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quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26209: Ser solidário (275): Quatro anos como médico cooperante (1980-1984), em Fulacunda e em Bissau (Henk Eggens, neerlandês, consultor internacional em saúde pública, reformado, a viver em Santa Comba Dão)



Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Eu,  Henk Eggens, médico  neerlandês, cooperante"... Esteve dois anos em Fulacunda (1980-82) e depois em Bissau (1982-84)


Foto nº 2 > Antiga Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Fulacunda > s/d > "
Casa no quartel onde depois fiquei, em 1980".  

Fonte: https://rumoafulacunda.wordpress.com/fulacunda/ (com a devida vénia).



Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 
"Farmácia da Tabanca" .  



 Foto nº 5 > 
Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > *Ilustração: parto",.   Fonte: Livro Formação das matronas, 1978, MINSAS, Guiné-Bissau.




Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração: rede mosquiteira para crianças*,  Fonte: Livro Formação das matronas, 1978, MINSAS, Guiné-Bissau. 



Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração: 
   Cinco doenças a tratar pelos Agente de Saúde de Base",  Fonte:  Fonte: Livro Formação das matronas e dos agentes de saúde de base (A.S.B.) nas tabancas, 1980, CESAS, Guiné-Bissau.



Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração:  latrina".  Fonte: Livro Formação das matronas e dos agentes de saúde de base (A.S.B.) nas tabancas, 1980, CESAS, Guiné-Bissau.



Foto nº 9 > Antiga Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Fulacunda > s/d >  "
Fulacunda no tempo colonial com campo de vólei". Fonte desconhecida




 Foto nº 10> Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 >   "Casa do médico, Land Rover do projeto,  mota da noiva e carro 404 privado".



Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 1980 > "Bomba da água,  do projeto de Buba". 


1.  Já troquei alguns mails, com o meu colega holandês (ou neerlandês), Henk Eggens, especialista em medicina tropical e saúde pública, que vive, aposentado, em Portugal, em Santa Comba Dão, e é o administrador e editor de Portugal Portal (em neerlandês ou holandês) (*).

No passado dia 9 de setembro último, ele escreveu-me o seguinte, em resposta a um email que lhe tinha mandado:

 (...) Bom dia, Luís!
Foi bom ver o teu e-mail. Temos algumas coisas em comum, isto foi claro para mim.

Primeiramente o nosso primeiro ano nesta terra: 1947!

Segundo, a paixão para conhecer outras terras: Conheceste o mundo académico do TNO na Holanda (que conheço só por nome), além do teu passado na Guiné, e provavelmente outros países.
Trabalhei 20 anos no Royal Tropical Institute (**), Amesterdão,  como consultor de saúde pública (lepra, tuberculose, cuidados primários de saúde). O que me levou a todos continentes no Sul. A minha vida nunca foi monótona... A nossa vida atual na aldeia,  perto de Santa Comba Dão,  é mais tranquila (...).
Terceiro, a paixão de comunicar algo de substancial para um público (nos blogues, no ensino). Tua carreira académica, o blogue 'Tabanca Grande' que admiro.
Durante a minha vida profissional desenvolvi cursos de saúde tropical, também 'online', e dei muitas aulas. Com muita satisfação. Gosto de ser editor de Portugal Portal e partilhar com o público neerlandófono (como se diz isso, mesmo?) sobre Portugal, a sua história, cultura, pequenas histórias da vida.(...)
 Mantenhas!
(Na altura na Guiné, aprendi bem a conversar em crioulo, não havia outra hipótese de comunicar com o povo lá. Agora perdi já muito a fluidez)

Henk
2. Nova mensagem do nosso leitor Henk Eggens, médico, especialista em medicina tropical, reformado, a viver em Portugal.
Data - sexta, 1/11/2024, 13:03


Boa tarde, Luís.

Espero que estejas  bem, já de volta da vindima no Norte no mês passado.

Vi a mensagem recente do bloguista Patrício Ribeiro no blogue (...) e decidi escrever-te.

(i) Recebeste o meu e-mail de 12 de setembro 2024 com a apresentação dum amigo meu, intitulado 'Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação' ? Achas apto para publicar no teu blogue?

(ii) Acabei de escrever algumas das minhas aventuras na Guiné-Bissau nos anos 1980-1984. Me pediste para contar as minhas experiências durante minha estadia como médico na região de Quínara. Segue o texto e as fotografias em anexo.

Se achas oportuno,  podes publicar no teu blogue.

Um abraço desde Santa Comba Dão,

Henk



3. Comentário do editor LG:

Obrigado, Henk. Já vi que tens página no Facebook.   Fazes parte do grupo público Santa Comba Dão - Luagres, Factos e a Nossa Gente.  E do teu CV, no Linkedin, respiguei o seguinte:

"Consultor internacional em saúde públiva, aposentou-se após quarenta e cinco anos de experiência na prestação de cuidados de saúde em países com poucos recursos em três continentes. Amplas relações de trabalho entre governos e ONG internacionais.. Missões de longo prazo em Angola, Guiné Bissau, Tanzânia e Indonésia. Missões de curto prazo  em mais de 15 países. 

"Idiomas: Inglês, Português: excelente. Francês: bom. Espanhol, Kiswahili, Indonésio: básico. Holandês: língua materna.  Competências curriculares: : monitoização e avaliação, controle da tuberculose, controle da hanseníase (doença de Hansen ou lepra), desenvolvimento curricular, e-learning".  Fonte: Linkedin > Henk Eggens.

Espero que esta seja a primeira de muitas colaborações tuas no nosso blogue (***), onde cabem todos os amigos da Guiné-Bissau com tudo o  que os une e até com aquilo que nos pode separar. O teu portuguê é muito bom. Dei apenas um retoque numa palavra ou outra (e nomeadamente no tempo dos verbos)...

E a teu pedido, acrescento mais duas linhas sobre o período em que estiveste na Guiné: (...) 

"Trabalhei apenas dois anos em Fulacunda (1980-1982). Depois, fui coordenador do Projeto de Saúde de Base no Ministério da Saúde em Bissau (1982-1984)."



Esta é a história dum médico holandês que foi trabalhar na província rural de Quínara, Guiné-Bissau, de 1980-1984, quando o país se tornou independente havia poucos anos.

Por Henk Eggens 
 

Em abril de 1980, desembarquei no aeroporto de Bissalanca. Estava bem preparado. Já durante pos meus estudos de medicina, eu tinha decidido que queria trabalhar em África. 

