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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23790: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VIII: 1º Curso de Comandos do CTIG e imposição dos crachás em outubro de 1964... Grupo Fantasmas, do alferes 'comando' Maurício Saraiva



Guiné > Brá > Outubro de 1964 > Imposição dos crachás aos primeiros grupos de comandos do CTIG. O 
1º Curso de Comandos da Guiné decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. E dele fez parte o Amadu Bailo Djaló, e mais sete guineenses, entre eles o Marcelino da Mata e o Tomás Camará.



Guiné > Brá >  Outubro de 1964 > Brigadeiro Sá Carneiro, Comandante Militar, na imposição dos crachás.

 

Guiné > Bissau > Grupo Comandos Fantasmas na apresentação ao Governador Arnaldo Schulz, em Outubro de 1964. Eu, soldado Amadu Djaló, sou o terceiro da esquerda para a direita, rodeado pelo furriel Artur Pires à minha direita e pelo soldado Carreira à esquerda. Ao fundo, os 1ºs cabos Braima Seidi e Tomás Camará, da direita para a esquerda.



Guiné > Bissau > Outubro de 1964 > O Grupo de Comandos Fantasmas frente ao Palácio do Governador.




Guiné > Bissau > Outubro de 1964 > No final da cerimónia da guarda de honra ao Palácio. O Amadu Djaló  é o penúltimo do grupo em primeiro plano.




Guiné > Bissau > Outubro de 1964 > O grupo em Brá de saída para uma operação. Tomás Camará de braço esquerdo aberto, atrás do condutor da Mercedes.



Guiné > Brá > O aquartelamento de Brá, em 1964, ainda em acabamentos.


Fotos inseridos no livro, sem indicação de autor. (Os direitos fotográficos devem ser atribuídos ao Virgínio Briote e ao Amadu Djaló; a última, pelo menos, deve ser atribuída ao Mário Dias).


1. Continuamos a reproduzir excertos das memórias do Amadu Djaló, que a morte infelizmente já nos levou, há 7 anos,  em 2015, ainda antes de completar os 75 de idade. 

A fonte continua a ser o ser livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), de que o Virgínio Briote nos disponibilizou o manuscrito em formato digital. A edição, que teve o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está há muito esgotada. E muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.


O nosso coeditor jubilado, Virgínio Briote (ex-alf mil, CCAV 489 / BCAV 490, Cuntima, jan-mai 1965, e cmdt do Grupo de Comandos Diabólicos, set 1965 / set 1966) fez generosa e demoradamente as funções de "copydesk" (editor literário) do livro do Amadu Djaló, ajudando a reescrever o livro, a partir dos seus rascunhos.

 Temos vindo a introduzir pequenas correcções,  toponímicas e outras, ao texto  impresso, a ter em conta numa eventual (se bem que pouco provável) 2ª  edição. 

Recorde-se, aqui o último poste:  o sold cond auto Amadú Djaló (1940-2015) está a completar um ano em Farim, como soldado condutor autorrodas da 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), em meados de 1964. Acaba de ser transferido, a seu pedido, para a CCS/QG, em Bissau. E vai alistar-se nos comandos do CTIG, coptado pelo alferes mil Maurício Saraica. De abril Mantemos a ortografia original.  
  


Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense,  Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



Comandos do Saraiva, o que é isso?

(pp. 81-89 )

por Amadu Bailo Djaló



Ser “rebenta-minas” causa desgaste, ao fim de dezenas de colunas estava cansado. Cerca de um ano depois de ter chegado a Farim, pedi transferência para a CCS do QG. 

Pouco tempo decorrido tive conhecimento que o pedido tinha sido deferido e fiquei a aguardar que chegasse o meu substituto. Duas semanas depois, ou nem tanto, veio num Dakota um meu antigo colega do CICA/BAC, o Bubacar Culubale, nome por quem ninguém o chamava, mas sim “Tabaquinha” [1]

Em junho [de 1964], eu e mais dois soldados atiradores fomos transferidos para a CCS do QG. Viemos de avião para Bissalanca e, depois da apresentação, fomos para o parque das viaturas, à procura de companheiros. Como não vi nem o Tomás Camará nem o Adulai Djaló, perguntei por eles.

