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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21560: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (17): Recordação/Homenagem de reconhecimento a Guedes Barbosa

Antigo Quartel do Regimento de Transmissões - Porto
Foto retirada da página http://zala.fotosblogue.com/129565/Codigo-de-Morse/, com a devida vénia


1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 16 de Novembro de 2020:

Caros amigos,

Como já faz tempo que não envio colaboração, aqui vai uma coisa "ligeira", que penso pode ser colocada na minha série "Histórias em tempo de guerra".

Em parte talvez sirva para amenizar um pouco a agressividade verbal (escrita) que tem aparecido mais recentemente aqui no Blogue.

Por outra parte entendo ser um assunto, o da reconhecimento da faceta humana e solidária por parte de alguns homens do Quadro que connosco se cruzaram e de homenagem aos seu comportamento.~

Será talvez dar corpo à minha faceta de "conciliador-mor" mas não me sinto mal com isso.

Como de costume isto está "fraco" de imagens que possam ajudar a enquadrar o texto e amenizar a sua leitura mas tenho ideia que no Post que cito há por lá uma imagem da parada do Quartel. Não tenho nenhuma foto de quem estou a recordar e mesmo minhas também são raras.

Envio duas fotos de há 3 anos desse Quartel do RTm, a da entrada actual que pouco difere da do meu tempo e onde se vê um pouco do interior da parada com várias viaturas e uma do Edifício do Comando, bastante degradado e uma outra foto pessoal, mais recente, tirada na Feira do Livro de Lisboa o ano passado, aquando da apresentação do livro do Zé Ferreira.

Saudações
Hélder Sousa



Recordação/Homenagem de reconhecimento a Guedes Barbosa

Caros amigos

Vou fazer referência a um “Homem do Quadro” que me marcou e que considero necessário e importante dar aqui testemunho disso e porquê.

Há por norma alguma “animosidade” contra esses homens (haverá algumas razões, com certeza) mas também já apareceram referências a Oficiais e elementos da classe de Sargentos do Quadro que não desmereceram a qualidade de nossos camaradas.

Portanto, o “porquê” destas linhas poderão verificar no final e esclareço também que da pessoa em causa não tenho notícias já faz bastante tempo, ignoro se é viva (e espero que sim), nem falei com ele recentemente de modo a obter anuência para o que vou escrever.

Trata-se de Guedes Barbosa. Ao tempo que o conheci, no então RTm (Regimento de Transmissões), no Porto, chefiava a Secretaria e, embora sem qualquer certeza agora, julgo que era 2.º Sargento. Este Homem era um militar de carreira, do Quadro, um “chico” como dizíamos, mas era dotado de grande sentido humanista e também de humor.
Entrada do então Regimento de Transmissões do Porto

Ora bem, antes do episódio que agora recordo, ocorrido aí em finais de Julho de 1970, devo dizer que estava nesse Quartel em funções de formação de futuros Oeradores de Morse e que por circunstâncias várias estava a chefiar um Pelotão de instruendos, tal como vários dos meus camaradas de Curso, aqueles a quem por hábito costumo designar por “Ilustres TSF”. Por via disso, dessas funções, era corrente ter que tratar de assuntos vários na Secretaria e, naturalmente, interagir com o senhor Sargento Guedes Barbosa.

Então, esperando que não me chamem muitos nomes por agora “puxar a brasa à minha sardinha” (o amigo Branquinho perdoará este meu “falar sobre o meu umbigo”), sempre vos digo que arranjei maneira de termos (os “Cabos Milicianos” que estávamos de “instrutores”) uma semana de férias, quando isso normalmente não teria sido possível.

E como foi? Ora bem, por aqueles tempos faltavam “Aspirantes” e, como disse acima, nós, os “Ilustres” é que estavam a comandar os Pelotões de Instrução. Algures no Regulamento (RDM) eu li que “quem estivesse a desempenhar funções normalmente cometidas a um 'superior', por um período igual ou superior a 3 meses, tinha direito a 1 semana de licença".

Na posse desta informação (não sei precisar se cheguei lá de “motu próprio” ou foi “soprada” por alguém), a verdade é que fui com isso ao Guedes Barbosa, argumentei, reconheceu que tinha razão (estava no RDM….) mas que isso não era habitual, e que seria difícil acontecer mas que, no entanto, ia apresentar a situação ao Senhor Comandante e que, caso houvesse deferimento, não poderíamos ir todos ao mesmo tempo.

