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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27489: Historiografia da presença portuguesa em África (506): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1950 (64) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
Entrou-se num processo rotineiro de institucionalização administrativa: informações sobre créditos concedidos, legislação do Ministério das Colónias, atividade do Conselho Disciplinar, mais regulamentos, nomeações, fica-se com a sensação que há uma maior ocupação do território, as circunscrições têm mais postos, o Governo concede aforamentos, há mais nomeações, etc. Privado, por razões orçamentais, de se lançar em grandes projetos infraestruturais, Raimundo Serrão deixa seguir o percurso traçado por Sarmento Rodrigues, tem bastantes inaugurações para fazer. Mas decidiu deixar a sua marca de água, o ensino liceal, Sarmento Rodrigues, por razões lógicas. fez espalhar pela colónia as chamadas escolas primárias, naturalmente que se impõe agora dar continuidade aos estudos. Quando deixar a província, Raimundo Serrão encomendará a Fausto Duarte um livro de autoglorificação intitulado Guiné, Alvorada do Império, publicado em 1952, onde se podem ler pérolas como esta: "O engenheiro Serrão é um puritano da arte, um perfeito esteta que o escalpelo da sua ação e experiência burila e retoca com segura mestria e amplia até, como se asas gigantescas a atirassem a grandes alturas, em busca de perfeição”. Para efeitos promocionais, fica tudo dito.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1950 (64)


Mário Beja Santos

Estamos em pleno consulado do Capitão de Engenharia Raimundo Serrão, prosseguem as obras, tal como a institucionalização administrativa. Um problema que se vai pôr em 1950 prende-se com a inflação e o açambarcamento. No Suplemento n.º 5, de 9 de maio, publica-se a portaria n.º 205, invoca-se as medidas do Governo Central e a adoção de medidas enérgicas destinadas a defender a economia nacional contra todas as tentativas de açambarcamento e as altas artificiais de preços. E escreve-se na Portaria que “Na colónia pouco ou nada se tem feito nesse sentido, de que resultou, devido à má compreensão dessa benevolência, o encarecimento injustificado dos géneros considerados de primeira necessidade e dos artigos indispensáveis aos principais ramos de atividade”. Por isso se cria na Guiné a Comissão Reguladora de Preços, presidida pelo Inspetor do Comércio Geral, passa a ser competência da Comissão a organização e superintendência dos serviços de fiscalização sobre a fixação de preços, o âmbito de atuação da Comissão em toda a colónia, atuarão o administrador de conselho ou de circunscrição, a delegacia de saúde, nas localidades onde não houver nem serviços aduaneiros nem de saúde, irão intervir o administrador de circunscrição e o seu secretário e um comerciante idóneo.

Serão elaboradas tabelas de preços de venda ao público, ter-se-á em conta uma base de incidência que deve ter sido encarada pelos intervenientes como altamente rebuscada. Diz-se explicitamente que nenhum preço atualmente fixado pelo comércio podia ser elevado a partir da data da publicação desta portaria, dá-se conta de como se procederá na fiscalização, a natureza das contravenções por açambarcamento e especulação, como se fará a repressão dos crimes de especulação e açambarcamento e o tipo de sanções.

No Boletim n.º 19, de 11 de maio, anunciam-se novos procedimentos relativamente ao estudo e combate da doença do sono, detetara-se que, apesar de terem sido concedidas regalias especiais aos doentes indígenas, o método de persuasão não dera os resultados esperados, pelo que o governador da colónia determinava que o tratamento da doença do sono era obrigatório para os doentes, de harmonia com as prescrições feitas pelas competentes autoridades sanitárias. Constituíam-se como infrações penais, por exemplo: a ocultação às autoridades da Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono de casos suspeitos de doença do sono em pessoa de família ou dependentes; o transporte de doentes do sono para ou através de zonas infetadas, sem os cuidados aconselhados para evitar a infeção da mosca; o procedimento que induza os indígenas a resistir a exame, tratamento ou qualquer outra determinação das autoridades sanitárias.