 –  Eles agora são Comandos do Saraiva!

–  O que é isso de Comandos do Saraiva?

–   São grupos de assalto e não fazem mais nenhum serviço!

–  Onde posso encontrá-los?

Quando dei por mim, estava frente a frente com o tal alferes Saraiva, num gabinete que ele tinha arranjado ali na CCS. Fiquei com boa impressão, pareceu-me boa pessoa. Um contacto inicial simpático e que, com o tempo,  se tornou numa grande amizade. E foi ele que, sabendo da minha experiência de condução e do contacto com a guerrilha, me dirigiu o convite para fazer o curso de Comandos.

Aceitei, sem saber o que me reservava o futuro, mas contente por ter a oportunidade de proceder a uma mudança na minha vida. Da mudança que vinha a caminho não imaginava nada.

Nos Comandos era preciso aprender técnicas novas para ganhar mais confiança e para isso era necessário frequentar o curso.

Brá tinha algumas instalações prontas e o Batalhão [de Caçadores] 512, acabado de chegar de Mansoa, encontrava-se lá aquartelado.

O tenente Jaime Cardoso [2], que pertencia aos Comandos de Angola, era o responsável pela instrução. Os instruendos eram os alferes Maurício Saraiva, o Pombo dos Santos e o Justino Godinho. Dos sargentos lembro-me do Vassalo Miranda, do Artur, do Morais e do Teixeira. 

Guineenses eram os 1ºs cabos Braima Seide, Marcelino da Mata, Mamasaliu Bari, Tomás Camará e os soldados Mamadu Alfa Bari, Adulai Djaló, eu, Amadu Bailo Djaló e o Samba Djau. Este último, que foi um dos primeiros militares condecorados por feitos em combate na Guiné, no Inchugué, não acabou a 1ª parte do curso porque foi eliminado por falta de capacidade física. 

Ao todo éramos oito negros a participarem no 1º curso de quadros para os Comandos do CTIG [3].

Ainda antes da chegada do tenente Jaime Cardoso, costumávamos sair para os arredores de Brá. Uma manhã, quando chegámos ao quartel, vimos num quadro afixado que a sobrevivência era sempre possível. Chamei a atenção do Tomás Camará para o que estava escrito. O Tomás perguntou ao furriel Artur Pires se o que estava escrito no quadro,  também fazia parte do programa do curso. O furriel respondeu que a sobrevivência era uma parte muito importante na vida de um Comando.

– Agora vamos sair sem ração de combate. Só podemos levar cigarros, sal, anzóis e limão. Mais nada –  disse o alferes Saraiva. 

– Posso levar dinheiro ? – perguntou um. 

– Não  – respondeu o alferes –  Os macacos têm dinheiro para comprar fruta aos camponeses ?  -   perguntou    nos - Desenrasquem-se para não serem presos.

–  E se formos presos ? –  voltou o mesmo a perguntar.

– Se vocês apanharem um macaco a roubar na vossa lavra ou na vossa horta, o que é que lhe fazem  ? –   perguntou o alferes.

–    Matamo-lo –  respondeu outro.

–  Se roubarem,  não se deixem aprisionar. Se algum de vocês se deixar prender,  é castigado.

À frente de duas viaturas, antes de embarcarmos, fomos apalpados e revistados. Não podíamos levar nada que se comesse, nem dinheiro. Dirigimo-nos para as imediações de Prábis e apeámo-nos junto ao rio. Entrámos na mata, andámos toda a manhã até cerca das 15h00, quando vimos à nossa frente uma grande horta, vedada a toda a volta com arame. Demos a volta, vimos que tinha duas entradas, uma pela frente e outra pelas traseiras. Sentámo-nos em círculo, à volta do alferes, que ficou de pé. Depois de olhar para nós, chamou o Marcelino da Mata e depois por mim.

–    Vocês os dois têm que nos arranjar comida, qualquer coisa que se coma.

A nossa missão era um pouco difícil, a horta estava bem vigiada, certamente, por guardas. Se eles deixassem os macacos ou alguém, como nós, entrar na horta para roubar, se nos safarmos, eles vão ver os ordenados descontados no final do mês.

