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domingo, 30 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27479: Recortes de imprensa sobre o império colonial (1): Sociedade Agrícola do Gambiel, Lda, Aldeia do Cuor, Bambadinca: entrevista a um administrador ("Portugal Colonial", nºs 55-56. set/out 1935)

 














Fonte: Excertos de Portugal Colonial: Revista de Expansão e Propaganda Colonial (Diretor: Henrique Galvão, 1895 - 1970-), Lisboa, nºs 55-56, setembro / outubro de 1935, pp. 12-13 (Cortesia de Câmara Municipal de Lisboa / Hemeroteca Digital)

Veja-se aqui a excelente ficha história sobre a recvista mensal "Portugal Colonial", de 9 páginas,  de Rita Correia. Publicaram-se 72 números, de março de 1931 a fevereiro de 1937. 

(...) Entre todas as colónias, Angola foi a que mereceu maior atenção, sobretudo nos primeiros anos. O assunto era caro ao diretor da Portugal Colonial, que ali viveu uma curiosa experiência, entre 1927 e 1929, que o catapultou da condição de degredado à de governador da província de Huila. 

Mas sobretudo porque a crise económica de Angola, filiada numa não menos gravosa crise financeira, teve um impacto significativo na vida da metrópole. Desde logo porque significou uma quebra nas trocas comerciais entre ambas, mas que foi mais penalizadora para a produção nacional,  em particular para a indústria têxtil e o setor dos vinhos, repercutindo-se também na atividade da marinha mercante, nas receitas tributárias, e nas transferências bancárias. 

MoDepois, porque desencadeou uma sequência de episódios e decisões que contribuíram para a clarificação do quadro político da Ditadura Militar, instituída pela revolução de 28 de Maio de 1926. (...) 


1. Há muitas referências no nosso blogue a esta Sociedade Agrícola do Gambiel Lda, que foi um fiasco, bem como ao regulado do Cuor, à Aldeia do Cuor, e ao rio Gambiel... 

Estes eram domínios do "Tigre de Missirá", o nosso amigo e camarada Mário Beja Santos (cmdt, Pel Caç Nat 52, 1968/70). Ele ainda hoje fala do Cuor com emoção e paixão.

 E outros camaradas do nosso blogue, como o saudoso Jorge Cabral,  cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) bem como a malta da CÇAÇ 12 (eu próprio, o Humberto Reis, etc.), temos recordações ainda muito vivas desses lugares, que palmilhámos muitas vezes, em patrulhamentos ou a caminho de operações mais a norte... 

Mas eu, pessoalmente, já não me recordo de ver os restos das instalações e das máquinas da Sociedade Agrícola do Gambiel Lda, se é que ainda existiam no nosso tempo... O Beja Santos julgo que sim, deve lá ter andado a vasculhar o sitio... 

Para quem ainda acredita, piamente, que o colonialismo  (português) nunca existiu, leia, com o devido distanciamento e espirito critico, este resumo de uma entrevista, que tem 90 anos, ao então administrador desta empresa agrícola, o ribatejano Sebastião Nunes de Abreu (que veio em 1930, de Angola, para se enterrar naquelas terras palúdicas do Cuor). 

Em 1935, ainda havia a distinção entre portugueses da metrópole, "assimilados" e "indígenas"... Mas uma empresa agrícola como aquela, onde foi enterrado bastante dinheiro em máquinas e equipamentos, não conseguia recrutar gente para nela trabalhar...

O entrevistador foi Armando de Landerset Simões, que  terá nascido em Moçambique, Caconda, em 1909. Além de funcionário da administração colonial, foi escritor e etnógrafo, tem 8 referências na Porbase. como Simões Landerset. Destaque para a sua obra, "Babel negra: etnografia, arte e cultura dos indígenas da Guiné" (Porto, Oficinas Gráficas de O Comércio do Porto, 1935) (prefácio de Norton de Matos).


2. Para melhor contextualizar a entrevista, acrescente-se que, em 1935, o diploma legal que regulava o trabalho indígena nas colónias portuguesas, incluindo a Guiné, era o Código do Trabalho dos Indígenas nas Colónias Portuguesas de África (sic), aprovado pelo Decreto n.º 16:199, de 6 de Dezembro de 1928.

Este Código estabelecia o regime jurídico do trabalho para os africanos considerados "indígenas" e tinha caráter obrigatório, embora a legislação colonial o apresentasse como uma forma de combater a "ociosidade" e promover a "civilização" (sic).

Todo o "indígena" á partida "não gostava de trabalhar": este era o preconceito básico do administrador, do chefe posto, do colono, do comerciante, de missionário e do soldado. Logo, "era preciso obrigá-lo". 

