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segunda-feira, 12 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22365: Estórias de Contuboel... ou "o mito do eterno retorno" (Renato Monteiro, 1946-2021)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé , Sori (Jau oui Baldé) e Umaru Baldé (que, feita a recruta,  irão depois para a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, a partir de 18 de junho de 1970). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local e, originalmente, não falavam português. (*)

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É um texto de antologia, dos melhores que já aqui publicámos em 17 anos de existência do nosso blogue. O Renato Monteiro, em cinco pequenas "estórias de Contuboel", sintetiza magistralmente   esse sentimento absurdo, maior do que cada de nós, e que todos nós, "tugas", quadros e especialistas das companhias  da "nova força africana" do general Spínola experimentámos inicialmente, e que "tanto nos levava à rejeição daquele mundo como, no instante seguinte, ao desejo de nele nos confundirmos", parafraseando o autor.  

Quadros, milicianos, de um exército (mal) preparado para a guerra convencional (mas não de todo para a guerra de contra-guerrilha), sem um mínimo de informação e formação sobre aquele território e as suas gentes, fomos obrigado a dar recruta, instrução de especialidade e de aperfeiçoamento operacional a jovens camponeses, fulas, muçulmanos, do recrutamento local (, mas também de outras etnias, animistas), arrancados das suas tabancas, e que não falavam uma única palavra de português nem sabiam onde ficava Portugal... Deliciosas as "observações etnográficas" do autor e não menos saborosa a sua fina ironia... 

Porque o texto vale como um todo, voltamos aqui a reproduzi-lo, quinze anos depois,  mas agora agregando os cinco apontamentos, todos eles relacionados com a instrução de recruta dada pelos nossos camaradas da CART 2479, no Centro de Instrução Militar de Contuboel, com início  em 7 de março de 1969. 

O título "estórias de Contuboel" é da nossa iniciativa, é mais prosaico do que a filosófico e mitológica ideia do "eterno retorno", titulo original do autor.  É uma homenagem ao "homem da piroga". o Renato Monteiro (1946-2021),  que eu tive a felicidade de conhecer em Contuboel, no curto espaço de mês e meio em que estivemos juntos (junho/julho de 1969)... Perdi depois o seu rasto mas nunca o seu rosto...


ESTÓRIAS DE CONTUBOEL 

por Renato Monteiro (2006)


(I) RECEPÇÃO DOS INSTRUENDOS

São uma porrada deles. Para cima de centena e meia, perfilados na parada. Número excessivo mas justificável uma vez que, finda a instrução, serão repartidos por uma outra companhia, ainda na Lisboa (a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12) (***), constituída tal como nós, apenas por quadros (graduados es especialistas) nmetropolitanos.

Vindos de Galomaro e de Gabu, que ainda não localizei no mapa; do Xime, de Bafatá e de Bambadinca por onde passamos sem que me ocorresse bater uma única chapa, e ainda das tabancas que povoam a região de Contuboel.

Mais fulas do que mandingas, perfilhando todos a crença em Alá, mas também o princípio que consagra para todo o sempre um Portugal daquém e além-mar,  uno e indivisível, coisa para mim demasiado estranha ao dar conta dos raros falantes da nossa língua e dos muitos que a entendem menos do que a Segunda, a minha lavadeira.

Acaso não houvesse entre eles um Carlos, fula, de Bafatá, único cristão e com nome português, excepcionalmente dotado na comunicação com as línguas nativas, incluindo o crioulo - o esperanto da Guiné - para transmitir-lhes as nossas ordens, recomendações e outras tretas, bem poderíamos enterrar as palavras no bolso até às calendas, ir pregar para o deserto ou aos peixinhos do António Vieira.

Sequer a ordem de marchar (acaso fossem capazes de tal acrobática proeza) a partir da parada até uma área arborizada próxima do aquartelamento, utilizada para futura aplicação dos exercícios militares, é compreendida pela generalidade dos nossos instruendos.

Coubesse o mar num concha cavada na areia que, por certo, seria igualmente possível olhar para estes homens e reconhecê-los como nossos compatrícios.

E coubesse em mim próprio este sentimento absurdo, maior do que eu, que tanto me leva à rejeição deste mundo como, no instante seguinte, ao desejo de nele me confundir.

Como se coexistissem em mim, duas entidades antagónicas numa só. Sem a santíssima trindade em que não acredito. E nunca, espero bem, vir a pirar dos cornos.


(II) SEGUNDO PELOTÃO

Divididos por quatro pelotões (de instrução), faço parte do segundo,  bem como o alferes Ilhéu, açoriano, ex-seminarista, os furriéis Paz de Alma, do Norte, o Bera, de Cabo Verde, por quem nutro uma antipatia correspondida e o nosso cabo, ainda sem alcunha, e a quem um dia destes hei-de perguntar donde é. 

Feita a contabilidade, o que temos? 53 Guineenses, 2 insulares, 3 europeus continentais. Ou cromaticamente falando: 53 negros, 4 caras pálidas e um que nem é uma coisa nem outra, e sim as duas. Mas adiante...

Sem o poliglota do Carlos, entretanto integrado noutro pelotão, lançamos mão ao Jaló que, apesar de menos apto para intérprete do que o primeiro, sempre vai desenrascando, em fula e em crioulo, a nossa pretendida comunicação com o grupo. Para levantarem os joelhos, c’um raio, se possível até ao queixo, darem meia volta volver, distinguir o que se toma por esquerda e por direita, manter o peito erguido e cheio de ar, por nada mexer quando em sentido, porra, sequer tossir; enfim, toda a panóplia de movimentos exigíveis numa formatura estacionada ou em marcha. 

Porque com má execução, há merda: 10, 20 ou mais flexões de bruços, mantendo a regular distância da barriga ao chão, quando não mesmo rastejar até aquela mangueira ou cajueiro ainda mais afastado. Punições tão sabidas de cor, por força da aprendizagem para a guerra levada a cabo nos quartéis, como os nomes dos rios aprendidos durante a instrução primária.

Por mim, e apesar de exigente quanto à execução dos exercícios, dispenso a aplicação de castigos sem crime, achando mil vezes preferível, nesta fase inicial de instrução, antes fomentar a troca com que todos crescem: umas lições básicas de português pelos depoimentos prestados, com o apoio do Jaló, sobre a experiência vivida na guerra por um bom número de recrutas que, havendo sido milícias, já se envolveram em confrontos. Com o fogo a doer fora da carreira de tiro, mas no cenário real da mata. Ou tão só os que foram alvo de flagelações dirigidas aos aldeamentos donde são originários.

E quem sabe se, deste modo, não evitaríamos mais facilmente confundir o Ali com o Guilage, estes com quaisquer outros já que, à excepção do Malagueta, excessivamente franzino, e do Turé, de desmedida altura e de voz apagada, todos se apresentam indistintos aos nossos olhos. Como se fossem cópias fisionómicas do mesmo padrão, cheirando desagradavelmente, à maior parte dos camaradas,  a catinga. Ou não fosse natural um cão tressuar a canino; um gato transpirar a felino; os cravos marcarem o ar com o seu perfume... Sem nunca perguntarmos a que cheiramos nós. Mais tarde ou mais cedo, hei-de sabê-lo...