Entrámos cuidadosamente e fomos andando até que vimos bananeiras, quase a meio da horta, e, à nossa esquerda, um campo de ananases. Fomos ver se a sorte estava connosco e se protegia os audazes. Separámo-nos, cada um foi para o seu quarteirão. Arranquei dois ananases grandes e encontrei o Marcelino também abraçado a dois. Eram muito grandes, não podíamos sair dali com mais e decidimos regressar. Antes de chegarmos ao trilho que nos tinha levado, vimos um guarda a dirigir-se a nós. E agora? Agora, vamos escondê-los ali naqueles arbustos. Para disfarçar pusemo-nos a cavar num pequeno baga-baga, a tentar fazer um forno para assar os inhames que trazíamos nos bolsos e que tínhamos cavado na mata.

O guarda chegou junto de nós, cumprimentou-nos, e perguntou o que estávamos nós ali a fazer. 

–  Um forno para assar estes inhames –  respondi. 

Quando estávamos a acabar de falar, ouvimos um disparo de G3, para o ar, feito pelo alferes, como tinha sido combinado. Respondi com outro. Vimos o guarda a seguir as nossas pegadas, até ao local onde tínhamos arrancado os ananases. Voltou para junto de nós, apressado.

–  Foram vocês que tiraram ananases dali ?   –  perguntou –  Segui as pegadas das vossas botas, vocês foram os únicos militares que entraram aqui, foram vocês que tiraram os ananases!

–  Anda muita tropa aqui. Perdemo-los deles durante a noite, as pegadas podem ser deles –  respondi.

–  Não, ninguém entrou aqui desde ontem –  respondeu.

Ouvimos outro tiro do alferes e nós voltámos a responder com outro, para o ar. O alferes tinha avisado o pessoal que se repetíssemos o tiro do mesmo local não era bom sinal. Pouco tempo depois vimos o grupo a chegar. O guarda não saía da nossa beira, com os olhos bem abertos.

–  É o senhor que é o chefe deles –   perguntou o guarda ao alferes, apesar de ninguém trazer divisas ou galões.

–    Sim, sou eu  –    respondeu o alferes Saraiva.

–     Estes dois soldados roubaram ananases. Ninguém entrou cá a não ser eles.

–  Foram vocês ?   –  perguntou o alferes, virado para nós.

Neste momento ouvimos barulho de macacos, vindo do lado das bananeiras. Que se tivéssemos sido nós, ele pagava, disse o alferes ao guarda. Como nós negámos,  não pagava. O guarda não podia perder mais tempo, os macacos estavam à volta das bananeiras e correu para lá. E nós, corremos para os arbustos, tirámos os ananases e arrancámos dali em marcha forçada, com o guarda na nossa direcção, em passo largo. Nessa altura, ouvimos o alferes gritar passo corrida.

Assim é fácil viver como os macacos, sem dinheiro, sem lavrar, sem ração de combate. É muito importante o combatente saber viver na mata, sem levar nada para comer. O que os macacos comem, nós podemos comer.

–  Atenção –  continuou o alferes   –,   roubar é contra os princípios dos Comandos. Só podemos proceder assim quando estivermos na mata em operações. Nessa altura temos que utilizar todos os meios para sobreviver. Nas cidades ou nas tabancas, se um Comando for apanhado a roubar é corrido e castigado com a prisão. 

Foi assim que o alferes terminou a nossa primeira lição de sobrevivência no mato.

Enquanto decorria a instrução, em agosto fizemos um assalto ao acampamento de Talicó, a norte da mata do Oio. Nesta operação participou também o major Correia Dinis, que era o comandante do Centro de Instrução de Comandos em Brá.

Andámos toda a noite e quando eram cerca de 6h00 da manhã encontrámo-nos com um pequeno grupo da guerrilha que ia fazer sentinelas de dia, em postos avançados do acampamento. Nem deu tempo para nos emboscarmos, tivemos que abrir fogo. Um dos guerrilheiros foi logo abatido, e os outros conseguiram escapar pelo mato, sem terem sido atingidos. Apanhámos a arma do morto, entrámos no acampamento e chegámos-lhe fogo, embora a gente soubesse que isso não lhes ia trazer grande prejuízo, pois armavam barracas noutro lado, nem precisavam de comprar nada.

