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quinta-feira, 9 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24131: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXI: Finalmente, Bafatá, a minha linda princesa do Geba...


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital,  do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp,  il., edição esgotada) (*).

O seu editor literário, ou "copydesk", o seu camarada e amigo Virgínio Briote,  facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.


Recorde-se aqui o passado militar do autor:

(i) começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor auto-rodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii)  depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido,  por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal (**), para o BCAV 757; ficará em Bafatá até final de 1969, altura em que vai integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló.


 

Capa do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.  


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Bafatá   (vd. carta de 1955, escala 1/50 mil) > Vista aérea da "princesa do Geba" > Em primeiro plano, o rio Geba, à esquerda, e a piscina de Bafatá (que tinha o nome do administrador Guerra Ribeiro e foi inaugurada em 1962, tendo sido construído - segundo a informação que temos - por militares de uma unidade aqui estacionada ainda antes do início da guerra).

Ainda do lado esquerdo, o cais fluvial, uma zona ajardinada, a estátua do governador Oliveira Muzanty (1906-1909)... Ao centro, a rua principal da cidade. Ao fundo, ao alto da avenida principal, já não se chega a ver o troço da estrada que conduzia à saída para Nova Lamego (que ficava a nordeste de Bafatá); havia um a outra, alcatroada, para  Bambadinca, a oeste, mas também com acesso à estrada (não alcatroada) de Galomaro-Dulombi, povoações do regulado do Cossé, que ficava a sul. À entrada de Bafatá, havia uma rotunda. ao alto. Para quem entrava, o café do Teófilo, o "desterrado", era à esquerda..

Do lado direito pode observar-se as traseiras do mercado. Do lado esquerdo, no início da rua, um belo edifício, de arquitetura tipicamente colonial, pertencente à Casa Gouveia, que representava os interesses da CUF, e que, no nosso tempo, era o principal bazar da cidade, tendo florescido com o patacão (dinheiro) da tropa. Por aqui passaram milhares e milhares de homens ao longo da guerra,. que aqui faziam as suas compras, iam aos restaurantes e se divertiam... com as meninas do Bataclã.

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.] 


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um    luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXI:   

Finalmente, Bafatá, a minha linda princesa do Geba 
(pp. 147-153)


Foi só em agosto [de 1966] que apanhei o barco para Bafatá.

Enquanto vou reescrevendo estas histórias da minha vida militar, vêem-me à memória outros factos que ocorreram.

Vou voltar a falar do exame de condução em Bissau. Éramos quatro, dois 1ºs cabos e dois soldados. Eu era o único negro, os outros eram todos brancos. O examinador era um tenente.

À saída do quartel, com um cabo europeu ao volante, quando chegámos às vielas da Achada, o tenente mandou-lhe fazer inversão de marcha. Concluído o exame, mandou entrar outro. Um soldado europeu, que pertencia ao batalhão de Bafatá, o mesmo para onde eu ia como adido, ocupou o lugar. Então, o tenente perguntou-lhe se ele tinha precedência sobre os outros.

Ele não respondeu e o tenente disse para ele olhar bem e ver se havia alguém que tinha direito a ir à frente dele. Ele olhou para trás e manteve-se mudo. Então o tenente, virando-se para mim, chamou "N
osso cabo!!,  e mandou-me entrar. Fiz o exame na vez que me competia, fiquei apto, o outro a seguir também ficou e ele ficou inapto.

Esse militar europeu ficou tão aborrecido que, quando eu já estava em Bafatá, nunca me falou, nem os olhos dele me viam bem.

Cerca de uma semana depois da minha chegada a Bafatá um soldado europeu disse-me que eu tinha faltado ao serviço no dia anterior.

 Não consultaste a escala de serviço?

 
  Sim, claro que consultei!

 
  Então, por que faltaste?

Chegou o furriel e disse-me a mesma coisa, que eu tinha faltado ao serviço. Eu não sabia que tinha estado de serviço. Então ele disse-me que o acompanhasse ao gabinete do 1º sargento.

 
  Este é o cabo que faltou ontem, meu primeiro !

O nosso primeiro pegou em mim e levou-me ao gabinete do nosso major [1], o 2º comandante.

 Então, que se passa?

 O 1º cabo que faltou ao serviço, ontem, meu major!

 Onde foste, para faltar?  perguntou-me.

 Meu major, eu não sabia que um 1º cabo fazia serviço de soldado. Eu sou cabo para fazer reforço.

- Aqui os cabos africanos fazem reforço, meu major   
 cortou o nosso primeiro.

Então, o major virou-se para o 1º sargento:

– Ele tem razão ou não?

O 1º sargento queria voltar a explicar e o major mandou-nos sair, dizendo:

 Ele tem razão, é cabo, não é soldado!

No dia seguinte estive de cabo de guarda. Apresentei-me na parada, como deve ser, passados 5 dias fiquei de cabo de dia, correu tudo normal também. Até que, alguns dias depois, às 08h45 rendi o colega, um cabo europeu, na Ponte. Eram cerca de 10h00, estava eu a ajudar um rapaz a pescar, chegou um jipe com um cabo europeu para me render.

 
  O que terá acontecido? Por que entrei de serviço às 08h45 e às 10 aparece um colega para me render?

Tomei o lugar no jipe, algo preocupado. Quando cheguei, o sargento mandou-me entregar todos os materiais e disse-me para depois ir falar com ele. Entreguei o material e voltei, então, ao 1º sargento que me levou ao gabinete do nosso major. Aqui, o sargento retirou-se e eu fiquei só com o 2º comandante.

 Agora, passas a sair comigo e com o nosso comandante. Amanhã de manhã, às 07h30, estás aqui para irmos a Fajonquito.

A partir dessa data fiquei como guarda-costas e intérprete dos oficiais.

Uns dias depois, chegou um tenente miliciano, João Pereira da Cruz, que veio a ser o oficial de informações do Batalhão de Caçadores 1877, e passei a trabalhar com ele. Passados uns dias, o tenente foi promovido e acompanhei-o até ao fim da comissão dele Passámos os dois por situações difíceis de esquecer. E ficámos amigos até aos dias de hoje.

 Cantacunda 
[tem 40 referências no nosso blogue, pertencia ao subsetor de Geba], a cerca de 13 kms a nordeste de Bafatá, foi atacada com grande violência ao início da madrugada de 11 de abril de 1968 [2]. Alguns militares [3] foram capturados pelo PAIGC [4]. No ataque morreu um cabo europeu [5], um milícia e um civil. A tabanca ficou a arder, toda destruída.

Em Bafatá ouvimos os rebentamentos. Logo pela manhã, uma coluna, comandada pelo capitão Cruz, pôs-se em movimento, em direcção a Cantacunda. Chegámos ao cruzamento do Geba, onde nos aguardava a companhia [6] de que os militares sequestrados faziam parte.

Continuámos a marcha até que vimos Cantacunda, num silêncio total, arrasada. Seguimos o rasto do PAIGC, vimos latas e garrafas vazias de todo o tipo de bebidas e fomos andando até que o capitão decidiu regressar ao aquartelamento e depois a Bafatá.

Às 21h00 do domingo, dia 8 de setembro do mesmo ano, o PAIGC atacou o aquartelamento de Sare Banda, na antiga estrada de Bafatá para Mansabá. Com os militares daquele destacamento da CArt 1690 vivia apenas um civil, já idoso. O ataque foi bem combinado, da mesma forma como tinham feito em Cantacunda.

Aproximaram-se e foram contornando o aquartelamento, dispondo as forças de maneira a tentarem fechar a saída para Bafatá e Geba. Deixaram uma única saída para o mato. O aquartelamento era rodeado por duas fiadas de arame farpado.

