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domingo, 25 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23643: (De)Caras (188): a morte em combate, em 21/2/1967, na sequência da Op Sobreiro, do alferes mil Américo Luís Santos Henriques, natural de Ourém, contada pelo seu cmdt da 4ª CCAÇ, cap inf Aurélio Manuel Trindade (Bedanda, 1965/67)


Lista dos alferes mortos em combate, no CTIG, no período entre 1963 e 1967 (n=20)... Entre eles, o Américo Luís Santos Henriques, da 4.ª CCAÇ, Bedanda, Sector S3, em 21/2/1967, na sequência da Op Sobreiro, em que participou também a CCAV 1484 (informação do Jorge Araújo).  Infelizmente não há nenhuma foto do Henriques.

Dos 81 alferes mortos no CTIG, entre 1963 e 1974, houve 1 por doença, 24 por  acidente e os restantes 56 em combate (*). No período em apreço (1963/67), dos 20 alferes mortos em combate, 4 pertenciam a companhias de guarnição normal: dois  da 4ª CCAÇ, um  da 3ª CCAÇ e outro da 1ª CCAÇ (que em 1967 irão dar origem à CCAÇ 6, CCAÇ 5 e CCAÇ 3, respetivamente).

Infografia: Jorge Araújo (2018) 






Guiné > Região de Tombali >  CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > 22 de fevereiro de 1967 > A caminho Catió... Regresso, em LDM,  da Op Sobreiro, em que perdeu a vida o alf mil Henriques, da 4ª CCAÇ (Bedanda, 1966/67). As fotos parece ter sido tiradas ainda no rio Ungauriuol, afluente do rio Cumbijã (este mais largo, entre 200 e 600 metros, pelas nossas contas grosseiras, de acordo com a carta de Bedanda, 1956, escala 1/50 mil).

Fotos do álbum de Benito Neves, ex-fur mil, da CCAV 1484.

Fotos (e legendas): © Benito Neves (2010). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta morte está dramaticamemte narrada  no livro de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do antigo cap inf Aurélio Manuel Trindade, hoje ten gen ref),  "Panteras à Solta", ed. de autor, 2010, 399 pp, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército).

Os familiares, vizinhos, colegas de escola, conterrâneos, amigos e antigos camaradas do Américo Luís Santos Henriques, natural de Valada, Seiça, Ourém, bem como os nossos leitores, têm direito a conhecer esta versão, que consta de uma fonte de difícil acesso: o livro está fora do mercado livreiro, foi impresso na Alemanha, e nem sequer consta na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos. O que é uma pena: é um documento de interesse para a historiografia da guerra colonial. 

O nosso infortunado camarada só está identificado pelo apelido Henriques. Nas memórias do cap Cristo (o único nome fictício que aparece no livvro, e que é um "alter ego" do cmdt da 4.ª CCAÇ / CCAÇ 6, no período que vai de meados de 1965 a meados de 1967), o Henriques  veio substituir o Ribeiro, até então o melhor operacional dos alferes da companhia, juntamente com o Carvalho, todos eles, tal como os restantes graduados, de origem metropolitana e de rendição individual. (Descobrimos que o Ribeiro é o José Augusto Nogueira Ribeiro, nascido em Fafe, em 1940, e já falecido, em 2017: seguiu a carreira militar, chegando ao posto de cor inf quando se reformou; foi condecorado com a "Torre e Espada" por feitos nos TO da Guiné e Moçambique; no CTIG, acabou a sua comissão na 4ª CCAÇ em 15 de maio de 1966, sendo então rendido pelo Henriques).

Antes da descrição da operação em que o Henriques é morto, por um tiro isolado (seguido de forte tiroteio em emboscada do IN nas proximidades da nascente do rio Ungauriuol), vale a pena reproduzir também um pequeno excerto da sua chegada em Bedanda, em data que não podemos precisar (presumivelmente em meados de 1966, já que  foi render o alf mil Ribeiro), e em que é praxado...


Excertos de "Morto em combate" 
(pp. 349-353)


Antecedentes: 

(...) Um dia chegou o alferes Henriques, o substituto do alferes Ribeiro. Bom moço mas
ainda muito cru
. Logo no primeiro jantar foi o Carvalho a atirar:

─ Meu capitão, o posto da árvore hoje é guarnecido pelo Henriques. Eu já lhe disse que o meu capitão e nós todos não temos confiança nos negros e por isso havia um posto que durante a noite era guarnecido por um oficial ou sargento. Ele diz que eu estou a gozar com ele. O meu capitão sabe bem que todos têm de passar por aquele posto várias noites. Esta noite era eu. Como se apresentou o Henriques é ele que deve ir.

(...) Assim, nessa noite, o alferes Henriques passou todo o tempo num posto de vigia,
em cima duma árvore, com uma granada de mão sem cavilha apertada na sua mão. Teria de a lançar ao mínimo sinal de perigo, para acordar o capitão e os outros alferes.

Ele não sabia, mas a granada estava inerte pois tinha-lhe sido retirado o detonador e a
carga explosiva. Esta era uma das brincadeiras que faziam aos maçaricos que chegavam à companhia. O capitão, embora conivente, não se metia no assunto. 