(III) O PARAÍSO, OS RONCOS E OS ANJINHOS

É à sombra frondosa das mangueiras, durante as breves pausas das longas oito horas diárias de instrução,  que Jaló, crente em Alá, me fala do paraíso perfumado, com frutos perenemente maduros, sem maçãs proibidas, abundante comida para satisfazer o apetites dos mais insaciáveis, das alegrias sem medida e das submissas mulheres de deslumbrante beleza, escolhidas a dedo, todas virgens para eterno consolo dos homens, sejam novos ou velhos.

Desse jardim implantado no céu, supremo prémio destinado aos que cuidam cumprir zelosamente não apenas com as obrigações de rezar, jejuar pela ocasião do Ramadão, fazer uma peregrinação a Meca ao longo da vida, mas também aos que recusam as tentações condenáveis pelo Islão, de que Maomé é o profeta, como o consumo de carne de porco e as bebidas alcoólicas.

Interdições que não abrangem o tabaco aspirado por cachimbos que cabem numa mão fechada ou as nozes de cola, tão azedas quanto duríssimas, que revitalizam os músculos e o resto, quando necessário, debelando a fome e dando coragem tanto para combater as agruras da vida como para enfrentar os bandidos da mata.

Nem tão pouco obrigam à fidelidade exclusiva da mulher esposada que, Jaló, tem duas e diz andar a pensar dia e noite numa terceira que vive em Gabu.

Assim não perca os roncos de couro, pagos a bom preço: o que traz atado à cintura e outro no peito, suspenso pelo pescoço, que o protegem tanto da picada dos lacraus como do veneno injectado pelas cobras; dos ferrões cravados pelas abelhas e de todo o bicho selvagem que constitua uma ameaça; da acção nefasta provocada não apenas por encontros indesejáveis com pessoas que rogam pragas, mas também contra seres diabólicos, vazios de forma e capazes de, com um único sopro, transmitirem uma enfermidade incurável morrendo-se, tarde ou cedo, dela. Ou sobrevivendo-se apenas quando se trata de uma mudez, coisa rara, ou de uma cegueira como aconteceu ao filho mais novo do antigo Chefe da Tabanca de Contuboel quando, em criança, andou perdido durante sete dias na mata, nunca mais voltando a ver as cores com que se cobre o mundo.

Com a protecção dos roncos e ainda com a inseparável e benfazeja presença do anjinho do Bem que, encavalitado num ombro do Jaló, cuida ele, há-de levar a melhor em disputa com o seu comparsa, colado ao outro ombro, ímpio por natureza e sempre pronto a pregar as mais nefastas partidas ao seu portador. Vá para onde for, mesmo em sonhos, a dormir.


(IV) IDADES SEM LEMBRANÇA

Coisa pela qual não passam: a comemoração do dia do aniversário. Pois não parece haver um entre os africanos do meu pelotão que saiba a sua idade. E lê-se-lhes nos olhos a inutilidade desse conhecimento que, apesar de tudo, acaba por ser superado através de um palpite dado por nós. Mera suposição inspirada no vinco e na dimensão das rugas, na maior ou menor vivacidade do olhar, não sei bem, num feeling que sustenta a nossa avaliação.

E é assim que Cherno Camará passou a partir de hoje a contar 23 anos, idade que acabou por merecer divertida discórdia quando comparada ao tempo de vida atribuído ao Amaduri Camará, 21 anos, por alguns considerado mais velho do que o primeiro.

Mas fora de qualquer polémica foram as 18 Primaveras calculadas para Demba Baldé, o Malagueta, seguramente o recruta mais jovem da nossa troupe, filho de Ira Baldé, prestigiado chefe de uma das tabancas da região de Gabu Sare.

Quanto a mim, talvez não fosse menos sensato deixar-se estes homens, na sua maioria ainda mais novos do que nós, tão alheados da sua idade quanto as árvores que se desenvolvem sem contarem os anéis do tronco que marcam o tempo da sua existência.

Opinião igualmente partilhada por Ussumane Colubali, para o qual o que importa é nunca perder de vista de quem se é filho, irmão, neto, bisneto e pai; bem como o lugar onde se nasceu e o número de cabeças de gado e de mulheres que se possui, sendo seguro que a memória da data de nascimento não leva a viver mais, sequer a acertar-se com o dia da sua morte. Ao contrário da generalidade dos africanos, muito reservados, Ussumane não se coíbe de expressar os seus juízos mesmo sem ser chamado a fazê-lo.

Assim, diz não existir à face da terra nenhumas Forças Armadas capazes de tão grandes façanhas como as nossas, razão que o levou a oferecer-se para o exército, aproveitando ainda uma vantagem: a possibilidade de, assim, ganhar uns patacões, muito difíceis de obter por outro meio.

Proveito que o Demba Baldé de bom grado dispensaria. Que foi o pai, contra sua vontade, que o mandou servir a tropa. Quando melhor estaria junto da sua Comança Baldé, ainda mais nova do que ele, a fazer filhos, a comer bianda e a tratar do gado.

(V) BAJUDAS OU A IMITAÇÃO DO PARAÍSO CELESTIAL

Acordo com os latidos da Daisy, já recuperada da mazela na perna, incitando-me a sair da cama. Como a querer lembrar a combinação que fiz com o Canininhas e o Português Suave em pirarmo-nos hoje para o rio Geba que o Fórmula Um, o condutor, afirma ficar a quinze minutos de Unimog.

Acordo como um animal de sangue frio em período de hibernação e, caso não fosse a barba por fazer desde há três por se ter gripado a bomba de água e a desagradável sensação pegajosa no corpo, bem teria mandado o compromisso para as urtigas. Mas avancemos. Tomado o pequeno almoço à pressa, toca de trepar para a viatura, com os dois camaradas vociferando contra o meu atraso, "és sempre o mesmo", mais o Joshua. apanhado a atravessar cabisbaixo a parada e a Daisy, como prémio do seu empenho em combater a minha letargia.

Por uma estrada todo o terreno, cheia de covas abertas pelas correntes das chuvas e de sulcos dos rodados das viaturas, em menos tempo que o calculado pelo Fórmula Um, chegamos ao Geba: bem estreito quando comparado à sua dimensão em Bissau ou no ponto em que se cruza com o Corubal.

Mas bem mais largo quanto às vistas que dele se podem colher: aquele pequeno grupo de bajudas, ó Cesário, sem rendas ou ramalhetes rubros de papoilas, apenas cintadas por uma tanga fina, tudo o mais só nudez ali exposta à luz do sol, com natural indiferença aos nossos olhos e sem nada ficarem a dever em graciosidade às virgens do paraíso celestial descrito por Jaló.

Salpicadas de espuma, com a água a escorrer em fios ou em contas pelos ombros, o seios, o colo, quantas aguarelas não dariam? Tantas quantas ninfas ou sereias de outros tempos imaginadas em pedra ou tela.

