Mostrar mensagens com a etiqueta Sem-Abrigo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sem-Abrigo. Mostrar todas as mensagens

sábado, 25 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24884: Nota de leitura (1637): "O universo que habita em nós: estórias com vida”, do nosso camarada José Teixeira, um talentoso contador de histórias e criador de personagens (Luís Graça)

1. Texto, da autoria do nosso editor LG, que foi lido pelo Eduardo Moutinho Santos (foto à esquerda), na sessão de lançamento do último livro do Zé Teixeira, no passado dia 18, em Leça do Balio, Matosinhos (*), e que publicamos agora como "nota de leitura" (**)


Conheço o Zé Teixeira desde finais de 2005, altura em que ele passou a integrar o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, também conhecido como Tabanca Grande. Passados 18 anos, ele é dos nossos autores mais prolíferos, ativos, proativos, ecléticos e generosos, com mais de 4 centenas de referências. 

E já não falo dele como comentador: é-me impossível contabilizar o número dos seus comentários a textos de outros autores. Em cerca de 25 mil postes (ou postagens), temos pertíssimo de 100 mil comentários (em média, 4 por poste). Algumas centenas serão seguramente do Zé.

Parte da sua vida, desde então, também está escrita no nosso blogue… Por exemplo, foi o cofundador da primeira tabanca da Tabanca Grande, a Tabanca Pequena de Matosinhos, um caso notável, pela sua originalidade e longevidade, de tertúlia de antigos combatentes… Fez parte da ONGD Tabanca Pequena, responsável por várias iniciativas de ação solidária na Guiné-Bissau, país que conhece muito bem das várias viagens que entretanto fez, desde 2005 (se não erro).

É autor de várias séries no nosso blogue, de que destaco, por serem das mais notáveis:

(i) “Estórias do Zé Teixeira”: tem 60 publicadas no blogue, de dez 2005 a set 2022;

(ii) “O meu diário”: tem 2 dezenas de publicações entre janeiro e março de 2006;

(iii) “Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira)”: publicou 13 crónicas, entre maio e agosto de 2013.

Tem, além disso, inúmera colaboração avulsa, entre prosa, poesia e
fotografia, noutras séries como “Álbum  fotográfico”, “Ser solidário”, “Convívios”, “Blogpoesia”, “Fotos à procura de… uma legenda”,“(Ex)citações”, "(In)citações”, “Os nossos enfermeiros”, etc., etc.

Este preâmbulo, já extenso, serve apenas fundamentar aquilo que eu
escrevi em 2022 no prefácio ao seu anterior livro, de poesia, “Palavras (e)levas o vento”. Deixem-me citá-las porque continuam a ser justas, pertinentes e atuais:

“E desde logo (isto é, desde que o conheci por altura do Natal de 2005, na Madalena, Vila Nova de Gaia) o defini como um homem de palavra e da palavra: afável, comunicativo, talentoso, mas também coerente, solidário e generoso. E tem uma qualidade que não abunda por aí, nos tempos que correm, de feroz individualismo e competição: a sensibilidade sociocultural, a abertura aos outros que são diferentes, quer sejam os sem-abrigo a quem vê como irmãos, quer sejam os fulas, muçulmanos, da Guiné-Bissau com quem conviveu durante a guerra colonial”…

E também disse, sem qualquer favor ou lisonja, que ele era uma vocação literária “tardia” mas já “amadurecida” e até “consolidada”.

Este último livro (a que me cabe o prazer e a honra de apresentar) 
comprova-o: o Zé é um talentoso contador de histórias e criador de 
personagens, para além de cronista. São sobretudo os seus microcontos que me encantam. Mas também o registo mais intimista do seu diário…

Recordo-me de ter escrito, há 11 anos atrás, o seguinte a propósito das páginas do seu diário da Guiné:

(…) “São apontamentos que o Zé foi escrevendo num caderninho, durante a sua comissão na Guiné (1968/70). É um notável documento humano onde, para além de dados factuais (colunas, operações, baixas, topónimos...), também vêm ao de cima as dúvidas, as contradições e a angústia do português, do homem, e do cristão (praticante que ele sempre foi). Nesse Agosto de 1968, em Aldeia Formosa (hoje, Quebo), o Zé, enfermeiro, escreve, dilacerado pelo absurdo daquela guerra: 'Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo ' " (...).