Não era habitual acontecer mas aconteceu! Essa minha semana de férias, inédita volto a dizer, ocorreu de 24 ou 25 de Agosto a 1 de Setembro quando regressei e fiquei logo de “Sargento de Dia”.

Nesse dia, 1 de Setembro de 1970, ocorreu então em “encontro imediato” com um personagem sinistro que havia no Quartel, um tal Capitão Carneiro (a quem chamavam “cobra cuspideira” porque quando vociferava – ele raramente “falava” – enchia o interlocutor de perdigotos”) mas isso é outra história, mais comprida, e já a contei aqui no Blogue, no poste P10341, de 6 de Setembro de 2012, intitulado “Abuso de poder”.

Desse “encontro” resultou uma ameaça do tal sinistro personagem de me “embrulhar” numa participação. Acontece que, por sua vez, houve quem me aconselhasse a “fazer queixa” dele, já que o desaforo foi exercido contra um militar em funções, com imensas testemunhas desde o Oficial de Dia aos instruendos de 5 Pelotões que estavam formados à porta do Refeitório.

Por coincidência, no rescaldo dessa refeição foi dado conhecimento da minha mobilização para a Guiné, juntamente com mais alguns.

Quem foi então que me ajudou? Claro, o Sargento Guedes Barbosa! Em primeiro lugar pelo tal conselho de “fazer queixa” (fazer “participações” não era nossa prerrogativa) e depois por ter demovido o tal Capitão de avançar com a participação “porque o rapaz acabava de ser mobilizado para a Guiné e já chegava de “castigo”). 

Ao mesmo tempo, junto de mim também influenciou considerando que devia desistir então, em simultâneo, da “queixa”, pois embora tivesse razão e tudo para ganhar o pleito, o processo ia-se arrastar e nunca mais me despacharia da tropa.

Mas acabou aqui o meu relacionamento com o Guedes Barbosa? Não!

Também ele acabou por ir parar à Guiné e aí já me recordo de ser 1.º Sargento. Por essa época, estando eu a desempenhar funções no “Centro de Escuta”, o 1.º Guedes Barbosa vivia numa moradia ali ao lado e cruzámo-nos várias vezes, trocando impressões. Numa ocasião queixei-me de dores no estômago e não é que o “nosso 1.º” se afadigou em arranjar e fazer um chazinho para o estômago? Pois é, caí em graça e já se sabe que “mais vale cair em graça que ser engraçado”.

Terminou? Não!

Alguns anos mais tarde, não sei agora precisar mas estimo que no início da década de 80, eu e o Nelson Batalha, acompanhados das respetivas “consortes”, metemo-nos ao caminho desde Setúbal para ir visitar um camarada nosso, o Manuel Martinho que julgo por essa altura ainda habitar em S. Martinho do Campo.

No caminho passámos no Porto, fomos até à Arca d’Água, chegámos à porta de armas do Quartel das Transmissões e pedimos para falar com o “senhor 1.º Sargento Guedes Barbosa”. Nessa altura, já não sei se o sentinela, se o “sargento de dia” que entretanto apareceu, retorquiram: “1.º Sargento não, nosso Capitão Guedes Barbosa” e informaram que ele se encontrava num edifício que ficava no interior logo que se saía da parada para o lado das salas de instrução, que bem conhecíamos.

Com a devida autorização fomos até lá. Ficámos à entrada do portão do edifício, uma espécie de armazém de material, em perfeita contra-luz para quem estava no interior em penumbra e dissemos em uníssono “meu Capitão,  dá licença”? De imediato ele volta-se para nós e diz: “Olha o Batalha e o Bigodes”!

Foi comovente, pois passados aí uns 10 anos foi capaz de nos reconhecer num ápice. Não sei mais nada dele, espero que esteja bem, mas guardo boas e gratas recordações.

