Mostrar mensagens com a etiqueta Al J. Venter. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Al J. Venter. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21306: Memórias cruzadas na região do "Macaréu" (Bambadinca) em 1971: a realidade e a ficção (Jorge Araújo)

Foto 1 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1970) - Vista aérea da tabanca de Bambadinca tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano a saída (lado leste) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá (para leste); Bambadinca-Xitole/Saltinho (para sul) e Bambadinca-Xime (para oeste). Ao fundo, o Rio Geba Estreito [foto do álbum de Humberto Reis, fur mil op esp da CCAÇ 12 (1969/1971)], com a devida vénia.
 

Foto 2 –  Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1972) >  BART 2917 (25Mai70-27Mar72) > Bambadinca; Carreira de Tiro, Março de 1972. Da direita para a esquerda: na primeira fila, o TCor Tiago Martins (Cmdt do BART 3873), o General Spínola, e o TCor Polidoro Monteiro (Cmdt do BART 2917). Atrás, na segunda fila, o Paulo Santiago (Alf mil PCNAT 53, Saltinho, 1970/72, de bigode e ósculos escuros) e o antigo administrador de Bafatá, o então intendente Guerra Ribeiro – P11288. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada: acaba de regressar de Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, onde foi "apanhado" durante vários meses pela pandemia de Covid-19; tem mais de 260 registos no nosso blogue.
  
MEMÓRIAS CRUZADAS
NA REGIÃO DO "MACARÉU" (BAMBADINCA) EM 1971
- O EXERCÍCIO DE COMPREENDER A REALIDADE E A FICÇÃO 

1.     - INTRODUÇÃO

A contextualização da presente partilha de informação, como pode depreender-se do seu título, tem por cenário uma parcela do território da Guiné, situada na Região Leste (Sector L1), de nome Bambadinca (foto 1), local onde durante dois anos da minha missão ultramarina, na qualidade de miliciano do exército (1972/1974) passei por diversas experiências, entre elas a do "macaréu" (10Ago72; hoje memórias), que, quando cruzadas com outras, nos permitem compreender melhor as diferenças existentes entre "verdade" e "ficção".

Por outro lado, a ideia de colocar no papel uma nova reflexão sobre alguns "factos" relacionados com aquela região, de que tivéramos conhecimento por leituras que foram acontecendo, data do ano de 2016, como iremos dar conta no ponto seguinte.

2.     - O LIVRO DE AL J. VENDER

Mais ou menos há quatro anos, um familiar (dos mais próximos) ofereceu-me o livro «Portugal e as Guerrilhas de África. As guerras portuguesas em Angola, Moçambique e Guiné Portuguesa 1961-1974», da autoria de Albertus Johannes Venter, identificado por AL J. Venter, um conhecido jornalista de guerra, nascido a 25 de Novembro de 1938, em Kroonstad, a sul de Pretória, portanto sul-africano, e que é considerado internacionalmente como "um veterano na cobertura de conflitos em África e no Médio Oriente".


O meu familiar, ao ter a intenção de me oferecer "algo" (já não sei a que propósito), encontrou na expressão "um testemunho surpreendente do único jornalista estrangeiro presente nas três frentes da Guerra Colonial", a opção por esta sua escolha, uma vez que sabia que a temática da «Guerra Colonial» ou «Guerra do Ultramar», conteúdo historiográfico abordado nesta obra, era uma das áreas do meu interesse pessoal, concomitante com o facto de ter sido ex-combatente na Guiné, como já referi.

Entretanto, só passados alguns dias me foi possível folhear o livro, iniciado, por defeito ou virtude (técnica) da prática profissional, pelo índice. Aí encontrei, desde logo, na página 245, o início da Parte II «A Guerra na Guiné Portuguesa», estruturada entre os pontos 12 e 20, ou seja, das páginas 247 a 372.

Chamou-me a atenção o ponto 17. «Guiné Portuguesa: Norte e Leste de Bissau», com início na página 309. Mas foi na página 322 que o meu foco se fixou, naturalmente, por tratar-se de uma referência a Bambadinca, onde é citado o lema «BRAVOS E SEMPRE LEAIS», curiosamente o mesmo do meu Batalhão [BART 3873] – Bambadinca: Fev72-Mar74 – por ser a divisa da Unidade Mobilizadora: o RAP 2 (Regimento de Artilharia Pesada 2), e não a divida do BART 2917, que era «P'LA GUINÈ E SUAS GENTES», como se pode observar no ponto 3.2.

Li, reli e voltei a ler, para me certificar do que estava a entender da narrativa. Mas não queria acreditar, por experiência feita e por muitas leituras já realizadas na minha continuada investigação. Não tive dúvidas!… Estava perante uma "fraude" intelectual e histórica. Grande parte do conteúdo do "conto" não podia ter acontecido… dizia eu em voz alterada para os "meus botões". Era (é) uma gigantesca «ficção» que não só descredibiliza o autor como põe em causa o valor histórico, logo científico, do "objecto" divulgado e que, não raras vezes, é utilizado (citado) na elaboração de trabalhos académicos, como iremos sinalizar de seguida.

2.1       - FACTOS ERRÓNEOS

Para melhor esclarecimento e posterior análise dos "factos erróneos", contidos na narração a que tivemos acesso, reproduz-se na íntegra o seu conteúdo, retirado da página 322, onde consta:

"Em Bambadinca ficava o quartel-general do tenente-coronel João Monteiro [João Polidoro Monteiro], chefe do Batalhão 2917 [BART 2917; de 25Mai70 a 27Mar72] (lema: «Bravos e Sempre Leais», do RAP 2, Unidade mobilizadora); [divisa da Unidade: «P'la Guiné e suas Gentes». O Aquartelamento situava-se num dos poucos rios do interior onde não se fazia sentir a humidade usual da região costeira pantanosa.