 Vem também ao de cima o poeta que ele é: veja-se a ternura de poema que ele escreveu sobre "As Mãos de Minha Mãe" (…)

O artesão da palavra, como eu gosto de o definir, não é de agora, mas é ainda mais visível neste seu último livro, “O Universo que Habita em Nós”, que tem como subtítulo: “Estórias com vida”.

Não vou repetir o belíssimo e elegante, para além de sintético e magistral prefácio do prof Júlio Machado Vaz, que o leitor deverá ler no princípio e reler no fim. Ele definiu bem em três palavras o essencial destes textos: “candura, transparência e doçura”. 

O Zé Teixeira, para quem o conhece, está aqui, inteiro, de corpo e alma, nas histórias que nos conta e nas personagens que lhes dão autenticidade, humanidade e consistência, a começar pelo Miguelito que tem muito de “alter ego”, nascido na Lousada, onde ainda, cem anos depois, pairava o fantasma do Zé do Telhado, e cujas histórias ele ouve, da boca da avó, dividido entre o temor maravilhado e a interiorização dos valores dominantes.



Capa do livro do José Teixeira, "O universo que habita em nós". Lisboa: Astrolábio Edições, 2023, 230 pp. (Prefácio de Júlio Macahdo Vaz) (Disponível na Livraria Atlântico: preço de mercado: 17 € (em papel) ou 5 €(ebook); pode também ser comprado "on line" na FNAC, ou pedido diretamente ao autor: Jose Teixeira: jteixei@msn.com )


Não podendo nem querendo ultrapassar as quatro páginas A4 que me foram pedidas, quero tão apenas destacar algumas das singularidades e originalidades deste livro:

(i) do princípio ao fim, o narrador (sempre ou quase sempre na primeira pessoa do singular) está implicado no enredo: diremos que há um recurso, em geral bem conseguido, à técnica da observação participante, seja quando se fala das vivências da infância e depois da guerra, seja das histórias dos que não tem história;

(ii) está dividido em duas partes (Zé, falta-lhe um índice, lapso que podes corrigir na 2ª edição…): “este meu mundo escondido” e “esta minha cidade escondida”;

(iii) na introdução (pp. 11/13), o autor explicita e fundamenta muito bem esta dicotomia cidade aberta / cidade escondida: há um “universo recôndito que está dentro de nós” e que “é a base da construção da nossa cidade”, que deve ser (ou queremos que seja) “bela, acolhedora e cativante” (sic), projeto em que cada um de nós tem de ser um “operário ativo” (pág. 12);

(iv) a “cidade escondida” é como a outra face da lua”, a que não vemos ou não queremos ver, a dos homens e mulheres, social e espacialmente discriminados e segregados, e a que pomos o epíteto (estigmatizante) de prostitutas, alcoólicos, drogados, marginais, sem-abrigo, loucos, indigentes…

(v) podia haver amargura, azedume, revolta, ajustes de contas com o passado,  mas não: há ali muito amor, ternura, carinho, poesia,  ingenuidade, cumplicidade, serenidade, empatia, compaixão… no regresso ao passado, duro, da infância, mesmo quando falta uma importante peça do puzzle da nossa identidade, a figura do pai… ou do seu substituto, ou quando a hipocrisia social diaboliza a figura da mãe solteira;

(vi) o autor recorre a poetas para, num verso ou num pensamento sincrético,  nos dar uma chave de leitura para a suas histórias ou personagens. Por exemplo, “A minha mãe (…) era o vulto que à noite se recorta” (Vasco Graça Moura); “Faz que cada hora da tua vida seja bela. O mínimo gesto é uma lembrança futura” (Claude Aveline”); ou “O mais terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança perdida” (Frederico Garcia Lorca); noutros casos, recorre ao exemplo de vida de amigos, que admirava, como o saudoso luso-guineense Carlos Schwarz (Pepito): “Desistir é perder, recomeçar é ganhar”;