Ao outro dia o Henriques estava contente porque se tinha mantido acordado toda a noite. Ele, que era um dorminhoco, não teve sono. Teve muito medo, segundo confessou, mas
aguentou. No dia seguinte contaram-lhe que tudo não tinha passado duma brincadeira.
Riu-se e achou piada. Actos destes faziam parte integrante da praxe no quartel. (pp. 184/185)

O confronto fatal

(...) O dia começou com o capitão reunido no seu gabinete com os seus subalternos.

─ Tenho informações que me dizem que depois da nossa acção no cruzamento do Cantanhez, a guerrilha construiu um acampamento na mata junto à nascente do Ungauriuol 
 [de acordo com a carta de Bedanda, e 1/50 mil] . Vamos sair esta noite para lá. Vamos apenas três pelotões mais o pelotão do Tala [alferes de 2.ª linha, cmdt do pelotão de milícias de Bedanda]. Sai à frente o Henriques, a seguir o Cristóvão e o Tala, e por último o Manuel. Penso sair do quartel à meia-noite para chegarmos ao raiar da aurora, não sei o local exacto do acampamento. Batemos a mata e seguiremos qualquer pista que encontrarmos até chegar ao acampamento. Não levamos um objectivo concreto, pretendo apenas explorar uma notícia e, mediante isso, impedir que os guerrilheiros fortifiquem o acampamento. Não pretendo deixar os tipos sossegados nesta área. Alguém tem alguma coisa a dizer?

─ Não, meu capitão. De qualquer modo gostaríamos de ir lá com um objectivo concreto em vez de bater a zona ─ disse um dos alferes.

─ Também eu gostava de ter um objectivo concreto, mas não temos. Não se preocupem porque a área está cheia de guerrilheiros e iremos encontrá-los de certeza. Saímos à meia-noite em ponto, ração de combate para um dia. Teremos um helicóptero em Cat
ió [sede do BCAÇ 1858], para evacuações. Até logo.

(...) O capitão estava preocupado. Estava desfalcado em oficiais e os que havia tinham pouca experiência ou eram fracos em termos operacionais. O capitão terá que ir mais atento a todos os pormenores. Queria falar com o Tala.

─ Tala, vamos fazer uma batida na mata entre o Ungauriuol 
[afluente do rio Cumbijã, e que passa por Bedanda], o Lama e a estrada para Guileje [a nordeste de Bedanda]. Vai à frente o nosso alferes Henriques. Tu vais entre o alferes Fernandes e o alferes Manuel. Quero que mandes falar comigo, hoje às dez horas da noite, dois guias que conheçam a zona. Não dizes nada aos guias. Quero falar com eles na presença do alferes Henriques. Levas ração de combate para um dia. Percebeste bem o que eu quero?

─ Percebi, nosso capitão.

─ Então podes ir embora. Quero o teu pelotão à meia-noite pronto para sair. Até logo.

A seguir o capitão falou com o alferes Henriques.

─ Tu vais na frente da coluna. Embora não tenhas experiência de mato, és o subalterno com mais operações feitas. O teu pelotão é bom. Vou dar instruções aos guias que pedi ao Tala e entrego-te depois esses guias. São dois bons guias. Confio em ti. Sabes bem a importância que eu dou ao pelotão que vai à frente. Da sua visão e da sua actuação depende o êxito da operação. Temos que ir muito atentos, os guerrilheiros estão lá de certeza. Eu irei sempre contigo entre a primeira secção e a segunda. Tu deverás ir no meio da primeira. Estarei perto de ti para qualquer apoio que precises. Elucida bem os homens sobre o que terão de fazer. Se encontrarmos pistas vamos explorá-las com cuidado. Olhos bem abertos para não sermos surpreendidos. Se vires que não estás em condições de ir à frente, dou essa missão a outro.

─ Não, meu capitão. Agradeço a sua confiança em mim.

─ Prepara o teu pelotão. A mata que vamos bater é muito densa e vamos ter dificuldades se formos surpreendidos. Até logo.

(...) O capitão mandou depois chamar o Lassen 
 [, seu guarda-costas] para preparar as coisas e avisar o Joãozinho   [, 2.º guarda-costas] . Deu as instruções normais aos sargentos. Sobrou-lhe ainda tempo para meditar em todas as hipóteses que poderiam acontecer e na forma de ultrapassar dificuldades inesperadas. Tinha pensado profundamente a operação e ficava convencido de ter dado todas as instruções. Só faltava esperar que a sorte não o abandonasse. Em tudo na vida é preciso ter sorte, e na guerra é fundamental. Há militares que têm boa sombra no mato e outros não.

À hora combinada a companhia saiu para o mato. O capitão decidiu ir através da bolanha direito a Feribrique, passar depois por Melinde e atravessar depois o rio Lama para começar a bater a mata. A marcha era lenta e difícil. As bolanhas ainda tinham água e eram atravessadas por pequenas ravinas e fios de água difíceis de transpor de noite. A certa altura a coluna partiu-se. O capitão mandou parar o Henriques e ordenou aos guias que fossem recuperar a coluna.

─ Como te sentes, Henriques?

