Foto nº 2 > Antiga Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Fulacunda > s/d > "Casa no quartel onde depois fiquei, em 1980".
Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > *Ilustração: parto",. Fonte: Livro Formação das matronas, 1978, MINSAS, Guiné-Bissau.
Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração: rede mosquiteira para crianças*, Fonte: Livro Formação das matronas, 1978, MINSAS, Guiné-Bissau.
Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração: Cinco doenças a tratar pelos Agente de Saúde de Base", Fonte: Fonte: Livro Formação das matronas e dos agentes de saúde de base (A.S.B.) nas tabancas, 1980, CESAS, Guiné-Bissau.
Foto nº 9 > Antiga Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Fulacunda > s/d > "Fulacunda no tempo colonial com campo de vólei". Fonte desconhecida
No passado dia 9 de setembro último, ele escreveu-me o seguinte, em resposta a um email que lhe tinha mandado:
(...) Bom dia, Luís!
Primeiramente o nosso primeiro ano nesta terra: 1947!
Segundo, a paixão para conhecer outras terras: Conheceste o mundo académico do TNO na Holanda (que conheço só por nome), além do teu passado na Guiné, e provavelmente outros países.
Henk
Boa tarde, Luís.
Espero que estejas bem, já de volta da vindima no Norte no mês passado.
Vi a mensagem recente do bloguista Patrício Ribeiro no blogue (...) e decidi escrever-te.
(i) Recebeste o meu e-mail de 12 de setembro 2024 com a apresentação dum amigo meu, intitulado 'Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação' ? Achas apto para publicar no teu blogue?
(ii) Acabei de escrever algumas das minhas aventuras na Guiné-Bissau nos anos 1980-1984. Me pediste para contar as minhas experiências durante minha estadia como médico na região de Quínara. Segue o texto e as fotografias em anexo.
Um abraço desde Santa Comba Dão,
Henk
3. Comentário do editor LG:
"Consultor internacional em saúde públiva, aposentou-se após quarenta e cinco anos de experiência na prestação de cuidados de saúde em países com poucos recursos em três continentes. Amplas relações de trabalho entre governos e ONG internacionais.. Missões de longo prazo em Angola, Guiné Bissau, Tanzânia e Indonésia. Missões de curto prazo em mais de 15 países.
Em abril de 1980, desembarquei no aeroporto de Bissalanca. Estava bem preparado. Já durante pos meus estudos de medicina, eu tinha decidido que queria trabalhar em África.
O meu primeiro emprego foi em Angola. Em 1976, quatro meses após a declaração de independência (****), viajei para Cabinda e trabalhei lá durante dois anos na ala pediátrica do hospital provincial. Lá, aprendi muito: a falar português, e palavrões cubanos dos meus colegas médicos. Aprendi na prática a tratar a patologia tropical. Perdi também a ilusão da viabilidade e desejabilidade duma sociedade comunista.
Em 1980, tive a oportunidade de trabalhar na Guiné-Bissau. Consegui um emprego no Ministério da Saúde da Guiné-Bissau e fui colocado na região de Quínara, no sul da Guiné-Bissau. A província tinha cerca de 40.000 habitantes. Ninguém sabia exatamente quantos. Já fazia parte da área libertadada durante a guerra colonial, com exceção dos quarteis do exército português e as tabancas.
Excerto da carta de Fulacunda (1955) (Escala 1/50 mil) Fonte: Cortesia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné |
O que encontrei quando cheguei em Fulacunda?
As pessoas moravam longe dos postos de saúde e a medicina tradicional era a principal fonte de cuidados de saúde. Logo comecei a organizar cuidados materno-infantis. Sob a mangueira (ou o poilão), reuníamos regularmente as grávidas e as crianças e administrávamos as vacinas necessárias, contra tuberculose, sarampo, difteria, tétano, poliomielite e coqueluche. Providenciávamos medicamentos (foto nº 4) e conselhos ás grávidas. Com um cartão onde os pesos das crianças eram anotados e que eu mesmo havia mimeografado, acompanhávamos o crescimento e desenvolvimento das crianças pequenas.
