Mostrar mensagens com a etiqueta Luandino Vieira. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Luandino Vieira. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26088: Notas de leitura (1738): Quando se ensinava a literatura da Guiné-Bissau nas escolas portuguesas (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
Foi uma agradável surpresa ter encontrado esta iniciativa de apresentação aos alunos do 3.º ciclo, isto em 1997 e 1998, de uma apresentação de escritores africanos lusófonos, a escolha que recaiu para a Guiné-Bissau foi a de o primeiro romance de Abdulai Silá e uma novela de Fausto Duarte, que obteve em 1934 o primeiro prémio de literatura colonial, e os elogios do escritor Aquilino Ribeiro. Tudo leva a querer que a iniciativa não teve continuidade e, entretanto, desapareceu a comissão nacional dos Descobrimentos portugueses.

Um abraço do
Mário


Quando se ensinava a literatura da Guiné-Bissau nas escolas portuguesas

Mário Beja Santos

Nos anos 1990, o Ministério de Educação criara um grupo de trabalho para as comemorações dos Descobrimentos portugueses. A coordenação científica coubera a Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas, os autores eram Ana Maria Matos e Maria Ofélia Medeiros. Foram concebidos materiais dentro de uma linha editorial que procurou garantir uma prática docente multidisciplinar, sobretudo no ensino básico, como continuidade de um encontro de culturas que a história marcou e de que as literaturas em língua portuguesa são repositórios férteis. Adquiri o material destinado ao 3.º ciclo sobre as novas literaturas africanas. Primeiro Angola, com outros escritores Pepetela e José Luandino Vieira; depois, Cabo Verde com os escritores Teixeira de Sousa e Germano de Almeida; segue-se a Guiné-Bissau com Abdulai Silá e Fausto Duarte; quanto a Moçambique, a escolha recai em Mia Couto e Calane da Silva; por último, São Tomé e Príncipe com Albertino Bragança.

Há primeiro um texto extraído da obra de Abdulai Silá, Eterna Paixão, uma obra literária de indesmentível valor, seguem-se alguns extratos de Dúvida absoluta:
“Subitamente, sem ter reduzido a velocidade, encetou uma série de movimentos com ambos os braços, torcendo o volante do carro sem piedade. Deixou a estrada principal e meteu-se na estrada secundária que nascia logo ali, sem se anunciar.
Dando prova de grande perícia e habilidade, conseguiu manter o veículo sob controle, conduzindo-o no centro da estrada estreita, recentemente alcatroada.
(…) Depois de ter fechado a porta do carro, começou a caminhar em passos lentos, em direção à vivenda. Era alto e aparentava andar na casa dos 35 anos. Vestia um fato castanho elegante, com uma gravata preta com riscas oblíquas de cores diferentes que ia amarrada a uma camisa toda branca.
Depois de ter carregado mais vezes o botão da campainha, o homem aproximou-se mais da porta da entrada, num gesto de quem espera que ela seja aberta de imediato.
– Ah, é o senhor! – exclamou, algo surpreendida, a mulher que, entretanto, acabara de abrir a porta e se prontificava a tomar do recém-chegado o maço de documentos que este trazia na mão. – Mas voltou hoje muito cedo, ehh!

Mbubi era uma senhora que, apesar do corpo e da idade que aparentava ter, era muito ágil e solícita.
Apesar da sua popularidade, ninguém conhecia ao certo quantos anos é que tinha. A sua idade era avaliada a partir da filha mais velha, uma menina mulata que se dizia ser fruto da incapacidade do primeiro patrão branco de resistir aos encantos da cozinheira negra, cuja compleição física considerava uma flagrante injustiça divina em relação à sua esposa branca.
Estava naquela casa fazia mais de três anos, desde que a mãe da Senhora, a quem servira durante muito tempo, resolvera ir de vez para a Europa.”