Após cinco anos de estudos teóricos, tirei um ano sabático. Viajei pela África Ocidental através do Saara e pelo Congo até a África Oriental. Durante sete meses, conheci muitas Áfricas. No final dos meus estudos de medicina, fiz um curso de três meses sobre doenças tropicais, o que me preparou melhor para reconhecer e tratar essas doenças.

O meu primeiro emprego foi em Angola. Em 1976, quatro meses após a declaração de independência (****), viajei para Cabinda e trabalhei lá durante  dois anos na ala pediátrica do hospital provincial. Lá, aprendi muito: a falar português, e palavrões cubanos dos meus colegas médicos. Aprendi na prática a tratar a patologia tropical. Perdi também a ilusão da viabilidade e desejabilidade duma sociedade comunista.

Em 1980, tive a oportunidade de trabalhar na Guiné-Bissau. Consegui um emprego no Ministério da Saúde da Guiné-Bissau e fui colocado na região de Quínara, no sul da Guiné-Bissau. A província tinha cerca de 40.000 habitantes. Ninguém sabia exatamente quantos. Já fazia parte da área libertadada durante a guerra colonial, com exceção dos quarteis do exército português e as tabancas. 


Excerto da carta de Fulacunda  (1955) (Escala 1/50 mil)
  Fonte: Cortesia  do Blogue Luís Graça
& Camaradas da Guiné
Fui morar em Fulacunda, uma vila de mil habitantes onde existiu um quartel militar (Vd. fotos nº 1  e 3).

 O que encontrei quando cheguei em Fulacunda? 

Não havia hospital. Um posto de saúde em Fulacunda consistia em uma cabana, parte do antigo quartel
 e havia uma cadeira ginecológica enferrujada. E uma caixa de medicamentos enviada pelo ministério. 

Outros lugares na região de Quínara tinham cabanas semelhantes com um mínimo básico de recursos.

Havia mais pessoal de saúde. Em Tite, morava Augusto, um enfermeiro treinado na época colonial que sabia de tudo e me explicou muitas coisas, me tornando mais sábio sobre como as coisas aconteciam na região. 

Em Fulacunda e Empada, trabalhavam dois ‘meio-médicos’ guineenses. Digo ‘meio-médicos’ porque eram jovens que foram treinados na União Soviética como feldshers, um tipo de treinamento prático para atuação médica (*****). 

Além disso, havia alguns socorristas presentes nas tabancas. Em Nhala, que também era um antigo quartel do exército colonial português, havia um centro de treinamento onde os socorristas, muitas vezes analfabetos e que haviam trabalhados na guerra de libertação, recebiam treinamento formal como auxiliares de enfermagem. 

No início, eu viajava muito por todas as vilas e postos de saúde para ver o que estava acontecendo. Era muito pouco. Sempre faltavam medicamentos.

As pessoas moravam longe dos postos de saúde e a medicina tradicional era a principal fonte de cuidados de saúde. Logo comecei a organizar cuidados materno-infantis. Sob a mangueira (ou o poilão), reuníamos regularmente as grávidas e as crianças e administrávamos as vacinas necessárias, contra tuberculose, sarampo, difteria, tétano, poliomielite e coqueluche.  
Providenciávamos medicamentos (foto nº 4) e conselhos ás grávidas. Com um cartão onde os pesos das crianças eram anotados e que eu mesmo havia mimeografado, acompanhávamos o crescimento e desenvolvimento das crianças pequenas. 

Eram passeios populares. Mães e crianças vinham de longe para receber as vacinas e ouvir nossas palestras.

Parte do meu trabalho era treinar os voluntários (Agentes de Saúde de Base) nas tabancas para reconhecer e tratar cinco doenças (fotos nºs 5, 6 e 7).

Também treinámos as parteiras tradicionais (matronas). Elas recebiam um pequeno kit, uma caixinha com uma faca esterilizada e fios esterilizados  para cortar e amarrar o cordão umbilical depois do parto. Além disso, eram instruídas sobre a importância de um comportamento antisséptico durante o parto (foto nº 5).

A ideia era que os voluntários na tabanca recebessem uma caixa de medicamentos com os quais pudessem tratar cinco doenças (foto nº 7). Essas eram:

  • paludismo (corpo quente), 
  • conjuntivite (dor di udjo), 
  • dor de cabeça,
  • diarreia (panga barriga), 
  • tosse e feridas. 

Posteriormente à formação,  a tabanca recebia uma caixa de medicamentos. Depois, a própria tabanca, por meio de contribuições voluntárias (abota), arrecadava dinheiro para comprar novos medicamentos no Depósito Central de Medicamentos em Bissau. 

Havia muita hesitação na tabanca para juntar dinheiro, pois nem todos confiavam que seria bem utilizado. Foi necessária muita persuasão para convencer as pessoas a contribuir, e, eventualmente, isso funcionou em algumas tabancas.

Além de poder tratar estas doenças,  os Agentes foram ensinados sobre medidas preventivas da higiene nas tabancas  (fotos nº 7 e 8).

Este Projeto de Saúde de Base ocorreu em vários lugares da Guiné-Bissau, sob a inspiradora liderança do vice-ministro da saúde, Dr. Manuel Boal. Havia projetos no Oio, na ilha de Canhabaque, em Tombali e no extremo leste, em Lugadjol, no setor de Madina do Boé, e em Quínara, onde eu trabalhava. 

O projeto teve bastante sucesso nos primeiros anos, graças à liderança entusiástica dos coordenadores guineenses e dos cooperantes estrangeiros. Depois de algum tempo, a confiança dos aldeões foi conquistada e eles contribuíram voluntariamente com dinheiro, e isso era muito pouco dinheiro, para comprar medicamentos para serem usados na tabanca. No entanto, ficou claro que este projeto nunca seria completamente autossuficiente, pois sempre havia preços que eram altos demais para o que os aldeões podiam pagar.

As minhas atividades curativas (ou mais propriamente clínicas) eram bastante limitadas porque eu não tinha muitos recursos. Poucos medicamentos e nenhum instrumento para realizar qualquer procedimento terapêutico mesmo simples. 

Um dos eventos mais impressionantes foi quando, numa manhã, uma jovem mulher chegou a Fulacunda dizendo que havia sido mordida por uma cobra enquanto pegava água no rio. Ela não sabia exatamente que tipo de cobra era, mas foi mordida na perna. 

O que podíamos fazer? Tínhamos soro antiofídico, mas não sabíamos há quanto tempo estava fora da geladeira, então não sabíamos se ainda era eficaz, mas usámo-lo mesmo assim. Injetámos na esperança de que ajudasse. 

