sábado, 20 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8689: Tabanca Grande (298): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Mec Radiomontador, CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)

1. Dizia Luís Graça no Poste 6669 não saber nada sobre o passado militar do nosso camarada Manuel Carmelita, membro activo da Tabanca de Matosinhos, mas que também participou, em 2010, no nosso V Encontro de Monte Real.

Tentando colmatar esta falta, resolvi pedir ao Carmelita um resumo da sua passagem pela vida militar assim como pela Guiné.

Passo a apresentar formalmente este nosso camarada à tertúlia.


2. Mensagem de Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Mecânico Radiomontador da CCS/BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73, com data de 20 de Agosto de 2011:

Olá, Amigo Vinhal
Aqui vai a resposta ao teu pedido:

- Assentei praça nas Caldas da Rainha no 4.º turno de 1969
- Em Janeiro de 1970 fui para Paço D’Arcos tirar o curso de Sargentos Milicianos Mecânico Radiomontador durante 12 meses
- Em Janeiro de 1971 vim para Arca D’Água no Porto
- Em Junho de 1971 fui para Chaves formar o Batalhão 3852
- No dia 26 de Junho de 1971 parti no Niassa com destino à Guiné, onde cheguei no dia 2 de Julho
- Fiz um mês de estágio em Bissau e em seguida parti para Aldeia Formosa.
- Logo a seguir voltei a Bissau para tirar um curso intensivo para poder dar aulas aos miúdos da 3.ª e 4.ª classe; ou seja:
- Quando voltei para Aldeia Formosa, de manhã orientava a oficina de rádio e de tarde dava aulas aos miúdos.
- No dia 6 de Setembro de 1973 voltei de avião para junto da minha família e amigos.

Um forte abraço do amigo
Manuel Carmelita

Aldeia Formosa > Manuel Carmelita entre os seus alunos

Tabanca de Matosinhos > Os vilacondenses Vasco Santos, Carlos Vinhal, Epifânio Gomes e Manuel Carmelita

Monte Real, 2010 > V Encontro da Tabanca Grande > Em primeiro plano Manuel Carmelita


2. Caro camarada e amigo Manuel Carmelita

Era imperdoável continuares quase um anónimo na Tabanca, quando já conheces pessoalmente muitos de nós.

A tua Especialidade e as funções de professor que acabaste por exercer durante a tua comissão de serviço na Guiné, proporcionaram-te com certeza uma visão diferente da guerra. O teu contacto com as crianças, muitas das vezes as mais sacrificadas em acções de guerra, deixaram-te recordações que poderias partilhar connosco, se quisesses. Terás outras fotos para publicarmos, que poderão acompanhar os relatos que nos quiseres proporcionar.

Como os enfermeiros militares, foste também útil à sociedade civil. Coube-te a nobre missão de ensinares a ler e a escrever muitos jovens que de outro modo não teriam tão fácil acesso à instrução básica. Quantos deles não terão ido mais longe.

Caro Carmelita, ficamos na expectativa dos teus próximos contactos e das tuas histórias.

Recebe um abraço da tertúlia e dos editores, mais um especial do teu conterrâneo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8680: Tabanca Grande (297): José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74)

Guiné 63/74 - P8688: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (5): A viagem


O Regresso dos Heróis*

Por

Domingos Gonçalves
(Ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887)


DEDICATÓRIA
A todos os colegas da CCAÇ 1546 do BCaç 1887



V - A VIAGEM

Olhei o cais e senti saudades. Saudades desta Guiné que para mim conta apenas como dia de ontem, da pequena cidade de Bissau, a quem o exército empresta vida e movimento, das bolanhas, dos pântanos e dos rios de águas turvas e insalubres.

Senti saudades dos amigos que, no cais, pensativos e tristonhos, ficaram a olhar o barco que se vai afastando no horizonte. E muitos deles bem que já mereciam o prémio do regresso.

Lembrei-me dos que tombaram em combate, vitimados por uma guerra cruel que lhes roubou o sangue e a vida. Uma guerra para onde os empurraram e que sem fé e convicção tiveram de fazer. Eles pagaram um tributo elevado à pátria e ao destino. Pagaram dando a vida... Pagaram dando o sangue.

