NÃO VENHO FALAR DE MIM … NEM DO MEU UMBIGO (16)
Alberto Branquinho
CAMBANÇA – I
O cabo cripto bateu à porta.
-Dá licença, meu capitão?
- Entra. Então?
- Já está pronto. Entregou uma folha de papel, dobrada em quatro.
O capitão olhou o papel.
- OK. Diz ao nosso alferes Lopes que chegue aqui.
O cabo já saía, mas o capitão chamou-o:
- E diz, também, para vir o nosso alferes Sousa.
Leu, então, a mensagem, analisando bem as palavras: “Elementos IN número quinze/vinte entram hoje noite zona cambança montante Rio Chibari. Emboscadas imediato.”
Fez o cálculo para a maré baixa – seria cerca das duas horas da manhã. Procurou o mapa donde constava a zona de cambança mencionada na mensagem e estendeu-o em cima da mesa. Ao de leve fez sobre ele riscos com um lápis. Procurou recordar a configuração do terreno – elevava-se um pouco para nordeste, com uma mancha verde bem acentuada nessa zona; depois, vegetação de tarrafe, seguida de mata não muito densa. Levantou os olhos do mapa e ficou a pensar. Apagou os traços que fizera no mapa e fez outros.
Chegaram os alferes. O capitão entregou-lhes a mensagem. Esperou um pouco.
- Vocês saem hoje depois do jantar, sem aviso prévio ao pessoal. Aí pelas oito horas. Evitem ser vistos pela população. Passem bem ao largo. Antes da meia-noite tenham o pessoal instalado. Você, Lopes, instala-se aqui (indicou o traço no mapa, paralelo ao rio). Próximo da vegetação de tarrafe.
Depois, voltando-se para o alferes Sousa:
- Você segue na retaguarda do Lopes e, ao chegar aqui – fez um arco de leste para nordeste – instala. Fica, portanto, na orla da mata, a fazer protecção à retaguarda.
Depois de instalados, informem todo o pessoal, principalmente os furriéis, da posição de cada um. Mantenham contacto rádio permanente.
Os três trocaram impressões para acerto da movimentação e sobre o percurso a seguir. Depois, cada um dos alferes foi falar com os furriéis sobre a hora da saída.
Pouco depois das oito horas da noite estavam os dois pelotões a sair pela porta leste. O capitão, depois de falar com os dois alferes, ficou a olhar a fila que desaparecia no escuro.
Chegados ao local, instalaram-se.
A lua estava em quarto crescente, a meio da inflação e em posição descendente no céu.
O pelotão que estava próximo do rio ocupava uma extensão de cem a cento e vinte metros, dois a dois, com uma metralhadora em cada um dos extremos da emboscada.
Já não havia lua e a vigília estava a tornar-se monótona.
Começou a ouvir-se, mais ou menos em frente ao espaço central da emboscada, a água a ser remexida, depois um pequeno marulhar, que aumentou de intensidade. Todo o pessoal se esticou, deitado, de arma aperrada e dedo no gatilho, à espera da ordem de fogo – que não veio. Os barulhos na água cessaram, mas o pessoal continuou tenso. O tempo foi passando, passando, voltou o cansaço a impor-se e as armas voltaram ao chão, encostadas aos corpos.
Mais tarde voltou o barulho de água. No início, a água agitou-se francamente, depois de forma suave e tudo acabou mais depressa do que na primeira vez. As mãos largaram, de novo, as armas e os corpos distenderam-se.
O tempo foi passando, lentamente.
O alferes Lopes encostou o relógio aos olhos – quase quatro horas
- Mais uma hora e “pico” e amanhece – pensou.
O céu foi clareando, clareando continuamente para o lado montante do rio.
Em primeiro lugar dois soldados, depois mais dois e, pouco depois, todos os que estavam mais no centro da emboscada sobre o rio, começaram a notar que, à beira da água, estavam umas pedras escuras, mais escuras que o lodo, que… afinal não eram pedras. Eram cabeças de crocodilos, Seriam uns cinco ou seis, a uma distância de quatro a cinco metros dos homens mais próximos. Estavam adormecidos, com a cabeça assente na margem lodosa.
Sem ordem do alferes, a emboscada começou a ser levantada, de forma ordeira e silenciosa, em rastejante marcha-atrás, que se converteu em marcha erecta alguns metros adiante. Então, o alferes Lopes contactou o outro pelotão, através do rádio “banana”, para encostarem à retaguarda da coluna.
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Notas de vb:
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