Pena, para não dizer pequena e simulada raiva, é a Segunda, a quem ironicamente comecei a tratar por Benvinda, nem uma única vez tenha posto os olhos em mim, limitando-se apenas a cumprimentar-me aquando da entrega da roupa à porta da camarata, limpa, sem vincos e ainda quente do ferro, ao fim da tarde.

À hora em que, num breve instante, o dia escurece, as boieiras alinhadas como esquadrões de caça recolhem ao refúgio da mata e o poente se tinge de cores vivas e quentes. Como nunca me foi dado ver.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12773: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte III): Preparando a "nova força africana" de Spínola...

(**) Vd. postes de:



4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

(***)  Vd.postes de:


25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6466: A minha CCAÇ 12 (2): De Santa Margarida a Contuboel, 5 mil quilómetros mais a sul (Luís Graça)

(...) Contuboel, far from the Vietnam

Nestas condições, a instrução de especialidade, como se deve imaginar, não foi nada famosa. Estávamos a milhares de quilómetros do nosso ponto de partida, o Campo Militar de Santa Margarida, onde, ainda me recordo, também brincámos às guerras, e fizemos os nosso roncos (no essencial, assalto aos acampamentos do IN a fingir, e pilhagem de tudo o que era bebível e comestível).

Em plena época das chuvas, ainda em fase de adaptação ao terrível clima da Guiné, hostil a qualquer tuga, em farda nº 3, espingarda automática G3 ao ombro e cartuchos de salva nos bolsos (à cautela, não fosse o diabo tecê-las, os graduados, metropolitanos, levavam alguns carregadores com bala real...)... Estão a imginar esta guerra-de-faz-se-conta ?

Era ainda a dolce vita da Guiné (como eu escreveria no meu diário), aqui e ali perturbada pelas histórias que a velhice nos contava, a nós periquitos, de Madina do Boé e de Guileje, "lá longe no sul" (sic) (...)

A 18 de Julho de 1969 , a futura CCAÇ 12 (que, por enquanto, ainda era a CCAÇ 2590) é dada como operacional. Atendendo à origem étnico-geográfica das suas praças, por sugestão do Com-Chefe, ficamos radicados em chão fula, às ordens do Batalhão de Caçadores 2852 (1968/70), com sede em Bambadinca...

A 21 de Julho, menos de dois meses depois da nossa chegada à Guiné, quando ainda nem sequer tinham sido distribuídos os camuflados à nossa tropa africana, temos a nossa primeira "saída para o mato" (sic) , seguida do nosso "baptismo de fogo"...

De facto, em Madina Xaquili, temos o nosso primeiro ferido grave, evacuado para Bissau; e a 28, mais dois feridos graves, numa ataque nocturno àquela aldeia fula que será definitivamente abandonada pela sua população e, mais tarde (em Outubro), pelas NT.

Para três dos nossos soldados africanos, a guerra havia acabado, mal começara: ficarão definitivamente inoperacionais e/ou incapacitados, não sem que um deles tenha de passar, primeiro, por outro inferno, o do Hospital Militar da Estrela, em Lisboa...

Pergunto-me, com amargura, 40 anos depois: o que será feito de vocês, valentes soldados ? Tu, Sori Jau (3º Gr Combate, evacuado para o HM 241); tu, Braima Bá (inoperacional) e tu, Udi Baldé (evacuado para Lisboa e retornado a casa com 35% de incapacidade física), ambos do 2º Gr Comb ? (...)


terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21762: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (1): Contra os canhões marchar, marchar...

1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), com data de 10 de Janeiro de 2021:

De um projecto de livro autobiográfico que pretendo editar e publicar na íntegra, um dia destes, destaquei este trecho para, caso mereça algum interesse, ser publicado na nossa Tabanca Grande.

Aproveito para cumprimentar os editores e desejar-lhes saúde e felicidade.
Carvalho de Mampatá


1 - CONTRA OS CANHÕES MARCHAR, MARCHAR…

Naquela noite fria de 10 de janeiro de 1971, por amabilidade do meu saudoso amigo José Augusto Baptista Oliveira, seguíamos ambos no carro de seu avô que nos conduzia à estação de Campanhã onde, pela meia noite, tomaríamos o comboio que nos levaria até ao Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha, com transbordo em Alfarelos de permeio.

 Pela manhã do dia seguinte lá estávamos nós, com muitos outros, à porta de armas do quartel, prontos a servir a Pátria, como então se dizia. Não que essa ideia de serviço e dedicação à Pátria nos preenchesse a mente como algo de adquirido ou absolutamente acomodado. Pelo contrário, eram já muitas as interrogações que nos assolavam o espírito, pelo menos a mim que já tinha conhecido, dois anos antes, a perda de um primo na guerra de Angola. 

E é admissível que o meu amigo Zé Baptista, por entre todas as suas cogitações, tivesse até antevisto, senão mesmo a eventualidade da sua morte, em qualquer emboscada montada pela guerrilha, num dos cenários da guerra ultramarina, pelo menos algo que lhe pudesse acontecer de grave, como a perda de uma perna numa mina ou algum ferimento que lhe impedisse a realização dos sonhos próprios da juventude. Infelizmente, para ele, para os que mais o amavam e para os seus amigos, aconteceu a pior das hipóteses, no dia 18 de fevereiro de 1974.

Mas, na verdade, não era fácil escolher o caminho da deserção que implicava, naquele tempo, um adeus à família para sempre ou por muito tempo. O regime, depois da morte de Salazar, em 27 de julho de 1970, tinha dado alguns sinais de abertura, mas muito ténues e, nas questões essenciais, como era a guerra do ultramar, nada havia mudado, mantendo-se a aposta na defesa intransigente dos territórios ultramarinos onde os insurgentes lutavam pela independência de Angola desde 1961, da Guiné desde 1963 e de Moçambique, na costa do Índico, desde 1965. 

Soubesse eu que iria ocorrer uma revolução vitoriosa em 1974 e outra coisa estaria eu a fazer naquele dia, em vez de receber um fardamento da cor do feijão verde. 

Havia já o registo de muitas deserções, sobretudo nas camadas mais instruídas, mas nada que fizesse perigar o prosseguimento daquela guerra sem sentido e sem fim à vista. O período dos primeiros três meses de instrução básica, comummente designado por recruta, passei-o ali, em sessões diárias de exercícios de ordem unida, ginástica, marchas e corridas fora do perímetro das instalações militares, formação sobre manuseamento e funcionamento da arma, instrução de tiro, teoria sobre guerra de guerrilha e ação psicológica. 

Após esse período, a cada um de nós foi atribuída uma especialidade cujo processo de formação era constituído por mais três meses, a frequentar num outro aquartelamento. A mim coube-me o curso de enfermeiro que me foi ministrado no Hospital Militar de Lisboa, entre abril e junho de 1971, seguido de um estágio de seis meses no Hospital Militar do Porto.