A Base controlava [?] uma área que incluía a confluência dos rios Geba e Corubal, outra parte do país que vira muitos confrontos violentos no período anterior a 1968 [triângulo: Bambadinca-Xime-Xitole].

O Último ataque ocorrera exactamente um ano antes de eu chegar [só podia ter sido em 1970]: um grupo infiltrado tinha-se dirigido para norte do outro lado da fronteira a partir de Kandiafara para tentar cortar e minar a estrada de Bafatá. Num final de tarde, os guerrilheiros atacaram Bambadinca a partir do outro lado do rio [?], retirando-se depois para uma posição pré-determinada, onde esperaram pelo dia seguinte antes de se juntarem a outros dois grupos. Esta força combinada iria atacar outras posições durante o assalto [?].

Foi então que algo correu mal. Um grupo de pisteiros do grupo de ataque colidiu com uma das patrulhas do coronel [João Polidoro] Monteiro [Cmdt do BART 2917] e foi capturada[o] intacta[o], sem ter sido disparado um único tiro. Um dos homens era um alto oficial do PAIGC [?]. Os quatro homens foram levados de helicóptero para Bambadinca, onde foi oferecida ao oficial a opção de contar tudo ou aceitar as consequências. Era uma situação sem saída, e o rebelde foi suficientemente inteligente para aceitar.

E foi assim que o general Spínola teve todo o plano de batalha [?] dos guerrilheiros nas suas mãos nessa mesma manhã…"



2.2       - CONTRIBUTOS PARA O CONTRADITÓRIO

Na sequência das várias leituras que fiz aos diversos temas abordados ao longo da obra acima citada, procurei encontrar outras perspectivas que me ajudassem a aliviar "a revolta" que então senti pela imprudência (ou desfaçatez) de tanta "ficção".

◙ Vejamos as principais:

▬ No circuito comercial:

Em "Opinião dos Leitores", Miguel da Costa (04.01.2016) dizia: "Um livro fundamental, escrito por um jornalista credível…Recomendo Vivamente".



▬ Nas redes sociais:

No Blogue "Herdeiro de Aécio", com mais de dois milhões e meio de visualizações, em 16 de Outubro de 2018, o seu editor, A. Teixeira, escreve:




▬ Em trabalhos académicos:





[…]
"Bem ou mal, a história militar da Guerra Colonial Portuguesa está feita (Venter [,Al J.], 2015 [Portugal e as Guerrilhas de África. …]; Afonso & Gomes, 2010; Garcia, 2010; Teixeira, 2010; Leite, 2009; Rebocho, 2009; Brandão, 2008; Garcia, 2006; Cann [John], 2005; Bacelar, 2000)." […] (p 96)

▬ No Blogue da «Tabanca Grande»:

Durante a pesquisa realizada ao espólio fotográfico do blogue, visando a selecção de algumas imagens de Bambadinca para enquadramento deste trabalho, foi com surpresa (e ainda bem!) que encontrei no P17378 (19Mai2017), na série «Notas de leitura», da responsabilidade do camarada Beja Santos, uma análise ao mesmo livro de Al J. Venter "Portugal e as Guerrilhas de África", bem como um conjunto de "comentários" que vieram mesmo a calhar nesta minha narrativa, a saber:

● [Luís Graça] – (i) O referido ataque a Bambadinca foi a 28/5/1969 (ou "flagelação", segundo a história da unidade...), estavas tu em Missirá e eu a chegar a Bissau no "Niassa", ainda deu no dia 2 de junho'69, ao passar por lá, vindo de Bissau a caminho de Contuboel, para ver os estragos (relativamente poucos...) mas sobretudo sentir as reações e emoções da malta da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas...

(ii) Nunca ouvi esta versão do Al J. Venter / Domingos Magalhães Filipe, ou a melhor a versão contada pelo comandante do BART 2917 (que rendeu o BCAÇ 2852) e registada pelo escritor sul-africano... Será que o inglês do Magalhães Filipe e o português do Venter eram assim tão maus?

(iii) Parece que alguém está a delirar... ou trocou as cassetes... Recorde-se que o BART 2917 chegou a Bambadinca em finais de maio de 1970...

(iv) O Venter deve, portanto, ter falado, talvez em junho ou mesmo princípios de junho de 1970, com o então TCor Art Domingos Magalhães Filipe, que irá ser substituído pelo famoso TCor inf Polidoro Monteiro [situação verificada somente em meados de Dez70, vindo do BCAÇ 2861 (11Fev69-07Dez70), na sequência da conclusão da comissão desta Unidade].

(v) Em conversa há dias [Maio2017] com o Fernando Calado, que foi alf mil trms da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), ele transmitiu-me a seguinte versão dos factos que, de resto, podem ser corroborados pelo Ismael Augusto, outro oficial miliciano da CCS, ambos membros da nossa Tabanca Grande:

■ O relato do escritor sul-africano Al J. Venter é uma falsificação da história;

■ Não houve prisioneiros nenhuns, nem muito menos nenhuma figura grada do PAIGC, e nem muito menos apanhados à mão e trazidos de helicóptero para Bambadinca para serem interrogados;

■ O comandante do BCAÇ 2852 não estava em Bambadinca nem ele nem a esposa.

◙ Em resumo:

▬ 1. - No caso do jornalista sul-africano Al J. Venter ter passado por Bambadinca, a sua visita só poderia ter sido durante o ano de 1971.