Observávamos a jovem mulher e, após algumas horas, os seus dedos de pé começaram a paralisar. As suas pernas começaram a enfraquecer e paralisar, e em seis horas, ela acabou por faleceu porque os seus músculos respiratórios também paralisaram. 

Tentámos de tudo: respiração artificial, administração de oxigênio que tínhamos por acaso. Mas nada ajudou. Nunca esquecerei os olhos assustados e suplicantes da jovem mulher que morreu de uma picada de cobra.

Outro evento que me marcou foi ajudar no chamado fanado

O fanado é um ritual realizado pelo grupo étnico Beafada, onde eu morava. Uma vez a cada poucos anos, jovens homens e meninos de 7 a 12 anos eram isolados na floresta por meses, onde aprendiam os segredos da tribo e como sobreviver e cumprir seu papel nas comunidades da tabanca. 

Durante o período colonial, esses fanados eram realizados em segredo, e agora, com a independência, os líderes decidiram que os serviços de saúde poderiam contribuir. No final dos meses de isolamento, os jovens eram circuncidados. Meu assistente e fiel colaborador Sanquinho, o auxiliar médico, foi convidado a ir à floresta para desinfetar os pénis recém-circuncidados. Eu não podia ir porque era branco, um estrangeiro. 

Ele foi. No dia seguinte, ele voltou dizendo que não conseguiu. Ele levou iodo como desinfetante, que é à base de álcool, mas o primeiro menino que foi desinfetado começou a gritar tão alto que desistiram dessa ajuda. O que fazer?

Felizmente, tínhamos outro desinfetante, a violeta genciana, que era à base de água. Sugeri usá-lo, mas com a condição de que eu mesmo fosse à floresta para observar e aplicar. Após alguma discussão, isso foi permitido e viajámos para a floresta. Em um determinado momento, chegámos a uma árvore caída, que era o limite absoluto até onde podíamos ir. Dali para a frente, a área era proibida para nós e, atrás da árvore caída, havia uma fila de meninos. Meninos com rostos assustados, com as mãos cobrindo suas partes íntimas, esperando para desinfetar os seus pénis recém-circuncidados.

Um por um, eles levantavam os panos sujos que cobriam suas partes íntimas e podíamos aplicar o desinfetante. Como era à base de água, não era irritante e foi bem tolerado pelos meninos. Ganhei uma experiência valiosa e os meninos, espero, foram desinfetados após uma circuncisão que não foi feita completamente de acordo com as normas antissépticas.

A minha vida em Fulacunda não era tão fácil. A sra. Maria cuidava de mim, preparava as comidas e limpava a casa. Tinha algumas galinhas para ter um ovo no mata-bicho. Importei legumes desidratadas de Holanda e, de vez em quando, conseguíamos uns tomatinhos. Os pescadores traziam-me de vez em quando uma barracuda, peixe grande e deliciosa.

Na frente da minha casa havia um campo de jogos (antigamente para jogar vólei?) (foto nº 9).  Às vezes eu instalava o meu gravador lá à noite e os moradores e nós dançávamos ao som de uma música animada.

Antes de viajar para Guiné-Bissau, comprei na Bélgica uma caixa de cartuchos (calibre 12). Provou ser muito útil. Não sabia caçar, mas o meu amigo Manuel sabia. Levou de noite um ou dois cartuchos para o mato e voltou de manhã com um antílope. Dividimos a carcaça e havia carne para umas semanas. 

Raramente era  abatida uma vaca na tabanca. Costumavam-me chamar para inspecionar o estado de saúde da carne. Tinha um livro de medicina veterinária, assim podia verificar os pulmões, o fígado e se a carne oferecia as condições mínimas de salubridade. Levava  uma balde grande para  inspeção: depois de autorizar a venda da carne, era o primeiro a poder escolher a minha parte da vaca.

 A minha noiva (holandesa) vivia em Bissau. Tanto quando possível viajávamos para nos encontrarmo-nos (foto nº 10). Ela tinha uma mota Honda 125 cc off-the-road. Com um barco tradicional ou um barco dum projeto holandês costumávamos travessar o rio Geba. Nem sempre havia águas tranquilas.

Em Buba havia na altura um grande projeto de abastecimento de água (foto nº 11). No antigo quartel foi estabelecido o centro do projeto, que incluiu também uns 5 a 7 técnicos holandeses. No Catió era o centro duma empresa holandesa Stenaks, que construiu centros de saúde na região de Tombali e Quínara. 
Foi uma grande ajuda ter estes compatriotas relativamente perto. 

No tempo da chuva era praticamente impossível viajar, pois as estradas eram intransitáveis, mesmo com meu carro de trabalho, o formidável Land Rover (foto nº 10).

Foram alguns anos de muitas experiências. Foi a base para minha futura carreira na área de saúde tropical. 

Obrigado, Guiné, obrigado,  guineenses!

(Revisão / fixação de texto, edição de fotos: LG)

______________

Notas do editor:


(**) Equivalente ao nosso Instituto de Higiene e Medicina Tropical / NOVA, Lisboa

(***) Último poste da série > 25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25981: Ser solidário (274): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (10): O mel da Guiné-Bissau (Renato Brito)

(****) 11 de novembro de 1975

(*****) Na China e em Moçambique eram chamados "médicos de pé descalço"... Prestadores de cuidados de saúde, sem qualificações formais, atuando sobretudo na áreas da prevenção da doença e da promoção da saúde.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26100: (In)citações (267): Memorando sobre a Escola São Francisco de Assis, em Timor, entregue ao primeiro-ministro Xanana Gusmão através do embaixador Dionísio Babo Soares, representante do país nas Nações Unidas (João Crisóstomo)



Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  O João Crisóstomo com Xanana Gusmão:
 e "a expressão de surpresa deste por ver a Escola São Franciscoo de Assis em páginas do  blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné"…



Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  O João Crisóstomo, à direita, com 3 timorenses, da esquerda para a direita: 
(i) Luís Guterres, embaixador de Timor Leste em Washington;  (ii) Dionísio Babo Soares, embaixador de Timor nas Nações Unidas;  e (iii) uma senhora, possivelmente a ministra da educação do govermo de Xanana Gusmão


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2024). Todos os direitos reservados 
[Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


João Crisóstomo, um "advogado de causas 
justas e solidárias"


1. Mensagem de João Crisóstomo, com data de 4 do corrente, dando conta aos amigos de Timor da correspondência trocada com o embaixador timorense nas Nações Unidas, Dionísio Bobo Soares, depois do encontro que teve em Nova Iorque, em 23 de setembro último,com o primeiro-ministro Xanana Gusmão.