Retirámos rapidamente da zona, uma vez que estávamos detectados e saímos em direcção a Cutia, onde fomos depois recolhidos e transportados em viaturas para Bissau.

A Brá estavam a chegar, todos os dias, praças europeus, vindos de várias companhias e que se tinham oferecido como voluntários. Nesta ocasião apresentou-se também um militar guineense, o António Kássimo, que era manjaco. 

O curso arrancou em grande velocidade e durou até outubro[4]. Enquanto decorria, fizemos treino operacional e houve elementos que iam sendo eliminados. O Samba Djau, Sambadora como lhe chamavam, foi um dos que não acabou o curso. Era muito corajoso e um bom companheiro mas não tinha capacidade física para os Comandos.

Numa noite, a instrução tinha acabado por volta da uma hora da madrugada. Como era costume largámos as armas e os equipamentos e tomámos os lugares na viatura que nos ia levar a nossas casas. Quando chegou a casa, a mulher de Sambadora perguntou-lhe se ele tinha levado a arma para casa.

–  Não, por que perguntas?

–  É porque trazes as cartucheiras na cintura.

–  É pá, oitenta balas, cantil de um litro, e não dei por este peso todo –  admirou-se o Samba.[5]

 A nossa primeira saída, depois de terminado o curso, foi para o Oio, para uma zona entre Mansabá e Farim. Tínhamos saído de Brá em viaturas até Mansabá, onde ficámos algum tempo a aguardar [6]. Depois, prosseguimos em coluna auto até uma tabanca abandonada. Apeámo-nos já com a noite entrada, pusemo-nos a caminho e andámos a noite toda. O guia perdia-se, ou dizia que estava perdido. Até que, já de dia, demos com um caminho bem pisado e fomos seguindo nele até que ouvimos barulho de pilar. O alferes Saraiva disse que eles não sabiam que nós andávamos por ali e começámos a andar com todo o cuidado, como tínhamos treinado no curso.

Eu, que ia com o guia à minha frente, continuei a observar pegadas bem frescas, de poucos minutos antes. Chamei o alferes à frente, para ele ver, e continuámos a progredir silenciosamente, em passo fantasma. O cabo Cruz, um europeu, disse-me:

   Amadu, se tiveres medo, deixa-me passar para a frente!

Mas quem deu a resposta, foi o alferes:

– Isso não é assim. O Amadu não nos vai meter numa emboscada. Isto tem que ir com muita calma.

Eu nem respondi, porque o meu pensamento estava noutro lado. O primeiro homem do grupo tem grande responsabilidade. Tem que ver para a frente, para os lados, até para as árvores, e tem que ver bem o caminho que está a pisar. Todos os vestígios têm que ser bem observados. Foi esta a instrução que recebemos no curso, e estes ensinamentos deviam agora ser seguidos. É como o código da estrada, se violarmos as regras, esse esquecimento pode custar-nos muito caro. Na guerra, ignorar as regras paga-se com a vida ou vidas.

Estávamos a andar com todas as precauções quando o silêncio foi quebrado por duas rajadas de pistola-metralhadora, vindas do lado direito do carreiro. Respondi com dois ou três tiros da minha G-3 e arrancámos directos ao acampamento. Demos com casas de mato, sem ninguém lá dentro, nem nada que se aproveitasse e abandonámos o acampamento a correr, para o mesmo lado por onde tínhamos entrado.

Em marcha forçada dirigimo-nos para a estrada que ligava Farim a Mansabá. Entretanto, o alferes ia dando indicações, pelo rádio, sobre o local para onde nos estávamos a dirigir, a fim da coluna nos recolher. Chegados à estrada, ficámos a aguardar até ouvirmos o barulho das viaturas. Mal chegaram arrancámos a grande velocidade e o alferes lembrou-se de disparar uma rajada para o ar, para manter o pessoal alerta.

Mais valia não o ter feito, porque um companheiro que ia atrás, saltou logo da viatura e caiu mal. Pareceu-nos, na altura, que estava paralisado. Trouxemo-lo com muitos cuidados até Mansabá, daqui foi evacuado de helicóptero para o hospital militar de Bissau e, mais tarde, soubemos que foi transportado para Lisboa. Nunca mais regressou à Guiné [7].