(vii) algumas histórias podem ser pícaras,  mas sempre muito humanas e surpreendentes: por exemplo, “Madrinha de guerra” (pp.79/85), “As aventuras do Marcelino” (pp. 87/92) ou “Morreu, morreu o cobrador!” (pp.221/226);

(viii) o autor pertence a uma geração de portugueses, que apesar de tudo foi “win-win”, não se resignou com o destino que lhe coube, foi à luta, resistiu, sobreviveu, conseguiu apanhar o "elevador social", valorizar-se intelectual, social e profissionalmente… Ou em suma: sair do círculo da pobreza e da iniquidade em que nasceu, quando 120 em cada 1000 crianças morriam antes de chegar ao 1º ano de vida; a tuberculose era uma das principais causas de morte; a escola primária (e muito menos o liceu e a universidade) não era para todos; andava-se descalço ou de chancas; e uma criança com 6 anos guardava as ovelhas do “regedor”, em troca, à noite, de um caldo quente, um pedaço de broa e, em dias de festa, uma cabeça de sardinha frita…

Há histórias e personagens tocantes, neste livro, desde a Áurea, sem-abrigo, ao Senhor Augusto; ou o Salvador que transporta em si os fantasmas e os pesadelos de toda uma geração que fez a guerra colonial…

Como eu já disse, não há muito tempo, e a propósito da história do Senhor Augusto, que já tinha lido no blogue: sabemos que nos podem roubar ou tirar-nos tudo, a casa, a terra, o país… Não se escolhe onde se nasce, muito menos pai e mãe... Ninguém pode, todavia, roubar-nos a memória, incluindo as memórias da infância e as nossas geografias emocionais (Buba, Mampatá, Chamarra, Aldeia Formosa, etc.). E a infância tanto pode ser uma rua, como um bairro, ou uma quinta, um lugarejo, um lugar, uma aldeia, uma vila como um rosto ou um estória...

Em “O universo que nos habita”, estão lá muitas das memórias impressivas e das vivências mais fortes do autor, a começar pelas paisagens da infância, sofrida mas também maravilhada, que, mesmo que tenham desaparecido fisicamente, continuam a ter cores, sabores, cheiros, rostos, personagens, homens e bichos, dos casebres dos pobres, os "cabaneiros", às casas dos “fidalgos”; o duro, trágico, mas também às vezes pícaro, lado da guerra colonial na Guiné; e, por fim, um terceiro “filão”, não menos duro mas seguramente nobre, que é também uma missão, a de dar voz a quem não a tem.

Mas o Zé, além de marido, pai, avô, educador, cidadão, também, foi dirigente escuteiro, gerente bancário, andou nas lutas dos moradores das ilhas do Porto… Em suma, ele que é humilde, também pode dizer, com propriedade e sem bravata, como o grande Pablo Neruda: “Confesso que vivi”…E isso dá-lhe o direito e o dever de memória… A escrita é também uma das formas de explorar essa inesgotável matéria-prima com que (re)construímos o universo que nos habita …

Neste Natal, far-nos-á bem a todos ler e reler estas “estórias de vida”, por que são também “estórias com vida”, o mesmo é dizer de esperança.

Parabéns, Zé. E obrigado pelo teu talento, empatia e amizade.

Luís Graça, editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

(Nota de LG: Um especial agradecimento ao camarada Eduardo Moutinho Santos por, na sessão do dia 18, me ter "emprestado a voz", o mesmo é dizer, ter tido a gentileza e a nobreza de ler o meu texto...)

  

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > O Zé Teixeira com a Cadidjatu Candé (infelizmente já falecida), filha do valente alferes de 2ª linha e comandante de milícias no Quebo, Aliu Sada Candé,  preso, condenado à morte e assassinado lentamente pela juventude do PAIGC depois do fim da guerra (com "um prego espetado na cabeça, uma morte lenta, dolorosa, horrível").
 