Sabemos que o embaixador Dionísio Babo Soares já encaminhou para o seu governo o memorando, feito pelo João Crisóstomo, na sua qualidade de sócio da ASTIL,  sobre a ESFA - Escola São Francisco de Assis. Fazemos votos para que estas diligências tinham um fim feliz, por mor das crianças de Liquiçá, Manatti / Boebau.


(i) Senhor Embaixador Dionísio Babo Soares, Representante de Timor Leste nas Nações Unidas Nova Iorque, 4 de Outubro de 2024

Creio que os dias de grande azáfama nas Nações Unidas devem ter passado ou pelo menos estarão agora reduzidos a programas menos prementes que lhe permitam já um pouco de merecido descanso. Por isso permito-me enviar o que segue, conforme acordado por Vossa Excelência depois do encontro com o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão.

Minha esposa Vilma associa-se a mim na certeza da nossa amizade e apreço pela sua atenção e os nossos respeitosos cumprimentos.

João Crisóstomo


(ii) Ex.mo Senhor Embaixador Dionísio Babo Soares

Mais uma vez o meu "Muito muito Obrigado" pela oportunidade e convite que nos permitiu encontramo-nos de novo no dia 23 de setembro, o que me permitiu ainda o encontrar-me com Sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão (*), Embaixador Luís Guterres, Senhora Elisabeth Exposto e tantos outros que fizeram desta ocasião um dia extraordinário.

Como sabe,  aproveitei a ocasião, e em boa hora o fiz, para pedir a sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão o favor da sua ajuda para a escola S. Francisco de Assis (por coincidiência hoje, dia 4 de outubro, é o dia de S. Francisco de Assis na Igreja Católica).

Conforme instruções do senhor Primeiro-Ministro, junto uma sinopse do que julgo ser o que Sua Excelência tinha em mente nas instruções que me deu:
 
  • A Escola S. Francisco de Assis é uma escola construida em 2017 nas montanhas de Liquiçá por iniciativa de alguns amigos de Timor Leste em Portugal e Estados Unidos, que para isso fundaram uma organização de solidariedade, a ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste ). 
  • Esta escola foi inaugurada a 19 de Março de 2018.
  • A "Escola S. Francisco de Assis, Paz e Bem” está localizada no Município de Liquiçá, Suco de Leotalá, povoação de Boebau e lugar de Manati.
  • A Escola S. Francisco de Assis está integrada na rede escolar do Ministério de Educação de Timor Leste com o número 36. 
  • O seu objectivo é providenciar às crianças de Manati /Boebau que por razões de distância e outras não têm acesso a escolas, os programas escolares instituídos pelo ministério de Educação de Timor Leste para os graus pré-escolar e ensino básico.
  • A Escola preocupa-se em formar os seus alunos no quadro dos valores universais e da cultura timorense, com especial ênfase para o ensino da língua e cultura portuguesa com  destaque para a música.
  • Quando em plenbo funcionamento a escola tem capacidade para 180 alunos, contabilizados nos dois períodos matinal e vespertinos.
  • Dadas as limitações e dificuldades ainda existentes a escola desde a sua inauguração tem funcionado e providenciado cada ano ensino apenas para 80 a 85 alunos.

Todos os encargos e despesas de construção, manutenção, ensino e outros relacionados têm até ao momento sido suportados essencialmente pelos membros da ASTIL e amigos.

A ASTIL tem neste momento 85 sócios. Deve-se a esta o seguinte :

(i) Construção da "Escola S. Francisco de Assis, Paz e Bem”, localizada no Município de Liquiçá, Suco de Leotalá, povoação de Boebau e lugar de Manati.

(ii) Construção de uma casa/residência, T3, para uso dos professores.

(iii) Construção de uma cozinha. (Esta porém como está é pequena demais e precisa de ser remodelada para maior eficiência.)

(iv) Um muro, que neste momento está ainda em vias de construção para proteção da escola e dos alunos

(v) Fornecimento de todo o equipamento escolar incluindo todo o mobiliário.

(vi) Fornecimento de formação gratuita , em média de 84 alunos, do ensino pré-escolar e ensino básico.

(vi) Pagamento das compensações, até ao momento a três professoras e um responsável de manutenção da escola. O seu bom funcionamento porém é mais devido ao sentido de solidariedade do que pelos benefícios derivados por emprego.

(vii) Os uniformes ( fardamento) e materiais escolares têm sido totalmente gratuitos.

À ASTIL se deve ainda :

(viii) A construção de uma casa /residência T3 para um antigo comandante de guerrilha em Ailok-Laram, já falecido em 2021,  que tinha uma grande família, mas que vivia em grandes dificuldades.

(ix) O fornecimento de ajuda a crianças pobres através dum programa de apadrinhamento criado pela ASTIL. Neste momento 41 crianças são ajudadas por membros da ASTIL, famílias portuguesas ou de origem portuguesa a residir no estrangeiro, nomeadamente nos Estados Unidos.

(x) Ajuda a dois jovens universitários, um de Liquiçá , que se licenciou em Gestão na Indonésia, e uma jovem, também de Boebau, que, graças também à ajuda da UNPAZ, se licenciou em Relações internacionais. Esta jovem é agora uma das professoras nesta escola S. Francisco de Assis.

A presente situação desta escola, mesmo nas condições presentes,  não é sustentável indeterminadamente. Temos feito vários contactos, nomeadamente com o Senhor Dr. Roger Soares, coordenador das escolas CAFE de Timor Leste.

A "Escola S. Francisco de Assis Paz e Bem “ para que possa continuar a funcionar precisa agora da ajuda das entidades oficiais de Timor Leste, especialmente na concessão de professores acreditados, para que possa funcionar e providenciar o ensino e ajuda a estas crianças.

O mentor e motor principal desta escola é o professor Rui Chamusco , cujos contactos são  (...).

Se achar que precisa de mais algo por favor não hesite em me contactar ou diretamente ao professor Rui Chamusco. 