De Mansabá regressámos a Bissau. Esta foi a 1ª operação do Grupo Fantasmas.

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Notas do autor Amadu Dajló e/ou do editor literário Virgínio Briote

[1] Muitos anos mais tarde, já depois da independência, tive a infeliz notícia de que também ele tinha sido fuzilado, acusado de envolvimento no golpe de Malan Sanhá.

[2] Nota do editor: em 3 de Agosto de 1964 o CIC / Brá, sob o comando do major de inf comando Correia Diniz, deu início às actividades, com a Escola de Quadros, para dar instrução ao 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. 

Deste curso saíram os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: Camaleões, Fantasmas e Panteras. Para o curso de quadros,  o CIC de Angola enviou vários instrutores, entre os quais o tenente mil comando Jaime Abreu Cardoso. Estes elementos participaram nas primeiras acções com os grupos acima referidos.

[3] Comando Territorial Independente da Guiné.

[4] Nota do editor: até 17 Outubro de 1964

[5] Samba Jau não continuou nos Comandos, mas foi sempre um grande amigo de todos. Depois do 25 de Abril saiu da Guiné e foi para Dacar, onde vivia ainda há pouco tempo

[6] Nota do editor: deve tratar-se da Op Confiança, realizada entre 25 de Outubro e 4 de Novembro de 1964 no Oio, conjuntamente com os Grupos de Comandos Camaleões e Panteras na área atribuída ao BCav 705, tendo por objectivo a reabertura do itinerário entre Mansabá e Farim.

[7] Em 2005, num almoço em Marinhais, soube que o Barbedo, que era como se chamava, andava em cadeira de rodas

_________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23777: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VII: Em Farim, com o BCAV 490, do ten-cor Fernando Cavaleiro, até meados de 1964... Abatises e emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem-Cuntima

domingo, 14 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23525: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (11): "Se eu de ti me não lembrar, Jerusalém", poema de Luís Jales de Oliveira (ex-fur mil trms, CCAÇ 20, 1972/74)


Capa do livro de poemas, do Luís Jales de Oliveira, "Corre-me um Rio no Peito", Mondim de Basto, ed. autor, 2010, 72 pp. ilustrado. Capa de Samara (João Campos). Prefácio de José Alberto Faria, Depósito Legal n.º 307277/10.


Mondim de Basto > 29 de agosto de 2019 > Junto ao monumento aos combatentes do ultramar > Da esquerda para a direita, a Nitas (Ana Carneiro Pinto Soares), o Luís Graça, o "Ginho" [o escritor e poeta Luís Jales de Oliveira] e Alice Carneiro.(*)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






In: Luís Jales de Oliveira - Corre-me um Rio no Peito. Mondim de Basto, ed. autor, 2010, 72 pp. ilustrado. Capa de Samara (João Campos). Prefácio de José Alberto Faria, Depósito Legal nº 307277/10-


1. O Luís Jales de Oliveira, carinhosamente tratado por "Ginho", na sua terra  natal, Mondim de Basto, é nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande desde 21 de janeiro de 2008 (*), tendo sido fur mil trms inf, Agrup Trms de Bissau e CCAÇ 20 (Bissau e Gadamael Porto, 1972/74).
 

É, sem favor, o autor de um dos mais belos poemas, que eu tenho lido, sobre a a Guiné e a guerra do ultramar / guerra colonial, de ressonância bíblica: "Se eu de ti me não lembrar, Jerusalém (Gadamael Porto, Guiné, 1973)" (**).

Lembrei-me dele, hoje, que a 83ª Volta a Portugal Continente chega à mítica Senhora da Graça, em Mondim de Basto (Paredes - Mondim de Basto - Senhora da Graça), atravessando também a não menos mítica EN 304, uma das mais belas estradas da  Europa. 

E telefonei-lhe: com felicidade, apanhei-o em casa. E, em 5 minutos, pusemos a conversa em dia. Problemas de saúde de um lado e do outro, não nos irão impedir de, ainda um belo dia destes, a gente se voltar a encontrar na sua terra e, desta vez, "subir" à N.ª Sra. da Graça. E eu lá, já sem as canadianas, quero  "rezar com ele"  o seu poema:

GRAÇA

No cimo do monte há uma capela,
E cada vez que olho para ela,
Apetece-me voar…
E humilde peregrino,
Vou em ânsias de menino,
Lá rezar.