▬ 2. - No período em análise não aconteceram quaisquer dos factos "classificados de relevantes" para as NT, narrados na página 322 do seu livro.

▬ 3. - O TCor João Polidoro Monteiro comandou o BART 2917 durante quinze meses, desde a sua chegada a Bambadinca, em meados de Dezembro de 1970 até à sua substituição, verificada em meados de Março de 1972, pelo TCor António Tiago Martins (1919-1992), Cmdt do BART 3873 (28Dez71-04Abr74).

▬ 4. - A maioria dos depoimentos, conforme se infere do acima exposto, são de opinião de que Al J. Venter prestou um mau serviço à causa da "ciência historiográfica" ao narrar "factos" que não constam em nenhum dos Documentos Oficiais, pelo que se pode concluir que "falsificou a história" da «Guerra Colonial», em particular a da Guiné.

▬ 5. - Em função do ponto anterior, sugere-se à «Academia» e à sua comunidade científica, no caso de vir a utilizar este recurso bibliográfico, que tome as devidas precauções, cruzando-o com outras fontes em que se possa confiar.

▬ 6. - É relevante o facto deste livro fazer parte do "Plano Nacional de Leitura"…

3.     – SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 2917 = BAMBADINCA - XIME - ENXALÉ - MANSAMBO - XITOLE (1970-72)



Foto 3 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > Mato Cão > Dez'71 > O TCor João Polidoro Monteiro, último Cmdt do BART 2917 (1970/72), na companhia do Alf Médico Vilar e do Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba – P9034. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


3.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizado pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP 2], de Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, o Batalhão de Artilharia 2917 [BART 2917], liderado pelo TCor Art Domingos Magalhães Filipe, mais as suas três Unidades de quadrícula – CART 2714, CART 2715 e CART 2716 – embarcaram em Lisboa, no Cais da Rocha, em 17 de Maio de 1970, domingo, seguindo viagem a bordo do N/M "CARVALHO ARAÚJO", rumo à Guiné (Bissau), onde chegaram a 25 do mesmo mês, 2.ª feira. 



3.2 - SINTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL

● A DO BART 2917

Quatro dias após a sua chegada a Bissau, o BART 2917 seguiu, em 29Mai70, para Bambadinca, a fim de efectuar a sobreposição e render o BCAÇ 2852 [30Jun68-16Jun70; do TCor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos (1.º); TCor Cav Álvaro Nuno Lemos de Fontoura (2.º) e TCor Inf Jovelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real (3.º)], assumindo em 07Jun70 a responsabilidade do Sector L1, com sede em Bambadinca e abrangendo os subsectores de Xime [CART 2715], Xitole [CART 2716] e Mansambo [CART 2714] e Bambadinca [CCS e Cmd].

As suas três subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do Batalhão. Desenvolveu intensa actividade operacional, tendo comandado e coordenado a realização de diversas operações, patrulhamentos, emboscadas e protecção e segurança dos itinerários e ainda promovendo a segurança e protecção dos trabalhos de construção de aldeamentos para as populações e correspondente desenvolvimento socioeconómico.

Da sua actividade destacam-se, entre outras, as operações «Corrida Entusiástica» e «Triângulo Vermelho», e ainda a organização e funcionamento do Centro de Instrução de Milícias [CIM], bem como a captura de diverso material de guerra, como sejam duas metralhadoras ligeiras, uma espingarda, um lança-granadas foguete, quinze granadas de armas pesadas, cinco minas e elevada quantidade de munições de armas ligeiras.

Em 15Mar72, o BART 2917 foi substituído no sector de Bambadinca pelo BART 3873 [Dez71-Abr74] e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, que aconteceu entre os dias 24 e 27 de Março de 1972, a bordo dos TAM. (Ceca; p. 228).



● A DA CART 2714

A CART 2714, do Cap Art José Manuel da Silva Agordela, seguiu em 29Mai70 para Mansambo a fim de efectuar a sobreposição e render a CCAÇ 2404 [30Jul68-16Jul70; do Cap Mil Inf Carlos Alberto Franqueira de Sousa (1.º)], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector. 

Por períodos variáveis, destacou Grs Comb para reforço de outras subunidades do sector, mantendo também um Gr Comb em reforço da CART 2715, no Xime, a partir de 23Set70. Em 14Mar72, foi rendida no subsector de Mansambo pela CART 3493 [28Dez71-02Abr74; do Cap Mil Inf Manuel da Silva Ferreira da Cruz], após o que recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 24 de Março.

● A DA CART 2715

A CART 2715, do Cap Art Vítor Manuel Amaro dos Santos (1.º), seguiu em 31Mai70 para o Xime a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2520 [29Mai69-17Mar71; do Cap Mil Art António dos Santos Maltez], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um destacamento no Enxalé, sendo este guarnecido ora com um Gr Comb, ora com dois, conforme as necessidades operacionais. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xime pela CART 3494 [28Dez71-03Abr74; do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (1.º); Cap Art António José Pereira da Costa (2.º) e Cap Mil Inf Luciano Carvalho Costa (3.º)], tendo recolhido a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 25 de Março.