Abraços
Hélder S.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13249: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (16): A Carta de Condução

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19125: 'Então, e depois? Os filhos dos ricos também vão pra fora!'... Todos éramos iguais, mas uns mais do que outros... Crónicas de uma mobilização anunciada (7): as "cunhas" e os TSF...(Hélder Sousa, ex-Fur Mil de Trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72)


Porto > Ribeira > 27 de maio de 2015 > VI Encontro dos "Ilustres TSF" > Em baixo o C. Lã. De pé, da esquerda para a direita: A. Calmeiro (já entretanto falecido), M. Rodrigues, E. Pinto, J. Reis, H. Sousa, M. Martins, F. Cruz, e F. Marques. Faltou o  Nelson Batalha que   já não compareceu por razões de saúde, e que viria a morrer,  entretanto, um ano e meio depois (*)


Foto (e legenda): © Hélder Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem comnplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Hélder Sousa:

[Foto à esquerda: O camarada, amigo, grã-tabanqueiro, colaborador permanente do nosso blogue Hélder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72): desembarcou, em Bissau, do T/T Ambrizete, em rendição individual, em 9 de novembro de 1970, e regressou 2 anos depois, exatamente a 10 de novembro de 1972. Ei-lo aqui, no "Pelicano", em Bissau, é o primeiro da esquerda, de perfil; à direita o Nelson Batalha (1948-2017) e ao centro  o Fernando Roque, que não era TSF mas TPF. A foto é do Hélder Sousa que é, também, o régulo da Tabanca de Setúbal, e tem mais de 140 referências no nosso blogue]


Data: domingo, 21/10/2018 à(s) 02:11
Assunto: As "cunhas"....

Caros amigos

Tenho acompanhado as várias publicações do nosso blogue e, dentro destas, esta última série, relacionada com o tema 'Então e depois? Os filhos dos ricos também vão p'ra fora!'... Todos éramos iguais, mas uns mais iguais do que outros... Crónicas de uma mobilização anunciada, que acho interessante e que pode ser tratada com mais ou menos ligeireza e com mais ou menos profundidade. (**)

Porque as escritas (e as leituras das mesmas...) serão mais eficazes se não forem muito extensas, vou tentar abordar o tema pelo prisma de forma "mais ligeira e menos aprofundada".

Cumprir ou não a "comissão de serviço por imposição" era um dilema que se colocava realmente mas não era tema alimentado por largas maiorias.

Havia quem entendesse que era dever defender os "seus" territórios ameaçados pela cobiça internacional. Conheci alguns.

Havia quem quisesse dar corpo à missão que a Pátria lhe impunha. Conheci alguns.

Havia quem pensasse que não deveria ir para África mas... o peso na consciência de "faltar ao dever", o anátema de "cobardia", o não saber quando e como voltar a estar com amigos e família, acabava por ter o peso suficiente para fazerem o "cruzeiro das suas vidas". Conheci bastantes.

Havia ainda quem achasse que sim, porque sim.

E havia também outros....

Nesta amálgama de possibilidades então muitos foram, pobres, remediados e ricos, e alguns, também pobres, remediados e ricos, 'não foram'. Refractaram-se, desertaram, ou ficaram por cá, resguardados...  Poderemos pensar que esses, os de cá, tinham "cunhas". Talvez, acredito que isso possa ter acontecido com muitos mas seguramente não com todos. Conheci alguns.

E então eu? Como foi?

Para mim foi um "percurso normal".  Fui incorporado no CSM em Santarém, na 3ª incorporação de 1969, em plena época de exames, a meio de Julho.

Vi recusado o pedido de dispensa para comparecer a exames na 2ª quinzena e por isso não me parece que tenha tido 'facilidades'.

No ano anterior, no Verão de 1968, com o dinheiro que amealhei na apanha do tomate, aproveitei o "Turismo Estudantil" e fui até Paris, Bruxelas e Londres. Menos "turismo" e mais "prospecção" para uma eventual "retirada da circulação". Quando chegou a incorporação, a opção foi "cumprir".

Fiz uma recruta empenhada, com bom aproveitamento geral, e já vos dei conta num 'post' daquela série "A terra que mais gostei ou odiei" (***),  que tive uma classificação tão boa que me colocou em condições de ser 'convidado' a passar ao COM mas não aceitei porque entretanto saiu a especialidade TSF, que me disseram ser muito boa, e como tal,  perante a quase certeza de poder vir a ser um "COM atirador"...., continuei o meu percurso no CSM.