E recordei-me dos que caíram vitimados por enfermidades contraídas nesta terra que já vou a perder de vista, por falta de uma assistência médica aceitável, ou de uma alimentação que lhes permitisse manter ou criar as forças suficientes para resistir às agruras da vida e às inúmeras doenças tropicais.

E lembrei-me dos que, doentes ou feridos em combate, regressaram antecipadamente à metrópole, em busca de repouso e tratamento.

E lembrei-me, também, com muita mágoa, da malvadez humana que vi e senti um pouco por todo o lado, em grande parte responsável por muito do sofrimento destes homens agora embarcados, e pelo desaparecimento, até, dos que a morte ceifou ingloriamente.

E lembrei-me, também, de um povo rude e generoso, junto de quem vivemos, a quem a tropa ajudou a minorar os efeitos da miséria e do atraso em que vive, mas povo que nos ajudou, também, às vezes com enorme sacrifício, a viver os nossos tristes dias.

Lembrei-me! É que todos nós, menos a população, fizemos, mas em sentido inverso, esta mesma viagem... E naqueles dias todos sonhávamos neste regresso a que alguns, a sorte determinou que não chegassem... Mas, o critério a que obedeceu essa escolha é algo que permanece inacessível ao alcance do nosso pensamento ridículo e limitado...

Ao entardecer o Sol pôs-se por entre nuvens e vapores, num ambiente pesado e quente, sem brilho e beleza que mereçam uma referência especial.

Guiné > Bissau > s/d > Ponte-cais, Bissau. Em primeiro, vê-se o monumento a Diogo Cão. Bilhete Postal, colecção "Guiné Portuguesa, 110". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).


Dia 26
Vi o Sol nascer, com um brilho maravilhoso a pratear as águas do oceano em toda a dimensão do horizonte.
O navio prossegue, mar além, muito lentamente, embalado em ondas de águas serenas, a sua viagem, que é também a nossa viagem. A bordo reina a boa disposição. Vamos todos a caminho do destino mais desejado de sempre. Há, no entanto, pessoal enjoado. Mas a esperança de chegar faz esquecer todos os pequenos sofrimentos e contratempos.

O que interessa é mesmo que o barco viaje muito depressa e ultrapasse este mar sem fim que nos separa de um destino cada vez mais próximo. É que agora todos acreditam mesmo que o tempo dos problemas e dos azares imprevistos chegou mesmo ao fim.


Dia 27
Pouco depois do meio-dia avistámos ao longe um barco a navegar na nossa direcção. Quando se aproximou verificámos que se tratava de um barco de guerra português.

Pelas treze horas, muito ao longe, começou a ver-se uma neblina bastante densa. Pouco depois, de entre essa névoa, começou a surgir a ilha do Sal, do arquipélago de Cabo Verde.
Era esta neblina que no tempo das descobertas indicava aos mareantes a proximidade das terras que descobriam.

Pelas três horas da tarde o barco fundeou em frente da ilha do Sal. Seguidamente, desembarcou um pequeno contingente de tropas, destinadas à guarnição local, e embarcou outro com destino à metrópole. O embarque e o desembarque decorreram em péssimas condições e com um mar bastante agitado. Aliás, quer o embarque quer o desembarque tiveram lugar em pleno oceano, já que o barco não tem condições de acostagem.

Pelas vinte e duas horas o Quanza levantou ferro e navegou para Norte, rumo ao mar português, ainda mar distante.

Ilha do Sal - Cabo Verde
Foto retirada do site Panoramio, com a devida vénia.
Editada por Carlos Vinhal

Dia 28
O mar por estas paragens anda bastante agitado. Sopra continuamente um vento bastante frio que se dirige para sudeste. Pela manhã o sol prateou de novo tudo quanto é mar. Apesar do vento e da ondulação bastante forte, o barco baloiça relativamente pouco. Tem bastante estabilidade. À noite houve cinema. Exibiram alguns documentários sem interesse e depois passaram o filme “ Marinheiros em Terra.” Ao fim da primeira parte fui dormir. É uma doença antiga que tenho. Sempre que vou ao cinema dá-me sono e acabo por perder grande parte do espectáculo.