João Crisóstomo (**)

(Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG)
___________________

Notas do editor

(*) Vd.poste de 24 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26072: (In)citações (266): Será que é desta ?... Se Xanana Gusmão não vai à nossa Escola nas montanhas de Liquiçá, a nossa Escola vai ter com ele em... Nova Iorque (João Crisóstomo)

(**) Último poste da série > 26 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26082: (In)citações (267): Não às armas nucleares e às mudanças climáticas: carta do Papa Francisco e o testemunho dos Hibakusha (os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki), cuja organização, a Nihon Hidankyo, acaba de receber o Nobel da Paz de 2024 (João Crisóstomo, Nova Iorque)

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25981: Ser solidário (274): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (10): O mel da Guiné-Bissau (Renato Brito)



1. Mensagem datada de 22 de setembro de 2024, de Renato Brito, voluntário, que na Guiné-Bissau integra um projecto de construção de uma escola na aldeia de Sincha Alfa, com mais uma Cartolina, esta que nos fala do mel da Guiné-Bissau:

Boa tarde Carlos Vinhal,
partilho mais uma “cartolina” anunciando mais um “mercatino dell’usato”com o objectivo de recolher fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa na Guiné-Bissau.

Este bilhete-postal fala sobre um néctar dos deuses - o mel da Guiné-Bissau.

Informo ainda que está a nascer mais um projecto (África Sacra) que visa fazer chegar a Itália produtos africanos como a polpa e o óleo de baobab, o hibisco e o Cajú.

O catálogo pensado para divulgar estes produtos, onde uma parte das vendas reverte também para a construção da escola, está disponível para consulta neste site:
https://sostegnoguineabissau.weebly.com/prodotti-africa-sacra.

Cumprimentos,
Renato

_____________

Vd. post de 2 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25593: Ser solidário (270): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (8): Arquitectos da natureza (Renato Brito)

Último post da série de 13 de setembro de 2024 >
Guiné 61/74 - P25938: Ser solidário (273): Concerto da Orquestra Médica Ibérica, no passado dia 8, no Porto, a favor de uma ONGD que trabalha na área da saúde em Moçambique (Health4Moz) - Parte I

domingo, 22 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25967: S(C)em Comentários (47): A visita do Yussuf Baldé, filho do Cherno Baldé, ao Valdemar Queiroz




Sintra > Sintra > Agualva-Cacém > Rua de Colaride > Julho de 2024> "Da minha varanda continuo a ver o mundo"... São vizinhos do Valdemar que ele conhece e que estima, e que eles também o conhecem e estimam... E nenhum deles é identificável... São fotos tiradas ao longe e de perfil...

Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz:

Data - quarta, 18/09, 17:55 

Assunto - visita do Yussuf Baldé


Luis, anexo duas fotos da visita do Yussuf Baldé a minha casa.

No comentário ao poste da Moderação dos Comentários (*) está um escrito sobre esta visita.

Abraço e boa vindima
Valdemar

2. Comentário do Valdemar Silva ao poste P25949 (*):

(...) Ontem tive uma visita a minha casa de uma pessoa inesperada. Tratou-se do jovem Yussuf  Baldé, filho do nosso amigo guineense Cherno Baldé.

Ele mora, não muito longe de minha casa, e ligou-me via whatsapp para me conhecer e cumprimentar.

Achei haver muita simpatia por parte dele e convidei-o para vir a minha casa, e assim aconteceu no Domingo.

Tivemos uma tarde com vários conversas das nossas vidas que não faltou falar sobre a Guiné e dos tempos da guerra na Guiné.

Uma grande desilusão da minha parte foi não ter sequer uma bebida refrigerante ou outra coisa para o lanche para lhe oferecer.

Ficará para nova oportunidade.

Já não estava habituado à calma, com que sempre os nossos soldados fulas nos tratavam, sem se quer alterar o tom de voz. (**)

______________

Notas do editor:

(*) 16 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25949: O nosso livro de estilo (16): O blogue não foi feito para a gente se chatear.. Por isso, às vezes é preciso reintroduzir a moderação ou triagem de comentários 

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25950: (In)citações (261): tudo o que temos pedido é que forneçam professores devidamente acreditados para a Escola de São Francisco de Assis (ESFA), nas montanhas de Liquiçá, Timor Leste (João Crisóstomo, Nova Iorque)




João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusõfona
e amigo de Timor Leste. Foto: LG (2017)


1. Email enviado por João Crisóstomo, na sequência de comentário ao poste P25944 (*)

Data - 15 de setembro de 2024, 08:51

Caros Rui Chamusco  e Luís Graça,


Nem sempre leio, mas hoje vi, li e tive de desabafar (*) (...). São 01.24 da manhã de 15 de setembro. Não consigo dormir e resolvi buscar o computador, talvez alguma leitura amena no nosso blogue, como as peripécias narradas pelo Jorge Cabral ou outras me trouxessem o sono.

E ao deparar com esta crónica do Rui, resolvi lê-la para “lembrar”; ao fim e ao cabo também cheguei a ir e estive em Timor (em 2017 e 2018), onde , perante a situação de que o Rui me tinha falado e que confirmei, pensei poder continuar a ajudar: a minha experiência e contactos que ainda mantinha desde os tempos da luta pela independência poderiam com certeza ajudar, pensava eu.

Mas hoje, em vez de uma leitura amena, deparei com o contar duma situação que tem sido uma constante desde esses dias em 2018 até hoje. Raiva, tristeza, saudades, frustração, não sei qual deles maior, foi o que experimentei agora.

De alguma maneira quase me sinto culpado, pois que na altura sonhei e falei do muito que se poderia fazer para ajudar aquelas crianças esquecidas e aquelas gentes tristemente ignoradas nas montanhas de Liquiçá; alimentei tantas esperanças ao Rui, ao Gaspar e à Glória e a tanta gente boa em Portugal, e não só, que perante o nosso entusiasmo resolveram dar também a sua ajuda. E de alguns não foi só ajuda financeira como a de oferecerem-se e irem a Timor Leste. E agora passados seis anos ainda continuamos lutando pela mera sobrevivência duma única escola. Como é triste!

Mas como poderia eu, como poderíamos nós esperar tão pouca resposta por parte daqueles que em Timor Leste, em Portugal e em outras partes do mundo (como na Guiné), desta situação e outras semelhantes, se deviam ocupar?

Se razões de consciência, solidariedade e mesmo justiça não os motivam, então que cumpram o dever e obrigações dimanadas pela situação de poder ou de privilégio em que se encontram agora ou tiveram no passado se ainda agora podem ser influentes.

Os deveres inerentes à consciência e solidariedade são deveres permanentes e não devem ser coisas acidentais e temporárias na nossa vida.

Tenho acompanhado outros projectos semelhantes na Guiné e S.Tomé, aqui descritos no nosso blogue. Que são para mim sempre motivos de motivação, não só pelo simples facto de existirem, como pelo facto de serem motivo de tanto interesse por parte de todos nós que por lá andamos e conhecemos o que era e o que ainda é.