─ Mal, meu capitão. Sinto-me triste. Nunca me senti assim numa operação. Não sei o que se passa comigo.

─ Não é nada. É a primeira vez que tens a responsabilidade de abrires a coluna e estás a sentir esse peso. Só prova que és um oficial responsável. No entanto, se vires que não te sentes bem, passa o Manuel para frente. Vê lá se estás bem de saúde.

─ De saúde estou bem, fisicamente não tenho nada. Sinto-me é muito triste. É como se uma desgraça estivesse para me acontecer.

─ Tens a certeza de que queres continuar à frente?

─ Tenho, meu capitão. Não podia perder a oportunidade da abrir a coluna da companhia.

─ Então segue lá. Continuamos porque a coluna já está unida. Devagar que o terreno é difícil.

Assim se reiniciou a marcha. O rio Lama foi atravessado sem novidades. Com o raiar da aurora iriam dar início à batida. O capitão mandou seguir a corta-mato até encontrarem um caminho que desse indícios de uso recente.

Passado algum tempo o Henriques falou.

─ Cristo, aqui Henriques. Tenho aqui um caminho que parece ter sido utilizado, escuto.

─ Henriques, vou já para aí, depois falamos.

Rapidamente o capitão juntou-se ao Henriques e observou o caminho. Vinha do Cantanhez e seguia para noroeste, para a nascente do Ungarinol. O capitão nem hesitou.

─ Vamos seguir este caminho até à nascente do rio. Temos de ir com muito cuidado para não sermos emboscados. Podem começar a andar.

Dadas estas instruções , o capitão chamou os seus comandantes de pelotão.

─ Fernandes, Tala, Manuel, aqui Cristo. Encontrámos um caminho utilizado recentemente. Vem do Cantanhez e segue para noroeste. Vamos seguir por aí. Manuel, cuidado com a retaguarda. Se houver tiroteio o Tala e o Fernandes aguardam ordens. Cuidado e muita atenção. Já estamos no meio deles. Digam se entenderam, escuto.

Todos tinham entendido e o capitão reportou terminado. A progressão da companhia continuou muito lenta. Os soldados, olhos bem abertos, procuravam detectar no terreno e em cima das árvores algo de anormal, um sinal dos guerrilheiros. Silêncio total. Nem a bicharada se fazia ouvir. O capitão avançou um pouco e aproximou-se do Henriques. Sabia que, se houvesse emboscada, a sorte dependeria da reacção dos homens da frente.

Apesar de todo o cuidado na progressão, ouviu-se nitidamente um tiro isolado seguindo de um tiroteio enorme. A situação foi tão inesperada que todo o pelotão se deitou imediatamente no chão. O alferes Henriques estava caído uns três a quatro metros à frente do capitão. O capitão correu para ele para lhe dar instruções e verificou que o Henriques estava ferido com um tiro na barriga. De imediato tomou conta do pelotão, dando ordens directas aos soldados. O Lassen foi buscar o enfermeiro que rápido chegou ao local.

─ Eu já trouxe o alferes Henriques aqui para trás deste monte de baga baga  ─ disse o capitão. ─ Tome conta dele e veja o que pode fazer. Eu tomo conta do pelotão e vou sair daqui ou ainda cá ficamos todos. Arrancamos directos a eles. Passo rápido e fogo sobre eles.

Os soldados levantaram-se e meteram-se pela mata dentro com o capitão. Os guerrilheiros pararam o fogo e retiraram. Na perseguição foi localizado um acampamento improvisado.

─ Fernandes, Tala, Manuel, ─ aqui Cristo ─ sofremos uma emboscada. O Henriques parece que está gravemente ferido. Localizei um acampamento que vou ultrapassar. O Fernandes deixa alguns homens recolher o Henriques e os outros feridos, traz o Tala e vem ter comigo. O acampamento fica por vossa conta. Destruamno.

O pelotão do Henriques garante a segurança frontal. Manuel, segurança à retaguarda. Depois do acampamento destruído retiramos para a bolanha e fazemos as evacuações. Digam se entenderam, escuto.

─ Cristo, aqui Fernandes. Entendido. Agora vou seguir para aí com o Tala. O Henriques morreu, informou o enfermeiro. Há mais três feridos, escuto.

─ Cristo, aqui Manuel. Entendido. Segurança à retaguarda garantida. Escuto.

─ Aqui Cristo, terminado para todos.

─ Bedanda, aqui Cristo. Fui emboscado. Tenho quatro feridos um dos quais oficial. Solicito presença helicóptero para evacuações. É urgente. Estou na mata a oeste do rio Lama e vou agora para a bolanha onde assinalarei a minha presença. Diga se entendido, escuto.

─ Cristo, aqui Bedanda. Entendido. Terminado por agora.

Rapidamente o acampamento foi revistado e destruído. Acampamento recente, estava localizado numa zona de difícil acesso onde os guerrilheiros se sentiam seguros.

O capitão estava triste. Tinha morrido um oficial que era para ele como um filho. Gostava de ir com o capitão para todo o lado e tinha grande admiração pelo seu comandante de companhia. Depois de destruído o acampamento e assegurada na bolanha a segurança para se fazerem as evacuações, o capitão disse ao Fernandes:

─ Sou o responsável pela morte do Henriques. Quando a coluna se partiu eu estive a falar com ele e o rapaz parecia que adivinhava a morte. Estava muito triste. Devia tê-lo mandado para a retaguarda e passar o teu pelotão para a frente. Nunca me perdoarei.