Como me "saiu" TSF? Não faço ideia!

Os meus pais não tinham dinheiro suficiente para 'comprar' ninguém, não tinham conhecimentos capazes de o fazerem, por isso desconheço realmente como foi. Aliás, nesse Turno, em Santarém, apenas 'saíram' dois TSF, os outros 13 (pois o 2º Ciclo do CSM para TSF comportou 15 elementos) foram de Vendas Novas, Tavira e Caldas da Rainha.

Gosto de pensar que poderá ter sido numa informação que dei de ter construído,  com o meu vizinho do andar de baixo da casa onde vivia,  uma comunicação a partir de duas chaves de "morse" que um primo dele nos arranjou ...

Em Lisboa, no então BT [, Batalhão de Telegrafistas], fiz o 2º Ciclo, após isso fui fazer um estágio para Tancos, na EPE [, Escola Prática de Engenharia].

Findo o estágio houve exames para classificação. Dos 15 fiquei em 7º. Fui para o Porto, para o então RTm dar instrução.

Entretanto as mobilizações dos camaradas do meu Curso estavam a ser conhecidas a 'conta-gotas', pois do final de Abril de 1970 ao final de Agosto, dos 15 apenas tinham partido 6 e nós sabíamos que no dia 3 de Setembro entrariam todos os que estavam a acabar o seu percurso formativo e que assim estariam à nossa frente para 'marcharem'.

Pensava eu, assim, que tendo ainda dois dos meus camaradas à minha frente para serem mobilizados e com o acrescento dos que aí vinham, que a mobilização já não se daria e, caso isso tivesse acontecido, não teria havido "cunha" nenhuma... Mas não foi assim, já que no dia 1 de Setembro, dois dias antes do "reforço" da lista para mobilização, saiu a "rifa" a 7 de nós, do meu Curso, com passaporte para a Guiné.

Na Guiné, dos 7 que para lá foram, 3 arrumaram-se por Bissau.Eu e outros 3 fomos para o "mato". 

Não me parece que aqui tenha funcionado alguma "cunha". Fui para Piche com uma missão específica, que não vem agora aqui ao caso, embora o meu Capitão que chefiava o STM (Serviço de Telecomunicações Militares) onde me incorporei, tivesse garantido antes que nenhum de nós iria chefiar Postos em 'zonas problemáticas' e,  no meu caso concreto, em compensação, como a zona seria 'problemática', quando terminasse a missão iria para zonas mais pacíficas, como Bissau, Bolama, Teixeira Pinto, por exemplo.

Não foi assim! Quando regressei de Piche fui 'requisitado' para a Companhia de Transmissões para integrar o Serviço de Escuta. Esta história já dei conta em 'post' faz muito tempo. (****)

O meu desempenho na "Escuta" poder-se-à dizer que me foi agradável. Não me vou alongar em motivos, poderá ficar para outra ocasião, mas não foi por "cunha", foi bem vivido.

Portanto, quanto a mim, desconhecendo na verdade como me "saiu" TSF, foi um percurso 'limpo, sem cunhas'. 

Conheci "filhos de ricos" que foram mobilizados e que foram para a Guiné. Conheci "filhos de não ricos" que ficaram por cá, alguns talvez com 'cunhas', mas outros nem por isso. Conheci alguns "filhos de patriotas" que procuraram fazer as suas vidas em lugares mais saudáveis do que os difíceis climas africanos. E também outros "meninos de suas mães" que foram para fora.

Por isso digo: "há de tudo"!

Um abraço
Hélder Sousa
__________

Notas do editor:


(****)  Vd. poste de 12 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5636: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (8): Como fui parar ao Centro de Escuta

Vd. também  poste de 26 de abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1702: A guerra também se ganhava (ou perdia) nas ondas hertzianas (Helder Sousa, Centro de Escuta e de Radiolocalização, Bissau)

Ver ainda poste de 11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17942: In Memoriam (308): Nelson Batalha (1948-2017), um dos 15 "ilustres TSF" do meu curso, meu padrinho de casamento, meu grande amigo e camarada... Natural de Setúbal, ferido em Catió, e depois de 10 anos a lutar contra o Alzheimer, acaba de cambar o Rio Caronte... A título póstumo, passa a integrar a nossa Tabanca Grande, sob o lugar nº 759 (Hélder Sousa, régulo da Tabanca de Setúbal)



Foto nº 1 > Setúbal > Encontro dos "Ilustres TSF" > 2009 > Nelson Batalha (à direita) , com José Fanha (, à esquerda)


Foto nº 2 > Nelson Batalha (à direita): em Bissau, no Pelicano, provavelmente em finais de 1971, em que estou com ele e com o Fernando Roque (ao centro)...