No caso de Timor admiro a boa vontade de tantos que nunca lá estiveram mas que inspirados pelo Rui e outros continuam ajudando, persistindo em fazer bem.

Bem hajam! Eu não acredito em milagres, mas, mesmo na minha muita desilusão, ainda teimo em persistir, esperando sempre por um milagre.

João Crisóstomo

PS - Esqueci-me de dizer que tudo o que temos pedido é que, que forneçam professores devidamente acreditados para esta escola, uma vez que agora já há uma escola construída e uma residência para professores nestas montanhas onde as crianças, que são tão timorenses como as crianças que vivem em cidades ou em locais com mais facilidades e que têm sorte de terem pais mais afortunados, parecem ou foram completamente esquecidas. (**)

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domingo, 15 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25944: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - XII (e útima) Parte: A minha casa é o mundo e qualquer dia estarei de volta...




Timor Leste > Liquiçá > Manatti > Boerbau > Escola de São Francisco de Assis (ESFA)

Fotos:  © Rui Chamusco (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Esta é a última crónica desta série... No dia 16 de junho de 2018 o Rui Chamusco regressou  a Portugal...  Foram cinco meses de estadia, iniciada em 25 de janeiro do ano da graça de 2018. 

O  luso-timorense e seu amigo Gaspar Sobral foi o seu companheiro de viagem.  Ambos são cofundadores e dirigentes da ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste), criada em 2015, com sede em Coimbra (onde o Gaspar e a  Glória vivem; a Glória é da Malcata, Sabugal).
 
O Rui é membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de maio último. Natural da Malcata, Sabugal, vive na Lourinhã onde durante cerca de 4 décadas foi professor de música no ensino secundário. 

Em Timor (onde já foi cinco vezes, desde 2016), o Rui continua a  dedicar-se de alma e coração aos projetos que a ASTIL tem lá desenvolvido, nas montanhas de Liquiçá, e nomeadamente a Escola de São Francisco de Assis (ESFA), em Manati / Boebau, no município de Liquiçá.

Em Dili ele costuma ficar em Ailok Laran, bairro dos arredores, na casa do Eustáquio (alcunha do João Moniz) , irmão (mais novo) do Gaspar Sobral,
 


O "malaio" (estrangeiro) Rui Chamusco
e o seu companheiro de vaigem, o luso-timorense
 Gaspar Sobral.

Foto: LG (2017)



II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL)


XIII (e Última) Parte -   A minha casa é o mundo e qualquer dia estarei de volta...

Dia 09.06.2018, sábado - Verdadeiros heróis...


Não posso deixar de descrever o que acabo de presenciar. O Cesáreo acaba de chegar de Liquiçá. Vejam só! Ontem de manhã foi para a horta, que fica mais ou menos a dois quilómetros no fundo da encosta, a apanhar folhas de “malus” (a folha de uma trepadeira que se cultiva em Timor Leste, pois faz parte do ritual cultural timorense mascar o betel: folha de malus+areca+cal). Ele mais o cunhado Augusto, apanharam duas sacas grandes cada um, subiram-nas às costas até cá acima e, às dezanove horas, já noite, ei-los prontos a partir, a pé, por entre montanhas e vales a caminho de Liquiçá, a fim de entregarem a colheita que um amigo se encarregará de vender.

Perguntei-lhe qual a distância a percorrer, e ele respondeu: “mais ou menos cinquenta quilómetros”. Ou seja, ida e volta cinquenta quilómetros. Descalços ou de chinelos, por veredas e atalhos, enfrentando os perigos do caminho: escorpiões, serpentes ou, na melhor das hipóteses, nada. Hoje, às oito horas da manhã, estão de volta. 

Tudo correu bem, mas imagino o cansaço e com certeza a fome com que devem estar. Eles fazem-me lembrar heróis de outros tempos que, em Malcata e nas terras fronteiriças se dedicavam ao contrabando, transportando odres de azeite e outros produtos que, sem descansar, percorriam também mais ou menos cinquenta quilómetros, correndo sérios riscos de serem apanhados e espoliados pela guarda fiscal (em Portugal) e pelos “carabineros” (na Espanha). 

Por quantas dificuldades não têm os pobres de passar para garantirem o seu
sustento e o das suas famílias. Sou testemunha viva da indigência destes pobres, onde qualquer cêntimo faz a diferença. Em casas térreas quase reduzidas a paredes e telhado, umas em colmo e palapa outras em blocos de cimento e telhados de zinco, gera-se a vida que, através de muitas dificuldades se vai construindo com muito amor, em corpos franzinos mas resistentes. Aqui, todo o ser vivo tem direito a usufruir do espaço caseiro.

Ontem à noite, enquanto tomávamos o café na casa do Cesáreo, andavam a nossos pés cães, galinhas e até uma porquinha. Faltam condições básicas, sobretudo de higiene, mas nem por isso as crianças e os adultos deixam de sorrir e de dar ao visitante tudo o que têm. Ai se os ricos dessem,  não tudo o que têm,  mas ao menos o que lhes sobra!...Como este mundo seria melhor...

As carências são muitas. Dinheiro é coisa que não têm, mas eles sabem que é com o
dinheiro que tudo se compra: café, arroz, cigarros, etc... Por isso, são frequentes os
lamentos e os pedidos. “Ti Rui ajuda?”. Ou então as crianças que se aproximam de ti, te estendem a mão e dizem: “Ossan! Ossan”; “dolar!”

Porra! Não haverá por aí, em Timor ou em qualquer parte do mundo, alguém que possa e queira ajudar estes pobres?

“Pobres dos pobres / São pobrezinhos / Almas sem lares / Aves sem ninhos.” (António Crreia de Oliveira)

Dia 10.06.2018, domingo - Continuação


Ontem à noite, em conversa de amigos com o Cesáreo, ousei perguntar-lhe: “Quanto ganhas cada vez que vais a Liquiçá levar as sacas de “malus”?” Ao que ele me respondeu: “Depende, Tiu Rui. Se é no verão (estação atual) quinze a vinte dólares; se é no inverno vinte a vinte e cinco”.

Já viram isto? Um homem passa um dia inteiro para recolher duas sacas de “malus”; percorre a pé montes e vales durante nove horas enfrentando as adversidades do caminho; chega a casa todo estoirado de cansaço apenas com 15 dólares no bolso...

Senti vergonha de mim próprio e de muitos mais que, ganhando mais do que precisam, esbanjam o seu dinheiro em coisas supérfluas e inúteis.. Prometi que o iria ajudar, mais que não seja arranjando padrinho ou madrinha para um dos seus três filhos.