─ O meu capitão não tem culpa. Cada um de nós morre quando tem de morrer. Tinha chegado a hora do Henriques. Se me passasse a mim para a frente e o Henriques para a retaguarda, a emboscada seria à retaguarda e o Henriques morria na mesma.

─ Talvez tenhas razão. Mas nunca mais esquecerei a cara de angústia quando foi ferido e a conversa que tive com ele.

─ Não pense mais nisso, meu capitão. Está aí o heli. Vamos fazer as evacuações.

─ Eu vou falar com o piloto. Trata de trazer o Henriques e os feridos.

O capitão, acompanhado do Lassen, do Joãozinho e do rádio telegrafista, dirigiu-se para o helicóptero onde falou com o piloto.

─ Um dos feridos já morreu. Foi o alferes Henriques. Peço-lhe para o levar para Bissau juntamente com os feridos.

─ Eu vou fazer isso,  embora o senhor capitão saiba que não nos é permitido levar mortos para Bissau.

─ O senhor pode dizer que ele morreu na viagem. Queremos evacuá-lo para Lisboa,  e se estiver em Bissau é mais fácil para nós.

─ Esteja descansado, senhor capitão, que eu levo tudo para Bissau.

Quando o corpo do Henriques e os feridos estavam dentro do helicóptero, o Lassen perguntou ao capitão se também podia ir.

─ Não, não podes. Tu podes é levar já duas lamparinas no focinho. No helicóptero só vão os feridos. Eu fico cá e tu também ficas.

─ Nosso capitão, olhe, eu também estou ferido.

Só nessa altura o capitão deu conta de que o seu guarda-costas estava a perder sangue. Para estar sempre ao lado do seu capitão durante a emboscada, o Lassen não disse a ninguém que também estava ferido e nem sequer tinha sido visto pelo enfermeiro. O capitão viu então a amizade e o respeito que aquele soldado tinha pelo seu capitão.

─ Desculpa, Lassen. Agora devias levar duas bofetadas por não me dizeres que estavas ferido. Vais embarcar depois de o enfermeiro te fazer um penso.

Penso concluído, o Lassen entrou no helicóptero. De dentro do helicóptero falou para o Joãozinho:

─ Joãozinho, eu vou para Bissau. Toma conta do nosso capitão.

O capitão ficou emocionado. Como era possível tanto amor, lealdade e ternura dum soldado para um capitão de Lisboa. Coisa que só a vida dura de combate na Guiné pode explicar.

Depois da evacuação dos feridos, o capitão deu ordem para regressar ao quartel onde chegaram por volta das cinco horas. Um avião sobrevoou o quartel e o capitão deu ordens ao 1.º sargento para ir à pista ver quem tinha chegado.

Quem chegava era o coronel comandante do sector. O capitão já estava de tronco nu e calças desapertadas, preparava-se para tomar banho.

O comandante do sector disse ao capitão.

─ Parabéns, Cristo. Foi uma operação em cheio. Você não deixa os guerrilheiros descansar nem um pouco.

─ Meu comandante, não aceito os parabéns. Tive quatro feridos e um morto. O morto é um oficial que era como um filho para mim. Por favor, tenha dó de mim e compreenda a minha tristeza.

─ É certo que teve um morto e quatro feridos, mas isso não pode ofuscar o êxito da operação. Dou-lhe os parabéns e quero falar aos seus soldados. Mande formar a companhia.

─ Talvez o senhor não saiba como está a companhia neste momento. As ordens que dei foram que quem quisesse comer ia comer, quem quisesse tomar banho ia tomar banho e quem preferisse ir dormir ia dormir. Isto significa que tenho homens a dormir, a tomar banho e a comer. A companhia não está em condições de formar.

─ Olhe, Cristo, eu já estou farto de ver homens nus e posso vê-los mais uma vez. Mande formar a companhia como estiver.

─ Ouviu, nosso primeiro? ─ perguntou o capitão. ─ Não está aqui nenhum oficial. O senhor vai formar a companhia e tem dois minutos para o fazer. Os homens podem formar nus. Formam como estão. Ninguém perde tempo a vestir umas cuecas ou umas calças. Dê ordem para formar a companhia e acompanhe o nosso comandante. Se me dá licença, meu comandante, eu vou tomar banho que era o que eu estava a pensar fazer. O nosso primeiro forma a companhia porque os nossos alferes, tal como eu, não estamos em condições de receber parabéns quando nos morreu um alferes. Isso é mais que suficiente para eu considerar a operação um fracasso.

Dito isto, o capitão que segurava as calças com as mãos, deixou-as cair e ficou em cuecas em frente do comandante e do 1.º sargento, que deitou as mãos à cara. O capitão, imperturbável, começou a descalçar-se, tirou as calças e as cuecas e foi tomar banho sem dizer nada ao comandante. Quando saiu do banho mandou chamar o 1.º sargento para saber o que se tinha passado. A companhia tinha formado, e a maior parte dos homens estavam de cuecas ou de calções. Mesmo assim, o nosso comandante tinha falado com eles e dito que não deviam estar tristes por terem feridos e por ter morrido um alferes, porque os guerrilheiros tinham tido mais baixas. A operação tinha sido um êxito.