Foto (e legenda):  © José Teixeira (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Para o Zé Teixeira, um camarada e um amigo, 
 um homem bom e solidário (**)

por Luís Graça

Não, não és um amigo do tu cá tu lá,
Não somos amigos de infância, ai que pena,
Conhecidos só de um Natal da Madalena,
Passei pelo Saltinho e tu, em Mampatá.

Não foi preciso pedir a ninguém licença,
Entraste pela Tabanca Grande adentro,
Sem quereres ser do mundo o umbigo e o centro,
Para partir mantenhas e mostrar a crença,

Nessa grande camaradagem de outrora,
Temperada na Guiné da paz e da guerra,
Sempre pensando no dia de ir embora.

O nosso blogue foi traço de união,
E ponte com essa nossa segunda terra:
Mereces por isso o meu chicoração!


Lourinhã, 6 de fevereiro de 2021

Parabéns do Luís (e da Alice), em dia de anos (***)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de novembro de 2023 >  Guiné 61/74 - P24874: Agenda cultural (845): a minha festa, em Leça do Balio, no passado dia 18: o lançamento do meu livro "O Universo que habita em nós" (José Teixeiira, Matosinhos)

sábado, 21 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15390: In Memoriam (240): Faleceu o Mário Rodrigues Silva ‘Nascimento’ [1950-2014], ex-soldado da CART 3494 (Xime-Mansambo, 1971/74)... Era um "sem-abrigo", esteve seis meses num lar da Figueira da Foz (Jorge Alves Araújo)



1. O nosso Camarada Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 3494, (Xime-Mansambo, 1972/1974), enviou-nos mais uma mensagem desta sua série no passado dia 12NOV. 


Camaradas,

No passado fim-de-semana estive na Figueira da Foz e, em comunhão de interesses com o camarada António Bonito, tomámos a iniciativa de tentar localizar o Mário Rodrigues Nascimento, nosso camarada da CART 3494,  ferido em combate em 01DEZ1972 na Ponta Coli.

O resultado do nosso trabalho de pesquisa é aquele que consta do texto que anexo: faleceu em 08JUN2014.

IN MEMORIAM

Mário Rodrigues Silva ‘Nascimento’ [1950-2014], ex-Soldado da CART 3494 (Xime-Mansambo, 1971/74),
ferido na ‘Ponta Coli’ em 01DEZ1972; […] “sem abrigo” até finais de 2013,faleceu no Lar de Santo António, Figueira da Foz, em 8JUN2014

1.- INTRODUÇÃO 

Camaradas, 

A notícia do falecimento do camarada Mário Rodrigues Silva ‘Nascimento’, ex-combatente da CART 3494 na Guiné [4.º GComb], mais cedo ou mais tarde haveria de chegar, na medida em que viver na rua, na condição indigna de “sem abrigo”, não augura nada de bom à saúde de ninguém, degradando as diferentes dimensões da natureza humana, quer seja física, psicológica e/ou social, agravada pelo histórico que lhe deu origem. 

De facto esta notícia peca, ainda, por tardia, já que a morte do Mário ‘Nascimento’ ocorreu há mais de dezassete meses na Figueira da Foz, onde nasceu em 05 de Abril de 1950. 

E como a ela chegámos? 

Na deslocação efectuada no passado fim-de-semana à Figueira da Foz, por compromissos familiares, encontrei-me com o camarada António Bonito [ex-furriel do 2.º GComb - Enxalé], residente em Santana, uma localidade anexada à Freguesia de Ferreira-a-Nova, pertencente ao Município Figueirense. 

De entre os vários assuntos abordados no nosso encontro, a situação do camarada Mário ‘Nascimento’ veio à nossa memória, uma vez que desde 12JAN2012 [P137-3494] nada mais soubemos da sua existência. 