● A DA CART 2716

A CART 2716, do Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida, seguiu em 29Mai70 para o Xitole a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2413 [16Ago68-18Jun70; do Cap Art Raul Alberto Laranjeira Henriques], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um Gr Comb destacado na ponte do Rio Pulom. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xitole pela CART 3492 [29Dez71-01Abr74; do Cap Mil Inf António Vítor Ribeiro Mendes Godinho], tendo recolhido seguidamente a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 26 de Março. (Ceca; p. 229).
______________________
Fontes Consultadas:
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).
Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
28AGO2020
__________

Nota do editor

Último poste da série "Memórias cruzadas" > 18 de agosto de 202 > Guiné 61/74 - P21266: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Antecedentes do Plano de Assalto ao Quartel de Varela, proposto por dois desertores portugueses: o caso do António Augusto de Brito Lança, da CART 250 (1961/63) (Jorge Araújo)

Vd. também:

15 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17359: Notas de leitura (956): “Portugal e as Guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, prefácio de John P. Cann (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 28 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17405: Falsificações da história (1): a fantasiosa versão do repórter de guerra e escritor sul-africano Al J. Venter sobre o ataque a Bambadinca em 28/5/1969


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O alf mil  trms Fernando Calado, de braço ao peito, junto à parede, crivada de estilhaços de granada de morteiro, das instalações do comando, messe e dormitórios de oficiais e sargentos, na sequência do ataque de 28 de maio de 1969.

Esta era a parte exterior dos quartos dos oficiais (vd. ponto 6 da foto aérea abaixo reproduzida),  que dava para as valas, o arame farpado e a bolanha, nas traseiras do edifício do comando... Era uma parte mais exposta, uma vez que o ataque partiu do lado da pista de aviação.

Pelo menos aqui, caíram duas morteiradas:

(i) Uma das morteiradas atingiu o quarto onde dormia, com outros camaradas,  o fur mil amanuense José Carlos Lopes. Tinha acabado de sair.. Ainda hoje conserva um lençol crivado de estilhaços... Está vivo por uma fração de segundos... (Bancário reformado do BNU, vive em Linda a Velha e é membro da nossa Tabanca Grande.);

(ii) Outra morteirada atingiu o quarto onde dormia o Fernando Calado e o Ismael Augusto.  O Fernando ainda apanhou o efeito de sopro, tendo sido menos lesto que o Ismael, a sair logo que rebentou a "trovoada"...

Também podia ter "lerpado", como a gente dizia na época... Apesar de tudo, a sorte (ou a má pontaria dos artilheiros da força atacante, estimada em 100 homens, o que equivalente a 3 bigrupos) protegeu os nossos camaradas da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas (, entre elas, o Pel Caç Nat 63 cujos soldados, guineenses, dormiam a essa hora, com as suas bajudas, nas duas tabancas de Bambadinca, e que portanto estavam fora do arame farpado)...

Na foto acima , o Fernando Calado, membro da nossa Tabanca Grande (tal como o Ismael Augusto), traz o braço ao peito, não por se ter ferido no ataque mas sim por o ter partido antes, num desafio de... futebol. Infelizmente  temos poucas fotos dos efeitos (de resto, pouco visíveis) deste ataque.

Foto: © Fernando Calado (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Invólucros de granadas de canhão s/r, deixadas na orla da mata contígua à pista de aviação, na noite do ataque a Bambadinca, 28 de maio de 1969... Ainda tenho bem presente, na minha memória, estes "objetos" de guerra, na nossa passagem por Bambadinca, a caminho de Contuboel, em 2 de junho de 1969...



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Bidões de combustível atingidos pelo fogo do IN, no ataque da noite de 28 de maio de 1969. Recorde-se aqui o sistema de cores dos nossos bidões de combustíveis e lubrificantes: Vermelho (gasolina), verde claro (petróleo branco), azul (gasóleo), amarelo (óleos)...No caso dos combustíveis para aeronaves, os bidões também eram verde-claro, mas de tampa (topo do bidão) de cor branca.

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > c. 1970 > Vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca

Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação (1) e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste). Vê-se ainda uma nesga do heliporto (2) e o campo de futebol (3). A CCAÇ 12 (julho de 1969/março de 1971) começou também a construir um campo de futebol de salão (4), com cimento "roubado" à engenharia nas colunas logísticas para o Xitole.

De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão (5) e as instalações de oficiais (6) e sargentos (7), para além da messe e bar dos oficiais (8) e dos sargentos (9). As messes de oficiais e sargentos, tinham uma cozinha comum (10).  Na noite de 28 de maio de 1969, uma granada de morteiro explodiu no ponto 7.

Do lado direito, ao fundo, a menos de um quilómetro corria o Rio Geba, o chamado Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá. O aquartelamento de Bambadinca situava-se numa pequena elevação de terreno, sobranceira a uma extensa bolanha (a leste). São visíveis as valas de protecção (22), abertas ao longo do perímetro do aquartelamento que era todo, ele, cercado de arame farpado e de holofotes (24). A luz eléctrica era produzida por gerador... Junto ao arame farpado, ficavam vários abrigos (26), o espaldão de morteiro (23), o abrigo da metralhadora pesada Browning (25). Em 1969/71, na altura em que lá estivemos, ainda não havia artilharia (obuses 14).

A caserna das praças da CCS (11) ficava do lado oeste, junto ao campo de futebol (3). Julgava-se que o pessoal do pelotão de morteiros e/ou do pelotão Daimler ficava instalado no edifício (12), que ficava do outro lado da parada, em frente ao edifício em U. Mais à direita, situava-se a capela (13) e a secretaria da CCAÇ 12 (14). Creio que por detrás ficava o refeitório das praças. Em frente havia um complexo de edifícios de que é possível identificar o depósito de engenharia (15) e as oficinas auto (16); à esquerda da secretaria, eram as oficinas de rádio (17).