O capitão foi para a messe, pediu uma cerveja e falou com os alferes.

─ Os sacanas hoje agiram com inteligência. Aquele tiro contra o primeiro branco da coluna foi o sinal para a emboscada. Sabiam que com esse tiro feriam ou matavam um oficial ou um sargento. O Henriques era o primeiro branco da coluna e eu o segundo. O Lassen levou um tiro numa perna que era dirigido a mim. Não fui ferido ou morto por muita sorte. Hoje renasci. O nosso coronel deve estar chateado comigo. Eu não podia fazer nada. É de muito mau gosto vir dar os parabéns a um capitão por uma operação com quatro feridos e um oficial morto. Há indivíduos que nunca serão capazes de compreender a mentalidade dos combatentes. Que se lixem.

─ Olhe, meu capitão, ─ disse o Manuel ─ eu não fui à formatura mas espreitei. Cumpriram-se integralmente as ordens. Formou rapidamente mas em cuecas. Alguns de tronco molhado, pois tinham acabado de sair do banho. O nosso comandante não viu os homens completamente nus mas fartou-se de ver corpos de homens quase nus. Talvez tenha aprendido a lição e na próxima já não nos chateie. Vamos beber mais uma cerveja para esquecer as tristezas. (...)

Emoção na hora da despedida, em julho de 1967:

Quando chegar a hora da despedida,  em meados de julho de 1967, o capitão Cristo, cmdt da 4.ª CCAC,  irá recordar com muita saudade, o Henriques (a par do Ribeiro, Cordeiro, Carvalho e Oliveira, os seus queridos alferes):

(...) O capitão estava emocionado porque não contava com este almoço de despedida. Quando falou no alferes Henriques, um dos mortos em combate, as lágrimas vieram-lhe aos olhos, pois a morte do Henriques estava muito viva no seu coração.(...) (pág. 373)

[Seleção, revisão e fixação de texto, negritos,  itálicos, parênteses retos e subtítulos: L.G.] (Com a devida vénia...)


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda e dos rios Cumbijã, Ungauriuol (afluente do Cumbijã) e Lama (afluente do Ungauriuol)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


2. Sinopse da Op Sobreiro, 21fev1967

Realizada para localizar e destruir as instalações inimigas referenciadas na região compreendida entre o rio Lama e o rio Ungauriuol, sector S3 (Bedanda), efectuando uma batida que foi executada por forças da CCav 1484,  4ª CCaç e Pel Can s/r 1154. 

Foram localizados 2 núcleos de casas que constituíam o objectivo, que foi destruído. O lN sofreu 3 mortos, além de outras baixas prováveis. As NT sofreram 2 mortos (o alf mil Américo Luís Santos  Henriques, natural de Ourém,  e o sold Sambel Baldé, natural de Bafatá, ambos da 4ª CCAÇ),   2 feridos graves e 2 ligeiros.

Fonte: Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II: Guiné: Livro 2. 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015, pág. 34. (Com a devida vénia...).

PS - No livro supracotado, há um erro sistemático em relação ao nome do rio, que não é Ungarinol, mas sim Ungauriuol (carta de Bedanda, escala 1/50 mil). Erro que vamos corrigir nos postes anteriores em que há referências a este rio, afluente do Cumbijã.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)

sábado, 4 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20524: Os nossos seres, saberes e lazeres (371): Do alto de Ourém, de onde se avista Sicó, Alvaiázere, Lousã e a Serra da Estrela (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Ourém Velha, sem favor, está entre as mais belas vilas portuguesas, tem ali perto concorrência como Dornes ou Óbidos, ou mesmo Sardoal, Constância e Golegã. O Paço, agora em fase de reabilitação, é uma peça única na nossa arquitetura, meio civil, meio militar, andando por ali à volta a bisbilhotar a grandiosidade do Paço dos Condes de Ourém encontramos reminiscências das nossas construções militares no Norte de África e da arquitetura toscana, recorde-se que começou a ser levantado em finais da Idade Média, e está de paredes meias com o soberbo castelo que indicia a Reconquista Cristã.
O viandante, que é fotógrafo amador e bem canhestro, tem procurado estudar, para estas coisas de fortalezas e aparentados a boa hora para captar as imagens, e não esconde o seu contentamento pelo registo destas imagens.