No sábado, 07NOV2015, durante a caminhada que se seguiu após o meu almoço, encontrei um grupo de três indivíduos, aparentemente na mesma situação do ‘Nascimento’, perguntando-lhes se conheciam um ex-combatente na Guiné a viver na rua, na zona do Alto do Viso. A resposta foi positiva… Referiram que há já algum tempo, mais ou menos dois anos, que o deixaram de ver, e que ele era conhecido por “Sr. Mário”. Disseram-me que esta ausência de contacto poderia ter a ver com o seu internamento no Lar de Santo António, instituição da Misericórdia da Figueira da Foz. 

Antes de seguir em direcção ao Lar, muito próximo do ex-quartel da Escola Prática de Serviços e Transportes [EPST] – C.I.C.A.2 – encerrado em Junho de 2006, pondo fim a cerca de cem anos de presença militar na cidade, sito nas Abadias, tomei a iniciativa de fazer uma abordagem telefónica exploratória, indagando sobre a possibilidade de aí o encontrar.

Na sequência desse contacto de sábado, seguido de outro na segunda-feira, por dificuldades de me responderem às questões formuladas no primeiro, fui informado pelos serviços administrativos do Lar, de que o Mário Rodrigues ‘Nascimento’ havia entrado para a Instituição no dia 18OUT2013 e falecido em 08JUN2014, domingo. 

Estes dados foram igualmente confirmados pelo camarada António Bonito, em contacto pessoal ontem realizado na Figueira da Foz.

2.- HISTÓRICO SOBRE O MÁRIO ‘NASCIMENTO’ 

Porque não possuo qualquer foto que identifique o camarada Mário ‘Nascimento’, utilizarei outras imagens para enquadrar o texto. 

O Mário Rodrigues ‘Nascimento’, na qualidade de militar pertencente ao 4.º GComb da CART 3494, foi um dos dois feridos graves contabilizados durante o combate travado com o grupo especial de «Bazookas» de Coluna da Costa e o bigrupo de Mamadu Turé e Pana Djata, na segunda emboscada montada pelo PAIGC, na Ponta Coli, em 01DEC1972 [P9802+P12232] vai fazer quarenta e três anos. O outro ferido grave foi o Joaquim Moreira de Sousa [ex-soldado], de Amarante [P155-3494]. 

Os ferimentos graves em ambos os militares acima referenciados resultaram dos efeitos provocados pelo accionamento de duas minas de sopro comandadas à distância pelos guerrilheiros emboscados na orla da mata a quarenta metros do local da segurança ao tráfego da estrada Xime/Bambadinca, vulgo “Ponta Coli”.


Foto 2 – Ponta Coli (Dec1972) – Trilho utilizado para ligar os postos de vigia onde foram colocadas e accionadas as minas de sopro que atingiram, com gravidade, os dois militares do 4.º GComb, da CART 3494. 


Ambos foram evacuados no mesmo dia para o Hospital Militar 241, em Bissau, onde permaneceram algum tempo em tratamento. Seguiu-se, depois, a sua transferência para o Hospital Militar Principal, em Lisboa, também conhecido por Hospital Militar da Estrela. Desde esse momento deixámos de ter contacto com eles.


Foto 3 – Ponta Coli – Território onde ocorreram as duas emboscadas ao 4.º GComb, da CART 3494, e onde foram capturados dois guerrilheiros já cadáveres, em 01DEC1972.


Foto 4 – Ponta Coli – Posto de Comando durante a missão de segurança. 


Entretanto, em 11JAN2012, um elemento da Direcção da Associação dos Deficientes das Forças Armadas [ADFA], Delegação de Coimbra, ex-Furriel Soles Girão, contactou o camarada Espadinha Carda [ex-furriel do 3.º GComb, da CART 3494] pedindo esclarecimentos sobre o Mário Rodrigues Silva ‘Nascimento’, na justa medida em que ele vivia na rua e só sabia dizer que pertenceu à Companhia 3494, estivera no Xime, onde fora ferido e evacuado para Bissau. 