Quando acabaram de preparar o cerco abriram fogo cerrado. O ataque começou com um tiro de canhão [7] contra uma tenda onde estava um alferes [8] e um furriel com um petromax aceso, que tiveram morte imediata. O petromax do posto de comando apagou-se. 

Animados com o ataque, os guerrilheiros, no meio da escuridão avançaram até à primeira fiada do arame, gritando “para Jobel, para Jobel!”. Era para aí, para Jobel que queriam que os atacados se dirigissem. Em Jobel estava o mais forte acampamento do PAIGC, em todo o sector de Bafatá. Depois de ultrapassarem a primeira fiada, atacaram a segunda, intensificando o fogo.

Quando a guerrilha começou a tocar na segunda fiada do arame farpado, começaram a acender-se luzes. Militares do aquartelamento estavam a acender algumas garrafas com petróleo que costumavam dependurar no arame farpado. Foi como um relâmpago que nunca mais se apagava. Surpreendidos já muito perto dos abrigos, alguns dos atacantes foram dizimados à queima-roupa [9]. Os sobreviventes fugiram como puderam abandonando o local de qualquer maneira, deixando corpos amarrados ao arame, alguns a gemerem até de manhã.

Este ataque também foi ouvido por nós em Bafatá. No dia seguinte saímos em coluna para Sare Banda. Depois de chegarmos, seguimos os rastos da retirada. No meio de sangue que fomos vendo, demos com duas sepulturas frescas, ainda acabadas de fazer.

O soldado Saliu Baldé [10] foi apresentado ao General Spínola como a “máquina defensiva” de Sare Banda, um dos heróis daquela noite. Mas todos os que lá ficaram a resistir foram heróis, menos o 1º cabo Bari que, ao que parece, fugiu, sempre a correr até ao Geba. Mais tarde disse que tinha saído do quartel para pedir reforços.

Os visitantes pensaram repetir, em Sare Banda, a vitória que tinham tido em Cantacunda, mas tiveram uma derrota inesquecível. E para os prisioneiros de Cantacunda, a derrota não foi definitiva. Dois anos passados, foram libertados da prisão de Conackry, pelas nossas tropas que foram lá abrir-lhes as portas para regressaram às suas famílias [na sequência da Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970]  . Sorte que não tiveram os que morreram em Cantacunda e em Sare Banda.

O pelotão que tinha recebido as instruções para a defensiva, em Sare Banda, aplicou-as bem e ganharam. É por isso mesmo que temos de saber aplicar as regras, de estabelecer um novo plano, e lembrarmo-nos que surpresa é só a primeira vez, à segunda já não é surpresa. Há que preparar um novo plano e cumpri-lo. E vai ser sempre assim, enquanto houver guerra. Por isso, eu disse atrás, que a guerra aumenta o conhecimento do homem, porque a guerra precisa sempre de novas artes para vencer e não ser vencido.

(Continua)
________

Notas do autor ou do editor VB:

[1] Nota do editor: Major Joaquim Ribeiro Simões?

[2] Nota do editor: 5ª feira Santa.

[3] Nota do editor: um dos militares capturados, o Soldado cozinheiro Luís dos Santos Marques, morreu no cativeiro em Conakry. Os outros dez foram libertados, aquando da operação “Mar Verde”. Um outro, Luís Francisco da Silva, radiotelegrafista, passou-se para o PAIGC e nunca mais foi visto desde que chegaram à prisão.

[4] Nota do editor: Furriel miliciano José Neto Vaz, comandante interino do destacamento; primeiros-cabos José Manuel Moreira Duarte e José da Silva Morais; soldados António Ângelo Duarte, Armindo Correia Paulino, David Nóbrega Gouveia Pedras, Domingos Noversa da Costa, Francisco Gomes da Silva, João da Costa Sousa, José dos Santos Teixeira, Luís Salvador Antunes de Almeida Vieira, Luís dos Santos Marques e Luís Francisco da Silva, radiotelegrafista.

[5] Nota do editor: 1º Cabo João Aguiar, morto à facada à saída do abrigo.

[6] Nota do editor: CArt 1690

[7] Nota do editor: o relatório do ataque diz:

 “O ataque iniciado com um tiro de canhão s/recuo e dois LGF, dirigidos contra a cantina e depósitos de géneros, atingiram mortalmente o alferes, comandante do destacamento, e um furriel e provocaram ferimentos num soldado. Estes tiros iniciais do IN atingiram e destruíram o mastro da antena horizontal do rádio, ficando assim o destacamento com as comunicações cortadas com toda a rede de Geba. 

"No seguimento da acção o IN atingiu com uma granada incendiária uma barraca coberta por 2 panos de lona de viaturas pesadas, onde costumavam dormir vários elementos das NT por não caberem todos nos abrigos, o que provocou a destruição de todo o material lá existente e a iluminação das posições das NT.” 

Mais à frente, lê-se no mesmo relatório: 

“Refira-se ainda que o facto do destacamento de Sare Banda ter ficado sem comunicações, logo no início do ataque, permitiu que Geba só tivesse conhecimento do sucedido cerca das 09H0209SET68, através de 2 praças do destacamento que haviam vindo a pé voluntariamente comunicar a ocorrência.”

[8] Nota do editor: Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto e Furriel Raul Canadas Ferreira.

[9] Nota do editor:

 “O destacamento era comandado pelo Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, sendo eu próprio, alferes António Moreira, nessa altura, Comandante da CArt 1690. O aquartelamento tinha sido construído no mês anterior, em Agosto de 1968, pelo meu grupo de combate, reforçado com granadeiros e auto-metralhadoras do Esquadrão de Cavalaria 2350 de Bafatá e elementos de Engenharia, sob o meu comando directo. Construímos seis abrigos subterrâneos, com 2 fiadas de arame farpado, a interior armadilhada. 

"Fui ali visitado pelo General Spínola, que me forneceu, em menos de uma semana, todo o material de guerra e de logística que lhe solicitei. No edifício do comando, numa palhota no centro do destacamento, onde tínhamos os aparelhos de rádio e a cantina estavam o Alferes, dois furriéis e dois ou três soldados a petiscarem, com o petromax aceso. O primeiro tiro foi uma canhoada, directa a esta luz, que, de imediato, fulminou o Alferes Peixoto, sendo o Furriel Raul Canadas Ferreira atingido mortalmente com vários estilhaços que lhe cortaram a veia jugular. Veio a falecer cerca das quatro horas da manhã do dia seguinte, completamente esvaído em sangue, nos meus braços e de dois guarda-costas meus. 

"Quem dirigiu a reacção ao ataque, na sequência da baixa do alferes, do furriel Canadas e do outro furriel, que ficou em pânico e se meteu num abrigo até ao fim, foi um cabo pára-quedista, chamado António da Costa Pacheco, que tinha sido colocado na CArt 1690, por castigo, em substituição de outro, caído em combate. Este pára era um excelente operacional e foi ele quem me foi chamar à sede da Companhia, onde chegou às 3 horas, de 09Set68, a pedir socorro. Fez o percurso sozinho, a pé, percorrendo cerca de 14 quilómetros, pela picada, até Geba. Fui eu próprio quem o propôs para uma Cruz de Guerra. 