Estava assim transcorrido o meu primeiro ano de serviço militar. Antes da minha mobilização para a Guiné havia ainda de prestar serviço no Regimento de Cavalaria n.º 4, em Santa Margarida, durante cinco meses. 

Ao tempo, os comboios, sobretudo à sexta-feira à noite e no final do dia de domingo, andavam superlotados de soldados que se deitavam no chão e até nas bagageiras, por falta de lugares sentados, em cansativas viagens de fim de semana para reverem os seus familiares. Alguns soldados não visitavam as suas famílias durante todo um período de três meses, fosse por falta de dinheiro para a viagem,  fosse até por se encontrarem num dos extremos do país e a sua residência ser no lado oposto. 

Diga-se, para conhecimento dos leitores mais novos que, por esse tempo, as autoestradas estavam ainda a nascer e estendiam-se por curtas dezenas de quilómetros. Os militares viajavam sobretudo de comboio mas havia também, nalguns aquartelamentos, organizadores de excursões que contratavam autocarros de ida e volta no fim de semana. O governo de então não nos assegurava transporte gratuito, a não ser nas viagens consideradas em serviço ou por doença. Ora, as viagens em serviço eram aquelas que tínhamos que fazer, pela primeira vez, entre a nossa residência e o quartel que nos fosse destinado, sempre que houvesse lugar a mudança de quartel e, finalmente, na viagem de regresso a casa, no fim do serviço militar. 

A alimentação era entre o aceitável e o péssimo. Passei por quartéis onde havia alguma qualidade na alimentação e até no asseio das instalações e outros onde a comida era imprópria para pessoas. Sendo que todos os quarteis recebiam o mesmo abono em dinheiro por cada militar só posso concluir que nuns regimentos se roubava muito e noutros pouco ou nada. 

A sistemática má qualidade das refeições chegava a produzir movimentos de revolta a que chamávamos levantamento de rancho. Não me lembro de ter vivenciado algum, mas tive conhecimento da ocorrência de vários. O levantamento de rancho é uma manifestação de repúdio generalizado contra a má qualidade ou quantidade de uma refeição e consiste, para ser bem sucedido, na sua rejeição, por parte de todos os militares, sem uma única exceção, tendo por consequência a confeção de novo repasto.

A disciplina militar, pela sua rigidez, constitui um obstáculo à análise crítica e ao escrutínio do funcionamento da instituição castrense, permitindo assim, mais facilmente, atitudes abusivas quer no que diz respeito à instrução ministrada quer no que se refere à gestão dos seus próprios recursos, nomeadamente a aquisição de materiais, equipamentos e produtos alimentares. E se a corrupção era evidente nesse período de antes do 25 de Abril, ela permanece nas instituições militares atualmente, como no correr dos dias vamos lendo nos órgãos de comunicação. (...)
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terça-feira, 10 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20720: (De)Caras (147): O que é feito destes 'putos-soldados' da CART 11 e da CCAÇ 12 ? (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Samba Baldé (Cimba), nº mec 82110969... Futuro Ap Metr Lig HK 21, 3º Gr Com 3º Gr Comb [Comandante: alf mil inf 01006868 Abel Maria Rodrigues [, bancário reformado, Miranda do Douro], 1ª secção [fur mil at inf Luciano Severo de Almeida, já falecido]...  De origem fula.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 > Salu Camara, nº mec 82103469. Provavelmente de origem futa.fula. Integrou a CART 11.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Narço de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 >  Sori Baldé, nº mec 82111069,  De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold at inf. Pertenceu O 4 º Gr Comb [, comandante: alf mil  at cav  10548668 José António G. Rodrigues, já falecido, vivia em Lisboa], 3º secção [1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação, vive em Barcarena]... [O Valdemar Queiroz identifica-o, erradamente, como sendo o Tijana Jaló, esse sim, devia pertencer à CART 11, mas com outro nº mecanográfico... Estou bem recordado do Sori Baldé, um dos meus soldados, quando estive no 4º Gr Comb.]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Mamadu Jaló, nº mec 821179669, De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold arvorado. . Pertenceu ao 1 º Gr Comb 3ª secção [, fur mil at inf 19904168 António Manuel Martins Branquinho, reformado da Segurança Social, Évora, já falecido]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > 1º trimestre de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Alceine Jaló, nº mec 82114669, De origem futa ou futa-fula. Pertenceu à CART 11.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar  > c. março / abril de 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé, Sori Baldé e Umarau Baldé (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12).

Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local. Os da CCAÇ 12 eram fulas, oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]


Data: terça, 5/11/2019, 23:22

Assunto: O que será feito dos 'Putos-Soldados' do CIM de Contuboel

O que será feito dos 'Putos-Soldados'?

Passaram 50 anos que muitos 'putos' foram chamados prá tropa e receberam instrução militar em Contuboel-

Alguns apresentaram-se descalços, com as suas roupas usadas habituais e notava-se que eram muito jovens, mas diziam que tinham 18 anos.

Soube-se mais tarde que houve situações de recrutamento forçado, mas na maioria apareceram com vontade ser soldados. 'Manga de ronco' e 'manga de patacão' que lhes iria acontecer.

Não sabemos, eu não sei nem me lembro de contarem, como foram contactados e por quem (régulo/chefe de tabanca), e se lhes foi dito que iriam ser soldados para entrarem directamente na guerra, que eles já tão bem conheciam.

Não sei se vieram assentar praça, como um serviço militar obrigatório se tratasse, com a diferença de serem ainda menores, ou como uma espécie de voluntariado forçado (ideias de Spínola a fazer lembrar o recrutamento de crianças pelos nazis no final da guerra?).

E assim se formaram a CART.11 e a CCAÇ.12.

Também não soubemos se queriam ser soldados para fazerem guerra contra os 'bandidos' ou para ajudar (como já acontecera em séculos anteriores) os portugueses na guerra contra, neste caso, o PAIGC que queria a independência da Guiné.

Mas, a guerra acabou. Felizmente a guerra acabou.

Os 'putos-soldados' deixaram de ser soldados do Exército Português e passaram, automaticamente, à peluda da sua desgraça. Muitos houve que fugiram para não serem sumariamente executados, muitos outros não tiveram essa sorte e foram assassinados, os restantes resignaram-se voltando, já homens, às suas tabancas para serem o que já tinham sido. Foi sempre assim quando acabam as guerras.

E passados 50 anos o que será feito daqueles que conseguiram sobreviver?

Os que eram mais jovens devem ter, agora, 66/67 anos de idade. O que será feito deles?

Julgo que eram todos Fulas e maioritariamente eram das regiões de Gabu/Piche, os da CART.11, ou de Bambadinca/Xime, os da CCAÇ.12.

O Alceine Jaló era do meu Pelotão, casou-se muito novo com uma bajuda (Saco ou Taco?) e levou-a com ele para Guiro Iero Bocari. As mulheres e os filhos dos nossos soldados também dormiam connosco nas valas e aí aguentavam quando havia ataques à tabanca.

O que será feito deles?