Do lado leste do aquartelamento, tínhamos o armazém de víveres (20), a parada e os memoriais (18), a escola primária antiga (19) e depósito da água (de que se vê apenas uma nesga). Ainda mais para esquerda, o edifício dos correios, a casa do administrador de posto, e outras instalações que chegaram a ser utilizadas por camaradas nossos que trouxeram as esposas para Bambadinca (foi o caso, por exemplo, do alf mil António Carlão, nosso camarada da CCAÇ 12).

Esta reconstituição foi feita por Humberto Reis, Gabriel Gonçalves e Luís Graça.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Já muito se escreveu aqui sobre o célebre ataque a Bambadinca em 28 de maio de 1969 (*), por coincidência uma data simbólica para o regime político então em vigor: em 28 de maio de 1926 deu-se um golpe de Estado que pôs fim à I República, instaurou a Ditadura Militar e institucionalizou o Estado Novo, derrubado 48 anos depois, em 25 de abril de 1974.

A data nunca foi esquecida por quem, como o Fernando Calado e o Ismael Augusto, estava em Bambadinca nessa noite e foi brutalmente acordado pelas explosões dos canhões sem recuo e dos morteiros 82, e pelas rajadas de armas automáticas... 

O simbolismo da data é reforçado pelo facto de tudo ter acontecido  pouco mais de dois meses depois da grande Op Lança Afiada, em que as NT varreram  toda a margem direita do Rio Corubal, desde a foz do mítico rio até à floresta do Fiofioli, considerado um bastião do PAIGC. Cerca de 4 mil almas deveriam viver, sob controlo do PAIGC, desde o início da guerra, nos subsetores do Xime e do Xitole. Cerca de 1300 homens, entre militares e carregadores civis. participaram nesta grande "operação de limpeza". de 10 dias, que não se voltaria a repetir, no setor L1.

Refeito dos desaires sofridos (nomedamente, a desarticulação e/ou destruição de boa parte dos seus meios logísticos, incluindo moranças e meios de subsistência da guerrilha e das populações sob o seu controlo: toneladas de arroz, dezenas e dezenas de cabeças de gado, centenas de galináceos e porcos...), o PAIGC decidiu atacar em força Bambadinca, porta de entrada da zona keste. 

Na história do BCAÇ 2852, o ataque (ou melhor, "flagelação") a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo seco, telegráfico:

"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGFog, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros. " (...).


2. Sobre este ataque a Bambadinca lemos há dias o seguinte excerto da versão contada pelo escritor e jornalista sul-africano Al J. Venter que, em missão de reportagem à Guiné,  visitou o aquartelamento, um ano depois, já no tempo do BART 2917 (1970/72) e que falou, entre outros com o comandante de batalhão. O excerto é reproduzido pelo nosso crítico literário, Mário Beja Santos (**):


(...) “O último ataque [a Bambadinca] ocorrera exatamente um ano antes de eu chegar: um grupo infiltrado tinha-se dirigido para Norte do outro lado da fronteira  [com a República da Guiné-Conacri] a partir de Kandiafara [corredor de Guileje] para tentar cortar a estrada de Bafatá. 

"Num final da tarde, os guerrilheiros atacaram Bambadinca a partir do outro lado do rio [ Corubal ? ],  retirando-se depois para uma posição pré-determinada, onde esperaram pelo dia seguinte antes de se juntarem a outros dois grupos. Esta força combinada iria então atacar outras posições durante o assalto. Foi então que algo correu mal. 

"Um grupo de pisteiros da força atacante colidiu com uma patrulha de Bambadinca e foi capturada intacta, sem ter sido disparado um único tiro. Um dos homens era um alto oficial do PAIGC. 

"Os quatro homens foram levados de helicóptero para Bambadinca onde foi oferecida ao oficial a opção de contar tudo ou aceitar as consequências. Era uma situação sem saída, e o rebelde foi suficientemente inteligente para aceitar”. (...)

O referido ataque a Bambadinca foi a 28/5/1969 (ou "flagelação", segundo a história da unidade...), estava o Mário Beja Santos em Missirá, a comandar o Pel Caç Nat 52,  e eu a chegar a Bissau no "Niassa", ainda deu no dia 2 de junho, ao passar por lá, vindo de Bissau de LDG até ao Xime, a caminho de Contuboel, para ver os estragos (relativamente poucos... ) mas sobretudo sentir as reações e emoções da malta da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas...

Ora eu nunca ouvi esta versão Al J. Venter / Domingos Magalhães Filipe, ou a melhor, a versão contada pelo comandante do BART 2917 (que rendeu o BCAÇ 2852) e registada pelo escritor e jornalista sul-alfricana... Será que o inglês do Magalhães Filipe e o português do Venter eram assim tão maus ?

Parece que alguém está a delirar... ou trocou as cassetes... ou está deliberadamente a falsificar a história. Não fazemos "juízos de valor", interessa-nos apenas a verdade dos factos.

Recorde-se que o BART 2917 chegou a Bambadinca em finais de maio de 1970... O BART 2917 foi mobilizado pelo RAP 2. Embarcou para a Guiné em 17/5/1970 e regressou à Metrópole em 24/3/1972. Foi colocado no Sector L1, em Bambadinca, substituindo o BCAÇ 2852 (1968/70). O seu primeiro comandante foi o ten cor art Domingos Magalhães Filipe. Unidades de
quadrícula: CART 2714 (Mansambo); CART 2715 (Xime; teve 5 ncomandantes); e CART 2716 (Xitole).

O Venter deve, portanto, ter falado, talvez em junho ou mesmo princípios de junho de 1970, com o então ten cor art Domingos Magalhães Filipe, que irá ser substituído pelo famoso ten cor inf Polidoro Monteiro. O Spínola, recorde-se, pôs-lhe os "patins"...

