1. Mensagem do nosso amigo e camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões, TSF, Bissau e Piche, 1970/72) que já circulou na nossa rede interna, e que foi dirigida à lista dos seus muitos, centenas, de amigos, incluindo os membros da nossa Tabanca Grande:
Caros amigos
Agora que já passou a época das prendas de Natal, talvez o ambiente seja mais propício para se falar das coisas da Vida.
Lembro-me que quando fui
estudante profissional ter visto, em 1969, salvo erro, uma edição de poesia da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa em que, entre outros, vinha lá um poema, cujo autor não me lembro e cujo tema pode parecer que não é apropriado, mas acho que pode ter algum paralelismo, e que era assim:
Foi Carnaval!
Todos tiraram as máscaras,
Já ninguém se conhece!
Ou seja, enquanto Tarzan, Zorro, Napoleão, Espanhola, Bombeiro, Enfermeira, Bailarina, Super-Homem, etc. eram sempre reconhecidos e identificados mas, passada a ocasião, voltava-se ao mesmo anonimato, à mesma indiferença.
Com o Natal passa-se um fenómeno semelhante. Diz-se amiúde Boas festas mas, de quê?, de quem?, porquê? E é ver pessoas que durante um ano inteiro se entretêm a fazer a vida num inferno aos que os rodeiam (ou aos que governam), a colocar aquele ar pungente, bonzinho, paternalista, 'amigo', desejando um 'bom Natal', 'festas felizes', etc.
Quantas vezes o 'motivo' da Festa não é totalmente excluído da mesma? Quem se lembra, neste espaço de civilização judaico-cristã, que se comemora exactamente o nascimento do Filho de Deus?
Que, por esse acontecimento,
o nascimento d'O que nos iria redimir, é aberto, iniciado, um ciclo de vida que, segundo esses ensinamentos civilizacionais, nos levará à via da salvação?
Também nas civilizações pré-cristãs esta época era motivo de grandes festejos.
Não se esqueçam que o nosso povo tem um ditado que diz "pelo Natal, um pulinho dum pardal", referindo-se ao crescimento dos dias, já que o Solstício de Inverno ocorre poucos dias antes, a 21 de Dezembro.
Ora acontece então que, sendo o Solstício o acontecimento que marca 'o Sol parado', ou seja, o momento em que se inverte a predominância das trevas sobre a luz, em que os dias passarão a ganhar cada vez mais espaço em detrimento da noite, em que a Vida inicia um novo ciclo de crescimento até à Primavera com toda a sua pujança, culminando no Verão, voltando depois a completar o ciclo com a Ordem Natural das coisas, pode-se encontar aqui também uma proposta de orientação para os tempos que se aproximam.
Seja então o Natal cristão, seja a Ordem dos ciclos da natureza, temos a exaltação dum Início. O começo da caminhada para a remissão dos pecados, o começo dum novo ciclo de Vida.
Que seja pois encetada com todo o entusiasmo, com toda a coragem, com toda a confiança, a caminhada que cada um terá que fazer no Novo Ano que se avizinha e que, para variar, não se augura promissor.
Será a nossa determinação em "ousar lutar para ousar vencer" que poderá marcar a diferença!
Que tenham tido então umas
Festas Felizes! Que tenham então um Novo Ano pleno de satisfação!
São os meus votos!
Beijos e abraços, conforme os casos.
Hélder Sousa
2. Comentário de L.G.:
Hélder, obrigado pelo teu presente de Natal, que tiveste, ainda para mais, a gentileza de ir expressamente entregar no meu local de trabalho. E que foi, nada mais nada menos, um exemplar da
História de Portugal em Sextilhas, autografada pelo seu autor, o Manuel Maia. Agradeço a ambos. Quero desejar-te as melhoras da tua esposa e, se me permites, um Melhor Ano, em 2010, para todos nós.
Retomo a tua reflexão teológica e sócio-antropológica e interrogo-me também: por que é que o último ano é sempre (?) um
annus horribilis ? ... No nosso actual ciclo de vida, é já difícil aspirar que o próximo ano seja melhor do que o anterior... Afinal,.estamos a envelhecer desde que... nascemos. Mas sejamos optimistas, por princípio!... Ou, melhor, por anti-conformismo!...
"Ousemos, pois, lutar par ousar vencer"... (Mesmo que a frase, já tão estafada, tenha velhas reminiscências maoístas e quiçá confucianas... Mas, afinal, tudo o que dizemos ou escrevemos, está inevitavelmente conotado ideologicamente... Quer queiramos ou não, acabamos todos por pensar no quadro da nossa dupla matriz histórico-cultural, helenística e judaico-cristã)...
Celebremos, antes, a vida, o início, o natal, o eterno retorno:
(..) Mas chegados ao fim do ano,
É costume fazer-se o balanço,
Se não da viagem,
Pelo menos do deve-e-haver
Das nossas vidas,
Da carga preciosa que transportamos connosco,
Que é a vida e o dever de a viver.
Que é o fogo da vida
E a obrigação de o alimentarmos,
O pequeno milagre
Ou o simples facto
De estarmos vivos,
De ainda estarmos vivos
E de estarmos juntos.
In: Luís Graça > Blogpoesia > 3 de Dezembro de 2005 >
Blogantologia(s) II - (21): O deve-e-o-haver de 2004
3. Comentário do Alberto Branquinho:
Helder
HOMBRE!! Que texto!
Era uma "coisa" assim que eu queria escrever, agora que passou o período em que o pessoal andava "alumbrado". É que muita gente não pensa. Vai na exurrada. Tive receio de escrever. Poderia ferir susceptibilidades (?!).
No entanto, enviei ontem um texto para o blogue, onde tento dizer isso mesmo, de forma muito resumida.
Quanto ao poema que citas de cor (e sem erros):
"CARNAVAL
Foi carnaval
Todos tiraram as máscaras
Já ninguém se conhece"
Está num livro de um só autor (José Fanha), chamado "Cantigas da dúvida e do perguntar" e foi, efectivamente, uma edição (em "plaquette") da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa. Foi vendido informalmente nas cantinas universitárias, a baixo preço, em 1970/1971, ainda esses ambientes fervilhavam de contestação ao regime político. Por curiosidade, nas primeiras páginas, onde, habitualmente, estão o ISBN, direitos de autor, etc., consta o seguinte texto:"Todos os direitos NÃO reservados incluindo os Estados Unidos da América".
Um abraço para o autor do texto (que merecia estar no blogue)
Alberto Branquinho