O escritor vai tornar Mbubi uma figura pivô da narrativa, pouco sabe deste seu patrão Daniel, há ali alguém ligado ao aparelho do Estado, escutara fortes discussões entre o casal, deduziu que algo de grave tinha acontecido. E o leitor é confrontado com Daniel que percorre a sua sala de visitas examinando as peças. “Recordava-se da avidez que tinha em descobrir e manifestar a sua africanidade, de explorar e valorizar tudo o que a seus olhos se apresentava como genuinamente africano.” Mbubi prepara para o patrão uma refeição, este só quer um chá, e anuncia que vai conversar sobre um assunto com a empregada. Toca o telefone, era a Senhora a anunciar que não iria chegar tão cedo. Somos confrontados com um clima de tensão, chega, entretanto, a mulher de Daniel, Ruth, de quem o autor faz um retrato, segue-se uma curta troca de palavras desta com Mbubi, esta volta aos seus trabalhos, mas houve uma nova discussão entre o casal:
“Vinda provavelmente de trás de si, Mbubi ouviu uma amálgama de vozes ásperas e recordou-se das discussões entre o casal. Discussões que eram cada vez mais frequentes, cada vez mais longas, cada vez mais violentas. Viu, então, a cara de Ruth, carregada de maldade. Aquela mesma maldade que despejara sobre si, negando o combinado, recusando deixá-la ir à sua tabanca de origem, onde esperava encontrar toda aquela gente que tão raramente via, de que tinha muita saudade e com quem precisava tanto confraternizar…
Com a cara de Ruth na memória, Mbubi sentiu subitamente a dúvida absoluta transformar-se em certeza. Uma certeza absoluta.”


Segue-se um comentário destinado ao professor. Uma condução frenética, desenha-se a primeira personagem, apresenta-se Mbubi, esta prepara-se para tratar do patrão branco; introduz-se Ruth, a mulher do patrão, que exerce prepotência sobre Mbubi. “Na sua mente a transposição da figura masculina, do patrão, pela imposição da figura feminina da patroa vai provocar em Mbubi uma certeza absoluta. A casa não voltará a ser a mesma. E adivinha-se que o pano que cai sobre o ecrã do cinema em linguagem fílmica de narrativa aberta.”

Auá, é um romance de Fausto Duarte que recebeu o primeiro prémio da literatura colonial em 1934, centra-se numa jovem que conhecerá a tragédia do amor numa sociedade em que o destino da mulher era um negócio dos pais. O episódio escolhido é uma ida à feira, lá vão duas mulheres levando cabaças na mão a caminho da cidade:
“Bissau era um novo espetáculo para os olhos dessa rapariga habituada ainda à paisagem uniforme do mato e à vida de Sare-Sincham. Contemplava admirada os grandes armazéns, escassamente iluminados, sempre no mesmo estilo de igrejas provisórias, onde trabalhavam dezenas de indígenas, limpando a mancarra, ensacando o coconote para carregar em potentes camiões. Automóveis fugiam velozes, e Auá, receosa de tanto bulício, agarrava-se a Farió, que lhe indicava a melhor forma de caminhar pela rua, que se tornara quase intransitável. Mais adiante, num retângulo murado, vinha um rumor confuso de vozes. Era o mercado, romaria de naturais vindos de todos os recantos. Mulheres mancanhas, de carapinha oleosa, expunham em grandes cabaças produtos de uma indústria doméstica ainda rudimentar.

Ali, acocoradas, Papéis chegadas de Boi, esguias, de lábios pendentes, vendiam grandes bolas de sabão negro e pequenas pirâmides de bananas dispostas sobre o pavimento sujo do mercado. Acolá, um cabo-verdiano, de mangas arregaçadas, retalhava uma perna de porco, enquanto a mulher apregoava torresmos. Djilabês mandingas esperavam, sossegadamente, os compradores de colas guardadas em grandes frascos.
“(…) Auá seguia, curiosamente, o movimento dos carros. Por elas passavam grupos de indígenas descalços, que vestiam pitorescas indumentárias. Bijagós com calções de serapilheira e tronco nu; Papéis de Biombo, com perfis de mulheres de grandes tranças cobertas por lenços de seda, e que seguiam rua fora de mãos dadas; mancanhas que vendiam leite, deixando ver os dentes pontiagudos e grandes seios enrugados.
Auá e Farió, feitas as compras, regressaram a Morcunda.”


Segue-se o comentário, a referência à riqueza vocabular, a viagem a um mercado graças a Auá, a multiplicidade de etnias e línguas e o contraste entre aquele bulício e o silêncio local por onde caminham: “As lojas de panos e os alfaiates maravilham os olhos e provocam o desejo de comprar o que está nas montras. Auá e Farió, voltam ao seu bairro, onde o silêncio, agora, deve ser mais sentido depois do bulício da cidade.” Enunciam-se estratégias a utilizar para o tratamento do texto e comentários e dá-se algum vocabulário para que o leitor saiba o que é uma cabaça, o que é o capim, o chabéu, o coconote, um doloquê (camisa), a mancarra, o poilão, a tintamarre (barulheira.