Por que não me parecia que esta história tivesse pés e cabeça, confrontei alguns camaradas de Bambadinca desse tempo, e nomeadamente   o Fernando Calado e o Ismael Augusto, dois bem colocados oficiais milicianos da CCS/BCAÇ 2852, ambos membros da nossa Tabanca Grande.

Mais uma vez o Fernando Calado, que foi  alf mil trms (e, portanto, um oficial bem por dentro do sistema de informação e comunicação do setor L1) contou-me ao telefone a sua versão, que vem desmentir a versão do Al J. Venter / Domingos Magalhães Filipe,  e que ele prometeu passar a escrito, para "memória futura":

(i) o relato do escritor sul-africano Al J. Venter é uma falsificação da história;

(ii) ele e o Ismael já estavam deitados, o ataque terá sido perto da 1 hora da noite; e apanhou toda a cheia desprevenida;

(iii) a sorte de Bambadinca foi os canhões s/r (ele diz que eram seis, a história da unidade fala em três...) ao fazerem tiro direto, no fundo da pista, se terem enterrado ligeiramente (, estava-se já na época das chuvas), pelo que as canhoadas passaram a razar as instalações do quartel; mais certeiras foram algumas morteiradas que fizeram estragados (inckuindo nos quartos dos sargentos);

(iv) não houve prisioneiros nenhuns, nem muito menos foi apanhado à unha nenhuma figura grada do PAIGC; em suma, ninguém foi trazido de helicóptero para Bambadinca para ser interrogado;;

(v) o comandante do BCAÇ 2852, ten cor Manuel Maria Pimentel Basto (, de alcunha, o "Pimbas"),  não estava em Bambadinca nem ele nem a esposa; [o que é difícil de comfirmar a partir da história da unidade: a 14 de maio, o cor Hélio Felgas, cmdt do Comando de Agrupamento 2957 (Bafatá) tinha, juntamente com o ten cor Pimentel Basto, visitado Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole, Saltinho, Quirafo, Dulombi e Galomaro; e a 25, Bambadinca tinah sido visitada pelo Cmdt Militar e e pelo Cmdt Agr 2957; onde é que poderia estar o Pimentel Basto em 28 ? Em Bissau ?]

(vi) a única senhora que vivia no quartel era a esposa do tenente SGE Manuel Antunes Pinheiro, o chefe de secretaria do comando do BCAÇ 2852, e que era açoriano (se não erro);

(vii) o Fernando Calado conirma que houve algumas "cenas de histeria" a nível do comando de Bambadinca... (entre o major  inf Viriato Amílcar Pires da Silva, oficil de op inf, e o 2º cmdt, o maj inf Manuel Domingues Duarte Bispo).

Sabemos, pela história da unidade, que a 2 de junho de 1969, cinco depois do ataque a Bambadicna,os destacamentos de milícias e tabancas autodefesa de Amedalai,  Dembataco e Moricanhe foram flagelados, durante a noite, em simultâneo por 3 grupos não estimados, usando um arsenal impressionante: 7 canhões s/r, 8 mort 82, 13 LGFog, metralhadoras pesadas 12.7, além de armas automáticas, "causando 1 morto e 3 feridos milícias, 1 morto e 4 feridos civis, e danos materiais nas tabancas"... O mês de junho de 1969, já em plena época das chuvas,  foi, de resto, um mês de intensa atividade operacional do PAIGC no setor L1...

Para o comando e CCS do BCAÇ 2852, houve de imediato consequência deste ousado ataque do PAIGC:

(i) ainda em maio  o maj op info Herberto Alfredo do Amaral Sampaio vem substituir o maj Manuel Domingues Duarte Bispo, "transferido para o QG" (sic);

(ii) em julho o ten cor Pimentel Basto, "transferido por motivos disciplinares" (sic), é substituído pelo ten cor inf Jovelino Pamplona Corte Real;

(iii) em agosto, o cap inf Eugénio Batista Neves, cmdt da CCS, é também "transferido por motivos disciplinares", sendo substituído pelo cap art António Dias Lopes (que fica pouco tempo em Bamabadinca: logo em setembro é também substituido, pelos mesmos motivos, pelo cap inf Manuel Maria Fontes Figueiras);

(iv) nesse mesmo mês de setembro, chega a vez do maj inf Viriato Amílcar Pires da Silva: "transferido por motivos disciplinares", é substituído pelo maj art Ângelo Augusto Cunha Ribeiro, o nosso conhecido "major elétrico"...

Em suma, o comando do BCAÇ 2852 é completamente "decapitado" devido ao ataque a Bambadinca de 28/5/1969... que não conseguiu prever e para o qual também não se preparou convenientemente (em termos de defesa e de resposta)...



Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde, "Guiné-Bissau, as minhas memórias de Gabu, 1973/74" (Beja: CCA - Cooperativa Editorial Alentejana, 170 pp. + c. 50 fotos) > Aspeto parcial da assistência: em primeiro plano, o Fernando Calado  e o Ismael Augusto, dois oficiais milicianos da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) que estava em Bambadinca na noite do ataque do PAIGC, em 28/5/1969; o primeiro era o oficial de transmissões e o segundo o oficial de manutenção.

Foto (e legenda) : © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados



3. Seria interessante que os camaradas da CCS/BART 2917 se lembrassem da visita deste jornalista e escritor Al J. Venter, a Bambadinca, logo no início da comissão, portanto em finais de maio ou princípios de  junho de 1970.