No cimo do monte há uma capela,
E cada vez que entro nela,
Vivo um mistério profundo:
Senhora,
Que feitiço derramais,
Que o mais comum dos mortais
A teus pés é Rei do Mundo?

Fonte: Luís Jales Oliveira – Basto (poemas). [Mondim de Basto], edição de autor, 1995 [Obra, de 49 pp.,  subsidiada pela programa LEADER Probasto], pág. 43

Pelo telefone soube dos seus novos projetos, um livro que está pronto para ser lançado dentro em breve (ficando nós, aqui no blogue, a aguardar notícias para o poder divulgar) e outro, para o ano, sobre Gadamael. Lembre-se que foi em 7 de julho de 1973, que a sua CCAÇ 20, comandada pelo então ten grad 'comand0' Tomás Camará, acabada a instrução no CIM de Bolama, foi colocada em Gadamael e lá ficou até ao fim, até sua extinção em agosto de 1974, perfazendo pouco mais de um ano de existência (****). 
 

2. Ficha de unidade > Companhia de Caçadores n.º 20

Identificação; CCaç 20
Cmdt: Ten Grad Cmd Tomás Camará | Alf Grad Cmd Malan Baldé | 1.° Sarg Grad Cmd Quebá Debá
Início: 05Jun73 | Extinção: princípios de Ago74

Síntese da Actividade Operacional

Foi organizada, de 5 a 9jun73, no CIM, em Bolama, e foi constituída por pessoal natural da Guiné, de diversas etnias, na sua grande maioria já integrante de companhias de milícias, tendo realizado a sua instrucção de 11Jun73 a 7Jul73.

Seguidamente, foi colocada em Gadamael, como subunidade de intervenção e reserva do sector do COP 5, tendo realizado diversas acções ofensivas, patrulhamentos e emboscadas nas regiões de Cacoca, Lamoi, Madina e Sangonhá, entre outras.

Em princípios de Ago74, foi desactivada e extinta.

Observações: Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 641
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de agosto de  2019 > Guiné 61/74 - P20110: Os nossos seres, saberes e lazeres (350): a mítica estrada nacional, EN 304, em pleno Parque Natural do Alvão, entre Mondim de Basto e Vila Real... E finalmente conheci o "Ginho", "ao vivo e a cores", na sua terra natal, em terras de Basto, na "Casa do Lago"...(Luís Graça)

(**) Vd. poste de 21 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2467: Tabanca Grande (54): Luís Jales, ex-Fur Mil Trms (Agr Trms Bissau e CCAÇ 20, Gadamael Porto, 1973/74)


(****) Último poste da série > 3 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23487: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (10): o massacre do alf mil Artur José de Sousa Branco e do seu pequeno grupo, nas imediações de Gadamael, em 4/6/1973 (J. Casimiro Carvalho / Manuel Reis / Carmo Vicente / Manuel Peredo / Jorge Araújo)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6210: Os gloriosos malucos das máquinas voadoras (21): Meu tenente, eu e o Tomás Camará não vamos com o Honório! (Amadu Djaló)


Guiné > Brá > Comandos do CTIG > Junho de 1965 > Cap Mil Comando Maurício Saraiva > Idolatrado por uns, odiado por outros, foi um mal amado, diz o Virgínio Briote... O Amadu Djaló, por sua vez,  foi um dos oito "negros" (sic) - a par do Marcelino da Mata, do Tomás Camará e outros - a participar "no 1º curso de quadros para os Comandos do CTIG", que teve início em 3 de Agosto de 1964  (Amadu Bailo Djaló - Guineense, Comando, Português. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p. 82). O seu primeiro comandante, no Grupo Fantasmas, foi o Alferes Saraiva (entretanto promovido a tenente e depois capitão).