Nesse mesmo dia, o camarada da Ponte Sor, Espadinha Carda, entra em contacto com o camarada Sousa de Castro, editor do Blogue da CART 3494, que de imediato dá o alerta através do Poste 137-3494, de 12JAN2012

O movimento de solidariedade para com o camarada Mário ‘Nascimento’ nascera a partir daquele momento. Vários foram os testemunhos deixados no post, nomeadamente do camarada João Pereira da Costa, ex-furriel da CCS do BART 2857 (Piche, 1968/70) que se prontificou a contactar com o seu camarada de Batalhão, o ex-furriel Soles Girão, reforçando o pedido de apoio. 

Eu próprio contactei o camarada da ADFA procurando saber algo mais, na medida em que era necessário identificar o local mais ou menos próximo em que poderíamos encontrar o nosso camarada “sem-abrigo”. Foi-me dito que ele vagueia pelas ruas da Figueira da Foz e que a morada constante nos registos anteriores era a Rua do Viso, curiosamente a mesma rua onde os meus avós tinham uma moradia e que eu conhecia muito bem dos tempos em que lá passava as férias escolares de outrora. 

De seguida contactei os Serviços Sociais da Autarquia Figueirense, apresentando a problemática, prometendo-me a Assistente Social, com quem falei, interessar pelo assunto. 

Desde essa data nada mais soube acerca da evolução do processo do camarada Mário ‘Nascimento’, a não ser o que acima relato. 

A informação de que falecera em 08JUN2014, domingo, deixou-me triste e revoltado, sentimentos certamente comungados por todos os restantes camaradas ex-combatentes da CART 3494. 

Ficou sepultado no Cemitério Oriental da Figueira da Foz.


Foto 5 – Edifício do Lar de Santo António, da Misericórdia da Figueira da Foz, onde o camarada Mário Rodrigues Silva ‘Nascimento’ esteve abrigado durante os últimos oito meses da sua passagem terrena, e onde travou a última batalha da sua vida.

QUE DESCANSES EM PAZ.

Com um forte abraço e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4807: Estórias do Mário Pinto (9): O stress pós-traumático de guerra nos ex-combatentes, sem-abrigo, da zona de Lisboa

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, vive na margem sul do Rio Tejo – Setúbal -, e apesar de ter a sua vida muito ocupada, arranja tempo para fazer vigílias nocturnas pelas ruas de Lisboa, afim de prestar o auxílio possível aos ex-Combatentes (sem abrigo), muitos deles a sofrerem de stress pós-traumático de guerra.

É sobre o desenvolvimento deste seu trabalho extraordinário, e a sua dramática e dolorosa experiência e apreciação desta causa, que abraçou e acarinha, que nos enviou duas mensagens, com data de 09 de Agosto de 2009:

Camaradas,

Gostaria que este texto, na medida do possível, fosse publicada em poste, pois isto que a seguir vou cantar não são estórias… são tristes realidades.

Como o camarada Sargento-Mor (Luís Graça) ainda está nas suas merecidas férias, e o nosso camarada Sargento de Dia (Carlos Vinhal), anda muito ocupado a pôr a nossa Companhia a fazer ordem unida, uma vez que tem havido camaradas que andam a trocar o passo.

Só me resta o Sargento de Ronda (Magalhães Ribeiro), que apesar de estar também em férias, lá vai fazendo a ronda pelo “quartel” (Tabanca Grande).

Sendo eu Cabo do Piquete ontem, Sábado, como já vem sendo hábito à algum tempo a esta parte, fiz a minha vigília social (que incluiu uma sortida à cidade de Lisboa), integrado numa associação de voluntários bem conhecida, que presta assistência aos mais desprotegidos - “sem abrigo” -, onde, infelizmente, se encontram muitos Camaradas nossos ex-militares Veteranos de Guerra, padecendo de stress pós-traumático de guerra, muitos deles da frente da Guiné.

OS SEM ABRIGO E O STRESS PÓS-TRAUMÁTICO

Como sempre, e após estas missões, fico agoniado, envergonhado deste país e com uma revolta interior enorme, difícil de debelar, por não poder resolver os graves problemas de degradação da condição humana que me são dados a observar.