Gostava muito de saber deles e peço um favor muito especial ao nosso grande amigo Cherno Baldé de tentar saber se eles ainda são vivos.

Como curiosidade com os 'putos', havia quatro soldados arvorados, e frequentavam a escola de cabos, em cada Pelotão sendo a escolha feita entre eles e um da nossa escolha. Dos quatro do meu Pelotão o da nossa escolha recaiu no Saliu Jau por ser impecável, mas deu algum recusa por parte dos restantes por o considerarem 'ser djubi mesmo pra cabo'.

Valdemar Queiroz

PS - Anexo fotos de alguns 'putos-soldados' , falta a do Umaru Baldé, talvez o 'puto mais puto', e que me foi oferecida quando estive com ele na Amadora.


2. Resposta do editor Luís Graça:

Valdemar, folgo em saber de ti... E obrigado pela tua "lembrança"... Reconheço estes putos ou pelo menos três, os que pertenceram à CCAÇ 12, e que fizeram a guerra comigo (*)...

Quanto ao Umaru Baldé [c. 1953-2004), o "menino de sua mãe", tens aqui uma foto dele, à direita... Ele tem mais de vinte referências no nosso blogue. 

Soldado do recrutamento local, nº 82115869, tirou a recruta e a especialidade no CIM de Contuboel. Foi exímio apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo at inf  da CCAÇ 12 (1969-1972), no 4º Gr Comb,  3ª secção [, comandada pelo fur mil 11941567 António Fernando R. Marques: DFA, vive em Cascais, empresário reformado, membro da nossa Tabanca Grande].

O Umaru Baldé [, que era de Dembatacpo ou Taibatá, tendo sido  recrutado em 12/3/1969], foi depois colocado,em 1972,  em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, onde ficou até ao fim da guerra. Conheceu, em mais de metade da vida, a amargura e a solidão do exílio. Veio morrer a Portugal, no Hospital do Barro, Torres Vedras. Contou apenas com o apoio e a ajuda de alguns dos seus antigos camaradas de armas.

Valdemar: se me mandaste,  em tempos, este material que agora se publica , ficou para aí na "picada"... Vá temos falado sobre este tema, que nos é caro, a nós os dois (**).

Afinal, fomos instrutores destes putos, no CIM de Contuboel e eles estiveram sob as nossas ordens na guerra, tu na região de Gabu, setor de Nova Lamego, eu na  região de Bafatá, setor L1 (Bambadicna) Foram extraordinários soldados e grandes camaradas, estes "meninos-soldados" (***).

Vamos ver se alguém mais se recorda destes nossos putos, "meninos de sua mãe", parafraseando o título de um extraordinário, pungente, poema de Fernando Pessoa.

3. Aproveito para reproduzir aqui um comentário meu que já tem 14 anos, sobre  "a lista dos Baldés" da CCAÇ 12, e que volto a subscrever: eram 100 os "baldés", que foram integrados na CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, muitíssimos poucos estarão vivos hoje, talvez menos de 5%  (****):

(...) É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau (...), outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... 


Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo de da especialidade de armas pesadas, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.

Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Basora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em junho e julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a insustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas. (...)

___________



(***) Último poste da série > 12 de fevereiro de  2020 > Guiné 63/74 – P20644: (De) Caras (119): Um pequeno texto, cuja essência teve o BLOGUE na sua concepção (António Matos)

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18904: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (108): O Carlos Silvério, nosso futuro grã-tabanqueiro... n.º 783... Encontrei-o na Lourinhã e ele contou-me o seu... "segredo" ... Também me disse que morou em Bissau, na rua do "Chez Toi", quando lá esteve, casado, com a Zita, em 1972/73...


Oeiras > Algés  > 35.º almoço-convívio da Tabanca da Linha > 18 de janeiro de 2018 >  "O Carlos Silvério, meu amigo, camarada, vizinho e conterrâneo... Veio com a Zita. O casal é lourinhanense... 'Periquitos', na Tabanca da Linha. Ele, furriel miliciano,  da CCAV 3378, andou pelo Olossato e por Brá, antes de a gente fechar as portas da guerra, entre abril de 1971 e março de 1973. A Zita esteve com ele em Bissau... Já o convidei meia dúzia de vezes para se sentar à sombra do nosso poilão... Mas ele diz que prefere o sol... Lugares ao sol..., não temos na Tabanca Grande, só à sombra... Espero que ele ainda entre ao 7.º convite... Ficou a ponderar: parece que o problema é a foto... fardada. Enfim, temos que compreender e respeitar quem tem alergias às fardas" (*)...

Foto: © Manuel Resende (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Encontrei, este domingo passado, o meu amigo e camarada Carlos Silvério (**). Tinha vindo à missa da tarde, aqui na igreja da Lourinhã. Perguntei-lhe pela saúde da sua esposa Zita,  bem como  pelo padre Batalha, prior da freguesia de Ribamar onde ele mora (, e que é um grande amigo da Guiné-Bissau)... Um vai passando melhor, a outra, lá vai lidando (mal) com os seus problemas de coluna... Bem diz o povo: "Até aos quarenta bem eu passo, depois dos quarenta, ai a minha perna, ai o meu braço!"...

Como não podia deixar de ser, sempre que o reencontro, voltei a perguntar-lhe, pela enésima vez, quando é que ele tem pronta (leia-se: digitalizada...) a tal foto do tempo da tropa ou da guerra... Garantiu-me que sim, que a foto já está digitalizada pela sua filha e só ainda não a mandou porque está à espera do nº... 783 para formalmente pedir a inscrição no blogue...

Porquê este "fétiche", esta obsessão com o n.º 783?... Nós só vamos no n.º 776 (***). Faltam, portanto, 7 números para chegarmos ao 783, altura em que ele se quer inscrever... Em boa verdade, e ao ritmo de entrada de novos membros da Tabanca Grande, só daqui a dois ou três meses é que ele nos dará a honra da sua presença, sentando-se então à sombra do nosso poilão...

Ele já tinha feito essa confidência ao nosso coeditor Carlos Vinhal. E, respeitando a sua vontade, vamos ter mesmo que honrar seu pedido. Que é uma ordem, tratando-se de uma camarada da Guiné, e para mais filha da Lourinhã... Vamos então reservar esse número, o 783, para ele.

Vamos lá explicar melhor, para que não se pense que é um capricho dele... O 783 era o seu número de soldado-instruendo na recruta, em Santarém. Acabada a recruta, e quando ele se preparava para ir uns dias de férias, andava a passear com a sua Zita nas ruas de Santarém, quando passa rente a um major de cavalaria... Distraído com a namorada, mal deu conta dos galões amarelos do oficial superior que lhe fez a tangente... Mas ainda foi a tempo de se virar e de lhe bater a pala... O major continuou o seu caminho, mas, matreiro ou sacana, foi dar uma volta e, logo mais à frenre,  virou em sentido contrário  para o apanhar de frente. O Carlos desta vez não foi apanhado desprevenido e fez-lhe, corretamente, a devida continência... Mas o senhor oficial estava mesmo determinado em lixá-lo. Tirou-lhe o número (o 783) por causa da desatenção anterior.