"Reuni de imediato uma força de cerca de 40 a 50 homens que avançou, sob o meu comando, para Sare Banda, que alcançámos pelas 4 horas. Pelas 5 horas, ao raiar da aurora, iniciamos um reconhecimento à volta do quartel, por fora do arame farpado. Encontramos dois cadáveres de guerrilheiros e um terceiro com as pernas esfaceladas, que ao ver-nos aproximar, ainda tentou empunhar uma G-3 e varrer-nos com uma rajada, a mim e aos dois guarda-costas, que me ladeavam. De imediato um destes meus guarda-costas, um madeirense de nome Jaime, disparou-lhe uma rajada que lhe cortou a cavidade craniana em 2 faces, deixando-o com “os miolos” à vista e a fumegar. 

"Este guerrilheiro era o enfermeiro e possuía uma excelente bolsa de medicamentos, muito mais moderna e sofisticada que as nossas, de origem chinesa, e a arma que empunhava, a G3, pertencia à nossa Companhia, que tinha sido retirada do cadáver do Alferes Fernando da Costa Fernandes, no dia 18 Dezembro de 1967, durante o ataque a Sinchã Jobel. 

"A coluna que veio de Bafatá e alcançou Sare Banda, era comandada pelo Major de Cavalaria Vergas Rocha, e chegou a este destacamento cerca das 08h30. O PAIGC sofreu aqui um forte revés, pois encontrámos rastos de sangue, o que denota que tiveram várias baixas que ainda recuperaram, à excepção daquelas três que não conseguiram. 

"De iluminação, possuíamos apenas umas garrafas de cerveja vazias, com petróleo, dependuradas no arame farpado, com uma torcida de pano acesa a improvisar um candeeiro. Quando se iniciou o ataque, mal vimos rebentar o primeiro tiro de canhão, apagámos o petromax do edifício do comando, e acenderam-se, momentos depois, algumas das tais garrafas de cerveja, no interior dos abrigos e no abrigo do morteiro 81, para orientar o tiro.” 

Depoimento escrito por António Moreira, Alferes miliciano na CART 1690 durante os 23 meses de comissão na Guiné. Foi o único alferes que cumpriu a totalidade do tempo de comissão. Dos outros, três foram feridos e dois morreram em combate. Após regressar da Guiné, António Moreira licenciou-se em Direito e é, há muitos anos, advogado com escritório em Torres Vedras.

[10] Nota do editor: Saliu Baldé tinha sido ligeiramente ferido e o General levou-o no helicóptero para Bafatá. Depois de recuperado foi para o grupo do Marcelino da Mata. Posteriormente foi condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª classe.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Subtítulo / Parênteses retos com notas: LG]
___________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 22 de outubro de 2022 >  Guiné 61/74 - P23728: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte IV: Infância e adolescência

domingo, 11 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23868: Boas Festas 2022/2023 (1): Bom Natal e... Novo Ano logo se vê (A. Marques Lopes, que aproveita para fazer "prova de vida")

 


Lourinhã > 4 de dezembro de 2022 > Festejos natalícios do município > Tenda do Pai Natal > Elemento decorativo, "kitsch", muito provavelmente "made in China"... Com a devida vénia... Foto (e legenda): LG (2022)


1. Amigos/as e camaradas: há quem não vá à bola, e muito menos à bola com o Natal, o Pai Natal, e toda a quinquilharia natalícia da época... O nosso blogue respeita as minorias (desde que não infrinjam as nossas regras de inclusão, respeito e tolerância), incluindo os/as que não vão à bola, e muito menos à bola com o Natal, o Pai Natal, e toda a quinquilharia natalícia da época... Para outros/as,  o Natal é "sagrado", mas não sabemos se são, sociologicamente falando, a maioria...

Continuando a não falar de "política, religião e futebol" (três coisas que nos podem dividir), salvemos ao menos o "nosso" Natal, o "Natal" de cada um, qualquer que seja o significado que a palavra possa ter no dicionário de cada um dos nossos leitores... 

Haja, ao menos, a vontade, a saúde e a alegria (e o "patacão" q.b.)  de festejar esta quadra, incontornável no mundo ocidental onde, dizem, ainda vivemos, em frágeis democracias liberais, e com padrões de vida minimamente decentes... 

Rezemos, os crentes e os não-crentes (juntos sempre fazemos mais força), a Deus, a Alá, a Jeová, a todos os deuses e deusas (desde a Antiguidade Clássica), mais os nossos bons irãs, acocorados no alto do poilão da nossa Tabanca Grande, para que o ano novo de 2023 seja melhor do que o de 2022... Para todos os homens e mulheres de boa vontade, em todo o mundo..., independentemente de gostarem ou não de comer bacalhau lascudo com batatas e pencas ou "tronchudas" alagadas em bom azeite e acompanhadas com um bom tintol...

E, por favor, escrevam-nos um "cartanito", a fazer prova de vida e a dar força  aos editores do blogue, colaboradores, autores, comentadores e leitores que têm dado vida e ânimo a este projeto que vai fazer 19 anos (!) em 23 de abril de 2023... e que quer chegar aos 900 membros (registados)  no final desse ano... Faltam só 33, mas está difícil, a "periquitagem" ainda arredia das nossas lides bloguísticas e os "velhinhos" parece que já arrumarem as botas e as cartucheiras... 

O primeiro "cartanito" que nos apareceu, este ano, é do histórico A. Marques Lopes que em 2022 passou um mau bocado com problemas de saúde mas não perdeu a vontade de continuar a viver e sobretudo não perdeu o sentido de humor... Aproveita para fazer "prova de vida", e a gente congratula-se com as suas melhoras.... E a propósito, tem 261 referências do nosso blogue, mas há muito que não nos liga(va)... (E acabamos, hoje, de ultrapassar os mil postes publicados neste ano da graça de 2022.)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 > Destacamento de Cantacunda > 1968 > As precárias condições em que se vivia no destacamento ou melhor nos "bu...rakos" que a gente construía para "desenrascar",  que os engenheiros de Bissau, o  BENG 447,  não chegavam a todo o lado... Digam-me lá se o A. Marques Lopes se parece mais com um oficial do exército português ou com um mineiro ? (Olhem-me só para a cor daqueles joelhinhos !).

Para além de valente soldado, na verdade, o tuga, o portuga, o Zé , o Zé Povo em armas também foi engenhocas, carpinteiro, marceneiro, trolha, caboqueiro, picheleiro, funileiro, canalisador, construtor de pontes, caçador, pescador, ama-seca, parteiro, professor, missionário, enfermeiro, carteiro, cronista, descascador de batatas, auxiliar de cozinheiro, hortelão, arrebenta-minas, picador, cangalheiro, animador cultural, mediador cultural, psicólogo, conselheiro, juiz de paz, casamenteiro, e sei lá que mais... E o nosso saudoso "alfero Cabral" que Deus já lá tem,  até foi, imaginem!, "consertador de catotas"...

O Zé Povo no TO da Guiné foi mais do que o três  em um... Foi o homem dos sete oficios... O "desenrascanço" fazia parte do seu ADN e a verdade é que conseguiu transmitir esse gene aos seus filhos e netos espalhados por esse mundo de Deus e do Diabo (que ninguém, se ofenda, que isto é apenas uma metáfora, uma figura de estilo literário!)...


Foto: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A legenda é do A. Marques Lopes: "Bom Natal e... Novo Ano logo se vê". O "boneco", o "Rodolfo", é cópia de um "original pintado com a boca por Adam Spenner" (com a devida vénia...).

