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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27491: Recortes de imprensa sobre o império colonial (3): a nau "Portugal", vida e morte de uma réplica de um galeão quinhentista, que foi uma das principais atrações da monumental Exposição do Mundo Português (Lisboa, 1940) - Parte II



Lisboa > Exposição do Mundo Português (23 de junho a 2 de dezembro de 1940 > A "Nau Portugal", réplica de um galeão da carreiar da Índia (Fonte: Cortesia de Wikimedia Commons. Imagem do domínio público.)


1. A nau “Portugal” foi construída nos estaleiros navais da Gafanha da Nazaré, do mestre Manuel Maria Bolais Mónica, com o propósito de integrar a Exposição do Mundo Português de 1940.

 Idealizada pelo cineasta Leitão de Barros com o objetivo de mimetizar um galeão português da carreira da Índia, teve uma história atribulada: o seu lançamento á água correu mal. 

De facto, no dia do "bota-abaixo",  7 de junho de 1940, a nau acabou por tombar, para grande desilusão e tristeza de todos os presentes.


Esse momento, e os trabalhos de recuperação  da Nau "Portugal", podem ser visionados num excerto do documentário,  realizado por António Lopes Ribeiro, em 1940, para o Jornal Português  no. 22. (O vídeo está disponível na Cinemateca Digital da Cinemateca Portuguesa: vd. A partir de 12' 26''.

Ficha técnica:
Lançamento ao mar da nau "Portugal"
Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema
373 mil visualizações

Jornal Português nº 22 | A Nau Portugal (a partir de 12' 26'') 
Portugal, 1940
Género: Atualidades
Duração: 00:16:02, 24 fps
Formato: 35mm, PB, com som
AR: 1:1,37
 





Anúncio da Exposição do Mundo Português. "Diário de Lisboa", 7 de setembro de 1940, pág.2. O jornal avulso custava 40 centavos. O ingresso geral na Expo 40 era de 2$50 (e 3$50, com entrada no "parque de atrações,  com direito a um divertimento grátis"). Para uma família lisboeta de classe trabalhadora era caro. Mesmo assim, a Expo 40 teve 3 milhões de visitas.


Fonte: (1940), "Diário de Lisboa", nº 6393, Ano 20, Sábado, 7 de Setembro de 1940, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25593 (2025-12-4)




Anúncio da Exposição do Mundo Português. "Diário de Lisboa", 18 de agosto de 1940, pág.2

Fonte: (1940), "Diário de Lisboa", nº 6373, Ano 20, Domingo, 18 de Agosto de 1940, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25723 (2025-12-4)


Levou 3 meses a recuperação da nau, depois do desastroso "bota-abaixo" (que afetou a reputação dos estaleiros Mónica, considerados um dos melhores do país em matéria de construção de navios em madeira, responsável pela construçáo de grande parte dos navios da Frota Bacalhoeira, renovada com o Estado Novo, estaleiros que a partir de 1953 entrou em decadência). 

A Exposição do Mundo Português foi inaugurada em 23 de junho de 1940, e a Nau Portual só passou a estar pronta para receber visitas a partir de 7 de setembro, já o certame ia a meio. Nesse dia, o ingresso geral na Expo passou era de 1$5'( nos outros dias, 2$50). A inauguração contou com a presemça do Chefe de Estaddo e de Governo.

2. Mas o que é correu mal com a Nau "Portugal" ? Terão sido sobretudo os aspetos técnicpos do desenho e consytruçãpo

Aqui ficam os principais aspetos técnicos ligados à construção da nau “Portugal” em 1940,  e as razões pelas quais acabou por se revelar tão instável e .... inavegável. Naufragou no "biota-abaixo

(i)  Construção pensada como “cenografia”, não como "navio para navegar" 

A nau foi desenhada sobretudo para efeito cénico e  visual na Exposição do Mundo Português. Isto significa que muitas das decisões não seguiram práticas navais genuínas, mas sim critérios estéticos:

Estruturas reforçadas onde era preciso “parecer robusto”, e  não “ser robusto”;

  • ausência de cálculos rigorosos sobre estabilidade transversal;
  •  proporções idealizadas com base em gravuras e pinturas, não em planos navais históricos.

Este é o ponto de partida para quase todos os problemas seguintes.

(ii) Problemas de estabilidade e centro de gravidade

O erro mais crítico foi  o centro de gravidade que estava demasiado alto. Eis as razões: 

  • as superestruturas (castelos de proa e popa, mastros, ornamentação) eram pesadas e elevadas;
  • a quilha e as obras vivas (a parte submersa) estavam subdimensionadas;
  • o  casco tinha forma pouco profunda e sem lastro adequado.

Resultado: quando foi lançada à água ( "bota-abaixo", como se diz na gíria),  a nau tombou para o lado, exatamente como um objeto mal equilibrado.

Num galeão do século XVI, o casco seria muito mais profundo e largo na linha de água, garantindo estabilidade mesmo com mastros altos. A réplica ignorou isso.

(iii) Materiais utilizados

Apesar do aspeto histórico, a nau não foi construída como um navio tradicional:

  • madeiras diversas, algumas não adequadas à resistência estrutural;
  • revestimentos decorativos sobrepostos a estruturas simples;
  • elementos “fingidos”: peças feitas para parecerem pesadas sem o serem, ou vice-versa.