Resultado: quando o Carlos Silvério chegou ao quartel, já tinha a participação do major... Enquanto o  resto do pessoal (cerca de 400)  foi gozar unsmerecidos  dias de licença em casa, o Carlos ficou de castigo no quartel... Seguindo depois diretamente, de Santarém para Tavira,  para o CISMI, numa penosa viagem de comboio que levou toda a noite, ...

Compreensivelmente, o Carlos Silvério "ficou com um pó" aos oficiais de cavalaria, em geral, e aos majores, em particular, nunca mais se esquecendo do seu azarento n.º 783 da recruta em Santarém. Ele é primo do tenente general reformado Jorge Manuel Silvério, nascido em Ribamar, em 1945, e já lhe contou em tempos esta peripécia que o deixou desgostoso em relação à instituição militar...

Está, pois,  explicado o "mistério" do n.º 783... e o desejo de só entrar para a Tabanca Grande depois do n.º 782...

2. Também me disse que gostou muito de ler a minha "short story" sobre o "Chez Toi" (****). Ele morava em Bissau, depois de vir do Olossato, com a Zita, já casado, justamente na rua do "Chez Toi"... Já não se lembra do nome da rua, só sabe que ia dar à  messe dos sargentos da Força Aérea (*****).

De resto, era complicado sair e entrar, numa rua "mal afamada" como aquela, sobretudo de noite, para uma jovem branca, casada, como era o caso da Zita.

Ficamos a saber, pelo depoimento do Carlos Silvério, que o "Chez Toi" existia (ou ainda existia) em 1973/74... Ele e a Zita costumavam ir ao Pelicano jantar e também comer ostras numa casa ali perto.. Eram 25 pesos uma travessa... Também costumavam comprar camarão, acabado de apanhar no Rio Geba, às vendedeiras locais que por ali passavam...

Boa noite, Carlos, fica registado o teu pedido e é hoje divulgado o teu desejo de seres o nosso grã-tabanqueiro n.º 783... Esperemos que, rapidamente, apareçam seis camaradas ou amigos da Guiné para perfazermos o teu número. Fica aqui a nossa promessa: o 783 fica reservado para ti!...

Um beijinho para a Zita, com votos de rápidas melhoras.
Um alfabravo para ti.

(LG)
____________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 22 de janeiro de  2018  > Guiné 61/74 - P18241: Convívios (839): 35º almoço-convívio da Tabanca da Linha, Algés, 18/1/2018 - As fotos do Manuel Resende - Parte II: Tudo gente magnífica... "Caras novas", com destaque para o pessoal da CART 1689, camaradas dos escritores Alberto Branquinho e José Ferreira da Silva

(**)  Último poste da série > 15 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17474: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ... é Grande (108): Na Lourinhã, fui encontrar o ex-1º cabo at inf Alfredo Ferreira, natural da Murteira, Cadaval, que foi o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... e que depois da peluda se tornou um industrial de panificação de sucesso, com a sua empresa na Vermelha (Luís Graça)

(***) Vd. poste de 2 de agosto de 2018 >  Guiné 61/74 - P18891: Tabanca Grande (466): Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73; ex-aluno dos Pupilos do Exército, transmontano, vive em Carcavelos, Cascais. Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 776.

(****) Vd. poste de  4 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18895: Estórias de Bissau (18): Uma noite no Chez Toi: o furriel Car…rasco, meu anjo da guarda... (Luís Graça)

(*****) Segundo o nosso amigo Nelson Herbert,  jornalista guineense  que para a América, era aí que ele e os putos seus amigos brincavam com o seu "primeiro carro de rolamentos", utiliziando para o efeito o "declive que ia dos serviços metereológicos/Boite Cabaret Chez Toi... no cimo da então nossa rua, Engenheiro Sá Carneiro [, subsecretário de Estado das Colónias, que visitou a Guiné em 1947, ao tempo do Sarmento Rodrigue]"...  Essa rua era "a mesma da Praça Honório Barreto, do Hotel Portugal, do Café Universal, do Restaurante ou Pensão Ronda... já agora que ia dar ao cemitério, passando lateralmente pelo hospital" e indo dar "à messe dos Sargentos [da Força Aérea]"...

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17968: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 2: A recruta no Porto


José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74. Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo hoje autor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Senta-se debaixo do poilão da Tabanca Grande no lugar nº 756.


Fotos: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O autor em Amarante, onde vive hoje, reformado como bate-
chapas. 
1. Prosseguimos a pré-publicação do próximo livro do nosso camarada José Claudino Silva, de quem o nosso editor recebeu hoje a seguinte mensagem:

Estás à vontade para o que quiseres publicar em relação ao que te enviei.

Só irei publicar o livro no próximo ano. Consegui um excelente preço por exemplar e tenho um amigo a corrigir-me o texto, o  que ainda demora uns dias.

Logo que o livro esteja pronto vou propor fazer apresentações por todo o país nos eventos organizados pelas várias associações.A  minha real prioridade é, através dessa ideia, viajar e aproximar o quanto possível todos os ex-combatentes. Se vendo ou não algum livro é irrelevante.

Quero conhecer histórias como a minha e só assim o poderei conseguir. Nestes últimos tempos percebi que cada classe hierárquica tem uma visão diferente da guerra colonial e quero ao meu jeito verificar as discrepâncias que noto nos vários relatos.
Será o meu contributo para memória futura.

Um enorme abraço. Claudino


2. Resposta do nosso editor:

Obrigado, José Claudino,  pela tua rápida resposta às minhas dúvidas sobre o que publicar ou não da versão (ainda em revisão) do teu terceiro livro. O que estamos a fazer é um pré-publicação da versão que me mandaste (119 pp., com cerca de 70 pequenos capítulos).

Já foram publicados bastantes livros de autores que são membros da nossa Tabanca Grande. E praticamente todos editados  primeiro no blogue (nalguns casos, depois...), num série.  Esse facto não lhes retirou leitores, antes pelo contrário. O que é importante é fazer a promoção do livro, aqui e através de sessões de lançamento em vários pontos do país, nos nossos encontros. Podes contar connosco para isso e não só: se precisares de alguém para te escrever um prefácio ou fazer a apresentação do livro podes contar comigo e outros camaradas da Tabanca Grande.

Parabéns por já teres um editor, ou um gráfica, que te apresentou um orçamento em conta. Fazes bem em mandar fazer uma boa e completa revisão de texto, aspeto que muitas vezes é descurado por quem publica pela primeira vez, ou em editoras que te obrigam a pagar a parte a revisão de texto.  Nada é mais desagradável, para quem compra um livro, do que ver um texto, em papel (ou em suporte digital...) demasiado "gralhado".. Uma coisa é uma gralha ou outra que escapa ao revisor de texto. Outra coisa, é teres erros de ortografia, sintaxe, pontuação, formatação, impressão, etc.