Foto nº 3 > Nelson Batalha: no Hospital de Setúbal, num dos últimos internamentos. [Registe-se o gesto de grande ternura da  esposa  Maria José.  O casal tem dois filhos, um rapaz e uma rapariga.]

Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso colaborador permanente, amigo e camarada Hélder Valério de Sousa (ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72; régulo da Tabanca de Setúbal):


Data: 6 de novembro de 2017 às 18:38

Assunto: Falecimento do nosso "camarada da Guiné" Nelson Batalha


Caros amigos e camaradas:

Caso entendam que este mail 'tem cabimento', façam o favor de o utilizar.

Sei que o "nosso Blogue" não pode, nem deve, ser um repositório de aniversários e obituários. Também não sou um "datista", daqueles que vivem obsecados pelas datas das efemérides e dos seus acontecimentos pessoais.

Mas, e há sempre um "mas", por estas alturas "elas", as datas, vêm ter comigo e nessa ocasião vêm as recordações.

Em 26 de Outubro passado ocorreu a data "oficial" da minha partida para a Guiné. Por razões que já por aqui contei, o barco, o cargueiro Ambrizete, nesse dia dos 'adeuses' às famílias,  fez-se ao largo da baía de Cascais para, segundo a terminologia que ouvi e recordo, "fazer agulhas" e regressou a Lisboa para reparações.

Por tal motivo a real data da partida foi a 3 de Novembro, depois das 22:00. A chegada a Bissau foi no dia 9 de Novembro, manhã cedo. A partida definitiva da Guiné foi a 10 de Novembro, dois anos depois.

Mesmo que não queira, estas datas estão tão próximas que quando uma delas surge as outras vêm por arrasto.

Mas este ano há um novo elemento a registar. Exactamente uma semana antes, a 19 de Outubro, faleceu um dos meus camaradas de Curso de TSF, a cujo conjunto de elementos costumamos auto-designarmos por "Ilustres TSF".

Trata-se do Fur Mil TSF Nelson Batalha, meu companheiro, conjuntamente com o Manuel Martinho, dessa viagem que costumamos também por designar "o cruzeiro das nossas vidas".

O Batalha, portanto também "nosso camarada da Guiné",  esteve em Catió, para onde foi depois de jogar às moedas comigo para ver quem ia para Catió ou para Piche. Em Catió foi ferido [, com um estilhaço de canhão s/r] num ataque que ocorreu em 14 de Abril de 1971 e evacuado para o HM de Bissau. Depois disso foi para a "Escuta" para onde também fui um mês mais tarde, conjuntamente com outros "Ilustres" e onde desempenhámos as nossas funções até ao final da comissão.

O Batalha é meu padrinho de casamento [e a esposa, Maria José, a madrinha].

Desde já há bastante tempo que a sua saúde e o 'discernimento' se vinham a deteriorar.

Ainda o levei a um dos nosso primeiros Encontros [Pombal, 28 de abril de 2007]a ver se o animava e se o "estar com malta daquele tempo" o ajudava, mas a verdade é que o seu estado se foi agravando,  sendo que nos últimos dois anos já os passou internado num Lar da Santa Casa da Misericórdia, em Setúbal, com intermitentes passagens pelo Hospital.

Finalmente encontrou descanso.

Cada vez que o ia visitar ao Lar vinha de lá cada vez mais constrangido.  Em grande parte pela impotência para poder fazer o que quer que fosse para tentar reverter aquela situação e também por verificar a inevitabilidade dum desfecho que acabou por ocorrer em sofrimento.