Isto contribuiu para uma distribuição de peso caótica.

(iv)  Falta de planos navais rigorosos

Na década de 1940 Portugal não tinha acesso completo a planos originais de galeões quinhentistas: muitos simplesmente não existiam ou eram incompletos. 

A solução que se adotou foi “recriar” com base em:

  • iconografia dos Descobrimentos;
  • descrições literárias;
  • modelos estilizados do imaginário imperial do Estado Novo.

Ou seja: não se tratou de uma reconstrução científica, mas de um idealização estética.

(v) ) Modificações de emergência após o acidente

Depois de tombar, a nau teve de ser reequilibrada à pressa:

  • adição de lastro no fundo;
  • pequenas correções de peso;
  • fixação para ficar estática como peça cénica.

Mesmo assim, nunca ficou realmente estável. Por isso a nau não navegou: foi de reboque do porto de Belém até ao rio Tejo, ficou sempre ancorada, essencialmente como cenário flutuante. Foi inaugurada em 7 de setembro com a presença do presidente da república gen Oscar Carmona e o presidente do conselho Oliveira Salazar.

3. Falaremos, em próximo poste, sobre o "projetista" da réplica, o: comandante Quirino da Fonseca (Funchal, 18634 - Lsiboa, 1939, oficial da Marinha Portuguesa e um dos maiores especialistas portugueses em arqueologia e arquitetura navais, da época dos Descobrimentos,. sendo autor de obras de referência como "Os Portugueses no mar: memórias históricas e arqueológicas das naus de Portugal" (1926).

O projeto foi baseado nas suas investigações aprofundadas em desenhos antigos e descrições técnicas de navios dos Descobrimentos. Quirino da Fonseca não era um engenheioro construtor naval... E isso ajuda a explicar por que é que o projeto final, executado para a Exposição, teve sérios problemas de estabilidade. O mestre construtor, Manuel Maria Bolais Mónica, da Gafanha da Nazaré, chegou a expressar dúvidas de que a embarcação pudesse estabilizar ao ser lançada à água, o que infelizmente se confirmou com o naufrãgio da nau. no dia do lançamento, necessitando de métodos "pouco ortodoxos" para ser recupoerado, reabilityado e rebocada para Lisboa e cumprir a sua função de exposição.

Para ver mais imagens: 



4. Comentário adicional de LG:

É bom recordar que a Exposição do Mundo Português (que decorreu de 23 de Junho a 2 de Dezembro de 1940) foi naugurada e realizada no auge da Segunda Guerra Mundial, especialmente após a queda da França em junho de 1940:

  • ínício da invasão alemã (ataque aos Países Baixos e à França): 10 de maio de 1940.
  • entrada Alemã em Paris (e queda de Paris): 14 de junho de 1940.
  • assinatura do Armistício Franco-Alemão: 22 de junho de 1940;
  • entrada em vigor do Armistício: 25 de junho de 1940.

É verdade que Portugal era neutro. Sob regime do Estado Novo, liderado por António de Oliveira Salazar, Portugal manteve uma política de neutralidade durante o conflito (embora fosse uma "neutralidade colaborante", envolvendo-se em atividades económicas e de acolhimento de  refugiados). Este estatuto permitia ao país, em teoria, isolar-se dos horrores imediatos da guerra, embora se temesse uma possível invasão (quer dos alemães e dos espanhóis, quer dos Aliados).

A Exposição fazia parte das Comemorações do Duplo Centenário(fundação e restauração da independência, 1140 e 1640, respetivamenmet) e foi um dos eventos pol~itico-culturais mais importantes da história do  Estado Novo. O seu principal objetivo era a exaltação nacionalista, a glorificação da história de Portugal (em particular os Descobrimentos) e a afirmação da grandeza do Império Colonial Português.

Apesar da guerra lá fora (para além dos Pirinéus e no Atlântico), Lisboa, como capital de um país neutro, tornou-se um porto de abrigo e uma cidade cosmopolita, cheia de espiões e, mais importante, refugiados de guerra (muitos dos quais visitaram a Exposição). Havia uma bolha de aparente normalidade e festa em contraste com a tragédia europeia.

Para o regime, realizar um evento grandioso como a Exposição, celebrando a glória e a paz da Nação em contraste com o caos da Europa em guerra, servia para reforçar a imagem de estabilidade e ordem do Estado Novo e o seu papel providencial na História.

Visto à distância de 85 anos, o contraste era brutal: de um lado, a maior guerra da história, do outro, uma grande festa de propaganda nacionalista. Para o o  regime do Estado Novo, a realização da Exposição em tempo de guerra foi sobretudo uma afirmação política e ideológica da sua "visão" para Portugal e o seu Império,

(Pesquisa: LG + Net + IA (Gemini, ChatGPT)

(Condensação, revisão / fixação de texto, título,. edição de imagens: LG)

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 2 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27484: Recortes de imprensa sobre o império colonial (2): a nau "Portugal", vida e morte de uma réplica de um galeão quinhentista, que foi uma das principais atrações da monumental Exposição do Mundo Português (Lisboa, 1940) - Parte I

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