Foto: © Virgínio Briote (2006). Direitos reservados


1. A leitura do livro de memórias do Amadu Djaló tem sido, para mim,  uma verdadeira surpresa. Mesmo já conhecendo, superficialmente, o autor, e sabendo, por alto, algumas das peripécias da sua vida como pessoal e militar (tem "treze anos de serviço militar"), através do Virgínio Briote, dou-me agora conta de que é um testemunho humano, singelo, mas  de valor, com bastante interesse, do ponto de vista sócio-antropológico, para um melhor conhecimento do passado da  Guiné-Bissau e em especial do período da guerra colonial,  como para a construção do presente e até do futuro. 

O título do livro pouco tem a ver com o conteúdo. É claramente um título, forçado pelo marketing, com o objectivo de vender, o que no caso do Amadu até é um objectivo relevante, sabendo-se que ele tem 10% sobre o preço de capa e é um homem pobre e doente. Guineense, comando, português é claramente uma concessão aos  brancos ou europeus (como ele nos chama, quase sempre) e, muito naturalmente, ao gosto da Associação dos Comandos que editou o livro, na colecção Mama Sume (é o 2º título, depois de 25 de Novembro de 1975: Os comandos e o combate pela liberdade, de Manuel Amaro Bernardo, Francisco Proença Garcia e Rui Domingues da Fonseca).

Se um homem é sempre ele próprio mais as suas circunstâncias (, logo determinado pela historicidade), o Amadú é uma espécie de Sancho Pança guineense, servindo diversos Dom Quixotes, do Saraiva ao Spínola, mas também poderia ter sido o Nino Vieira ou o Amílcar Cabral, como ele próprio admite, quando a páginas 30/31 evoca a tentativa de aliciamento, para ingressar nas hostes do PAIGC, em Julho de 1961, por parte de Adulai Djá,  "un colega meu de Bissau" (que, tendo militado nas fileiras do PAIGC, chegaria a ser 2º comandante da base principal do Morés; mais trade morto num ataque de Comandos helitransportados, em data não especificada pelo Amadu, p. 30, nota de rodapé).

Nessa altura, o Amadu ouvia, em Catió, na casa de um cipaio,  a rádio de Conacri e confessa que chegou a estar "hesitante" (sic) (p. 31), entre aderir ou não aderir ao PAIGC, numa altura em que "toda a gente falava de um tal Nino Vieira que tinha fugido da prisão da administração de Catió", ajudado por um cabo cipaio, por sinal cunhado do João Bacar Jaló) (p. 30)...

O Amadú acabou por ir para a tropa portuguesa ("tropa era uma obrigação"), depois de um série de peripécias que meteram o pai, os primos do Senegal (militares do Exército francês), o administrador de Bafatá, o tenente Carrasquinha, do BCAÇ 238 (que tinha um fraquinho pela prima, bonita, Aua Djaló)... Em suma, o Amadú poderia estar hoje no Senegal ou até em França, como poderia ser hoje  um grande Combatente da Liberdade da Pátria, vivo ou morto. É um ponto (controverso) da vida do Amadú, a que poderemos voltar em breve. (De resto, ele confessa como,  naqueles tempos,  "era difícil ser bom português", p. 14; "nós, Povo da Guiné, antes da guerra, mal conhecíamos o Povo Português", p. 15)...

O que eu agora quero sobretudo sublinhar é o talento narrativo do Amadu. Como bom africano, ele é um homem da cultura oral e, logo, um grande contador de histórias. E essa oralidade,  espontânea (mesmo em português que não é a sua língua materna...), perpassa por todo o livro, graças ao talento de outro homem, o Virgínio Briote, à sua paciência, perserverança, bom senso, bom gosto, sentido de ética e camaradagem.

Há, ao longo do livro, uma mão cheia de boas histórias: umas  dramáticas, pungentes e reveladores da  grande nobreza humana do Amadu, das suas crenças, superstições e valores morais (como a cena, passada em Gundagé Beafada, no Xime, em que ele salva o menino turra, Malan Nanque, leva-o às costas para Bambadinca e adopta-o como filho: vd. pp. 91/93); outras, cómicas, burlescas e divertidas, como esta que aqui se reproduz... (com a devida vénia, e como aperitivo para os que ainda não compraram ou não leram o livro).