Parte do meu trabalho era treinar os voluntários (Agentes de Saúde de Base) nas tabancas para reconhecer e tratar cinco doenças (fotos nºs 5, 6 e 7).
A ideia era que os voluntários na tabanca recebessem uma caixa de medicamentos com os quais pudessem tratar cinco doenças (foto nº 7). Essas eram:
- paludismo (corpo quente),
- conjuntivite (dor di udjo),
- dor de cabeça,
- diarreia (panga barriga),
- tosse e feridas.
Além de poder tratar estas doenças, os Agentes foram ensinados sobre medidas preventivas da higiene nas tabancas (fotos nº 7 e 8).
Este Projeto de Saúde de Base ocorreu em vários lugares da Guiné-Bissau, sob a inspiradora liderança do vice-ministro da saúde, Dr. Manuel Boal. Havia projetos no Oio, na ilha de Canhabaque, em Tombali e no extremo leste, em Lugadjol, no setor de Madina do Boé, e em Quínara, onde eu trabalhava.
As minhas atividades curativas (ou mais propriamente clínicas) eram bastante limitadas porque eu não tinha muitos recursos. Poucos medicamentos e nenhum instrumento para realizar qualquer procedimento terapêutico mesmo simples.
Outro evento que me marcou foi ajudar no chamado fanado.
Felizmente, tínhamos outro desinfetante, a violeta genciana, que era à base de água. Sugeri usá-lo, mas com a condição de que eu mesmo fosse à floresta para observar e aplicar. Após alguma discussão, isso foi permitido e viajámos para a floresta. Em um determinado momento, chegámos a uma árvore caída, que era o limite absoluto até onde podíamos ir. Dali para a frente, a área era proibida para nós e, atrás da árvore caída, havia uma fila de meninos. Meninos com rostos assustados, com as mãos cobrindo suas partes íntimas, esperando para desinfetar os seus pénis recém-circuncidados.
A minha vida em Fulacunda não era tão fácil. A sra. Maria cuidava de mim, preparava as comidas e limpava a casa. Tinha algumas galinhas para ter um ovo no mata-bicho. Importei legumes desidratadas de Holanda e, de vez em quando, conseguíamos uns tomatinhos. Os pescadores traziam-me de vez em quando uma barracuda, peixe grande e deliciosa.
Na frente da minha casa havia um campo de jogos (antigamente para jogar vólei?) (foto nº 9). Às vezes eu instalava o meu gravador lá à noite e os moradores e nós dançávamos ao som de uma música animada.
Antes de viajar para Guiné-Bissau, comprei na Bélgica uma caixa de cartuchos (calibre 12). Provou ser muito útil. Não sabia caçar, mas o meu amigo Manuel sabia. Levou de noite um ou dois cartuchos para o mato e voltou de manhã com um antílope. Dividimos a carcaça e havia carne para umas semanas.
A minha noiva (holandesa) vivia em Bissau. Tanto quando possível viajávamos para nos encontrarmo-nos (foto nº 10). Ela tinha uma mota Honda 125 cc off-the-road. Com um barco tradicional ou um barco dum projeto holandês costumávamos travessar o rio Geba. Nem sempre havia águas tranquilas.
Em Buba havia na altura um grande projeto de abastecimento de água (foto nº 11). No antigo quartel foi estabelecido o centro do projeto, que incluiu também uns 5 a 7 técnicos holandeses. No Catió era o centro duma empresa holandesa Stenaks, que construiu centros de saúde na região de Tombali e Quínara. Foi uma grande ajuda ter estes compatriotas relativamente perto.
Foram alguns anos de muitas experiências. Foi a base para minha futura carreira na área de saúde tropical.
(***) Último poste da série > 25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25981: Ser solidário (274): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (10): O mel da Guiné-Bissau (Renato Brito)
(****) 11 de novembro de 1975