Partido à data dispunha. Sendo este número, porém, insuficiente, e segundo directivas da Direcção do Partido, estes enfermeiros procuravam dar a outros elementos recrutados nas escolas na Milícia Popular uma preparação mínima que lhes permitisse auxiliá-los no seu trabalho.

Foram assim iniciados no serviço de enfermagem muitos elementos que, muito embora carecendo de preparação teórica, foram solucionando o problema até à formação e Escolas de Enfermagem no interior, entre as quais se destaca a Escola de Ajudantes de Enfermagem do Morés.

Entretanto, e dada a insuficiência a que estas escolas ainda conduzem, o Partido, no sentido da formação do pessoal qualificado necessário a uma funcionamento mais eficaz dos centros de saúde, tem enviado para o estrangeiro muitos jovens que aí seguem estudos práticos de enfermagem e medicina, de modo a poder dispor, a curto prazo, de um número sempre crescente de pessoal capaz, o que irá permitir uma progressiva melhoria da actividade do Partido no domínio da saúde.

(2) O auxílio estrangeiro

Como já se referiu, o auxílio estrangeiro ao PAIGC no domínio da saúde reveste-se de uma importância muito grande, dado que é através do fornecimento de bolsas de estudo para a frequência de cursos médicos e de enfermagem que o PAIGC obtém elementos qualificados de cuja carência tanto se ressente. Assim, numerosos bolseiros do PAIGC cursam Medicina na Rússia e na Bulgária, enfermagem na Bulgária e Cuba e Profilaxia e Higiene Social na Checoslováquia.

Não termina, porém, aqui o auxílio estrangeiro ao Partido, pelo que se caracteriza também na cedência de pessoal médico, pelo que vamos encontrar médicos cubanos, jugoslavos, russos e holandeses nos principais estabelecimentos hospitalares. Este auxílio é completado com o fornecimento gratuito de medicamentos e material sanitário por parte de Cuba e dos países do Leste da Europa, revestindo-se também de particular importância a contribuição dada por particulares da Europa Ocidental, nomeadamente a Fundação Mondlane, com sede em Haia, e a Suécia.


(3) Como é prestada a assistência sanitária


A assistência sanitária aos combatentes e populações sob o controle IN é realizada através de "enfermarias" e "hospitais" existentes no interior do TO, formações sanitárias muito rudimentares, quase nunca dispondo de médico.

Os indisponíveis que denunciam casos graves, são transportados em macas improvisadas desde essas "enfermarias" ou "hospitais" para as bases fronteiriças, onde normalmente o PAIGC dispõe de instalações mais apetrechadas, e daqui, em automacas ou viaturas de transporte, senão mesmo em meios aéreos, para os hospitais de Conakry, Ziguinchor, Koundara ou Boké.

No capítulo da assistência sanitária, mormente nos "hospitais" e "enfermarias" do interior, além da falta de pessoal qualificado surge ainda toda uma série de condicionamentos, nomeadamente o reabastecimento irrregular dos medicamentos, a conservação do sangue para transfusões e o transporte e feridos graves para o exterior, que muito afectam o funcionamento normal do serviço.


(4) Orgnização dos serviços de saúde (civil militar) do PAIGC

Tanto quanto os elementos disponíveis o permitem, julga-se que estes centros sanitários ("hospitais" e "enfermarias") se dividem em dois ramos, o civil e o militar, dependentes de entidades distintas.

No meio civil, ainda em estado incipiente de organização, compreenderá "enfermarias" ou mesmo "hospitais" existentes nas "áreas libertadas", os quais se destinam a prestar assistência às populações controladas pelo IN. Estas "enfermarias" são accionadas nos escalões administrativos a que correspondem pelos responsáveis da Saúde dos respectivos Comités e destacam, com o fim de efectuarem uma cobertura eficaz das respectivas zonas, brigadas sanitárias que percorrem as tabancas que não dispõem de serviço de saúde próprio.

Julga-se que a saúde civil esteja dependente, a nível superior, da Direcção para os Assuntos Sociais do Departamento para os Assuntos Sociais e Cultura.

No ramo militar, o serviço de saúde encontra-se já num grau de desenvolvimento diferente, dispondo de estabelecimentos hospitalares, no exterior [Guiné-Conacri e Sewnegal], de apreciáveis recursos.

Julga-se que no topo de toda a organização sanitária militar se encontra o Serviço de Saúde do Departamento da Defesa, o qual acciona três Secções Sanitárias (Ziguinchor, Koundara e Boké) que abrangem todo o TO e zonas fronteiriças dos países limítrofes. Estas Secções Sanitárias corresponderam às três Frentes (norte, Leste e Sul) em que o IN dividia o TO até à reorganização levada a efeito durante o ano de 1970, mas mantendo actualidade mesmo depois desta reorganização.