Um abraço de despedida, e até à próxima viagem,
Mário


Do alto de Ourém, de onde se avista Sicó, Alvaiázere, Lousã e a Serra da Estrela

Beja Santos



Entre as mais belas vilas de Portugal, Ourém goza de um soberbo paço ducal, singularíssimo. Em meados do século XV, o 4.º Conde de Ourém, Marquês de Valença e filho primogénito do Duque de Bragança, aqui mandou erguer uma residência fortificada, um misto de castelo do Norte de África e de palácio toscano, coisa raríssima entre nós. Escolheu bem o local, bem perto do castelo que pertenceu aos Árabes, está num topo de escarpas, e o que daqui se avista é soberbo numa rotação panorâmica: temos Sicó mais perto, não longe a Serra d’Aire e Candeeiros e lá ao fundo as penhas da Serra da Estrela. Como se escreve em “As mais belas vilas e aldeias de Portugal”, Editorial Verbo, 1984, “Nos cumes do alcantilado monte elevam-se o Castelo e os Paços da Ourém Velha. As muralhas protegem também a semicircunferência do povoado, que foi pelo menos romano, suevo, visigodo e árabe antes de ser definitivamente cristão”. Pois bem, o espetacular Paço dos Condes é o principal núcleo monumental de Ourém Velha.



Volta-se a citar esta obra da Editorial Verbo: “Construído no século XV, impressiona pela majestosa força, imponente conjunto de torreões, aligeirados e até tornados esbeltos pela cimalha em cachorrada de tijolo formando arcaturas ogivais. Janelas também rematadas em ogiva abrem para o espaço interior e um friso de tijoleiras salientes é mais um elemento deste original e entre nós raro decorativismo”. É impressionante, é como se puséssemos um pé no fim da Idade Média, só um senhor muito poderoso se podia ter abalançado a este empreendimento. E quase logo a seguir, Ourém começou a perder a aura que o seu nobre procurara impor.




E continuando a citação: “Como os gigantescos degraus, as torres sobem a crista do monte que culmina no arruinado castelo, toda uma afirmação de grandeza e poder devida em grande parte a D. Afonso, Conde de Ourém e Marquês de Valença, primogénito do 1.º Duque de Bragança e grande impulsionador de Ourém. O seu túmulo, belíssima peça escultórica, encontra-se na cripta da Capela-Mor da Colegiada, na zona felizmente poupada pelo terramoto de 1755, que arrasou praticamente a igreja e grande parte da vila. Escapou à brutalidade do sismo a arca tumular, mas não à dos franceses em 1810, que espalharam as ossadas do neto de D. João I e de Nuno Álvares Pereira e roubaram e queimaram tudo quanto puderam em Ourém”.




Ourém Velha tem soberbos atrativos turísticos, a despeito de muita casa arruinada, há por ali belas habitações, há muito restauro, goza de uma importante pousada, tem alojamento local e um posicionamento estratégico que permite ao turista ir visitar as pegadas dos dinossauros, as colinas e os vales banhados por ribeiros e pelo rio Nabão, o Parque Natural das Serras d’Aire e Candeeiros, o Parque do Agroal e também Fátima, bem perto.



A chamada vila medieval merece pois uma visita demorada, veja-se aqui a Porta de Santarém e ao lado a linda Capela de Nossa Senhora da Conceição completamente vestida de azulejos seiscentistas.




Enfim, há muito mais a visitar na vila medieval de Ourém, casas brasonadas, a antiga cadeia, o antigo Hospital da Misericórdia, a rua da antiga Judiaria, a Calçada da Carapita, a Calçada da Mulher Morta. O Posto de Turismo deve ser visitado, tem habitualmente belas exposições e boa bibliografia oureense para os interessados.


O viandante tinha imensas saudades de aqui regressar, gosta de usufruir do panorama único, de se reencontrar com este local grandioso do tempo da Reconquista e de contemplar o Paço dos Condes de Ourém, que conforme as imagens ilustram está numa fase de beneficiação e restauro. Aconteceu, mesmo em jeito de despedida, no cimo de uma escadaria apanhar esta atmosfera verdejante e aqueles seres irreais ao fundo, são coisas da imaginação que metem fadas, duendes e histórias de mouras encantadas… Histórias que fazem parte de Ourém, diga-se em abono da verdade.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20507: Os nossos seres, saberes e lazeres (370): Umas férias à sombra do Forte do Pessegueiro (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7879: In Memoriam (72): Jaime Maria Nunes Estêvão, sold da CART 1690 / BART 1914, natural de Ourém, morto em 24/7/1968, num ataque ao destacamento de Banjara (A. Marques Lopes)



Guiné > Zona Leste > Sector L2 (Geba) > CART 1690 (1967/69) < Destacamento de Banjara >  Foto do  Jaime Estêvão, morto em  por um estilhaço de morteiro,  no ataque ao destacamento, em 24/7/1968...





Guiné > Zona Leste > Sector L2 (Geba) > CART 1690 (1967/69) < Destacamento de Banjara >  O Sold Jaime Estêvão, natural de Ourém, à esquerda....



Guiné > Zona Leste > Sector L2 (Geba) > CART 1690 (1967/69) < Destacamento de Banjara >  Uma terceira foto  do malogrado Sold Jaime Estêvão,  lançando-se para a "piscina" à pai Adão...




Fotos: © Alfredo Reis / A. Marques Lopes (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 / BART 1914 > Destacamentos e aquartelamentos > 1968 > A CART 1690, com sede em Geba, tinha vários destacamentos: Banjara, Cantacunda, Sare Banda, Sare Ganá... Os destacamentos não tinham luz eléctrica, as condições de segurança eram precárias e o reabastecimento irregular. O IN tinha duas importantes bases em Sinchã Jobel e Samba Culo.  A CART 1690 pertencia ao BART 1914 (Tite, 1967/69), que tem página Net.