Uma recordação dos tempos em que estas novas literaturas africanas podiam ser versadas nos bancos das escolas portuguesas.


Abdulai Silá
_____________

Nota do editor

Último post da série de 25 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26077: Notas de leitura (1737): Notícia de um conflito interétnico sangrento na ilha de Bissau, em 1931 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21055: Da Suécia com saudade (71): O colonizador, o colonizado, a língua materna, o "pretoguês"... O caso da escrita do Luandino Vieira (José Belo)

1. Mensagem do José Belo, com data de 25 de maio p.p.

[José Belo: (i) ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70; (ii) manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década;; (iii) está reformado como capitão de infantaria do exército português; (iv) jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, nem como nas imediações de Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, já próximo da fronteira com a Finlândia, mas também Key-West, Florida, EUA; (v) é o único régulo da tabanca de um homem só, a Tabanca da Lapónia (, mas sempre bem acompanhado das suas renas, dos seus cães. dos seus alces e dos seus ursos)]

Assunto: Colonialismo e língua materna

Não recordo se já terei enviado esta perspectiva quanto aos efeitos "paralelos" do colonialismo quanto a algo täo importante como a língua materna como forma de expressão íntima.
Os membros do blogue,principalmente escritores, certamente terão opiniões interessantes sobre assunto tão sensível mas täo pouco analisado.
Um abraço,

J. Belo

2. Segunda mensagm, com dat de 4 do corrente:

Meu Caro Sr. Editor

E eu que julgava que iríamos ter uma troca de ideias interessante sobre o texto da brasileira Tânia Macedo sobre o Luandino Vieira quanto à "linguagem do colonizador imposta ao colonizado".[Publicado na revista de linguística "Alfa", de São Paulo Brasil; o artigo completo está disponível aqui.]

O preço da integração social à custa da destruição das culturas inferiores aos olhos dos civilizados.... Exemplo mais próximo do que o Ibérico näo podemos ter...Só os Bascos mantiveram a sua língua.
Os Romanos não os colonizaram como aos restantes.

Como se diriam na Lusitânia, ou em outros locais da Península,  as palavras "mãe", "pai" ,"irmão", "amor",   "ódio", "saudade", "casa"..., antes da língua latina dos senhores que nos... civilizaram?

Havendo no Blogue escritores ,historiadores,e outros amadores,(e não escrevo "poetas",  por não rimar com escritores, historiadores, amadores) certamente que opiniões díspares existem.

Um abraço do J. Belo

José Luandino Vieira. Cortesia do
portal Wook
3. Excertos do artigo  "O  'pretoguês' e a literatura de José Luandino Veira"
Alfa, Sào Paulo. 36: 171-176,1992 171

por Tânia Macedo 

[Departamento de Literatura - Faculdade de Ciências e Letras - UNESP -19800 - Assis]

RESUMO: O texto examina a elaboração artística do 'pretoguês' - forma pejorativa com que os colonizadores portugueses denominavam a linguagem híbrida português/quimbundo utilizada pela
população angolana - na obra do escritor angolano José Luandino Vieira. (...)

O jogo de forças e tensões presente na situação colonial é marcado por dois pólos antagônicos: colonizador e colonizado. O primeiro, como conquistador, impõe a uma maioria numérica seus valores, línguas, técnicas e estruturas socioeconómicas sob a lógica da unidade: uma só lei, uma só língua (obviamente a sua). O colonizado, em conseqüência, passa a constituir uma minoria sociologicamente dada, a qual será submetida e, constantemente, espoliada de seus valores em nome da 'civilização' do outro.

A essa luz, não se pode esquecer que do quadro de contradições engendrado pelo colonialismo avulta o "drama do bilinguismo": o colonizado deve assumir a língua de seu conquistador e, paulatinamente, distanciar-se de sua própria forma de expressão, conforme muito bem salientou Albert Memmi [, 1977,]: "A língua materna do colonizado, aquela que é nutrida por suas sensações, suas paixões e seus sonhos (...), enfim, aquela que contém a maior carga afetiva, essa é precisamente amenos valorizada (...). Se quer obter uma colocação, conquistar seu lugar, existir na cidade e no mundo, deve, primeiramen aplicar-se à língua dos outros, a dos colonizadores, seus senhores". (...)