Cada Secção dispõe de um Hospital Central, dela dependendo os “"hospitais" e "enfermarias" correspondentes aos Sectores e Frentes. As unidades, por sua vez, dispõem também de enfermeiros responsáveis pela assistência sanitária imediata aos guerrilheiros.


(5) Referências a alguns estabelecimentos hospitalares:

HOSPITAL DE BOKÉ

Inaugurado em Dezembro de 1965 como Dispensário Sanitário do Partido, logo no princípio do ano seguinte passou a ser designado por Hospital Militar de Boké, sendo destinado ao tratamento dos feridos de guerra, especialmente dos combatentes da Inter-Região Sul cujo estado justificasse evacuação dos “hospitais” do interior.

Compõe-se de uma grande enfermaria dividida em duas secções (homens e mulheres), uma sala de operações com quarto anexo para tratamento pré e poó-operatório, uma sala de consultas e tratamentos, uma secção de radiologia e uma farmácia. O hospital, que dispõe de todo o equipamento necessário, está apetrechado com moderno material cirúrgico e de Raio X.

A capacidade actual [1971] será de 100 camas, tendo sido equipado também, em local afastado do corpo principal do hospital, com um centro de reabilitação para diminuídos físicos e uma maternidade. Do corpo médico em serviço neste hospital farão parte, além de médicos caboverdeanos, outros de nacionalidade jugoslava, russa e cubana.

HOSPITAL DE KOUNDARA

Este hospital que dispunha de uma capacidade para 60 camas, terá sofrido, partir de Abril de 1970, significativos melhoramentos, nomeadamente alargamento das instalações, aparelho de Raio X, motor gerador de energia eléctrica e cisterna de capacidade para 5.000 litros.

Os melhoramentos introduzidos destinam-se a um melhor apoio a toda a Inter-Região Norte, evitando evacuações para Boké que, por demoradas, dada a distância e as possibilidades dos meios de transporte, poderiam fazer perigar a vida dos doentes.

As possibilidades deste hospital são já vastas, realizando intervenções cirúrgicas de certo melindre.

Para este hospital são evacuados os feridos e doentes de toda a Inter-Região Norte, mesmo os das regiões mais afastadas, desde que os seus casos não sejam resolúveis localmente.

No corpo clínico deste hospital estão referenciados médicos cubanos, um caboverdeano e, até há pouco tempo, um médico norte-vietnamita.


HOSPITAL DE ZIGUINCHOR

Foi, até à altura em que foi beneficiado o Hospital de Koundara, o hospital mais importante para apoio das antigas Frente Norte e Frente Leste.

Dispõe de 60 camas, sendo no entanto as suas possibilidades muito limitadas, supondo-se até que se servirá do hospital senegalês, para casos graves de extrema urgência. Ultimamente, parece que teria sido transformado em hospital crúrgico, mas não se possuem elementos que o confirmem.

Do corpo médico deste hospital faz parte uma médica holandesa (**).

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 15 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2762: PAIGC: Instrução, táctica e logística (11): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XI Parte): A máquina logística (A. Marques Lopes)

(**) Curiosamente a nossa inteligência militar não devia andar bem articulada com a PIDE/DGS, porque neste Subintrep não se faz menção do português, natural de Angola, o Dr. Mário Pádua, médico, que desertou das fileiras do nosso exército, Angola, e dedicou parte da sua vida, como médico e como militante, ao PAIGC, no Hospital de Ziguinchor, Senegal. Seguramente que o Mario Pádua tinha ficha na PIDE/DGS. Chegou a ser o único médico do PAIGC (até 1966, ano da chegada dos primeiros voluntários cubanos), e inclusive tratou prisioneiros portugueses, nomeadamente o Soldado Fragata,
CART 1690 (Geba, 1967/69), a que pertenceu o nosso A. Marques Lopes. Vd. o seu depoimento no filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, As Duas Faces da Guerra, 2007.

Vd. também poste de 28 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)


(...) Mas morreu também nesta operação o soldado Vito da Silva Gonçalves, que foi dado como "morto em combate", porque o corpo foi recuperado. Mas também não vem nessa lista! E porque é que não foi dado como "desaparecido em campanha" o soldado Metropolitano Fragata, o Manuel Fragata Francisco, que também ficou nesta operação?

É uma história das teias que o império tecia. Eu conto: ele foi crivado com uma roquetada nessa operação, mas vivo, e os guerrilheiros do PAIGC levaram-no numa maca, atravessando a mata do Oio, o rio Mansoa e o rio Cacheu, até ao hospital que servia o PAIGC em Ziguinchor, no Senegal, onde, coincidência, foi tratado pelo doutor Pádua (actualmente no Hospital Pulido Valente, em Lisboa), que se tinha passado para o outro lado. A PIDE sabia disso, claro. Parece lógico que se pense que teriam feito o mesmo com o alferes Fernandes se ele tivesse ficado vivo. Mas foi muito claro que estava morto (...).