Infogravura: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados






1. Mensagem do A. Marques Lopes, com data de 18 do corrente:

Amigo, vê em baixo o mail que me mandou esta mulher.



Tenho tentado apanhar no blogue as fotografias de Banjara, sei que o Estêvão está em algumas delas, mas não consigo ir aos sítios. Tenho informações sobre o homem, como era, como morreu... Gostava de dizer à mulher e enviar-lhe as fotografias. Já as tive mas acho que as apaguei, porque não as encontro. Se puderes indicar-me os locais onde estão...

Abraço e obrigado

A. Marques Lopes

2. Mensagem, enviada com ao A. Marques Lopes, por Maria da G. V. (não identificamos a pessoa, por que não pedimos a sua autorização expressa, por escrito), com data de 18 do corrente:



Assunto: Jaime Estevão

Boa tarde.

Interesso-me bastante por toda esta questão da guerra colonial. Marcou muita a minha infância, com partidas de amigos e familiares. Um amigo, um familiar e um meu conhecido não voltaram da Guiné. Lembro-me de ouvir falar de outros mortes na zona. Consegui situar a morte de alguns, um deles na operação Nó Górdio, em Moçambique.



Eu tinha 10 anos quando morreu o Jaime Nunes Estevão. No seu relato diz que houve um morto em Baranja no dia 18 de Maio de 68. Ele era da CART 1690 [, do BART 1914]. Foi a vítima que refere?


Há vários fotos mas sem estarem identificadas Como posso obter mais informações da vida e morte dele na Guiné e identificá-lo nas fotos?


Nunca o consegui esquecer. Ainda hoje recordo nitidamente o dia do seu funeral, as salvas de tiros, as conversas com os irmãos que eram meus colegas de escola . 


Recordo também a partida do meu tio 2 ou 3 meses depois. O barco, as lágrimas da minha mãe, avós e tias e a despedida dele do irmão mais velho, com 36 anos de idade,  em fase terminal de leucemia (morreu 6 meses depois), que lhe disse:
- Nunca mais nos veremos e, aliada à preocupação de deixar as minhas filhas [três] e a minha mulher desamparadas, ainda vou passar o resto dos meus dias a ter medo que partas antes de mim porque não sei qual de nós vai primeiro, se eu com esta maldita doença ou tu com uma bomba no meio do mato.



Ainda hoje o meu tio não gosta de falar da Guiné e não esquece a mágoa de, em vez de acompanhar o irmão e sobrinhas nos seus últimos meses de vida, ainda contribuiu para os tornar mais pesados.


Também me marcou muito a imagem da mãe do Jaime, viúva com 4 ou 5 filhos, sendo ele o mais velho. Dizia que a guerra lhe tinha levado o filho e o sustento dos irmãos mais novos, todos menores. Lembro-me de consolar o irmão Afonso, de 16 /17 anos, e dizer-lhe que ele não seria morto como o irmão porque já não seria obrigado a ir para a Guerra. 


Não me recordo de outro familiar, morreu em 1965, eu tinha 7 anos. Mas recordo vivamente a pena que tinha do meu primo, 3 anos mais novo e sem pai.  Agradeço-lhe antecipadamente qualquer informação que me possa prestar. Estou a tentar descobrir o mais possível sobre as curtas vidas destes jovens (só no concelho de Ourém, cerca de 40) que foram obrigados a partir e deram as suas vidas.


Também tomei contacto com a primeira [guerra] através do meu avô paterno que foi gaseado em França e ficou sempre com problemas de saúde. Morreram lá cerca de 14 ourienses, alguns amigos do meu avô. O meu avô materno partiu para França em 1920, com 19 anos, para fazer parte da reconstrução pós-guerra, onde ficou quase 10 anos. Cresci com as histórias de um e outro sobre a França.


Com os meus cumprimentos

Maria da G.V.



3. Mensagem de L.G., enviada em 18 do corrente ao A. Marques Lopes:

Querido António: Vê lá se encontras aqui alguma foto do Estêvão, neste dossiê de 2007... Estas são fotos do Alfredo Reis, não sei se alguma é tua... Mas julgo que tenho mais, de Banjara... Vou procurar... Estás melhor ?... Vou fazer uma referência ao teu blogue... Fica bem. Luís



4. Resposta do A. Marques na volta do correio:


Há aqui duas [fotos] onde ele está. É o que se está a mandar tudo nu para dentro de água e o que tem o javali. Era um tipo muito forte e trabalhador, amigo e companheiro. Um morteiro caiu em cima de uma árvore onde ele estava perto e um estilhaço furou-lhe o peito mesmo em cima da aorta. Caiu num charco de lama e esvaiu-se em sangue. Era o [Alf Mil Alfredo] Reis que lá estava e diz que o esteve a lavar. Eu não tenho fotografias de lá. Se arranjares mais algumas agradeço. (...)