Eu estava lá e não dei por nada, mas também não admira, já que a malta da CCAÇ 12 andava sempre por fora, no mato... Mas, de vez em quando, apareciam por Bambadincas jornalistas e personalidades estrangeiras que em geral "simpatizavam" com o regime de então... Eram visitas discretas, a maioria da malta não se apercebia... Vinham de heli ou DO 27 diretamente de Bissau, com carta branca do Spínola... Lembro-me de um grão-duque qualquer, com um título pomposo... mas também de dignitários religiosos muçulmanos... como o Cherno Rachid...


Em 28/5/1969, as forças que estavam em Bambadinca, sede do setor L1 eram as seguintes:

(i) o comando e a CCS/BCAÇ 2852;

(ii) o Pel Caç Nat 63;

(iii) o Pel Rec Daimler 2046;

e (iv) o Pel Mort 2106 (com secções destacadas em Xime, Mansambo, Xitole e Saltinho.

No total seriam apenas 200 homens em armas...Só a partir de 18 de julho de 1969, Bambadinca passa a ter a mais 160 homens, a CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), constituída por 60 graduados e especialistas metropolitanos e 100 praça do recrutamento local...

Por sua vez, as subunidades de quadrícula, no setor L1, em 28/5/1969, eram as seguintes:

(i) CART 1746 no Xime;

(ii) CART 2339 em Mansambo (irá depois. no dia seguinte, destacar um pelotão para a defesa da ponte do Rio Udunduma, na estrada Xime-Bambadinca, ponte que fora dinamitada e parcialmente destruída);

(iii) CART 2413 no Xitole (com um pelotão destacado na Ponte dos Fulas´);

(iv) CART 2405 em Galomaro (com um pelotão destacado em Samba Cumbera e outro, depois, na ponte do Rio Udunduma, e outro ainda, mas reduzido, em Fá Mandinga):

(v) CCAÇ 2406 no Saltinho  (com um pelotão depois destacado para a ponte do Rio Udunduma);

(vi) Pel Caç Nat 52 em Missirá;

(vii) o 8º Pel Art / BAC  (-) em Mansambo;

(viii) e pelotões de milícias em Missirá e Cansamange (101), Finete (102), Quirafo (103), Taibatá e Amedalai (104),  Dembataco e Amedalai (105=) Dulombi (144), Moricanhe (145),  Madina Bonco (146), Madina Xaquili (147)...



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Ponte do Rio Udunduma, afluente do Rio Geba, na estrada Xime-Bambadinca > Possivelmente no(s) dia(s) seguinte(s) ao ataque ao quartel de Bambadinca, em 28 de maio de 1969. Nessa noite, esta ponte, vital para as comunicações com todo o leste da província (o eixo Xime-Bambadinca era a porta de entrada do leste), foi objeto do "trabalho" dos sapadores do PAIGC... Os estragos, embora visíveis, não abalaram felizmente a sua estrutura. Era uma bela ponte, em cimento armado, construída no início dos anos 50. Continuou a funcionar, sem quaisquer reparações por parte da engenharia militar... Passou a ser defendida permanentemente por um grupo de combate (que ia rodando pelas subunidades de quadrícula do batalhão e subunidades adidas), até à inauguração anos depois da nova estrada alcatroada Xime-Bambadinca.

Esta foto é "histórica". O José Carlos Lopes, furriel mil  amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852, teve de "alinhar no mato", nesta dramática ocasião,  posando aqui para... a "posteridade".

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição  e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17378: Notas de leitura (958): “Portugal e as Guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, prefácio de John P. Cann (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,

O melhor é lerem o livro de fio a pavio. É uma poderosa reportagem, não contesto, não conheço investigação tão minuciosa. Não se entende, no entanto, como é que o jornalista e escritor não procurou a confirmação de dados que ele expõe com a ar mais diáfano deste mundo. 

Quanto à Guiné, vê-se que o impressionou o patrulhamento que fez em Tite junto do capitão João Bacar Djaló. Não esconde que a Guiné era o teatro de operações mais atribulado e que a retirada de Spínola, em Agosto de 1973, prenunciava os tempos dolorosos que todos experimentaram. E confrange-se como um movimento de libertação com créditos tão firmados até na arena internacional mal chegou ao poder em Bissau parece que apostou na fragilidade do Estado e em desconjuntar o equilíbrio social, nunca lhe ocorrendo que a reconciliação de todos seria o primado da reconstrução nacional.

Um abraço do
Mário



Portugal e as guerrilhas de África (2), por Al J. Venter(*)

Beja Santos

“Portugal e as Guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, é uma coletânea de reportagens de alguém que se perfila como o “único jornalista estrangeiro presente nas três frentes da guerra colonial”

Ao longo de cerca de 500 páginas, o jornalista e escritor colhe testemunhos, na verdade, nas três frentes. A sua investigação contempla a natureza das guerras de Portugal em África, dedica a segunda parte da obra por inteiro à guerra da Guiné e a terceira à evolução das operações no Leste de Angola e Moçambique, este último teatro de operações leva-o a proferir juízos muito cáusticos sobre o comportamento dos militares portugueses.

Na Guiné, destaca a Operação Tridente, não esconde a profunda admiração pelo herói militar João Bacar Djaló. Esteve na Guiné durante a guerra e muito depois. Nesse depois, visitou a Fortaleza de Cacheu e a suas velhas relíquias coloniais, fala mesmo em Vasco da Gama (!?) o primeiro homem a dobrar o Cabo da Boa Esperança e refere as canhoneiras portuguesas ali deixadas e tece o seguinte comentário: 

“Estas outrora orgulhosas embarcações de combate foram entregues intactas ao novo regime. Ao fim do ano tinham sido postas em seco e abandonadas para a sucata. Os seus motores foram vendidos ao um barco de pesca chinês de passagem”.