Dia 29
O mar parece estar bastante mais calmo. As vagas são menos alterosas e o vento mais suave. De manhã realizou-se um exercício de salvamento e abandono do barco em caso de necessidade. À noite houve de novo cinema.


Dia 30
De manhã o sol não apareceu. Densas e escuras nuvens cobriam tudo à nossa volta. Parece que vamos ter chuva durante a viagem. O mar, esse, continua calmo e o vento brando.

De tarde teve lugar um novo exercício de salvamento. Estes exercícios devem ter por finalidade manter a tropa ocupada.

Já vamos a mais de meio da viagem. Estamos a passar pela zona das ilhas Canárias. Pelas dez horas da noite o barco passou em frente de Santa Cruz de Tenerife. Viam-se perfeitamente ao longe as luzes da cidade.
Passaram o filme os “Jardins do Diabo”


Dia 31
Durante o dia vários barcos de passageiros, e também de carga, cruzaram-se com o nosso. Hoje tivemos um mar mesmo muito calmo. No horizonte quase se não descobre qualquer vestígio de espuma.

O oceano assemelha-se a um grande lago, grande até não ter fim, onde todos vamos, serenamente e alegremente navegando. É impressionante, magnífico, sempre grandioso, este quadro que a natureza nos deixa contemplar diariamente.

Comove-me, até ao mais íntimo de mim mesmo, esta grandeza que não termina, este mundo de luz e mistério perante o qual sinto mais presente a minha pequenez que também não tem fim.


MÊS DE FEVEREIRO

Dia 1
O barco baloiça mais alguma coisa e o vento e o ambiente são bastante mais frescos, mesmo frios. É Portugal que fica mais perto. É o frio do Inverno que já nos espera.

Cada barco que se cruza com o nosso é para nós motivo de distracção, mesmo uma novidade. Os nossos olhos perseguem no horizonte todos esses navios que se avistam, até que se percam na linha do horizonte. E são bastantes os barcos que durante o dia se cruzam com o nosso.

Ao mesmo tempo que é bela, a vida no mar é também cheia de isolamento e de abandono.

De qualquer modo, se a viagem, que está quase no fim, se prolongasse por mais uns dias, não seria grande o sacrifício que teríamos que suportar. É efectivamente maravilhoso viajar por este oceano, por este mar sem fim, quando isso tem lugar com algum conforto e em segurança. E quando há um tão grande grupo de pessoas que se conhecem a viajar, mal se pode falar de isolamento, ou mesmo de abandono.

Mas esta nossa viagem está mesmo a chegar ao fim. Mais umas horas, bem poucas, e já estaremos a navegar Tejo acima. Pelo mesmo Tejo que, já lá vão muitos meses, num soalheiro dia de Maio, nos viu partir, pesarosos, rumo a um futuro incerto e desconhecido, mas que foi, afinal, a estrada que, embora sinuosa, nos conduziu a este hoje, radiante e desde sempre tão desejado, que na altura era futuro incerto e hoje um presente bem palpável, que força nenhuma, por certo, irá arrastar das nossas mãos, ou do nosso destino.

A esperança de ontem, vaga e imprecisa, transformou-se em certeza, numa realidade que já ninguém admite perder.
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Notas de CV:

(*) O Regresso dos Heróis é um livro do nosso camarada Domingos Gonçalves (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68), edição de autor.