Pois é! Uns nascem e vivem em berços e casa doiradas; outros nascem e vivem em
presépios e casa de palha. Que desigualdade social, em Timor e em muitas partes do
mundo. Cidadãos cujos salários mensais oscilam entre os sete e os dez mil dólares
(deputados, ministros, doutores, etc...); cidadãos cujo salário esporádico não passa dos trinta a quarenta dólares. Não acreditam? Então venham cá ver!...

Por mais que o Evangelho nos console dizendo-nos que “os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros”, é muito difícil resignar-se e aceitar pacificamente a situação.. Melhor seria que houvesse repartição da riqueza, conforme as necessidades de cada um. Como dizia o poeta António Aleixo: “Se fosse toda a riqueza / Distribuída com razão / Matava a fome à pobreza / E ainda sobrava pão.” 

Mas quem tem a coragem e agir? Como podem os poderosos, os ricos baixar na sua condição? Cada vez compreendo melhor a frase do Evangelho: “Pobres sempre os tereis convosco”. Porque a capacidade de ser pobre depende muito do coração e da vontade de cada um.

Arrepiante!...

Estou de frente ao monte, do outro lado da ribeira de Laoeli, pensando no relato que me fizeram em Ailok Laran, da cena horripilante passada há doze anos em Hatohoulau, e que passo a descrever.

Numa visita que a família de Ailok Laran fez à família da parte da mãe Felismina
Sobral, aconteceu que um dos primos residentes, talvez minado por ciúmes ou outro sentimento qualquer com traços de esquizofrenia, atacou violentamente, à catanada, o primo Abeka. Por sorte não lhe acertou na cabeça, pois seria morte certa, mas sim no braço direito. O Abeka perdeu os sentidos, e foi de seguida transportado ao colo de diversos familiares pela montanha abaixo, até encontrarem transporte para Liquiçá, onde foi assistido. Dizem os que presenciaram a cena que, apesar da profundeza e da dimensão do golpe, não havia quase sangue nenhum. Pudera! O Abeka só tem quase pele e osso...

Uns dias depois de me relatarem o acontecimento estive com com a vítima e perguntei-lhe se era verdade o que me tinham contado. Mostro-me então a cicatriz no braço direito, prova evidente da veracidade dos factos.

Quanto ao agressor, nada a fazer. “Ele é doente. De vez em quando tem destas coisas”.

Enfim, esta gente tem uma capacidade de perdão incrível. Como diz o Bartolomeo: “Se Cristo perdoa porque é que eu não devo também perdoar?”


Dia 11.06.2018, segunda feira  - Regresso
 a Dili

Sim. Estava previsto para hoje, mas não da forma que se deu. Como não havia “motor” disponível nem em Ailok Laran nem em Boebau, decidiram que eu regressasse em transporte público: anguna até Liquiçá e anguna até Ailok Laran.

E como só fui informado pelas sete horas, tive que me apressar em arrumar a trouxa para que às oito horas estivesse pronto, porque a anguna do João chegaria a essa hora.

E tudo estava pronto quando de repente procurei a carteira e não a encontrei. Entrei em pânico, pois nela estavam todos os meus documentos e o dinheiro à ordem, e recusava-me a partir sem tão preciosa propriedade. Toda a gente em alvoroço, procurando por tudo o que era sítio, e eu convencido que tinha sido roubado.

Cabecinha louca de velho descuidado! O Bôzé conseguiu encontrá-la entalada entre
duas caixas de papelão. Dei-lhe um abraço e uma recompensa, e pusemo-nos em
marcha. Destinaram-me o banco ao lado do condutor, o senhor João, pai do Tito e da Tita, crianças que frequentam a nossa escola. Mas como me querem proteger, o Cesáreo e o Laurindo fizeram questão de me acompanhar na viagem. Não querem que aconteça algo de errado ao Tiu Rui. Obrigado amigos!...

E que dizer desta viagem? O percurso até Liquiçá foi o melhor dos que já fiz. Nem
motor, nem carro têm a segurança e a comodidade da anguna, mesmo que de sobressalto em sobressalto. Claro que conta muito a perícia do condutor, que fazendo este caminho duas vezes ao dia, conhece bem todos os buracos, curvas e contra curvas, paragens, clientes e sei lá quanta coisa mais.

A viagem em microlete de Liquiçá a Ailok Laran foi maçadora. Um veículo com a
capacidade de 9 lugares transporta o dobro, mais as fartas bagagens (cachos de bananas, feixes de lenha, galos e galinhas, sacos diversos, mochilas, etc...). Leva os clientes e os seus pertences às ruas e becos onde parece não passar, e toda a gente ajuda a quem entra e a quem sai. Valha-nos ao menos esta boa convivência e entre ajuda. Ao meu lado direito, bem encostadinha, porque assim tem de ser para caber toda a gente, vinha uma menina 11 a 12 anos com um galo ao colo, que quase me debicava o pernil, gostasse ele da carne do “malai”. 

De entrega em entrega chegamos ao nosso destino, depois de quatro horas de viagem num percurso de mais ou menos 50 quilómetros.

E a vida recomeça em Ailok Laran, até à reta final da nossa segunda estadia em terras timorenses.

Dia 14.06.2018, quinta feira  - Encontro 
inesperado

De tarde fomos a Liquiçá entregar a lista das crianças que já se inscreveram na escola de São Francisco (62, aproveitando a seguir uma ida à uma praia de Liquiçá). Também aqui os porcos javalis eram banhistas. Mas eis quando que, sem ninguém esperar, chega um carro com quatro senhores lá dentro. Pronto nos apercebemos, e eles também de que éramos portugueses, estabelecendo-se logo um diálogo de conhecimento mútuo. 

Porque estamos em Timor, quem somos, o que fazemos. Pois sabem quem esteve connosco em mável conversação? Isso mesmo: os músicos do grupo musical Virgem Suta , Jorge Benvinda, Nuno e Tiago que, contratados pela Embaixada de Portugal vieram abrilhantar as celebrações do Dia de Portugal. Hoje mesmo, à noite, vão dar o último concerto no bonito espaço do Mercado de Dili. E amanhã, tal como nós, regressarão a Portugal.

Coincidências ou não, a verdade é que já há muito tempo que aprecio este grupo e a sua forma de fazer música. Talvez em Portugal a gente se encontre informalmente ou em espetáculos organizados. Agora que é o tempo das cerejas poderei dizer que, em jeito de despedida, foi “a cereja em cima do bolo”.