Em Nova Lamego foi recebido pelo Administrador, Dr. Aguinaldo Spencer Salomão. 

“Foi educado em Cantuária e era um anglófilo assumido. Se o enfadonho chefe de posto de Tite tinha sido um desapontamento, Aguinaldo era um sopro de vitalidade no preconceituoso reino da burocracia portuguesa na Guiné. Os seus livros em inglês, francês e português abrangiam quase todos os assuntos. A sua discoteca era vasta. Preferia Vivaldi a Schoenberg, mas era suficientemente eclético para ouvir um disco dos Beatles”

Viaja até Bambadinca, conversa com o comandante do BART 2917 e dá-nos a seguinte informação: 

“O último ataque ocorrera exatamente um ano antes de eu chegar: um grupo infiltrado tinha-se dirigido para Norte do outro lado da fronteira a partir de Kandiafara para tentar cortar a estrada de Bafatá. Num final da tarde, os guerrilheiros atacaram Bambadinca a partir do outro lado do rio, retirando-se depois para uma posição pré-determinada, onde esperaram pelo dia seguinte antes de se juntarem a outros dois grupos. Esta força combinada iria então atacar outras posições durante o assalto. Foi então que algo correu mal. Um grupo de pisteiros da força atacante colidiu com uma patrulha de Bambadinca e foi capturada intacta, sem ter sido disparado um único tiro. Um dos homens era um alto oficial do PAIGC. Os quatro homens foram levados de helicóptero para Bambadinca onde foi oferecida ao oficial a opção de contar tudo ou aceitar as consequências. Era uma situação sem saída, e o rebelde foi suficientemente inteligente para aceitar”

Sentiu-se impressionado com Bissau, encontrou-lhe semelhanças com Banjul. Considera que o PAIGC, ao agir despoticamente, provocou um dos mais trágicos desastres políticos de África. Faz uma menção a outros grupos pró-independentistas, caso da FLING. Aborda a formação de Amílcar Cabral e como organizou a orgânica do PAIGC. Não sabemos bem onde é que ele foi buscar aqueles dados, mas achou que ele tinha quatro filhos do primeiro casamento. De igual modo atribui aos soviéticos a instrução pessoal de Cabral, dado não comprovado.

De repente, introduz o tema da aviação nas guerras coloniais portuguesas, e logo a seguir vamos até ao Leste da Angola, a N’Riquinha, onde Al Venter conversa com o capitão Vítor Alves. Tudo somado, em Angola a guerra de guerrilhas estava a ser um sucesso para as Forças Armadas portuguesas, o MPLA desfazia-se em intrigas, tornara-se pouco atuante, a UNITA estava aberta à cooperação e a FNLA era uma sombra do passado. Estamos agora em Moçambique, cita várias fontes sul-africanas e rodesianas, era inconcebível como as forças armadas portuguesas destruíam tudo e mal tratavam as populações, e escreve: 

“Nas condições atuais de combate, os sul-africanos e os rodesianos consideravam os militares portugueses em Moçambique desastrados e ineptos”

Era patente que tinha havido uma deterioração no relacionamento entre os oficiais os homens sobre o seu comando, era quase uma repetição da síndrome vietnamita e tece nova consideração ácida: 

“A verdade era que em quase todo o Exército português em Moçambique tanto os oficiais como os homens mal conseguiam aguentar até ao fim as suas comissões de serviço. Na sua maioria, acabaram por desprezar o mato africano e as condições primitivas sobre as quais eram obrigados a operar”

Tanta neglicência, diz Al Venter, favoreceu a capacidade da FRELIMO em se movimentar livremente à noite. Durante as marchas operacionais, viu colunas barulhentas e desgarradas, o Estado-Maior era extremamente burocrático, impedia as respostas prontas. Tece as suas considerações sobre a natureza das baixas sofridas pelas Forças Armadas portuguesas e enaltece o papel das enfermeiras paraquedistas.

O papel documental destes relatos esbarra com imprecisões incompreensíveis para um investigador como Al Venter, serve de exemplo mostrar o jornal Avante! e dizer que é um jornal de Luanda. Os apêndices têm maior utilidade: ficamos com um escorço das tropas africanas no exército colonial português, trabalho de João Paulo Borges Coelho, como as forças especiais rodesianas contribuíram em Angola e Moçambique para ajudar os portugueses, travando nomeadamente ações de retaguarda. E, por último, repesca as operações costeiras na Guiné extraídas do livro do capitão John Cann, recentemente traduzido pela Academia da Marinha.

Em 22 de Novembro último, Al Venter concedeu uma entrevista ao Diário de Notícias, onde foi questionado se Portugal tinha perdido a guerra colonial, fugiu a uma resposta clara, não deixando de observar, porém, que o país estava a ficar exangue. Perguntado se tinha havido massacres na nossa guerra, respondeu: 

“Houve alguns massacres como My Lai nas guerras coloniais portuguesas? Diria que sim, mas apenas nos primeiros dias das mutilações em Angola. Foi um período lunático de trocas excessivamente violentas entre os dois lados e durou menos de um ano. Nada de comparável aconteceu em Moçambique ou na Guiné. No conjunto, Lisboa conduziu os últimos conflitos coloniais by the book. Isto não agradou a todos e não impediu a PIDE e outros serviços secretos de segurança de ultrapassarem as marcas”.