Como iremos ver igualmente no ano de 1951, Raimundo Serrão procura uma intervenção que tenha a sua marca de água, ela vai passar pelo ensino. Como se encontra no Suplemento n.º 7, de 9 de junho, publicam-se disposições do estatuto do ensino liceal aplicadas à colónia. Resumidamente, o ensino dos liceus é distribuído por três ciclos; o 1.º ciclo, com a duração de dois anos, e o 2.º ciclo, com a duração de três anos, têm por objetivo preparar para a sequência de estudos e ministrar a cultura mais conveniente para a satisfação das necessidades comuns da vida social, a par dos fins de revigoramento físico, de aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, de formação de caráter e do valor profissional e de fortalecimento das virtudes morais e cívicas; o 3.º ciclo, com a duração de dois anos, mantendo nos mesmos objetivos é especialmente destinado a preparar os alunos para o ingresso em grau superior de ensino.

O aspeto curioso desta organização de estudos foi a mesma que eu vivi em Lisboa nos anos 1950 e 1960. Raimundo Serrão terá concebido para ponto de partida um liceu-colégio, daí o estatuto consagrar o seguinte: “Os estabelecimentos particulares que, devidamente autorizados, ministrem o mesmo ensino que é ministrado nos liceus são obrigados a obedecer a todos os preceitos pedagógicos do presente estatuto.” E estabelecem-se os termos regulamentares das matrículas dos alunos.

Acho conveniente voltar um pouco atrás, a 1946, na revista Defesa Nacional, número de novembro de 1946, dedicado à Guiné, aborda-se o problema aeronáutico; ele vai ressurgir na governação de Raimundo Serrão por duas razões: a preparação da pista de aviação para, no futuro, haver voos para Bissau e incentivos a uma vida associativa de clubes aeronáuticos na Guiné.

O Coronel Aviador José Pedro Pinheiro Correia é o autor do texto, recorda que em 1941 a Pan American, ao tempo uma conceituadíssima transportadora aérea, foi obrigada no inverno de 1941 a alterar a sua rota normal dos Açores, encontrou em Bolama condições ideais para a deslocação dos seus Clippers. Houvera anteriormente raides de Lisboa a Bissau, tinham sido identificadas dificuldades na descolagem, mas com os Clippers da Pan American não tinha havido qualquer dificuldade para levantar com os seus trinta passageiros. O coronel aviador fazia sugestões para o futuro aeronáutico da Guiné:
“Em face da situação geográfica da província da Guiné, suas condições climatológicas e possibilidades técnicas dos seus terrenos e planos de água, não é difícil prever que, num futuro mais ou menos condicionado pelo estabelecimento, da parte de Portugal, de uma política aérea definida, a Guiné deverá ocupar o lugar a que tem direito e lhe compete na rede aérea mundial.

Assim poderemos prever:
1.Bolama ou Bissau deverão vir a possuir um aeroporto apetrechado com um equipamento que lhe permita vir a constituir, dentro do Império Português, uma das placas girantes mais importantes do tráfego aéreo mundial e permitir apoiar as seguintes ligações aéreas:
a) Europa-América do Sul
b) Europa-África Ocidental
c) Europa-África do Sul
d) Europa-América do Norte (para grandes hidros de carga durante o inverno em que o mar dos Açores é impraticável).

2. Bolama ou Bissau deverão vir a ser escolhidas como primeira etapa para a linha aérea imperial da TAP.
3. Dentro da província da Guiné deverá ser estabelecida uma rede interna de soberania e apoio moral às populações do interior da colónia (confesso que este ponto me parece fora de contexto).
4. A província da Guiné deverá estar ligada pela via aérea a algumas das colónias estrangeiras que a rodeiam, em especial a: Dacar-Bathurst-Monróvia".


É por demais sabido que as propostas do sr. coronel se tornaram rapidamente anacrónicas, o hidroavião foi substituído pelo Super Constellation, anos depois irá aparecer o aeroporto de Bissalanca, os voos da ilha do Sal para Bissau, mas jamais a província terá o poder radial com que o sr. coronel aviador sonhou.


Uma fotografia que se tornou icónica, um soldado guineense, sentinela no Baluarte da Puana, Fortaleza de S. José de Amura, o rio Geba ao fundo
Boé, Fonte de Madina, 1946
Granja de Pessubé, construção de carros de bois, 1946
A Bissau dos tempos pós-coloniais

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 26 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27467: Historiografia da presença portuguesa em África (505): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, continuação de 1949 (63) (Mário Beja Santos)

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