Dos 15 jovens que em finais de Setembro, depois das respectivas recrutas na 3ª incorporação no 1º Ciclo do CSM, se apresentaram no então BT em Lisboa para fazer o 2º Ciclo do CSM na especialidade de TSF, 3 deles já 'fizeram a travessia de Caronte': 

(i) foi o Luís Dutra, na sequência de problemas pulmonares, ao que parece motivado pelo tabaco;

(ii) foi o António Calmeiro (*), após várias 'batalhas' com uns bichinhos que às vezes lhes chamam de metástases;

(iii) foi agora o Nelson Batalha na sequência de um processo degenerativo e de "Alhzeimer".


O curioso é que todos eles estiveram na Guiné. E tendo em conta que dos tais 15 do Curso ficaram por cá 2 e foram mobilizados 13, sendo que 7, portanto mais de 50%, foram para a Guiné, isso dá que pensar.... 

Meus amigos, façam o favor de viver com alegria os tempos que nos restam pois bem sabemos que a 'nossa vez' está para chegar.e cada vez mais próxima.

Hélder Sousa

PS - Envio três fotos de grupo com o Nelson Batalha: (i)  no Encontro em Setúbal, em 2009, com José Fanha; (ii) em Bissau, no Pelicano, provavelmente em finais de 1971, em que estou com ele e com Fernando Roque;  (iii) no Hospital de Setúbal, num dos últimos internamentos.


Pombal > Restaurante "O Manjar do Marquês" > 28 de abril de 2007 > II Encontro Nacional da Tabanca Grande > Nesta foto (parcial, do Grupo), o nosso camarada Nelson Batalha está assinalado com a elipse encarnada. (A amarelo e a verde, respetivamente, aparecem dois representantes da CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851 (1968/70), o Raul Albino e o Maurício Esparteiro)... Outros grã-tabanqueiros são facilmente reconhecidos. Fo o único encontro da Tabanca Grande em que compareceu o Nelson Batalha (1948-2017), e já com os primeiros indícios da doença que o há-de vitimar.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Viseu > VII Encontro dos "Ilustres TSF" > 20 de abril de 2016 (**) > O Nelson Batalha terá ido aos dois primeiros encontros da... Tabanca de Setúbal.


Viseu  > VII Encontro dos "Ilustres TSF" >  20 de Abril de 2016 > No "Bar de Gelo", por ser talvez mais difícil reconhecer as personagens, temos, da esquerda para a direita. M. Martins, E. Pinto, J. Reis, H. Sousa, M. Rodrigues, C. Lã, F. Cruz, J. Fanha e F. Marques. (O Nelson Batalha também já não pôde comparecer, por razões de saúde). (**)

 

Porto > Ribeira > 27 de maio de 2015 > VI Encontro dos "Ilustres TAF" > Em baixo o C. Lã. De pé, da esquerda para a direita: A. Calmeiro (já entretanto falecido), M. Rodrigues, E. Pinto, J. Reis, H. Sousa, M. Martins, F. Cruz, e F. Marques. (O Nelson Batalha  já não compareceu por razões de saúde...). (**)


Foto (e legenda): © Hélder Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

2. Comentário do editor:

Meu caro Hélder, a estatística da morte é (e sempre foi) para nós muito pesada, ontem, no teatro de operações da Guiné, e hoje, já  aos km 60/70/80 da picada da vida...

No caso dos 15 "ilustres TSF" do teu curso do 2º Ciclo do CSM, três "baixas mortais" representam 20% do total... Depois do Dutra e do Calmeiro, chega agora a triste notícia da morte do Nelson Batalha, depois de mais de uma dezena de anos de doença crónica degenerativa (*).

Vejo a tua impotência, a tua desolação, a tua dor que, desde há muito, partilhavas connosco, sempre que falavas do Nelson Batalha(*)... Finalmemnte, ele fez a cambança do Rio Caronte... que os vivos não podem atravessar nos dois sentidos (para a mitologia grega, só os heróis, "mais do que homens, menos que deuses", tinham o privilégio de poder "cambar", para lá e para cá...)-

Estamos contigo, com a família (, a esposa Maria José, os dois filhos, um dos quais, o rapaz, a viver na Holanda) , os amigos e os camaradas do Nelson. E o Nelson  não vai ficar na "vala comum do esquecimento", vai ficar connosco, sob o simbólico e sagrado poilão da nossa Tabanca Grande. Temos um lugar para ele,o nº 759.