Lembre-se, todavia, que os danos causados pelo colonialismo não se restringem apenas a esse fato: se por um lado temos uma língua imposta a uma população, por outro, a escolarização dada na língua de maior prestígio é reduzida. Estamos frente, portanto, a mais uma das contradições do sistema, pois fazer do colonizado um indivíduo que dominasse totalmente o sistema lingüístico do colonizador seria incluí-lo nos seus mecanismos de poder e, destarte, selar a sorte do próprio sistema. (...)

Temos, dessa maneira, uma população condenada a renunciar a seu código valorativo, ao mesmo tempo em que lhe é vedado o inteiro domínio de outro código. Em resumo, se o bilíngüe colonial conhece duas línguas, nenhuma domina totalmente.

A literatura efetuada sob tal situação contraditória, desde que não seja uma literatura do colonizador, será, necessariamente, a veiculação da carência da população marginalizada na luta por sua forma própria de expressão e deverá forjar-se sob o signo da dualidade.

No caso da literatura angolana, por exemplo, os cinco séculos de dominação colonial portuguesa constituíram forte entrave à sua sistematização, pois apenas na década de 50 de nosso século toma corpo um sistema literário coerente no país, integrando a tríade autor-obra-público. Sistema esse que se traduz em autores conscientes de seu papel, nas obras veiculadoras de conteúdos eminentemente acionais sob aspectos codificados de linguagem e estilos e no conjunto de receptores,
ainda que pequeno, formado por angolanos alfabetizados e preocupados com sua especificidade cultural. 

Conforme bem assinala Carlos Ervedosa [, 1979,], "enquanto [os escritores] estudam o mundo que os rodeia, o mundo angolano de que eles faziam parte mas quemntão mal lhes haviam ensinado, começa a germinar uma literatura que seria a expressão da sua maneira de sentir, o veículo de suas aspirações, uma literatura de combate pelo seu povo". (...9

Ora, a literatura oriunda de tal tomada de consciência de seus produtores não Estava dissociada da certeza de que o sistema colonial deveria ter termo. Dessa forma, autores como Agostinho Neto, Costa Andrade, Luandino Vieira ou Jofre Rocha têm seus nomes ligados tanto às melhores produções literárias angolanas quanto a um combate direto pela independência de seu país. (...)

Português e quimbundo construindo a angolanidade

Dentre os escritores da moderna literatura angolana, José Luandino Vieira  (#) é, sem dúvida, um dos ficcionistas mais significativos. Seus textos revelam, nos níveis temático e estilístico, as contradições do sistema colonial, apresentando uma linguagem que acaba por tomar o partido dos que, à força de conhecerem duas línguas, a nenhuma dominam totalmente. É assim que suas estórias tematizam os musseques de Landa - bairros pobres equivalentes às nossas favelas - e sua população bilíngüe
português/quimbundo, majoritariamente negra.(...)

 Dessa forma, Luandino ousa levar para as páginas da literatura - em plena vigência do regime colonial português emAngola - (...)  'o pretoguês', ou seja, a forma híbrida de expressão dos bilíngües coloniais, a qual constituía motivo de freqüente menosprezo destes e, portanto, uma das fontes alimentadoras do racismo do colonizador em relação ao colonizado. 

Sob esse aspecto, a escolha do material lingüístico efetuada pelo autor redunda em uma reivindicação
de prestígio para a fala híbrida do homem do povo, dando-lhe status literário. Vale notar que a escrita de Luandino Vieira, apesar da forte vinculação ao falar dos musseques luandenses, vai além, pois seus textos não se constituem apenas em registros literais da forma de expressão de uma parte da população angolana. Ao criar neologismos e subverter a estrutura da língua portuguesa através do uso do quimbundo e do 'pretoguês', ele detém o mérito dos grandes empreendimentos da literatura
de nosso tempo: obriga a avançar devagar. 

Ou seja, a ficção luandina força o leitor a rever seus conceitos de literatura, arte e linguagem, em um esforço de dupla orientação: tomar distância dessa ficção, vinculando-a a valores universais, ao mesmo tempo em que busca a sua localização em uma geografia literária. Assim, sem se Aperceber, o decodificador das estórias do autor angolano vai sendo mobilizado a repensar seus códigos estéticos, suas estruturas lingüísticas, em um esforço de entendimento do universo narrativo apresentado.