Obrigado pela tua generosidade. Prometo que vais ter leitores desta tua série, atentos, interessados e críticos, se bem que solidários e generosos.  Um alfabravo do editor LG


4. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 2:  A recruta [no Porto]

[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. Por outro lado, respeitamos a vontade do autor de, aparentemente, não seguir o Acordo Ortográfico em vigor. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Prátia", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]


2º Capítulo: A RECRUTA

No dia 4 de Janeiro de 1972 escrevia a primeira carta como soldado.

“Isto aqui é bestial a comida até nem é muito má. Não devo ir a casa pois não me deram a farda”- Para no dia 10 escrever. “Agora já sei marchar, se não, o alferes manda dar-me uma carecada. Ai o meu cabelinho já o tenho curto de mais e ele ainda acha que está grande!” Sem dramas, acrescentava: “O papel que meti para sair por amparo familiar não vale nada. Paciência tenho de gramar 3 anos.”

Interessante, foi a frase da minha avó, quando me viu fardado pela primeira vez;
Ai Dino! O que te fizeram!

Logicamente, 15 dias depois já me apetecia dar um tiro, ou pôr uma bomba naquela merda toda, só que ainda não sabia disparar. Nem fazer bombas. Também a comida, que entretanto mudara de nome para rancho, já não era tão boa. Felizmente, dia 21 ia haver uma festa no quartel e eu ia estar de faxina, na cozinha.

Após um mês de recruta, mais precisamente no dia 8 de Fevereiro [de 1972], um pouco melancólico, escutava, à noite, a canção “Mais dans la lumière” de Mike Brant, um cantor pop de origem israelita que viveu entre o sucesso e a tragédia (suicidou-se em Abril de 1975 com apenas 28 anos,em Paris).. Mesmo não sendo fã dele, naquele tempo era bastante famoso e o título agradava-me. Embora não soubesse francês, consegui saber que significa. “Mas na luz”. Se a música era sobre a luz, a minha vida tinha tudo para nos próximos anos, ser muito escura.(**)

Ser recruta na cidade do Porto foi muito interessante. Mais de metade dos meus camaradas de armas nunca tinham saído das suas aldeias e eu, que já tinha visitado o Porto muitas vezes, acabei por ser o guia de alguns. Escusado será dizer que os locais, aonde mais os levava, eram locais de má fama; mas quem acabou por ter má fama fui eu. Já havia quem me considerasse um autêntico gigolô. Que culpa tinha eu de conhecer o Porto, da Via Norte à Rua Escura? E mais. Pagarem-me um café, ou uma gasosa, por os guiar até lá. Eu nem bebidas alcoólicas bebia. Se queria algum favor, de uma das mulheres, tinha de pagar como os outros. Excepto a Luísa, mas essa gostava mesmo de mim!

(Continua)
________________

Notas do editor:

(*) Vd. primeiro poste da série > 11 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17961: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 1: Aprovado para todo o serviço militar

(**) "Mais dans la lumière", de Mike Brant

Letra (aqui com a devida vénia)

L'ombre étend son manteau
Et ton corps est déjà bien plus chaud
Et je vois dans tes yeux
Une larme, un aveu.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
C'est une arène d'or où
Je me bats au corps à corps.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient, je t'adore
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
C'est une eau bleue qui dort où
Je me baigne encore

La nuit revient bientôt
Pour éteindre le feu de ma peau
Et mon sang n'est plus fou
Car tes yeux sont trop doux-

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime-

Mais dans la lumière
C'est une arène d'or où
Je me bats au corps à corps.
Òù je me bats au corps à corps,
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort, je t'aime
Je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
C'est une arène d'or où
Je me bats au corps à corps.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime
Mais dans la lumière-

Autor: Renard Jean
Compositeur: Renard Jean
Editor: Editions Des Alouettes,Amplitude Editions Musicales
Para saber mais:

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17905: (D)o outro lado do combate (13): Jovens recrutas do PAIGC... (Jorge Araújo)


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Pasta: 05222.000.172 > Título: Jovens durante treino militar para o Exército do PAIGC > Assunto: Jovens durante treino militar para incorporarem o Exército do PAIGC e a luta de libertação nacional > Data: 1963-1973 >  Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.

(Reproduzido com a devida vénia...).

1. Mensagem do Jorge Araújo, nosso colaborador permanente, com data de hoje:

Caro Luís,

Parabéns pela tua síntese/reflexão construída a partir dos meus últimos postes sobre as propostas de Amílcar Cabral (AC) a Sekou Touré (ST) (setembro de 1972).

Caso entendas incluir uma foto dos jovens guineenses em instrução (futuros guerrilheiros do PAIGC) no poste  P17902 (*), aqui vai uma...

Citação:
(1963-1973), "Jovens durante treino militar para o Exército do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43792 (2017-10-25)

Ab.
Jorge Araújo.



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > Centro de Instrução Militar de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno, Sori e Umarau (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local.

Foto: © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentário do editor LG:

Obrigado pela foto dos "jovens recrutas" do PAIGC. "Arrebanhados à força" ? De facto, não têm, aparentemente,  as caras mais felizes do mundo...  Vão a marchar, é certo, a aprender "a ordem unida", que é o princípio da disciplina militar em toda parte...Vão mal fardados..

Já na foto que acima se publica, de instruendos do CIM de Contuboel (talvez de finais do 1º trimestre ou início do 2º trimestre de 1969), tens outros recrutas, com "outro ar"... Quem está "mal fardado" é o graduado metropolitano, o fur mil Valdemar Queiroz... O jovem (ou adolescente, mais corretamente) da direita, o mais pequeno, com ar de "djbi",  o Umaru Baldé (1953-2004) (membro a título póstumo da nossa Tabanca Grande), escreveria mais tarde, refugiado em Portugal,  o seguinte sobre o seu recrutamento e partida para a tropa, em carta comovente,  sem data, enviada ao Valdemar Queiroz ("Amor Nunca Acaba"):

O Umaru Baldé um ano e picos depois,
já combatente calejado  da CCAÇ  12 (1969/71), 
em Bmbadinca,  ao tempo da CCS/BART 2917 (1970/72).
Foto de Benjamin Durães (1970).
(...) "Ninguém esquece o passado, seja bom ou mal, eu  me lembro do dia 12 de março de 69, quando fui chamado para a vida militar portuguesa. Na verdade eu tinha poucos anos de idade e era filho único de meu pai. Minha mãe revoltou-se, dizendo que eu não tinha idade para ir para a guerra. Mas o alferes, que tinha vindo para nos levar, não podia ouvir esse grito de revolta. O alferes disse: 'Somos todos portugueses,  viemos de muito longe para defender a Pátria Portuguesa, e então,  para o povo saber que em Portugal não há raças nem cores, todos os cidadãos têm que ir cumprir o serviço militar português'.

"Minha mãe chorou, e disse: 'Ai, meu Deus, tenho o meu único filho que me vai deixar para ir morrer na guerra'... Essa data foi dia de tristeza e de lágrimas para o povo de Dembataco e de Taibatá. E lá ficamos até às 4 horas da tarde para depois entrarmos nas viaturas militares e sguirmos para Bambadinca" (...) 