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22849: Notas de leitura (1402): Memórias de um alferes, Leste da Guiné, 1967-1969: A CART 1690, uma das mais sinistradas, em toda a Guerra da Guiné (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Aqui fica o relato que António Martins Moreira dedicou à sua CART 1690, de vida tão atribulada, no setor de Geba, nunca pensei que os meus vizinhos para lá da ponte do rio Gambiel atingissem tal nível de sofrimento. No início da guerra houve uma separação radical da população no regulado de Mansomine, região onde o PAIGC passou a dispor de algumas bases como Sinchã Jobel, e mais para o interior Sara-Sarauol, confinando, um pouco mais abaixo, com Belel, aqui estacionavam, tal como em Madina, os meus atacantes. Ficamos a dever a António Martins Moreira um belo depoimento, ele não se cansa de afirmar que comandou gente de bravura e de enorme capacidade de sacrifício. Veio a tempo, felizmente, uma importante narrativa para que não se esqueça o que foi a vida dura no setor de Geba entre 1967 e 1969.

Um abraço do
Mário



Memórias de um alferes, Leste da Guiné, 1967-1969:
A CART 1690, uma das mais sinistradas, em toda a Guerra da Guiné

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição do Município de Idanha-a-Nova, com data de 2018, são as memórias do então alferes António Martins Moreira, que combateu na região de Geba, entre 1967 e 1969, não quis o destino que nos conhecêssemos, éramos vizinhos, ele estava para lá da ponte do Rio Gambiel, eu para cá, e quando ele diz que a paisagem era deslumbrante, estou à vontade para o confirmar. Este nativo de Penha Garcia foi para Mafra em janeiro de 1966, onde permaneceu até julho, promovido a aspirante foi transferido para o Regimento de Infantaria em Abrantes, e aqui mobilizado e colocado na CART 1690, do BART 1914, frequentou o curso de operações especiais, em Lamego, ainda andou por Lisboa, Torres Novas e Oeiras, desembarcou no Pidjiquiti em 15 de abril de 1967, quem comanda a companhia é o Capitão Manuel Carlos Guimarães. Faz-se a viagem sacramental até Bambadinca, seguem para Bafatá, é-lhes atribuído o setor de Geba. Nesta localidade substituem a CCAÇ 1426. A Companhia dissemina-se por quatro destacamentos. A 17, avança para Banjara, que ele classifica como pior destacamento a seguir a Madina do Boé. “Banjara era um destacamento de alto risco, situado na estrada de Bafatá-Mansabá, a cerca de 40 quilómetros de Geba, e outros tantos de Bafatá, na mata do Oio”

Descreve Banjara e o seu perímetro. O destacamento era um verdadeiro inferno se bem que só tenha havido uma flagelação, era o isolamento, não havia população civil, os abastecimentos e o correio chegavam uma vez por mês. Banjara tinha um grupo de combate, reforçado por uma seção de autometralhadoras, Granadeiros da Cavalaria de Bafatá, um Esquadrão de Reconhecimento, 15 milícias, uma seção de armas pesadas, num total de 70 a 80 homens. “Lá passámos os 8 mais longos meses da nossa juventude”. Descreve as atividades desenvolvidas em Banjara.

Em 21 de agosto morre o comandante da Companhia e o seu guarda-costas, caíram num campo de minas anticarro e antipessoal na estrada de Geba-Banjara, depois de terem ultrapassado o destacamento de Sare Banda. O Alferes Domingos Maçarico passou a comandar a Companhia, Martins Moreira e Maçarico trocam posições, Martins Moreira vai para Geba. O histórico desta unidade militar é marcado por várias infelicidades, para além da morte do Capitão Guimarães, os alferes Maçarico e Marques Lopes foram evacuados com ferimentos em combate. Recorda situações penosas como quinze dias de alimentação sem sal e depois dá-nos uma descrição do destacamento de Cantacunda, a cerca de 35 quilómetros para norte, refere os efetivos, não esquecem o nome do comandante do pelotão de milícias, Samba So, o destacamento tinha população civil e régulo. 

Parecia calmo e seguro, mas era profundamente vulnerável, como se comprovou em abril de 1968, um numeroso grupo do PAIGC apanhou a guarnição descontraída, tomou de assalto a caserna e os abrigos, aprisionou 12 elementos, assassinou um à facada. Muitos militares conseguiram escapar e chegaram a Geba depois deambularem pelo mato uma noite inteira. Dez destes prisioneiros virão a ser resgatados em 1970, no âmbito da Operação Mar Verde.

O novo comandante da CART 1690 passou a ser o Capitão Sarmento Ferreira, é chamado a Bafatá onde lhe entregam uma ordem de operações para uma batida de Sinchã Jobel, uma importante base do PAIGC, vão dois destacamentos, a CART 1690 com três grupos de combate, Martins Pereira está em Banjara, mas dá-nos a versão dos acontecimentos. Quando os efetivos chegaram as imediações do objetivo já estavam bem referenciados pelas sentinelas, as nossas tropas caíram numa emboscada brutal, procuraram reagir abatendo os atiradores que estavam na copa das palmeiras, mas o embate era fortíssimo, retiraram deixando para trás alguns mortos e feridos e cerca de 25 desaparecidos que só se conseguiram recuperar, completamente extenuados e famintos, no dia seguinte. 

O Alferes Fernandes foi assassinado a sangue frio, conforme testemunhou o seu guarda-costas, que nessa ocasião se fingiu de morto. O Alferes Fernandes tinha substituído o Alferes Marques Lopes, ferido em 21 de agosto. O resultado desta operação foram nove mortes e cerca de vinte feridos.

O autor refere que faltavam cerca de 25 elementos, no rescaldo desta ida a Sinchã Jobel foi recuperar os desaparecidos, na manhã seguinte. Ao amanhecer, estavam em frente ao objetivo, foram aparecendo soldados a correr em grupos, completamente exaustos, um deles vinha gravemente ferido. Teve apoio aéreo e um dos pilotos avisou que à frente, a cerca de 2 quilómetros, aguardava-os uma forte emboscada, inverteram a marcha, novo aviso que há emboscada à frente, então afastam-se da picada e embrenham-se na mata até à margem do rio Geba.

 Repetiu-se a operação de resgate no dia seguinte, ainda faltavam 9 ou 10 homens, recuperaram todos com exceção do assassinado Alferes Fernandes e de um capturado, gravemente ferido e levado para Ziguinchor. “Ficou ainda o Armindo Correia Paulino, o magarefe da Companhia, também assassinado, fria e cobardemente, à facada por vários elementos do PAIGC, depois de o terem cercado e aprisionado”.

Fazendo o balanço da situação, o autor estima que em maio de 1968 a sua unidade vivia numa situação muito difícil, o comandante Companhia morto em combate, dois alferes evacuados, o Alferes Fernandes assassinado, em abril passado o assalto a Cantacunda com resultados trágicos, a Companhia estava desmoralizada. 

Em junho, o destacamento de Sare Banda, na estrada Bafatá-Mansabá, com quarenta milícias, foi tomado de assalto pelo PAIGC, com a cumplicidade do chefe de tabanca. Os guerrilheiros incendiaram todas as moranças. “Sare Banda era um destacamento vital que nos garantia a progressão a poente na direção de Mansabá até ao nosso destacamento de Banjara, o mais isolado. Retornava-se, pois, imperioso reocupar, reconstruir e reforçar este destacamento. Foi esta a missão que recebemos”

E dá-nos conta dos trabalhos de reconstrução, ergueram-se seis abrigos subterrâneos, construiu-se uma autêntica fortaleza. Findas as obras, Martins Moreira regressa a Geba. Em 12 de junho, o PAIGC ataca Sare Gana, o pelotão de milícias reage com bravura, houve que recuar, PAIGC instalou-se, na manhã seguinte as nossas tropas puseram os atacantes em debandada. Ao fim de 19 meses no setor de Geba, a CART é transferida para Bissau, teve uma comovente despedida em Geba, os últimos 4 meses foram relativamente tranquilos, fazendo colunas, rusgas, preceitos da rotina, várias emboscadas sem confronto, em 2 de março de 1969 embarcam para Lisboa. Há ainda alguns textos soltos, a completar a missão.