Destarte, verifica-se que o trabalho artístico efetuado a partir do 'pretoguês' nos textos de Luandino Vieira vincula-se à recusa e à denúncia da situação colonial, afirmando uma 'angolanidade' ao mesmo tempo em que se inscreve na corrente da modernidade, convergindo pois para a realização literária plena de nosso tempo.

Façamos referência a alguns aspectos lingüísticos da ficção do autor, a fim de explicitarmos como se constroem a modernidade e a recusa ao colonialismo nos seus textos.

O substantivo quimbundo muxima (coração) pode nos servir como excelente início, já que em várias oportunidades o mesmo apresenta-se como base para a formação de neologismos, recebendo desinências da língua portuguesa que irão se desdobrar em outros matizes de significação:

(...) lhe traziam sussuradas palavras dela na hora que as mãos dele muximavam ou serebelavam nas fronteiras, queriam mais demarcar na leia mata de se corpo, descobrir e abrir
picadas. (Vieira, 1974, p. 32)

(Traziam-lhe suas palavras sussurradas no momento em que as mãos dele a acariciavam
ou se rebelavam nas fronteiras, no momento em que elas desejavam demarcar a estranha mata
de seu corpo, descobrir e abrir picadas.)

(...) não conseguiu de fugir no quinzar, lhe falou até, lhe muximou perdão, (p. 71)

(Não conseguiu fugir do monstro antropófago, chegou a falar-lhe, pediu perdão.)

(...) mas o Mangololo afirmava, cada vez mais mwúmadoi, que o bilhete recebera-lhe do
Joaquim Ferreira. (Vieira, 1978, p. 60) (##)

(Mas Mangololo afirmava, cada vez mais adulador, que recebera o bilhete de Joaquim
Ferreira.) (...)
____________

 Notas da autora:

(#) José Luandino Vieira passou onze anos nas cadeias do colonialismo português. Em 1965, seu livro Luuanda foi agraciado com o Grande Prêmio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores, o que provocou o encerramento daquela Sociedade, bem como o assalto e depredação de sua sede pela PIDE.

(##) VIEIRA, J. L.

João Vêncio: os seus amores. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1979.

Lourentinho, Dona Antónia de Sousa Neto e eu. Luanda: União dos Escritores
Angolanos, 1981.

Macandumba, Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1978.

Velhas estórias. Lisboa: Plátano, 1974.

________________

Nota do editor:

Último poste da série > 13 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20970: Da Suécia com saudade (70): O verdadeiro rei das florestas escandinavas, o alce ("älg") (José Belo)

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10087: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (23): Esse tal de linguajar de Luanda, só foi possível ouvi-lo em 2012 na Ilha de Luanda, porque em 1961 não se deu ouvidos às catanas de Holden Roberto (UPA)

1. Comentário, de 26 do corrente, de António Rosinha [, ex-fur mil, em Angola, 1961; topógrafo da Tecnil na Guiné-Bissau, depois da independência, ] ao poste P10074:


Conheci angolanos, caboverdeanos, guineenses, com peneiras, que usavam com mais propriedade o idioma do que nós, os colon, desde o Minho ao Algarve e Ilhas.(*)


E o escritor angolano que mais tentou acrioular o idioma foi um branco, português, do interior de Portugal, que foi em criança para Luanda e foi criado e estudou com jovens dos muceques (arredores) de Luanda.

Esse escritor foi Luandino Vieira com o livro Luuanda, com dois U, o tal que ganhou um prémio que a PIDE não gostou, e mandou-o para o Tarrafal. (**)

Eu, pessoalmente,  tenho imenso orgulho de ouvir o Português falado, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro,  em Belo Horizonte, em Bissau ou em Luanda.

Penso que pouca gente se pronuncia tão abertamente como eu contra os processos de Luandino Vieira e Agostinho Neto, do MPLA, e de Amílcar Cabral, do PAIGC, e todos os que iniciaram aquela guerra contra nós,  os tugas,  colonialistas e imperialistas.

Mas não tenho dúvidas que esses portugueses representavam o tal lusotropicalismo de que às vezes se fala, e eram uns lusófilos [e lusófanos] extraordinários.