Obrigado. Abraço


5. Comentário (final) de L.G.:

 Segundo informação constante da lista dos mortos do Ultramar,  naturais do concelho de Ourém, coligida e divulgada pelo  portal Ultramar Terraweb (laboriosa e superiormente criado e mantido pelo nosso camarigo António Pires e a sua equipa),  o nosso malogrado camarada Estêvão, Jaime Maria Nunes Estêvão, de seu nome completo, natural do Regato, Ourém, morreu 24/7/1968 (**), e está sepultado no cemitério da sede do concelho.

Gostaríamos de poder aqui, no nosso blogue e nesta série, recordar um a um todos os nossos camaradas que perderam a vida no TO da Guiné. Agradeço à Maria da G.V. a oportunidade de evocar a memória do seu amigo e nosso camarada de armas Jaime Estêvão, para cuja família e amigos de Ourém mandamos um abraço solidário.

________________

Notas de L.G.:

(*) Último poste da série > 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7873: In Memoriam (71): Fur Mil Av Frederico Manuel Machado Vidal (1943-1964), piloto de T-6, abatido em 24/2 /1964


(**) Vd. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série > 25 Maio 2005
Guiné 69/71 - XXIV: O ataque ao destacamento de Banjara (1968) (A. Marques Lopes)



(...) Vou-vos falar sobre Banjara. Não havia população civil e estava cercado por mata. Estava só um pelotão, 30 efectivos. A um quilómetro havia uma fonte onde, alternadamente, os nossos e o PAIGC se iam fornecer de água. Às vezes, encontravam-se… Mas havia uma fuga concertada dos dois lados, sem tiroteio. Ficava a 45 kms da sede da companhia (a CART 1690, em Geba).

Como podem ver pelo mapa [do sector de]Geba que já vos enviei, tinha do lado esquerdo a base de Samba Culo do PAIGC e do lado direito a base de Sinchã Jobel. Os abastecimentos eram feitos por terra, com grandes dificuldades. Às vezes demoravam muito tempo, pelo que era necessário recorrer aos "produtos" da natureza, isto é, apanhar algum bicho para comer (javalis, pássaros, macacos e, até, cobras). Neste ataque de que vos dou o relatório, tentaram fazer o mesmo que em Cantacunda, mas sem sucesso.

(...) Ataque a Banjara:  24 de Julho de 1968.

"Desenrolar da acção: No passado dia 24, pelas 18H00, o destacamento de Banjara foi atacado por numeroso grupo IN, estimado em cerca de 80 elementos (Bigrupo reforçado) com o seguinte armamento:

-Morteiro 82
-Morteiro 60
-Bazooka
-Lança-Rockets
-Metralhadoras pesadas
-Armas ligeiras


"O ataque terminou às 19H15. Verificou-se que, durante o ataque, as NT sofreram 1 morto [, Sold Jaime Maria Nunesa Estêvão] 
e 2 feridos, tendo sido atingido por uma granada de morteiro a caserna e por uma granada do lança-rocketes o depósito de géneros.

"O ataque foi efectuado no sentido Norte-Sul tendo o IN instalado alguns elementos do lado Sul. Verificou-se que mal o IN abriu fogo com os morteiros 82 e 60, alguns elementos correram imediatamente para a rede de arame farpado, cortando o arame nalguns sítios, procurando penetrar no aquartelamento. No entanto, devido à pronta reacção das NT, não o conseguiram, tendo sido obrigados a retirar, após o que continuaram a flagelar o aquartelamento sem, contudo, causarem mais baixas às NT.

"Diversos: A hora a que o ataque se realizou quase que coincidiu com a hora da terceira refeição. Verificou-se que a maioria dos soldados se encontravam a tomar banho, pois tinham acabado de jogar uma partida de futebol.

"O impacto inicial do ataque foi sustido principalmente pelo soldado Manuel da Costa que, mal se iniciou o ataque, correu para a metralhadora pesada Breda e, sem ser apontador da mesma, pô-la imediatamente [em acção] e manteve-se sempre nesse posto, e pelo soldado José Manuel Moreira da Sila Marques que, sozinho, em virtude dos outros dois camaradas que constituíam a esquadra do morteiro 81, terem sido feridos, funcionou com o mesmo, tendo a presença de espírito para, a certa altura, e após ter verificado que algumas das granadas estavam sujas de terra, despir os calções para limpar as mesmas e poder assim continuar a bater o IN com um fogo bastante certeiro.

"A coluna de socorro, constituída por 1 PEL REC do EREC [Esquadrão de Reconhecimento] 2350, 1 GR COMB da CART 1690 e pelo PEL CAÇ NAT 64, saiu de Saré Banda às 07H30 do dia 25 (e tal deveu-se a ter sido necessário recolher as forças que executavam a Operação Iluminado) e atingiu Banjara às 15H00, pois foi necessário picar toda a estrada até ao destacamento de Banjara.

"Quando a coluna lá chegou ordenei que um Gr Coimb batesse toda a região, tendo o mesmo detectado várias manchas de sangue e pedaços de camuflado IN, e munições de armas ligeiras.

"Devido às baixas, deixei uma secção a reforçar o destacamento de Banjara, tendo em seguida regressado a Geba.

"Resultados obtidos: 

"Baixas sofridas pelo IN: dois mortos confirmados; várias baixas prováveis; material capturado: munições de armas ligeiras e uma granada de morteiro 82". (...)