Um relato bem sentido da história de uma unidade militar que conheceu o martírio e o pleno sofrimento, muitos mortos, sequestros, homens devastados e perdidos depois de uma tempestade de fogo. E enternecedor, atenda-se que António Martins Moreira já não é criança, mas exigiu-se ao dever da memória, fielmente cumprido.

António Martins Moreira, no lançamento do seu livro na Câmara Municipal de Idanha-a-Nova
Bafatá
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22828: Notas de leitura (1401): "Adeus... até ao meu regresso": livro de memórias fotográficas de 56 antigos combatentes, naturais de Vila Real, incluindo o Miguel Rocha, ex-alf mil inf, CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70) - Parte I

terça-feira, 1 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22247: 17º aniversário do nosso blogue (11): O nosso querido mês de férias: como ganhei o "Prémio Governador da Guiné" e tive direito a uma viagem, atribulada, no "Se-Cais-Morres" (Sky Master), da FAP, em 1964, até Lisboa, via aeroporto do Sal, Cabo Verde (Alcídio Marinho, 1940-2021)


Douglas C54 Skymaster, da Força Aérea dos EUA. Desenvolvido pela Douglas Aircraft Company, teve o seu primeiro voo em 1938, Produziram-se cerca de 1200 unidades entre 1942 e 1947. Deixou de estar operacional em 1975. [A nossa FAP recebeu 17 aviões, C-5r4 e EDC Skymaster entre 1947 e 1974, segundo informação de António Luís, um dos editores da página Pássaro de Ferro . Crónica da Aviação, onde também colaboração o nosso grã-tabanqueiro José Matos]

Foto: Cortesia de Wikipedia.


1. Há uns anos atrás éramos todos mais novos e tínhamos histórias para contar... Do tempo em que fizemos a guerra pensando em, com ela, ganhar a paz... na Guiné, entre 1961 e 1974... 

 Hoje estamos todos (ou quase todos) a lamber as feridas da guerra e da vida... O tempo é inexorável e não perdoa. O nosso blogue fez,  em 23/4/2021,  dezassete anos de vida... O que é muito, na Net, nas redes sociais... E é muito na vida de um homem, neste pobre planeta que queremos deixar saudável e seguro para os nossos netos e bisnetos...

partir daqui, o nosso blogue está a prazo (, aliás, sempre esteve, como cada um de nós): um dia destes morre de ataque cardíaco, ou de AVC, ou de Civid-19,  ou de Alzheimer ou de cancro no pâncreas...  Ou passado a ferro na passagem de peões. Os blogues também morrem, tal como os que o fazem e os leem... É triste mas é verdade... 

E tudo isto vem a propósito do nosso saudoso camarada Alcídio Marinho que foi para a cova sem contar (por escrito) tudo o que viu,  viveu e sofreu  na Guiné, como fur mil da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65). 

Em sua homenagem (e em louvor do nosso blogue, que está a  comemorar em 2021 dezassete anos de vida), voltamos a reproduzir uma deliciosa história do Alcídio Marinho, publicada na série "O nosso querido mês de férias" (*)


2.  O  nosso querido mês de férias  > Como ganhei o "Prémio Governador da Guiné" e tive direito a uma viagem, atribulada, no "Se-Cais-Morres" (Sky Master), da FAP, em 1964, até Lisboa, via aeroporto do Sal, Cabo Verde 

por Abílio Marinho (1940-2021)

A minha vinda de férias à metrópole teve uma estória curiosa.

Até meio do ano 1964, creio que ninguém era autorizado a vir de férias à Metropole, quem queria gozar férias e tinha direito, ia para Bissau.

Ora, como o 3.º pelotão da CCAÇ 412 fora destacado para o Enxalé, de 28 de outubro de 1963 a 25 de janeiro de 1964, então comecei a montar armadilhas todos os dias, por carolice e necessidade, e,  como não tinha curso, fui agraciado com um louvor pelo Comandante da Companhia, o  Capitão Braga (de alcunha o "Lambreta",  pois com os lábios fazia um barulho que se assemelhava a uma lambreta) [de seu nome completo, Manuel Joaquim Gonçalves Braga, cap inf].

Quando já estava em Cantacunda (de junho de 1964 a fevereiro de 1965), perto de Fajonquito, durante o mês de outubro, tivemos conhecimento que o sr. Brigadeiro Schulz [, um ano depois promovido a general,] , havia instituído um prémio, o "Prémio Governador da Guiné", para agraciar os combatentes que se notabilizasse na efectivação de baixas ao inimigo ou outros feitos em combate.

Qual foi o meu espanto, quando recebi a informação do sr. Capitão Braga que me havia sido atribuído o referido prémio e que podia ir gozar um mês de férias onde desejasse. Assim marquei a minha vinda a casa.

Como já não se passava na estrada, Bafatá - Banjara - Mansabá - Mansoa - Bissau, tive que ir para Bissau de barco. À época os barcos iam até ao Capé e Contuboel. Tomei o barco em Bafatá e rumei a Bissau, no dia 30 de outubro de 1964.

Embarquei em 31 de outubro de 1964, em Bissalanca, num avião da Força Aérea (Dakota-Skymaster ou "Se-Cais-Morres"), rumo ao Sal, Cabo Verde, com passagem pelo aeroporto militar dos Gambos, nas Canárias,  mas quando chegámos a Lisboa, estava uma tempestade enormíssima, pois que todos os aeroportos da Península Ibérica estavam encerrados. Quando estava a amanhecer,  olhamos pelas janelas e só víamos mar e depois depois uma ilha, era a ilha do Sal, outra vez.

No avião vinha, no meio, um motor de um F-86 (!)  e um paraquedista,  de maca, acompanhado de uma enfermeira,  e outros militares.

Desembarcámos e fomos comer às instalações da CCaç 413 que havia ido connosco para
a Guiné, com destino a Mansoa, tendo a meio da comissão sido deslocada para a ilha do Sal, Cabo Verde.

Aí comemos lagosta a todas as refeições, eles já enjoavam a lagosta. Éramos todos conhecidos pois como nós também pertenciam ao BC 10, Chaves,  e os sargentos éramos todos do mesmo curso, o de 1961.

O Aeroporto do Sal  só tinha uma pista e no final da mesma havia a torre de controle.

Na tarde desse dia, tornamos a embarcar e,  quando arrancámos para levantar, ouvimos um estrondo, provocado pela da rebentação de um pneu e só parámos a cerca de 5 ou 6 metros da torre.

Como não havia pneu suplente,  ficámos três dias no Sal até chegar um pneu, no avião da TAP. No dia 3 de novembro de 1964, reembarcámos para Lisboa onde chegamos no dia 4.

Passei essas Férias em Amarante, Chaves, Verin (Espanha), (onde tinha uma namorada espanhola) e Porto. 

Passados os trinta dias apresentei-me nos Adidos, em Lisboa, mas não havia alojamento, fui instalar-me numa Pensão na Rua Rodrigo da Fonseca, a aguardar passagem aérea para Bissau, o que veio a suceder só no dia 6 de dezembro de 1963. 

Chegado a Bissau apanhei um barco civil, para Bafatá, seguindo de novo até Cantacunda.

Nas Canárias comprei um relógio por 500 escudos e uma máquina fotográfica Konica também por 500 escudos.