Ele e tu e os "ilustres TSF" que ainda estão vivos bem o mereceis. E o Nelson, que foi ferido na Guiné, em Catió. e lutou na fase final  da sua vida contra o Alzheimer, bem o merece: não é o Panteão Nacional, bem sabes, é bem melhor, muito melhor, é a nossa Tabanca Grande, acolhedora, quente e fraterna, onde estão os amigos e camaradas da Guiné e o repositório das suas memórias. (***)

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3112: História de vida (13): O meu amigo Nelson Batalha (Helder Sousa)

(...) Acontece que este meu amigo não tem passado muito bem (acho que é vulgar dizer-se isso sobre quem esteve em teatro de guerra...), tem problemas de alzheimer (ainda não muito desenvolvidos) e nunca recuperou bem depois de ter acabado a sua profissão (era Despachante Alfandegário), sendo que da guerra da Guiné ainda guarda no corpo alguns estilhaços que foram absorvidos pela massa muscular, estilhaços esses adquiridos em Catió aquando do ataque a esse aquartelamento/povoação em Abril de 1971 (salvo erro a 13 ou 14).

Isto vem a propósito do seu aniversário, que foi no passado dia 15 de Junho, e que mais uma vez me deixou um pouco deprimido pela impotência que sinto em não o poder ajudar mais. (...)


(**) Vd. poste de 7 de maio de  2016 > Guiné 63/74 - P16062: Convívios (740): VII Encontro de Os Ilustres TSF, ocorrido no passado dia 20 de Abril em Viseu (Hélder V. Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

(...) Não sei dizer como, quando e quem começou a chamar "Ilustres TSF" aos jovens a quem,  depois de fazerem o 1.º Ciclo do CSM no 3.º Turno de incorporação em 1969, lhes calhou em sorte essa especialidade (TSF), tirada a partir do final de Setembro desse ano no então BT à Graça/Sapadores, em Lisboa.

Isso agora não importa, o que para o caso deve ser notado é que esse grupo foi constituído por 15 'jovens mancebos', de locais muito dispersos do País e que hoje ainda persistem em manter os laços, fortes e indestrutíveis, que então os uniu e que os motiva a procurar materializar estes Encontros.

Acontece que os problemas de saúde também vêm atormentando os seus membros. Dos 15, tanto no 6.º Encontro no ano passado, no Porto, como no 7.º Encontro, este ano recentemente ocorrido em Viseu, foram 9 os presentes.

Um já faleceu (vítima de doença 'incurável'...), um outro anda travando batalhas sucessivas com uns 'bichinhos' desse tipo, outro (meu padrinho) está incapaz de se juntar a nós com problemas originados pelo "senhor alemão", outros têm outros tipos de problemas, pelo que a consciência que temos vindo a tomar de que é imprescindível manter esta chama (da amizade, do convívio) viva tem conseguido vencer obstáculos.

No Porto, o ano passado em 27 de Maio, conseguiu-se com que, ao fim de décadas, nos reencontrássemos nessa cidade. Foi bastante bom, o dia estava quente, o 'Porto turístico' lá estava para nos mostrar o que evoluiu (com os ganhos e perdas que isso acarreta).  (...)

Como tudo correu bem e como nos apercebemos de que este tipo de Encontros nos fazem bem, nos 'rejuvenescem', decidimos logo ali não deixar passar muito tempo para que novo Encontro ocorresse e desse modo ficou aprazado que este ano de 2016 seria em Viseu.

E assim foi. Lá estivemos novamente 9, sendo que esta ano o A. Calmeiro não teve possibilidade de participar por motivo dos tratamentos que anda a fazer mas no lugar da sua falta apareceu o J. Fanha, o que muito nos alegrou. (...)


(***) Último poste da série > 24 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17899: In Memoriam (307): Ivo da Silva Correia (Fajonquito, c. 1974 - Bissau, 21/10/2017)... Era filho de um camarada nosso, da CCAÇ 3549 (Fajonquito, 1972/74). Morreu sem conhecer o pai português... É tarde, mas ainda vamos a tempo de lançar uma petição pública para que estes pobres "filhos do vento" vejam reconhecido o seu direito a serem também portugueses, além de guineenses... O "Ibu" passa a ser, a título póstumo, o membro nº 758 da nossa Tabanca Grande!