2. O meu adeus à guerra dos Fantasmas
por Amadu Bailo Djaló

Em [6] de Maio de 1965 fomos para Cacine com o objectivo de executar um golpe de mão a um acampamento em Catunco. Era a última operação do grupo Fantasmas e, por isso, o tenente [Maurício Saraiva, comandante do grupo] pôs-lhe o nome de Ciao.

Em Brá tivemos a manhã para preparar tudo. Depois, fomos em viaturas para o aeroporto de Bissalanca, onde estavam quatro avionetas à nossa espera. O tenente dirigiu-se ao Furriel Morais,  que já tinha acabado o tempo de comissão [, e que haveria de morrer umas horas depois, na madrugada do dia seguinte, no ataque ao acampamento de Catunco, e onde o próprio Amadú seria ferido], e disse-lhe:
– Vocês esperam pelo Honório, que parece que ainda não está pronto.
 – Meu tenente, eu não vou no avião do Honório! Custa-me muito faltar à operação, mas eu não vou! – disse eu.

O Tomás Camará [, futuro tenente comando graduado, da 1ª CCmds, do Batalhão de Comandos, mais tarde fuzilado pelo PAIG, ] disse também que, com o Honório, não ia. Então o tenente [ Saraiva] disse que as avionetas que os iam levar, regressavam para depois levar o resto do grupo. Visto que um dos pilotos concordou, eu e o Tomás Camará ficámos a aguardar. As três avionetas levantaram com o pessoal e, passados dez minutos, vimos o Furriel Honório a dirigir-se para a sua Dornier. Virou-se para nós e disse:
– Vamos ?

O Furriel Morais e um soldado europeu foram ter com ele.
– Só vão vocês os dois ?
– É, eles dizem que não vão na sua avioneta!
– Mas, porque não ?

Saiu da avioneta e dirigiu-se para nós. Cumprimentou-nos e perguntou:
 – Por que é que vocês não querem ir comigo ?

Olhámos para o lado, nenhum de nós deu resposta. Ele disse:
– É, pá, isso é uma grande vergonha para nós! Eu sou preto. Levo brancos, que têm confiança em mim e vocês, que são meus patrícios, não querem ir na minha avioneta ? Vamos embora, pá, não há problemas!
– Eu não gosto de manobras no ar e o Tomás também não !
– Eu não faço nenhum tipo de manobras!

Depois pegou nos nossos equipamentos e disse:
 – Vamos embora!

Não havia outra maneira! Muito contrariados, embarcámos na avioneta. Tomou altura, virou para o sul e o voo correu muito bem até ao campo de Cufar. Aí o Honório viu um homem a andar sozinho, apontou o dedo e disse alto:
–Vou assustá-lo.

Eu já não sabia onde me meter. Ele baixou a avioneta e passou por cima do homem, que continuou a andar com calma.
– Ai, ele não fugiu ? Então, vou acertar-lhe com a asa da avioneta!

E baixou outra vez e ainda mais, parecia que ia atrerrar ali. O homem viu aquilo, que não era nada normal, e saltou para junto de uma árvore. Mas agora, para retomar altura,  é que me parecia mesmo muito difícil. Ao homem, a árvore tinha-lhe salvo a vida e a nós, pouco faltou para perdermos as nossas.

A partir deste incidente, nenhum de nós abriu mais a boca, até chegarmos a Cacine. Esta pequena vila fica junto ao rio. O piloto parou o motor e mergulhou, mergulhou. Só víamos água à nossa frente. Naquela altura, eu disse para comigo, até aqui foi brincadeira, mas agora ele não vai poder controlar a avioneta e vamos morrer todos. Era só água que eu estava a ver, tapei a cara para não ver mais nada e gritei com força. Ouvi o Tomás também aos gritos. De um momento para o outro, senti o estômago na boa, o avião estava a levantar, outra vez, a pique. Mesmo assim vi os morangueiros bem perto e, logo depois, entrou directo na pista e aterrou.

Saltou cá para fora, abriu a porta a cada um de nós e, quando sem qualquer tipo de fala, lhe virámos as costas, ele apalpou-me o rabo, para saber se eu tinha borrado as calças (…).

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 4 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5935: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (20): O Honório e o 2º Sarg que dizia que se aguentava (Vítor Oliveira)