Do outro pessoal da CCAÇ 412,  apenas um alferes veio de férias, no entanto, três alferes tiveram as esposas em Bafatá

Alcidio Marinho
Porto, 22 de setembro de 2015 às 13:18

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Notas do editor:


Restantes postes da série:

7 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15211: O nosso querido mês de férias (17): Vim a casa uma vez, em agosto de 1965, na TAP, num Super Constellation, como simples passageiro... e estava longe de imaginar que cinco anos depois estaria aos comandos de um Caravelle, como piloto da mesma, saudosa, companhia... (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)

6 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15209: O nosso querido mês de férias (16): Férias em Bissau para tirar a carta de condução de pesados (Abel Santos)


6 de Outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15205: O nosso querido mês de férias (15): em agosto de 1971, entre a praia da Nazaré e as tertúlias de Vila Franca de Xira... enquanto em Lisboa, tudo na mesma, isto é, a vida corria... (Hélder Sousa)

5 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15204: O nosso querido mês de férias (14): À procura de aconchego, e de amor temperado com algumas paródias, que um mês, naquele tempo, passava muito depressa (José Manuel Matos Dinis)

1 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15185: O nosso querido mês de férias (13): Os soldados não se podiam dar o luxo de ter férias (José Manuel Cancela, ex-sold ap metr, CCAÇ 2382, 1968/70) / Proporcionei a alguns soldados do meu grupo de combate umas modestas férias em Bolama (António Murta, ex-alf mil inf., 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513, 1973/74)

30 de setembro de 2015 > Guiné 63/73 - P15183: O nosso querido mês de férias (12): Era para entrar de Licença em Agosto, mas fui vítima de uma injustiça, acabando por a gozar de 22 de Setembro a 26 de Outubro (Mário Vitorino Gaspar)


27 de setembro de 2015 >Guiné 63/74 - P15165: O nosso querido mês de férias (7): Entre 15 de Fevereiro e 21 de Março de 1971, a ilusão de estar longe da guerra (Carlos Vinhal)

27 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15164: O nosso querido mês de férias (6): Vim duas vezes a casa... Da primeira vez, regressei a 18/12/1968, para passar obrigatoriamente o Natal em Bambadinca... Apanhei uma boleia no DO 27 do meu amigo Honório (Ismael Augusto, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)

27 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15163: O nosso querido mês de férias (5): vim uma vez a casa, a Vila Nogueira de Azeitão, em 18/9/1965, mas o Super Constellation da TAP, por avaria, só partiu a 22... A viagem custou-me 6160$70 (António Bastos, ex-1º cabo, Pel Caç 953, Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem,

26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15160: O nosso querido mês de férias (4): Vim duas vezes à metrópole: na 2ª vez, beneficiei de mais 5 dias de licença, por ter tido um louvor em combate... (E, mais tarde, beneficiei da isenção do pagamento de propinas dos meus filhos quando entraram na universidade) [José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil da CART 566 (Cabo Verde, Ilha do Sal, 1963/64, e Guiné, Olossato, 1964/65)]

26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15159: O nosso querido mês de férias (3): 10 de março de 1970: eu a partir e o ministro do ultramar, Silva Cunha, a chegar, no mesmo Boeing 707, da TAP

22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15143: O nosso querido mês de férias (2): os testemunhos de Henrique Cerqueira ("Em Bissau, dormia com o bilhete dentro da fronha do travesseiro"), José Carlos Gabriel ("A minha filha, de 5 meses, teve um choque muito grande ao ver-me no aeroporto, de bigode") e João Silva ("Foi ótimo vir no inverno, a saudade era do frio")

22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15138: O nosso querido mês de férias (1): Maio de 1969: nessa altura o bilhete de ida e volta, na TAP, custava 4 mil escudos (Paulo Raposo, ex-alf mil Inf, MA, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, Galomaro e Dulombi, 1968/70)

(**) 11 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22192: 17º aniversário do nosso blogue (10): por que é que das "lavadeiras" ao "sexo em tempo de guerra" vai um passo ? (Carlos Arnaut / Cherno Baldé / Luís Graça)

terça-feira, 13 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17464: (De) Caras (73): Também levei uma encomenda, no regresso de férias em novembro de 1963, a pedido da mãe de um camarada... Era uma lata de salpicões em azeite, para um soldado que estava em Fulacunda e que, infelizmente, morreria entretanto numa emboscada... Acabámos por comer os salpicões em Cantacunda... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

1. Comentário, ao poste P17454 (*),  do Alcídio [José Gonçalves] Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65): 


Quando vim de férias (Prémio Governador da Guiné), em Novembro de 1963, também me foi pedido para levar uma encomenda para um soldado que estava em Fulacunda,

Então, mandei que a mãe do camarada fosse a um latoeiro, mandar fazer uma lata e para colocar na mesma os salpicões, encher de azeite e depois o latoeiro devia soldar a tampa.

Assim a senhora procedeu e no regresso, já com o SPM escrito num papel colado na lata, transportei a encomenda para Bissau. Como cheguei a Bissau e embarquei logo, num barco para Bafatá, não tive tempo para despachar a encomenda para Fulacunda.

No entanto, indaguei com o nosso Furriel de Transmissões, Rui Freitas Pereira (madeirense), da possibilidade de saber se o referido soldado ainda se encontrava em Fulacunda, para ter a certeza que a encomenda chegava ao destino.

Atravês do Rádio, fiquei a saber que, infelizmente, o referido soldado tinha morrido numa emboscada. Logo em seguida, recebi um aerograma de minha mãe, dizendo-me que abrisse a encomenda e comesse o seu conteúdo, como tinha indicado a mãe do referido camarada.

Assim, quando cheguei a Cantacunda, nós, os furriéis e o alferes,  comemos os salpicões, não  sem antes prestarmos um minuto de silêncio em homenagem do camarada falecido. Aproveitamos o azeite nos cozinhados 

Como eram bons os salpicões!

Alcidio Marinho
CCaç 412

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Notas do editor:



(**) Último poste da série > 12 de junho de  2017 >  Guiné 61/74 - P17456 (De) Caras (79): em outubro de 1972, vim de férias e uma vizinha meteu uma cunha à minha mãe para eu levar uma encomenda para o namorado da filha que era furriel e que eu não conhecia de lado nenhumm... Quando a encomenda chegou ao destino, já o namoro se tinha desfeito, como vim a saber 17 meses depois... (Juvenal Amado, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem!"... Lisboa, Chiado Editora, 2016)

quarta-feira, 15 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17142: Convívios (784): XII Encontro do pessoal da CCaç 1426, 9 de Julho de 2017, em Odivelas (Fernando Chapouto)


1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos, a seguinte mensagem.

Camaradas, Junto envio o programa do nosso convívio dos 50 anos do regresso à Metrópole.

Permito-me representar os heróis de BANJARA na capital do OIO, onde apenas tínhamos por companhia todas as espécies de répteis, aves e macacos. 

XII ENCONTRO DA CCAÇ 1426 

06 DE MAIO DE 2017 – SÁBADO

Venho informar que o nosso encontro se realiza no CENTRO CULTURAL, Rua 25 de Abril, em ODIVELAS - FERREIRAS DO ALENTEJO, 7900-370.

Contamos com a vossa presença, para comemorar os 50 anos do nosso regresso à metrópole. Este convívio é histórico para todos nós, porque 50 anos não são 50 dias.