Vd. último poste da série de 16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8679: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (4): O último azar

Guiné 63/74 - P8687: Parabéns a você (302): Manuel Amaro, ex-Fur Mil da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892

Com um abraço do camarada Miguel Pessoa, tertúlia e editores
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Notas de CV:

- Manuel Amaro foi Fur Mil Enf na CCAÇ 2615/BCAÇ 2892 que esteve em Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala nos anos de 1969 a 1971

Vd. último poste da série de 19 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8685: Parabéns a você (301): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8686: Notas de leitura (266): O Fazedor de Utopias, Uma biografia de Amílcar Cabral, por António Tomás (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
O António Tomás não deixará os leitores mais exigentes desapontados. A equidistância joga a favor dele, mais o olhar do antropólogo, com aquela sábia combinação de que o homem influi no meio e este transforma-o, adapta-o, gera novas atitudes, redesenha as mentalidades. Depois, como cientista, entra sem preconceitos não nos santuários de guerrilha mas nos santuários das conversas inacabadas ou pensamentos inconfessados. É mais fácil perceber o que sucedeu na Guiné depois da independência lendo Tomás. Por isso vale a pena estica a recensão até dois momentos fulcrais da vida do PAIGC/Cabral: rumo à independência e o assassínio do líder. Por fim, compete ao leitor ajuizar se é possível aos guineenses, sobretudo a estes, continuar a usar Cabral como o seu pai fundador ou se a descontinuidade em que se vive depois da independência não é um doloroso equívoco alimentado de quimeras e um certo tipo de messianismo.

Um abraço do
Mário


O fazedor de utopias, uma biografia de Amílcar Cabral (2)

Beja Santos

“O Fazedor de Utopias”, de António Tomás (Tinta da China, 2ª edição, 2008) é um livro singular que nos proporciona um antropólogo jovem, angolano, o mesmo é dizer que não necessita de se ater a mitos ou compromissos de índole política com o motivo de estudo e a hagiografia da luta de libertação. O Cabral que ele aqui estuda é um ser humano metido no espaço e no tempo. Tomás liberta a realidade do mito, concentra-se na formação desse jovem cabo-verdiano que aderiu em Lisboa à negritude e depois à africanidade. É um líder que conquista o poder em todas as vertentes: na estratégia política e militar; nos apoios diplomáticos que irá transformar, nos últimos anos de vida, numa confiança tal dos patronos da URSS que estes lhe oferecem armas temíveis que desequilibraram em definitivo o que durante anos se chamou “impasse militar”.

É um Amílcar Cabral que conhece o marxismo mas que sabia que a chave da mobilização não residia nas grandes teorias mas em captar o coração e a razão dos militantes com propostas de resolução dos problemas quotidianos. Fundou uma escola-piloto em Conacri, acompanha diariamente a preparação dos jovens. O modo de fazer a guerra de guerrilhas desobedeceu à lógica do “foco”, tão caro a Guevara: a subversão fez-se no terreno, traduziu-se em sabotagem e liquidação de meios afectos à estrutura colonial: os belgas que exploravam a bauxite no Boé partiram logo; a Sociedade Comercial Ultramarina fechou as portas; a Casa Gouveia abandonou muitos negócios. Cabral não escondeu nunca as suas simpatias pelo maoismo: “Foi a experiência chinesa que serviu de base para a formação do pensamento militar de Amílcar Cabral. Por um lado, teve a oportunidade de se inteirar sobre a teoria chinesa em 1960, aquando da sua primeira viagem ao país. Por outro, foi na Academia Militar de Nanquim que se formaram os primeiros guerrilheiros. A estratégia militar do PAIGC estava impregnada de maoismo. Em 1970, a entrevista à revista Tricontinental, respondendo a uma pergunta sobre a estratégia do seu partido, afirmou que não havia muito que inventar em matéria de insurreições militares, no entanto tinham reproduzido os princípios delineados por Mao Tsé-Tung”.

A guerrilha explorou ao limite da imaginação a complexa rede ideográfica, os obstáculos do tarrafo e a visibilidade que oferecem as lalas na aproximação do efectivo militar que procura o factor surpresa e dificilmente o pode obter. O guineense viveu sempre em guerra, o conflito étnico é permanente, tal como os ressentimentos são constantes, do mandinga contra o fula, do balanta contra a entidade colonial que lhe impõe um chefe alheio à sua etnia. O guineense não conheceu o trabalho escravo como em Angola e Moçambique, a denominação colonial baseava-se essencialmente no preço fixo, não foi a posse de terra que motivou a adesão à guerrilha foi o chamamento à independência com a presença das tropas guerrilheiras em quadrícula. No terreno, ao longo da guerra, deu-se uma alteração na componente militar, os cabo-verdianos foram sendo responsabilizados de actividades mais sofisticadas, da mais variada índole, a luta no terreno foi praticamente entregue aos guineenses. Ciente que esse proletariado pequeno-burguês que aderiu à guerrilha trazia um conhecimento das práticas coloniais, Cabral referiu-se-lhes duramente como teoria do suicídio, ou seja, uma forma de renúncia às estruturas que fundamentam a pequena burguesia como classe. É bem curioso como, após o colapso do pensamento de Cabral na Guiné-Bissau, os teóricos deploram a posteriori que não tenha havido essa renúncia dos quadros que foram tentados pela vida de Bissau e que mergulharam na corrupção e na indiferença pelos problemas populares.