Quem tinha por obrigação de o fazer, não o faz e, pior no meu ponto de vista, trata este grave problema nacional como se o mesmo não existisse.

O Exército Português, anda a proceder ao desmantelamento de um grande número das suas unidades. Ainda agora, o R.I. 11 de Setúbal, foi convertido na Escola Hoteleira de Setúbal (suas novas instalações). Não poderia, ou deveria, uma destas suas instalações servir para oferecer abrigo aos nossos infelizes Camaradas.

Isto seria o mínimo exigível a colocar o mais rapidamente na prática, enquanto não é tarde demais.

Os ex-Combatentes mais novos da Guerra do Ultramar têm 55/56 anos de idade, os mais velhos contam com 69/70 e mais anos de idade.

Um desconhecido número deles está doente.

NÃO SÃO ESTÓRIAS… SÃO REALIDADES!

É hoje uma triste realidade, infelizmente, as centenas de ex-Camaradas nossos que vivem na rua sofrendo do chamado Stress Pós-Traumático de Guerra.

Existem cerca de 150.000 antigos combatentes confirmados, por diversas instituições, a tomar fármacos para minorar os efeitos desta terrível doença. Quem o afirma é o presidente da A.P.V.G. (Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra) - Sr. Augusto de Freitas (médico). Mais afirma que existem centenas de camaradas nossos a viver precariamente e alguns a “rastejarem” e sobreviverem nas ruas, sem qualquer protecção ou abrigo.

Apesar do assunto ter já sido por diversas vezes debatido na Assembleia da República, e terem sido criados, por despachos, os Decretos-Lei 50/2000 de 7 de Abril, 35/99 de 5 de Fevereiro, 157/99 de 10 de Maio, criada a Lei 46/99 de 16 de Junho e a publicação em Diário da República - 2.ª série de 5/8/2004, do despacho conjunto MDN e MS sobre o Stress de Guerra e o seu Reconhecimento, a verdade é que pouco, ou nenhum, resultados práticos têm dado esta legislação toda.

O apoio aos nossos camaradas continua a ser prestado por Homens de Boa Vontade e por Instituições Beneméritas, com as suas melhores organizações como: L.C., A.P.V.G., L.B.V., M. S.V., S.C.M., O C.A.M.P.S., O C.E.A.M.P.S., A.P.O.I.A.R. e CAIS, entre outras espalhadas pelo Pais.

No dia 25 de Maio 2009, realizou-se na Liga de Combatentes um encontro de reflexão sobre a situação dos nossos Camaradas “sem abrigo”, com a presença do Sr. General Joaquim Chito Rodrigues, onde foi delineado o apoio a prestar a estes nossos Camaradas e a " Estratégia Nacional Para a Integração de Pessoas Sem Abrigo (2009/2015).

Segundo os estudos da Drª. Luisa Sales do Hospital Militar de Coimbra, sobre esta matéria, apresentado no âmbito do Congresso Nacional de Psiquiatria e Saúde Mental, foi referido que os sintomas de “stress” de guerra, pode manifestar-se ao fim de 30 anos, bastando para isso o simples ouvir de noticiários sobre qualquer guerra, sons de helicópteros, tiros ou explosões.

As alterações do sono são os sintomas mais frequentes no stress pós-traumático, causado por factores diversos como: ferimentos em combate, morte de camaradas, emboscadas, privação de necessidades básicas e vivencia de uma situação de prisioneiro de guerra.

Tudo isto são situações que quase todos nós vivemos.

Os nossos governantes limitam-se a decretar. Lavam assim as mãos como Pilatos e agora… desenrasquem-se como sempre fizeram pela vida fora!

Isto não é justo. Por isso é que apelo a todos para que invadam os sites e e-mails destes senhores, com petições, umas atrás das outras, em prol dos nossos camaradas “sem abrigo”.

Muitos já faleceram sem qualquer tipo de apoio… abandonados à sua sorte.