JUNTO ITINERÁRIO

GPS: 38.166155, - 8.148308

De Alcácer do Sal
Direcção ao Torrão pela Estrada N5, no Torrão virar à direita pela estrada N2 até Odivelas 

De Évora
Direcção a Viana do Alentejo – Alvito pela estrada N257até a Odivelas 57 Km, ou direcção Alcáçovas-Torrão pela estrada N 380 virar à esquerda pela N2 até Odivelas 62,2 Km

De Beja
IP8 até Ferreira do Alentejo virar à direita para a estrada N 2 até Odivelas

Do Sul
Direcção a Ferreira do Alentejo sentido estrada N 2 até Odivelas

Um forte abraço
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16162: Convívios (752): 11º Convívio da CCaç 1426, 9 de Julho, no Seixal (Fernando Chapouto)

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos, a seguinte mensagem.

XIº CONVÍVIO - CCAÇ. 1426




Camaradas, 

A Companhia de Caç 1426 (1965/67), vai organizar o seu XI º. Convívio na localidade de Pinhal do General, "Quinta do Conde", FERNÃO FERRO, Seixal, organizado pelo ex-Soldado Condutor Manuel Pereira com a colaboração do ex-Fur. Mil. OpEsp - Fernando Chapouto -, no próximo dia 9 de Julho (Sábado).



Um forte abraço
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426

PS: Junto envio itinerário e ementa e novas fotos para vigorarem nos próximos pósteres. 
___________

Nota de MR:

Último poste da série em:

domingo, 15 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15371: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (1): Eu e o meu pelotão em Cantacunda (Parte I)


Foto nº 1 > O Alf mil Alfredo Reis




Foto nº 2


Foto nº 3 > P Alf mil Alfredo Reis, ao centro


Foto nº 4  > O régulo e uma das esposas. [Julgo que o regulado era o de Manganã, 



Foto nº 5



Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8



Fotos: © Alfredo Reis / A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1.  As fotos são do ex-Alf Mil Alfredo Reis que, tal como o António Moreira, o Domingos Maçarico e o A. Marques Lopes, era da CART 1690.

Os quatro figuram na lista dos membros da nossa Tabanca Grande. O Alfredo Reis é veterinário, reformado, vivendo em Santarém.

As fotos chegaram-nos por intermédio do A. Marques Lopes. (Não é claro, para os editores, quem é autor das legendas, mas esperamos que o A. Marques Lopes ou o Alfredo Reis nos esclareçam posteriormente).

Além da sede (Geba), o Alfredo Reis esteve nos destacamentos, alguns dos quais, como Banjara e Cantacunda, eram os piores "buracos" do CTIG na época.  (LG)





Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro magníficos da CART 1690, todos eles alferes milicianos... Ao fundo, estão o Domingos Maçarico, à esquerda, e o Alfredo Reis, à direita. Em primeiro plano, está o António Moreira, à esquerda, e o António Marques Lopes, à direita. Com os quatro juntos, a CART 1690 faz o pleno em matéria de alferes milicianos... (LG)


Foto: © A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados.


(,,,) Mensagem, de Janeiro de 2008, do nosso querido camarigo A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf, CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) (1967/69) (*):

(...) Tenho-vos falado muitas vezes da CART 1690, sobre a qual há alguns postes no blogue da Tabanca Grande. Já fiz também referência aos alferes que por ela passaram. Mas quero, agora, falar-vos mais em pormenor destes gloriosos alferes, que é como nós próprios nos designamos, porque a nossa glória é continuarmos juntos. É bom que os conheçam pessoalmente. Aqui estão eles, num jantar do Natal de 2007, em Lisboa:

(i) O Domingos Maçarico (ainda um parente afastado do Luís Graça...), nascido na Praia de Mira, é engenheiro agrónomo e membro da Administração do Grupo Espírito Santo;

(ii) o Alfredo Reis, de Santarém, é veterinário e está reformado (embora pratique ainda);

(iii) o António Moreira, de Idanha-a-Nova, é advogado em Torres Vedras e [fez parte, no triénio de 2008/2010] do Conselho Geral da Ordem dos Advogados;

(iv) o A. Marques Lopes é, como sabem, coronel reformado [, fazendo parte dos primeiros cinco primeiros membros da nossa tertúlia, hoje Tabanca Grande: eu, o Sousa de Castro, o Humberto Reis, o A. Marques Lopes e o David Guimarães, por esta ordem cronológica]...

Como todos, também temos a nossa história.

Jovens e estudantes - o Domingos Maçarico no, então, Instituto de Agronomia de Lisboa (conheceu lá o Pepito), o Alfredo Reis no Instituto de Veterinária de Lisboa, também assim chamado então, o António Moreira na Faculdade de Direito de Lisboa e o A. Marques Lopes na Faculdade de Letras de Lisboa - fomos apanhados para frequentar, em Janeiro de 1966, o Curso de Oficiais Milicianos, em Mafra.

De lá saímos, em Julho desse ano, como Atiradores de Infantaria. Andanças por vários lados, a seguir (Lamego, Amadora...), e tornámos a encontrar-nos no RALIS (Regimento de Artilharia de Lisboa), que nos mobilizou para a Guiné, a 4 de Dezembro de 1966.

De 6 de Dezembro deste ano a 23 de Fevereiro de 1967 estivemos no GAGA2 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves n.º 2) a dar a especialidade aos soldados da que foi designada CART 1690, e que foram connosco para a Guiné.

Passámos, depois, pelo RAC (Regimento de Artilharia de Costa) de Oeiras, Carregueira, IAO... e embarcámos em 8 de Abril. Mas, antes, grandes patuscadas e farras tivemos juntos nos bares e baiúcas de Lisboa, acompanhados pelo capitão da companhia, o Guimarães [morto aos 29 na estrada de Geba-Banjara ...] Nessa fase cimentou-se a nossa amizade.

Desembarcados do Ana Mafalda para LDG, começou a Guiné, rio Geba acima. E ficámos em Geba. Eu fiquei na sede da companhia, às ordens do capitão e do Comando do Agrupamento. Eles foram distribuídos pelos destacamentos, por onde também passei, mas por pouco tempo. Já há coisas no blogue sobre Geba.

Em 21 de Agosto de 1967, fui ferido na estrada de Geba para Banjara e fui, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa. O Domingos Maçarico foi ferido em 21 de Setembro de 1967, sendo igualmente evacuado para o HMP. O Alfredo Reis foi ferido na mesma altura, mas esteve apenas vários dias no hospital em Bissau. O António Moreira nunca foi ferido. Ele e o Reis estiveram sempre na companhia, em Geba e destacamentos, até Outubro de 1968.

O Maçarico não voltou à Guiné. Eu voltei em Maio de 1968, mas fui colocado na CCAÇ 3, em Barro.

Depois da minha evacuação para o HMP, fui substituído na companhia pelo alferes Fernando da Costa Fernandes, que foi dado como desaparecido em campanha em 19 de Dezembro de 1967, durante a operação Invisível em Sinchã Jobel: O alferes Fernandes foi, depois, substituído pelo alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, que foi morto em 8 de Setembro de 1968, durante um ataque ao destacamento de Sare Banda.

O Domingos Maçarico, depois de evacuado, foi substituído pelo alferes Orlando Joé Ribeiro Lourenço. Este voltou à metrópole são e salvo, mas nunca alinhou, nem nos encontros da companhia.

Somos nós os quatro, os sobreviventes, como também dizemos, que nos mantemos unidos entre nós e com os elementos da companhia. Com alguns intervalos, e eu explico a seguir.

Entre 1969 e 1974, os meus amigos e camaradas que estão comigo na fotografia, dedicaram-se a acabar os seus cursos e, depois, à vida pofissional, mantendo, embora, contactos entre si. Mas eu estive afastado deles durante esses anos (...).