A questão cabo-verdiana é um dos focos de atenção de António Tomás. Cabral que a mobilização em Cabo Verde não poderia ter as mesmas motivações que na Guiné. De um modo geral, os cabo-verdianos não se consideravam colonizados. Acresce que durante décadas o arquipélago viveu a meio caminho para o estatuto de região adjacente, como a Madeira e os Açores. Com ingenuidade, Cabral supunha que o conflito através de um desembarque era a solução desejável. Como se sabe, não houve desembarque de qualquer tipo, a subversão do PAIGC foi sempre mitigada e encontrou barreiras quase intransponíveis junto das classes cultas.

Decorrente do congresso de Cassacá, o PAIGC organizou-se como um Estado dentro da colónia, o PAIGC abriu as chamadas “zonas libertadas” a fazedores de opinião, desde jornalistas e cineastas até deputados e representantes políticos de diferentes tendências. Em próxima recensão aqui se falará de um livro a tal título elucidativo que é “Lutte armée en Afrique” e que tem a ver com a viagem que Gérard Chaliand fez à Guiné em 1966, na companhia de Cabral. A Rádio Libertação tornou-se o elo de ligação dos vários militantes do partido e a peça fundamental na campanha da propaganda. Com a chegada de Spínola, os eixos dessa propaganda do PAIGC tiveram que ser reposicionados, a contra-informação jogou forte sobre a pretensa unidade entre cabo-verdianos e guineenses. Tomás observa que ficam por responder como se processava a gestão e a localização dessas zonas libertadas. A partir da doutrina de Cassacá, o PAIGC abdicou da capacidade de defender pontos específicos no terreno com a excepção dos seus santuários: Morés, Oio, Mata do Fiofioli, por exemplo. Era impossível a permanência de tropas portuguesas em tais santuários. Criou-se uma grande flexibilidade para esses acampamentos/aquartelamentos com hospitais precários, escolas e armazéns. Sempre que necessário, depois do reconhecimento desses locais pelas tropas portuguesas, mudava de posição, sempre aproveitando a vantagem do terreno áspero à volta.

O consulado de Schulz, na óptica de Tomás, foi extremamente benéfico para a doutrina do PAIGC. Em Maio de 1964, Schulz prometera acabar com o “terrorismo” em menos de 6 meses. A solução que encontrou foi o recurso aos bombardeamentos com o esquecimento quase total da sedução social. Com a doutrina maleável do “bate e foge”, o PAIGC, em muitas zonas, foi confinando as tropas a duas ou três operações por ano e a diferentes patrulhas de reconhecimento à volta. A escolha de Spínola é uma tentativa de travar a progressão do PAIGC. Nessa altura, a Guiné já não tem qualquer importância económica para o Império português, a CUF suspendera as suas actividades. É facto que Spínola busca inicialmente trunfos militares mas equilibra essas actividades ofensivas com um leque amplo de medidas económicas e sociais que cativam uma boa parte das populações. Esta estratégia retirou populações à guerrilha, os campos ficaram melhor demarcados tudo quanto se encontrasse no mato era para capturar ou abater, fora do contexto do reordenamento. O descontentamento organizou-se no PAIGC, sobretudo ao nível dos estudantes do partido no estrangeiro. Depois veio a machadada da libertação de 92 presos do PAIGC, em 3 de Agosto de 1969.