Por isto, deixo aqui um apelo à nossa Tabanca Grande e a todos os nossos Camaradas de boa vontade, que com dirijam mensagens aos nossos governantes, de demonstração de repúdio e revolta pela manutenção desta lamentável situação

Se cada um de nós enviar um e-mail e dermos conhecimento a outros nossos Camaradas, para que façam o mesmo, seremos milhares a “massacrar-lhes” as consciências.

Não nos podemos esquecer que a unidade faz a força, e a NET é uma arma poderosa.

Não temos nada a perder, a não ser os remorsos de baixarmos os braços e abandonarmos esta digna e nobre luta.

Seguem os sites e e-mails das entidades a visar:

PRESIDENTE DA REPÚBLICA
(O mesmo contem um espaço de comunicação)

PRIMEIRO MINISTRO
Correio electrónico: pm@pm.gov.pt
Página Int. Primeiro Ministro

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Procurar local Presidente
" " Grupos Parlamentares

MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL
Procurar MDN
Ou, antigos.combatentes@defesa.pt

ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO
Chefe Estado-Maior do Exército
ceme@mail.exército.pt

Não se esqueçam que somos um exército de 900.000 ex-Combatentes, se pelo menos 1/9 de nós fizer este gesto, seremos a maior manifestação no género no país.

O objectivo é fazermos tal bombardeamento às suas tabancas, que os mesmos sejam obrigados a vir ao terreno, conferenciar com as nossas instituições para a resolução do problema.

Força camaradas!

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: © José Félix (2009). Direitos reservados.
__________
Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste desta série em:

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3647: Banco do Afecto contra a Solidão (3): Regueirão, a Avenida da Desesperança. (Jorge Cabral)

Mensagem do Jorge Cabral

Amigos

Envio apontamento para a nova série, mas principalmente Votos de Bom Natal.
E que a Solidariedade nos ilumine a todos, e nos faça entender que não somos Nós e os Outros, mas somos todos Nós.

Abraços Grandes
Jorge Cabral

Os Meus Amigos do Regueirão dos Anjos

Jorge Cabral


Quase não é uma rua, o Regueirão. Beco comprido à ilharga do Banco, não aparece em nenhum Roteiro Turístico. É porém local de muitos sem-abrigo. Talvez um dia venha a mudar de nome. Por mim proponho – Avenida da Desesperança.

Aí encontro quatro Amigos. Um é grande e moldavo, outro negro de Angola, o terceiro velho e gasto e ainda uma mulher para compor o naipe.

São todos ex, ex-tudo e nunca falam do passado.

Quem foram? Não pergunto, mas descobri que o velho esteve na Guiné. Pela tatuagem, claro. Imagino-o lá. Padeiro em Buba, maqueiro em Piche, atirador no Xitole, o mato, o quartel, o perigo, as bebedeiras, a jogatana, as bajudas...

Como foi o regresso? Quando e porquê se terá ele perdido? Uma mulher? Um crime?
Talvez apenas a chatice da rotina o tenha feito berrar um ipiranga e embarcar sem rota...

Vivem aqui os quatro, entre cartões, cobertores, plásticos. Comem o que lhes trazem as carrinhas benfeitoras. O preto arruma carros. A mulher canta salmos e os outros esperam, sabe-se lá o quê? E bebem, bebem sempre, mas já não se embriagam.
Ontem levei castanhas. Assaram-nas na rua.
- Vai um trago, patrão?
- É do bom, Senhor Engenheiro!

Não bebo há anos, mas emborquei da garrafa, pois então.
- Bela pomada, amigos, sim senhor...
__________

Notas de vb:

1. Artigos da série em

15 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3630: Banco do Afecto contra a Solidão (2): Ajuda ao João Santos, ex-combatente em Moçambique, que vive num contentor (Mário Fitas)

2. Último artigo do Jorge Cabral em:

4 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3562: Banco do Afecto contra a Solidão (1): A última comissão do Coronel (Jorge Cabral)