E da maneira como digo aos quatro ventos, sem complexos, que estiveram errados em iniciar aquela guerra, só porque os ventos da história mandavam, tambem digo sem complexos que têm todo o direito de usar o idioma luso, e adaptá-lo a eles,  como fizeram os brasileiros.

Pena que esteja em grande riscos de desaparecer o nosso português em certas paragens.
Cumprimentos.
Post Scriptum: 

Luís Graça, e António Costa,  esse tal de linguajar de Luanda, só foi possível ouvi-lo em 2012 na Ilha de Luanda, porque em 1961 não se deu ouvidos às catanas de Holden Roberto (UPA).

Nem chegávamos a saber quem era Amílcar Cabral.

Gostei de ouvir portugês em Guaratinguetá!

_______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9904: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (22): Havia mais "PALOP" (entendimentos) antes das independências




Sítio Lusofonia, "uma plataforma de apoio ao estudo da lusofonia no mundo"... Além de verbetes sobre diversos autores e literaturas africanos lusófonas, também apresenta um valiosos glossário africano, de A a Z, com vocábulos lusófonos, de diversas origens: (A) Angola, (C) Cabo Verde, (G) Guiné-Bissau, (M) Moçambique, (S) São Tomé e Príncipe, (Ge) Geral. Há termos comuns: por exemplo, Balaio (cesto), Bué, Cipaio, Maca, Mais Velho,  (M)bunda (nádega), Muxima (coração), etc.  de origem angolana, mas que se usam também na Guiné-Bissau e/ou em Portugal. Outros são de origem geral: Bazar (fugir), piripiri, Puto (Portugal), Xingar (chatear)...

 (**) Excerto de Vida e Obra de Luandino Vieira:

(...) José Vieira Mateus da Graça, conhecido por Luandino Vieira, nasceu a 4 de Maio de 1935, em Vila Nova de Ourém, tendo ido viver para Angola aos três anos com os pais.

Cidadão angolano pela sua participação no movimento de libertação nacional,  escolheu o nome de Luandino como homenagem a Luanda e contribuiu para o nascimento das República Popular de Angola. Fez os estudos primários e secundários em Luanda, tornando-se depois gerente comercial para garantir o seu sustento.

Acusado de ligações políticas com o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) foi preso em 1959 pela PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), no âmbito do que ficou conhecido como "processo dos 50". 

Em 1961 voltou a ser preso pela PIDE, tendo sido condenado a 14 anos de prisão e a medidas de segurança. Em 1964 foi transferido para o campo de concentração do Tarrafal (Cabo Verde), onde passou oito anos, tendo sido libertado em 1972, em regime de residência vigiada, passando a viver em Lisboa.

Entre outros prémios literários, Luandino Vieira venceu o Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores (1965), o Prémio Sociedade Cultural de Angola (1961), o da Casa do Império dos Estudantes - Lisboa (1963) e o da Associação de Naturais de Angola (1963).

A partir de 1972, e já a residir em Lisboa, Luandino Vieira iniciou a publicação da sua obra, na grande maioria escrita nas prisões por onde passou.

Regressou a Luanda em 1975, onde exerceu cargos directivos no MPLA e foi presidente da Radiotelevisão Popular de Angola. Membro fundador da União dos Escritores Angolanos - cuja condição sempre reivindicou, apesar de ter nascido em Portugal - exerceu funções de secretário-geral deste organismo desde a sua fundação a 10 de Dezembro de 1975 até 1992. (...)

Entretanto, foi-lhe atribuído em 2006 o Prémio Camões, o maior galardão literário para a língua portuguesa, que recusou "por motivos íntimos e pessoais", segundo o que alegou num comunicado de imprensa. Sabe-se por entrevistas dadas sobretudo ao Jornal de Letras Artes & Ideias que não aceitou o prémio por se considerar um escritor morto e que como tal o Prémio deveria ser entregue a alguém que continuasse a produzir. Tal facto veio-se alterar, pois O livros dos rios é um novo romance de Luandino Vieira (o primeiro de uma trilogia intitulada De rios velhos e guerrilheiros) editado pela Editorial Caminho em Novembro de 2006. (...).

sábado, 27 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P806: O 'turra' Luandino Vieira recusa Prémio Camões (João Tunes)

Luandino Vieira, escritor angolano, nascido em Vila Nova de Ourém, em 1935. Prémio Camões da Língua Portuguesa 2006.