[Revisão e fixação de texto: LG] (**)

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17777: O que é feito de ti, camarada (7): Coelho, meu colega de escola (até à 3ª classe, nos Casais da Vestiaria, Alcobaça), e que fez comigo a recruta, em 1971, no CICA 4 (Centro de Instrução de Condução Auto), Coimbra... Depois perdi-lhe completamente o rasto (Juvenal Amado)


Foto nº 1 A


Foto nº 1 B


Foto nº 1 - Coimbra > CICA  (Centro de Instrução de Condução Auto) 4  > 1971 > Camaradas da recruta.  Ao meu lado (foto nº 1 A), o Coelho, meu colega de escola (até à 3ª classe), nos Casais da Vestiaria, Alcobaça.

Foto (e legenda) © Juvenal Amado (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em mensagem de 17 de julho de 2017, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74),  enviou-nos um poema de sua autoria, "Tempo" (*), e a seguinte nota:.

"Carlos e Luís,  nesta foto tínhamos dias de recruta no CICA4 em Coimbra.

Só me lembro do nome do camarada mesmo ao meu lado direito. Chamava-se Coelho, andamos os dois na escola primária até à 3ª classe,  nos Casais da Vestiaria, deixei de o ver quando vim morar para Alcobaça onde fiz a 4ª a classe e me empreguei.

Reencontrei-o na recruta em 1971, depois voltámo-nos a perder de vista nas voltas que a vida dá."


2. Comentário do editor:

Juvenal,  está tudo dito no belo poema que escreveste sobre o "Tempo" (*)... Muita da poesia que os poetas escrevem é sobre esta "matéria", o tempo que nos escapa das mãos, como areia do deserto, e as nossas memórias esburacadas e doridas...  

O que é será feito do Coelho, teu colega de escola  (**) ?  Tu foste parar à Guiné, e o Coelho (e outros "filhos  dos monges cistercenses de Alcobaça") ?  Foi mobilizado, para Angola, Guiné ou Moçambique ? Foi para a peluda ?  Regressou  "são e salvo" do ultramar ? Emigrou ? Casou, teve filhos ? É vivo ? Se sim, por onde pára ?... É muito pouco provável que conheça o nosso blogue e te/nos descubra... A tua foto tem 46 anos... Mas, mesmo assim, "o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca.. é Grande!",,, 

(...) Na neblina julgo ver vultos,
fugazmente vislumbro algo indefinido,
vejo jovens enlaçados que flutuam,
não sabem ainda que a juventude
é um momento fugaz,
é uma pétala que se solta,
que se esmaga entre os dedos
e solta a fragância.
Esse é o aroma do tempo que passa,
e os cemitérios são os nossos fieis depositários (...)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17604: Blogpoesia (520): Não é possível conservar o tempo (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto)

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17592: Efemérides (260): O dia em que entrei para a tropa... Foi há 50 anos, em 10/7/1967, na EPC, Santarém (Valdemar Queiroz, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]



Samtarérm > Escola Prática de Cavalaria > Abril 1971. Junto à entrada da EPC,  o Augusto Silva Santos, ladeado pelos camaradas Lúcio e Miguel Ângelo.

Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2014). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O DIA EM QUE ENTREI PRÁ TROPA


[, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]



Quem, de nós, não se lembra do dia em que entrou prá tropa?

Eu lembro-me. Faz agora 50 anos.

Foi no dia 10 de Julho de 1967, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, para o CSM [, Curso de Sargentos Milicanos]. Já tinha 22 anos e, até hoje, não sei a razão por ter sido chamado tão tarde.

Tinha estado, uns dias antes, na Portugália, em Lisboa, a jantar ou, melhor, a comer o bife ‘à Portugália’ com um amigo que ia para Santarém horas depois ou, talvez fosse a um sábado, não me lembro bem. Contou-me que estava na EPC. no Curso de Sargentos Milicianos.
− Eu, também, vou pra lá no dia 10 −  digo-lhe eu. 
− Estás lixado, tens que ser engraxador, polidor de metais e soldadinho de chumbo como o ‘Mouzinho’ e explicou-me o que devia levar e o que lá devia fazer, senão, depois, não ‘vens a fim de semana’, disse ele.

Cheguei a Santarém.  Fui o primeiro a entrar ao Quartel ‘Destacamento’ da EPC., cá em baixo na cidade, na parte da tarde. Levava escovas e latas de graxa prás botas e solarine prós amarelos, na bagagem. 

O Cândido Cunha, que eu não conhecia e que havia de me acompanhar na recruta, na especialidade e até ao fim da tropa, incluindo na mesma CArt. na Guiné [, a CART 2479 / CART 11], também fazia parte deste grupo de recrutas. Fomos encaminhados prós testes psicotécnicos dos dominós e outros pra saberem as nossas capacidades. 

Depois fomos receber o fardamento. Deram-nos o fardamento adequado com a particularidade de nos ser fornecido umas fitas vermelhas/verdes largas e compridas para serem cosidas na boina, assim como um cartão para ser colocado na parte interior/superior da boina para suporte das Espadas de Cavalaria e, também, uns elásticos para segurar/enrolar o final das calças entre as fivelas das botas pra ficarem a ‘golf à Mouzinho’. 

Depois, no final da tarde, já com tudo organizado e equipado viemos prá parada e eis que surge a primeira tropa a sério: 
− Quem dos presentes percebe de laranjas? − foi perguntado. 
− Nós!− , responderam alguns,  e lá foram estes descascar batatas no refeitório pró jantar. 

Espectacular!!!... Até dá gosto ter estado na tropa. Com as botas bem engraxadas e com os ilhós dos atacadores e das duplas fivelas dos plainitos brilhantes/reluzentes como as Espadas da Cavalaria da boina começamos a sair prá cidade e a visitar a família aos fim de semana.

Quem me dera ter agora vinte e dois anos.

Valdemar Queiroz

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17498: Efemérides (259): Dia do Combatente Limiano - 6.ª Homenagem do Concelho de Ponte de Lima aos seus 79 Heróis Militares caídos em combate pela Pátria, 27 na I Grande Guerra e 52 durante a Guerra do Ultramar (António Mário Leitão, ex-Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda)

segunda-feira, 17 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12847: Brochura, "Soldado! Coisas importantes que deves saber", 5ª ed. [Lisboa: SPEME, 1970, 14 pp.] (II e última Parte) (Fernando Hipólito / César Dias)




















Reprodução da  II e última parte  (pp. 1, e 7 a 14)  da brochura de 14 páginas, "Soldado!, Coisas importantes que deves saber. Aos jovens soldados do Exército Português", ª ed. [Lisboa: SPEME - Serviço de Publicações do Estado Maior do Exército, 1970, 14 pp.].(*)

Este exemplar pertence ao nosso novo grã-tabanqueiro, nº 650, Fernando Hipólito (**), e chegou-nos às maõs, devidamente digitalizado por gentileza e generosidade do César Dias. Aos dois o nosso muito obrigdo.