Rafael Barbosa anuncia que será tão português como Spínola. O presidente fundador, uma das figuras mais complexas deste teatro africano, que se irá revelar um verdadeiro agente duplo, mergulha o PAIGC na confusão. Spínola ainda vai tentar a estratégia da infiltração no chão manjaco, em 20 de Abril de 1970 tal iniciativa acabará numa carnificina, um fechar de portas a qualquer tipo de diálogo.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. poste de 17 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8677: Notas de leitura (265): O Fazedor de Utopias, Uma biografia de Amílcar Cabral, por António Tomás (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8685: Parabéns a você (301): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763

Com um abraço do camarada Miguel Pessoa, restante tertúlia e editores.
Ainda com os votos de que esteja totalmente recuperado e apto para voltar a colaborar com o Blogue.
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Notas de CV:

- Mário Fitas foi Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763, Os Lassas, que esteve em Cufar nos anos de 1965 a 1966.

Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8682: Parabéns a você (300): José Manuel Moreira Cancela, ex-Soldado da CCAÇ 2381

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Guiné 63/74 – P8684: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (13): Como se apanha uma alcunha logo no primeiro dia de Guiné

1. Mensagem de Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 16 de Agosto de 2011:

Caríssimos Luís e Vinhal:
Vai, sem mais demora, um grande abraço para vocês, extensivo aos co-editores e outros colaboradores deste fantástico Blogue gerador da grande família que são os ex-Combatentes da Guiné (há quem defenda que se deve tirar o “ex”).

Em anexo vai mais uma história (100% verídica, claro) para o Blogue, que vocês usarão no indiscutível critério de a pôr ou não e sempre de resultado por mim aceite e de cara alegre.

Pronto e às ordens.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.


Uma história de “Guiné minha”

Dos tais salpicos, das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

Como se apanha uma alcunha logo no primeiro dia de Guiné e fica-se com ela até (pelo menos) à despedida da malta no Cais da Rocha Conde de Óbidos.

Ainda hoje muitos conhecem-se pelas alcunhas e, em alguns casos, sem se ficar a saber os nomes próprios. E isto passados 44 longos anos após o regresso da Guiné.
Pois, nos nossos encontros anuais de Convívio, ainda as alcunhas funcionam e alguns até fazem questão de por assim serem chamados. Nomes de guerra, como se pode dizer, não deram para esquecer.

O Seiscentos, o Barrumas, o Pele-e-osso, o Passarinho, o Trovoada, o Paparôco, o Doutor, o Cow-boy, etc, e mais este que passo a contar:

Chegamos a Bissau, a bordo do Niassa, aos 26 dias do mês de Maio de 1965. Meio-dia, sol brilhante e muito quente este a prenunciar o tempo das chuvas que estava a chegar (não sabíamos, mas ficámos logo a saber).
O Niassa ficou ao largo, devido ao calado (o do barco), e seguia para Angola, aqui também de passagem a deixar tropas e em viagem até Timor.

A última meia milha para o cais de Bissau foi feita em LDG.

Saltámos para as viaturas ali pertinho da Fortaleza d’Amura e, em grande velocidade, a Companhia foi auto-transportada até ao aquartelamento de Brá.

Ficaríamos ali 13 dias. Depois, ala que se faz tarde: OIO. Manga de chocolate, disseram-nos, à despedida de Brá os que ali ficaram de fato amarelo já algo coçado e aterrado, “comandos” e do Briote se calhar.

Nos dias que ficámos em Brá tínhamos transporte por viatura militar a horas pré-determinadas para Bissau e volta.

O primeiro jantar resolvemos, uns poucos de Furriéis da 816, ir comer a um restaurante a Bissau.
Fomos cair ao Tropical, não sei como.

No Tropical comiam-se boas ostras passadas por molho picante num pires e, o que até não era preciso, a puxar por a cerveja. Garrafas de (julgo de 66cl) bebidas em dois ou três tempos.

Isto, mais tarde, quando se passava por Bissau e em transito para férias na metrópole.