Foto: Editorial Caminho (2006) (com a devida vénia...)


1. Desafiei há dias o João Tunes para escrever um pequeno texto sobre a atribuição do Prémio Camões de Língua Portuguesa 2006 ao escritor angolano, de origem portuguesa, Luandino Vieira, o terceiro atribuído a um escritor africano... O prémio, no valor de 100 mil euros, é patrocinado em partes iguais pelos ministérios da cultura de Portugal e Brasil... Luandino Vieira, um reinventor da língua portuguesa (sem o qual possivelmente não teria sido possível o aparecimento de um Mia Couto, moçambicano, ou de Ondjaki, angolano) é hoje praticamente desconhecido por parte dos nossos jovens.

Recorde-se que em 1965, em plena guerra colonial, e quando o escritor estava preso no Tarrafal, foi-lhe atribuído o Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Autores pelo seu livro Luuanda, facto que foi considerado uma grande afronta pelo regime de Salazar, o que levou ao assalto e destruição da sede daquela Sociedade por legionários e por pides e à sua posterior ilegalização. Recordo-me perfeitamente destes acontecimentos: Estávamos em plena guerra colonial. Em 1965, eu tinha 18 anos. Aos 22, em 1969, eu estava na Guiné. (LG)

Eis a resposta, célere, do nosso sempre bem informado, acutilante, frontal, João Tunes:

"Quanto ao repto sobre um texto sobre o turra Luandino Vieira e o seu Prémio Camões, aqui vai ele (em exclusivo para o nosso blogue):

"Um Turra, chamado Luandino Vieira, que também foi e é escritor, foi premiado com o Prémio Camões, o Poeta Maior da expansão do nosso Império. O Turra não aceitou o Prémio dado pelos Tugas. Ou os Turras são ingratos ou os Tugas atrasaram-se na reparação dos estragos feitos em 1965 quando o Turra estava no Tarrafal e a Pide dos Tugas destruíu a Sociedade Portuguesa de Escritores.

"Um grande abraço e outros tantos para todos os estimados camaradas tertulianos".
João Tunes

Sobre a recusa do prémio, vd. também post do João Tunes, no seu blogue Água Lisa 6, de 25 de Maio de 2006.


2. O que disseram os jornais (LG):

"Luandino Vieira: o resistente

"José Luandino Vieira, ou melhor, José Vieira Mateus da Graça, nasceu em Portugal em 1935 e foi aos três anos para Angola. Envolvido em movimentos nacionalistas, é preso pela PIDE em 1959 e depois em 1961.

"É no Tarrafal, prisão em Cabo Verde para onde é transferido em 1964, que descobre Guimarães Rosa, o escritor que mais o influenciou. A maioria da sua obra é escrita antes de 1975, ano em que regressa a Luanda, depois de passar por Lisboa.

"A Vida Verdadeira de Domingos Xavier (1961), Luuanda (1963), No Antigamente, na Vida (1974) e Nós, os do Makulusu (1975) são algumas das suas obras mais conhecidas.

"As suas ideias obrigaram-no a passar mais de dez anos no Tarrafal e a ter residência fixa depois de libertado, em 1972. Vinte anos depois, diria ao escritor Agualusa, a propósito da guerra em Angola: 'Hoje de manhã vi, no meio de um tiroteio infernal, um homem a atravessar a rua numa cadeira de rodas. É isto que nós somos, um país de cadeira de rodas no meio dos tiros.'

"Vive em Portugal desde o início dos anos 1990" (Fonte: Público, 27 de maio de 2006)

3. Obras de Luandino Vieira publicadas, em Portugal, pela Editorial Caminho :

Nosso Musseque (1.ª edição, 2003) «Outras Margens», n.º 13

A Vida Verdadeira de Domingos Xavier (1.ª edição, 2003) «Outras Margens», n.º 18

Nós, os do Makulusu (1.ª edição, 2004) «Outras Margens», n.º 26

João Vêncio: os Seus Amores (1.ª edição, 2004) «Outras Margens», n.º 29

Luuanda (1.ª edição, 2004) «Outras Margens», n.º 36

No Antigamente, na Vida (1.ª edição, 2005) «Outras Margens», n.º 39

Macandumba (1.ª edição, 2005) «Outras Margens», n.º 43

Velhas Estórias (1.ª edição, 2006) «Outras Margens», n.º 51