Principais aspetos do Código de 1928:

(i) Obrigatoriedade: impunha o trabalho obrigatório aos indígenas do sexo masculino, com exceções limitadas (como régulos, sobas e outros  chefes gentílicos, repatriados por seis meses, e homens alistados no exército);

(ii) Curador: criava a figura do "Curador dos Indígenas" e seus agentes (delegados, administradores), responsáveis pela "proteção, tutela e fiscalização" dos trabalhadores, mas também por distribuir os encargos de trabalho;

(iii) Contratos: regulava os contratos de trabalho, estabelecendo direitos e deveres para patrões e trabalhadores, mas com garantias que, na prática, permitiam o uso de métodos coercivos por parte dos patrões para manter a disciplina e evitar o abandono do trabalho (veja-se o drama dos "contratados" das roças de São Tomé);

(iv) Estatuto diferenciado: este Código integrava um sistema jurídico mais amplo que consagrava a inferioridade jurídica do indígena, afastando-o da legislação civil e penal aplicável aos cidadãos portugueses da metrópole (o chamado "Estatuto do Indigenato");

(v) a legislação sobre o trabalho indígena, depois de muitas críticas  (de instâncias internacionais como  a OIT - Organização Internacional do Trabalho, etc. ) foi posteriormente revista e alterada ao longo do período colonial, sendo o Código de 1928 substituído pelo Código do Trabalho Rural em 1962, através do Decreto n.º 44309.



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955)   (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Aldeia do Cuor, Rio Gambiel (afluente do Rio Geba), Missirá, Fá Mandinga e Bambadinca, uma das regiões mais exuberantes da zona leste, pela sua vegetação e hidrografia... 

O rio Geba (Estreito) entre o Xime, Mato Cão, Bambadinca e Bafatá espraiava-se por aquelas terras baixas como uma autêntica cobra, e originava riquíssimas bolanhas e lalas. No tempo das chuvas, redesenhava-se o curso do rio.  Imaginem uma viagem, de  "barco turra" no Xaianga (ou Geba Estreito).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)

12 comentários:

Antº Rosinha disse...

Só por uma destas, jamais perdia a oportunidade de seguir est blog.

Esta de o africano ser indolente, de o indígena ser preguiçoso, não gostar do trabalho, neste caso agrícola, fazer calos, aos olhos do "branco" foi e é sempre curiosidade enorme aos olhos de qualquer branco europeu.
Mas como eu vivi quase toda a vida profissional minha no meio de indígenas em Angola e Guiné, africanos em Portugal também, "afrodescendentes" no Brasil, antes e depois das independências, e assisti à reacção psicossocial afamada «tipo Spínola» e militares, e à psico de alguns partidos aqui em Portugal, muito semelhante àquela, sempre que surge este assunto volto a ter menos quase 65 anos.
E como sei como o PAIGC e o MPLA e os seus dirigentes "obrigaram" os portugueses, os chineses, franceses e muitos outros a trabalhar no duro, e os seus indígenas a assistir à sombra da bananeira, da mangueira, terei que um dia contar casos inacreditáveis, apesar de ser tropego a escrever.
Assim limito-me a comentar, como vais ser com este post, com dois ou três velhíssimos sobreviventes colegas meus que passaram o que eu passei.
Sei que eles ficam bem dispostos.

O administrador da Gambiel, que eu conheci como estância turística em 1990, esse administrador fazendeiro, ainda devia ser muito novato quando fez aquelas declarações, ainda não tinha entrado na rotina, ainda estava duro de cintura.


Tabanca Grande Luís Graça disse...

"Trabalho se fez para burro e português", dizia o malandro do carioca.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

E aqui sempre tivemos como termo de comparação o outro.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Trabalhar que nem um preto.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Trabalhar que um galego.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Trabalhar que nem um mouro

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Trabalhar que nem um escravo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Trabalhar que nem um touro.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Trabalhar que nem uma puta.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Há histórias de vida de portugueses do séc. XX, que amaram profundamente a África, e em especial Angola, como o cap Henrique Galvão (Lisboa, 1895-São Paulo, 1970), que mereciam ser conhecidas.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Melhor conhecidas.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

(...) "Com data de 22 de janeiro de 1947 apresentou, na qualidade de deputado, à comissão de Colónias da Assembleia Nacional uma exposição que marcaria a sua dissidência com o regime e a sua política colonial - vale a pena atentar nos títulos dos vários capítulos desse documento: 'A população foge em massa...; Decadência física dos povos; Assistência sanitária inexistente; Só os mortos estão isentos da compulsão ao trabalho; O fornecimento de trabalhadores; O contracto, este arrebanhar de gente...; O indígena, escravo da gleba; Colonialismo do Terreiro do Paço; Castigos corporais, violências físicas espírito de extermínio'.

A partir do início dos anos 50, Galvão envolveu-se em conspirações militares para derrubar Salazar, designadamente no rescaldo da candidatura presidencial de Quintão Meireles em 1951, envolvendo António Sérgio, Carlos Sá Cardoso e o brigadeiro António de Sousa Maia." (...)