(...) Há cerca de trinta anos que estes quatro ex-alferes, camaradas e amigos na Guiné, e antes dela, se encontram pelo menos quatro vezes por ano, além dos encontros da companhia. Temos ideias muito diferentes sobre certas coisas, cada um disparando, agora, para seu lado, mas a amizade cimentada na juventude e na guerra mantém-se e está acima de tudo. (...)

sábado, 14 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15367: (De)caras (25): Fui, na manhã de 11/4/1968, de Sara Ganá em socorro a Cantacunda, com a minha secção do pelotão de morteiros e um pelotão da CART 1699... Quando chegámos, não havia nada nem ninguém, apenas o cadáver (mutilado) do bravo João Alves Aguiar, natural de Ponte de Lima, que tentou resistir ao ataque IN, de armas na mão (Carlos Valente, ex-1º cabo, Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69)


Foto nº 1



Foto nº 2


 Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Abril de 2006 > Regresso a Cantacunda: tabanca atual (foto nº 1), antigas instalações do pelotão (foto nº 2), estrada atual para Cantacunda (fotos nºs 3 e 4)


Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de ontem do Carlos Valente, o nosso mais recente membro da Tabanca Grande (ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69)

Assunto: ataque a Catacunda

Amigo Luís e Carlos, este recorte da notícia da fuga de Conacri...foi tirada do Primeiro de Janeiro, no dia a seguir que a notícia estalou na RTP e o sargento Lobato (piloto aviador) prestou declarações na TV (não me lembro quando foi isso, mas penso que se pode averiguar).




Título de caixa alta do Primeiro de Janeiro, de 29 ou 30 de novembro de 1970.
Cortesia do  Carlos Valente


Continuando com o tema do ataque a Catacunda [, de 10 para 11 de abril de 1968] (*) ...

Do nosso destacamento de Sare Gana, já bem entrada a noite, podíamos ouvir as explosões em Cantacunda, o qual indicava que a coisa estava séria. Com não podíamos abandonar o nosso destacamento de Sare Gana para dar apoio, saímos de manhã cedo para fazer um reconhecimento. 

Uma secção do meu Pelotão de Morteiros 2005, acompanhada por um pelotão da CART 1690, uns 45 homens, fomos os primeiros a chegar ao destacamento de Cantacunda. Quando chegamos, não havia ninguém, nem armamento nenhum. 

Demos uma volta ao destacamento, sem saber o que tinha acontecido ali, e encontramos a seguir o nosso camarada [João] Aguiar morto. Parece que ele durante o ataque foi um dos poucos que ofereceu resistência com metralhadora e com G3 desde o abrigo subterrâneo. Foi atingido por uma granada de mão atirada para dentro do abrigo. Mesmo ferido, o nosso camarada parece ter saído do subterrâneo. Foi então capturado e esfaqueado duas vezes dum lado, por baixo do braço. Queimaram-lhe a pera (barba) numa fogueira que os turras fizeram. Foi assim neste estado, com uma garrafa de cerveja na boca, que o encontramos. 

Mais tarde falava-se que dois dos nossos camaradas da CART 1690 foram levados feridos pelos turras e morreram pelo caminho.

Tomamos conta do destacamento e preparámo-nos para o pior, ate chegarem reforços. Aí ficamos instalados por duas semanas. Estávamos muito tensos e nervosos. Não pregávamos o olho durante toda a noite na expectativa de outro ataque, sem estarmos bem armados, sem morteiros e sem armamento pesado, só com G3. Finalmente, depois de duas semanas, chegou um pelotão de periquitos para tomar conta de Cantacunda.

Como e que que os "turras" conseguiram entrar no destacamento e levarem a malta?  (**) 

Comentava-se muita coisa, uma delas era que no dia do ataque a CART 1690 celebrava o primeiro aniversário de Guiné e tinha-se celebrado com umas cervejas. O pessoal estava descontraído e foram apanhados todos na caserna, sem terem tempo ou até nem estarem em condições para reagir ao ataque. Os turras estavam bem informados de tudo que se passava em todos os destacamentos, e os ataques em dias de celebrações era já um costume. Diz-se que o alferes do destacamento de Cantacunda não estava nessa noite. Que casualidade!

Dadas as precárias condições de quase todos os destacamentos (sem abrigos, alguns sem trincheiras, armamento pouco e pobre), por sorte ou destino, não ficamos lá todos porque o inimigo não quis. Sobrevivemos para contar o que passou.

Amigos, eu escrevo o que vi, ouvi e vivi, vocês vejam o que se pode e deve pô no blogue, cortem e corrijam o que vocês virem necessário. Tenho mais histórias, anedotas e fotos para outro dia.

Agradeço muito a vossa amabilidade e amizade, bem hajam. Parabéns pelo vosso trabalho. Nem que seja só em honra dos que ficaram nessas terras, dando a sua vida por uma causa justa ou não, vale a pena o que vocês estão a fazer.

Um grande abraço,
Carlos Valente


Guiné > Mapa geral da provcíncia (1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Geba, Sara Gana e Cantacunda, na zona leste

Infogravura Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 5 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14972: (De)caras (24); o meu retrato, pintado em 1970 pelo Leão Lopes, do BENG 447 (Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

(**) Vd. poste de 18 de maio de 2005 > Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)

(...) Ataque a Catacunda. 10/11 de Abril de 1968. Desenrolar da acção:

"No dia 10 do corrente cerca das 00h00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN.

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado: uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento.

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e [João] Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar).

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto.

"Possíveis causas do insucesso das NT:

- O poder de fogo do IN;

-O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;

-A violência com que o ataque foi desencadeado;

-A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;

-O comando eficaz do grupo IN;

-A falta de iluminação existente no destacamento;

-Possível insuficiência de abrigos;

-As proximidades da mata do arame farpado;

-As proximidades da tabanca do arame farpado;

-O reduzido efectivo das NT;

-Possível abrandamento das condições de segurança;

-Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)" (..:)

Comentários [AML]:

Posteriormente veio a saber-se, por declarações de alguns milícias e elementos da população civil detidos para averiguações, que o ataque teve a conivência do próprio Comandante da milícia e de elementos da população [local]. Todos os elementos que [o IN] precisava, tais como distâncias para colocar as armas pesadas, local da entrada no destacamento e vias de acesso ao mesmo, foram fornecidos por eles."

(...) O soldado Aguiar (João Alves Aguiar) foi o único que tentou resistir com a G3 à boca do abrigo e morreu, por isso. Onze foram capturados, entre eles o furriel que comandava o destacamento, o Vaz. Foram libertados, depois, aquando da tentativa de invasão na Guiné-Conakri (Operação Mar Verde). Menos o Armindo Correia Paulino e o Luís dos Santos Marques, que morreram lá de cólera. Apesar das péssimas condições e dos fracos efectivos, é evidente (e sei que foi assim, porque me contaram) que houve desleixo e facilitismo em excesso. Se não tivesse havido, não tenho dúvidas que as coisas não teriam sido tão fáceis para os atacantes.

(...) Militares retidos pelo IN (#)

Fur. Mil.  João N. Vaz
1º Cabo José S. Morais
1º Cabo  José M. M. Duarte
Soldado  Armindo C. Paulino (##)
Soldado  Francisco G. Silva
Soldado  Luís S.A. A. Vieira
Soldado  António A. Duarte
Soldado  José S. Teixeira
Soldado  Domingos N. Costa
Soldado  David N. G. Pedras
Soldado  Luís S. Marques (##)
Soldado  João C. Sousa

(#) O termo "retido pelo IN" era um eufemismo. O Governo Português não reconhecia o PAIGC como inimigo, face à convenção de Genebra. Oficialmente, não havia "prisioneiros".

(##) Morreram de cólera durante o cativeiro.