Aqui as garrafas vazias de cerveja iam-se amontoando no chão junto à pedreira (as conchas das ostras) e ao lado de cada um, isto é do responsável pelo “lixo” que fazia.
O restaurante ficava numa rua paralela à avenida da República e do lado norte da cidade e na mesma rua do Solar do Dez que ficava mais abaixo lá prá marginal, julgo que relativamente perto do Pidjiguiti.

Falar em Pidjiguiti lembra a foto seguinte:

Dentro de um barco no cais de Pidjiguiti. Eu, à direita, armado em doutor e, do lado esquerdo, é mesmo o “doutor”, camarada da minha Companhia.

O restaurante tinha uma sala bonita e acolhedora. Bem frequentada. Com ar condicionado e tudo.
Gente fina nas mesas, e senhoras muito elegantes também.

Ficámos numa mesa, aí uns seis, e frango assado foi o escolhido da ementa, esta não muito diversa.
Até parecíamos uns turistas. Tudo de roupa à civil e já de indumentária tropical, mas branquinhos de epiderme. A guerra aqui, ficava ao lado, mesmo muito ao lado. Era curioso que só ao entrarmos no mato e de G3 na mão, é que nos lembrávamos que estávamos em guerra. Afora isso, borga, bola, e um uísque ali à mão também dava cá um jeitão.
Vinte anos de idade, de tanta perspectiva e expectativa!

No passeio-esplanada do Tropical, um ataque às ostras. Eu estou mais interessado na bebida do que no fotógrafo

Depois de bem comidos (salvo seja) e bem bebidos, alguém pensou em mandar vir sobremesa, mas naquela altura só havia fruta de calda. Foi a primeira vez que vi fruta em calda. Latas de um litro e em entre outras, havia de pêra, uvas, etc.

Gostei daquilo, e, no futuro, já no mato, muitas vezes ia à cantina comprar uma lata, bem fresca também.

Ainda no Tropical, abrem-se então duas latas e dividem-se as peras, irmãmente, claro.

Após a divisão da iguaria e naquele ambiente fino onde só se sussurrava (uma mesa não ouvia a outra) levanta-se no topo da minha mesa o Furriel Enfermeiro e, para que se ouvisse bem o que ele queria, diz naquele tom de acentuado sotaque algarvio ao homem que ainda tinha a lata na mão:
- Dá-me mais molhinho.

Acabou então ali a prosápia daquele grupo de Furriéis da 816 e ficou ditada a sentença. Dali para a frente, o homem que queria mais molho, passou a ser conhecido pelo Molhinho.
Nem foi preciso alguém alvitrar. Foi automático. Todos passamos a tratá-lo por Molhinho.
E quando nos despedimos no Cais da Rocha Conde de Óbidos, passados perto de dois anos, foi um:
- Até sempre… Molhinho.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8623: In Memoriam (87): Fur Mil João Fernandes Machado da Silva da CCAÇ 816, morto numa emboscada no dia 1 de Agosto de 1965 (Rui Silva)

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 – P8354: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (12): Baile de Fim de Ano na Associação Comercial, mesmo ao lado do Palácio do Governador

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8683: Efemérides (76): Dia da Infantaria em 14 de Agosto de 1961 (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 13 de Agosto de 2011:

Boa noite
Lá fora ouviam-se rebentamentos, ao longe, mas eram rebentamentos.
Olhei à minha volta e recostei-me no sofá. Estava em casa, no meu ambiente.
Os rebentamento cessaram. Devia ser o anúncio de alguma festa popular.
O computador por perto, deu-me a ideia de ir vasculhar um texto que se passou há 50 anos.
É mais um texto do livro, não editado, Refrega.

Aqui fica o registo do que se passou em 12, 13 e 14 de Agosto de 1961.

Bom resto de fim de semana, prolongado.
Um abraço
José Martins


DIA DA INFANTARIA

Já vai longe aquele dia 14 de Agosto de 1961...

Como acontecia naquela época, bastava estudar para se ser obrigado a pertencer à Mocidade Portuguesa, uma organização juvenil de carácter e âmbito nacional.

Já que eu, como estudante, era obrigado a pertencer à organização, o melhor era aproveitar e tirar o maior e melhor partido da situação.