15.06.2018, sexta feira - Na embaixada 
de Portugal

A audiência foi marcada para as 15.00 horas, precisamente a hora em que fomos
recebidos pelo sr. Embaixador de Portugal Dr. José Vieira e pela sua assistente, Dra. Daniela Araújo. 

Para além de ser uma visita de cortesia e de despedida, fomos agradecer o seu apoio ao nosso projeto - lembro que esteve presente na inauguração da escola - o objetivo da visita era sobretudo a entrega de documentação relativa à escola, à Astil e à Astilbm, elaborada pelo colega de trabalho Gaspar. Com simpatia e diplomacia disponibilizou-se para apoiar e acompanhar o nosso projeto dentro das competências e possibilidades da embaixada, e depois de o Gaspar e o embaixador teceram diversas considerações, saímos airosamente do espaço que nos protegia.

“Talvez voltemos no final de ano”, disse eu, ao que o sr.embaixador manifestou o seu contentamento.

Por aqui me fico nas minhas crónicas da segunda estadia em Timor. Sei que esta noite ninguém vai dormir devido ao jogo de futebol Portugal / Espanha, que aqui começa às quatro horas da manhã.

Já em Portugal vos darei conta de algum episódio que durante a viagem de três dias
seja digno de registo.

Cá estamos de novo em Portugal, depois de cinco meses em Timor. Como se diz, “o
bom filho à sua casa torna”. Mas como desde há muito tempo eu defendo que a minha casa é o mundo, qualquer dia estaremos de volta a Timor.

Queremos agradecer a todos os que nos desejaram boa via e boas vindas. Esperamos entretanto encontrar-nos. Teremos muito gosto em estar convosco para partilharmos ainda mais as nossas vidas, e em concreto a nossa segunda estadia em terras do sol nascente. A propósito quero informar-vos de que, no próximo dia 19 de Julho, haverá uma sessão cultural, no auditório da Câmara Municipal do Sabugal, cujo tema será “Diálogos sobre Timor Leste”, pelas 21.00 horas. Esperamos encontrar-mo-nos por lá.

Tudo faremos para que esta sessão valha a pena.

Obrigado pelo vosso apoio e colaboração

Com um Grande Abraço,

Rui e Gaspar

(Seleção, revisão / fixação de texto, título e subtítulos: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25931: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte XI: Não sei explicar o que nos prende a esta gente...

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25938: Ser solidário (273): Concerto da Orquestra Médica Ibérica, no passado dia 8, no Porto, a favor de uma ONGD que trabalha na área da saúde em Moçambique (Health4Moz) - Parte I

 


Porto > Casa da Música > Sala Sugia > Concerto solidário da Orquestra Médica Ibérica >8 de setembro de 2014, 18h00 


Foto (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Solidariedade não é uma palavra vã para uma profissão altruísta como a medicina. É também, como a saúde, um valor sem preço, mas que custa tempo e dinheiro. Tempo e dinheiro que os músicos da Orquestra Médica Ibérica (OMI) despendem em dois concertos solidários anuais que em regra dão, revertendo as receitas para instituições de solidariedade social que trabalham na área da saúde.(*)

A OMI foi fundada em 2022 e nela estão inscritos músicos, médicos e estudantes de medicina, de mais de 40 cidades da península ibérica. Já atuaram em Lisboa, Braga, Barcelona e Madrid, tendo angariado mais de 32 mil euros. Este ano, só em Madrid, tiveram mais de 1500 pessoas a assistir, e a participação de 3 coros. No passado dia 8 encheram a belíssima e emblemática sala Suggia, na Casa da Música, Porto,  mais de 1200 luagres). 

Nos próximos anos a OMI tem já agendados concertos em Lisboa, Granada, Valência e Coimbra.

Para saber mais: www.orquestramedicaiberica.com

Além do maestro Sebastíão Martins, atualmente médico interno de psiquiatria,a orquestra sinfónica que atuou na Casa da Música (**) era composta por 48 instrumentos de cordas (31 violinos, 12 violas, 13 violoncelos e 5 contrabaixos) e 23 de metais (4 flautas, 3 oboés, 3 clarinetes, 4 fagotes,2 trompetes, 1 tuba,1 harpa, 5 de percussão). Em geral, nos inctrumentos de corda há o dobro de mulheres.  

Atou ainda o pianista Vasco Dantas, conhecido desde miúdo do nosso coeditor Carlos Vinhal. 

Cada concerto implica 4 dias de trabalho  (3 de ensaios), que são fornecidos "por bono" por cada elemento da orquestra (incluindo deslocações, e sem contar com o trabalho individual em casa...)

este concerto na Casa da Música foi particularmente exigente: falaremos na Parte II do programa musical, com 1 peça de Joly Braga Santos (1924-1988), o concerto nº 2 para piano, de Sergei Rachmaninoff (1873-1943), e a mundialmente famosa Scheherazade, de Nikolai Rimsky-Korsakov (1844-1908).


2. O beneficiário, desta vez, foi uma ONGD, portuguesa, que trabalha na área da saúde, em Moçambique: Healt4Moz (Health 4 Mozambican Children's and Families, Saúde para as Crianças e Famílias Moçambicanas). 

Foi fundada em 2013 por médicos e professores universitários portugueses.

Em trabalho totalmente voluntário, "por bono". tem contribuído, nos últimos 11 anos da sua história, para a formação de profissionais de saúde, nas mais diversas áreas médicas, atingindo um público-alvo de mais de 20 mil médicos, enfermeiros, dentistas e técnicos de saúde moçambicanos que foram já formados, além de 10 mil alunos que foram capacitados. 

Com diversos apoios e parcerias (sociedade civil, beneméritos, mecenas e cooperação portuguesa), tem também reconstruido,  restaurado e equipado diversas unidades de saúde, incluindo o Hospital Central da Beira (um dos maiores de África, servindo 8 milhões de habitantes). Tem também prestado cuidados de saúde, em valências como a saúde oral e a cirurgia oftalmológica, benefciiando um total de 2150 crianças.

Para saber mais: www.health4moz.com

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 8 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25923: Ser solidário (272): Actualização da situação do processo do nosso camarada guineense Seco Mané, que em Portugal procura resolver a sua precária situação de saúde resultante de ferimentos contraídos em combate ao serviço do Exército Português (Fernando de Jesus Sousa)

(**) Vd. poste de 29 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25891: Verão de 2024: Nós por cá todos bem (7): ... E vamos lá estar, no Porto, na Casa da Música: Orquestra Médica Ibérica, Concerto solidário, dia 8 de setembro, domingo, às 18h00