Desde cursos, acampamentos, prática das mais variadas modalidades desportivas ou visitas culturais, tudo servia de escape, numa cidade do interior, onde as ofertas de diversão eram praticamente nulas

A guerra tinha começado há poucos meses em Angola e ninguém imaginava que aquele grupo de adolescentes seriam sérios candidatos a combatentes, uma vez que, na versão oficial, as nossa tropas somavam, em cada dia que passava, retumbantes vitórias sobre o inimigo, apesar das noticias que corriam “à boca pequena” indicarem que a situação era extremamente grave.

Foi o Cónego Carlos, Assistente Religioso da Ala de Leiria da Mocidade Portuguesa, que, no final de um encontro de graduados, naquela cidade, lançou a ideia: ir de Leiria a Fátima a pé, já que o dia 13 de Agosto de aproximava.

Depois do almoço do dia 12, o reverendo ancião saindo do Paço Episcopal, junto ao jardim da cidade e do largo das camionetas, colocando o seu chapéu de abas largas na cabeça, convidou-nos a segui-lo.

Atravessamos a cidade em duas longas filas, transportando as mochilas às costas, e, no nosso íntimo, a Fé que move montanhas. Passamos junto ao Monumento aos Mortos da Grande Guerra, à igreja do Espírito Santo, à Fonte Grande, ...

Para traz ficavam o Castelo, a Ermida de N. Sr.ª. da Encarnação, o Jardim-Escola João de Deus, para onde tinha ido aos quatro anos, a caminho da Cova da Iria.

Percorrendo os caminhos da serra, fomos saudando ou fomos saudados pelos habitantes das várias povoações por onde passávamos, ou, em várias parte do percurso, fazíamos grupo com os outros peregrinos.

Antes da noite cair, já tinha sido instalado o acampamento. Foi dali que partimos para participar nas cerimónias religiosas, que incluía a procissão das velas, durante a noite de doze para treze mas participaríamos, especialmente, nas cerimónias do dia seguinte, que, após a missa terminam com o Adeus à Virgem.

Ainda hoje, quando visito o Santuário, me recordo desta visita, e da água que transportada no meu cantil, matou a sede a muitos peregrinos.

Ao princípio da tarde, terminadas as cerimónias e desfeito o acampamento, fomos transportados em viaturas militares, rumo ao Campo Militar de S. Jorge, para o local onde, através de um monumento se invoca o local onde em 14 de Agosto de 1385 se travou a Batalha de Aljubarrota, entre o exército invasor castelhano e o exército português, comandado por D. João I e D. Nuno Álvares Pereira.

No local já se encontrava um destacamento militar. Nesse ano, as comemorações do Dia da Infantaria iniciavam-se com uma vigília naquele local e terminariam com uma homenagem na Sala do Capítulo do Mosteiro Santa Maria da Vitória, junto do túmulo do Soldado Desconhecido que representa todos os militares mortos na I Grande Guerra, em África e na França, e cujos corpos por lá ficaram.

Manhã cedo, levantamos o acampamento e percorremos, em marcha, a estrada que separa o Campo de S. Jorge do Mosteiro da Batalha.

Junto ao Mosteiro, já se encontrava um grupo de homens, de idade avançada, que cerravam fileiras junto a uma bandeira branca orlada a verde, tendo no centro sobre a Cruz de Cristo, que as caravelas ostentaram durante os descobrimentos, a Cruz de Guerra com a legenda – Liga dos Combatentes da Grande Guerra.

Um ex-combatente da Guerra do Ultramar com o Estandarte do Núcleo de Matosinhos da actual Liga dos Combatentes

Eram Combatentes. Eram alguns dos mesmos que, em 9 de Abril e a 11 de Novembro, se reuniam, ano após ano, junto aos muitos padrões erigidos em memória dos Combatentes da Grande Guerra, recordando aqueles que a guerra fez cair para sempre no campo de batalha, em nome de Portugal.

Muitos deles ostentavam no peito, com merecido orgulho, condecorações ganhas com mérito nos campos de batalha. Eles representavam duas gerações anteriores àquela a que os que acabavam de chegar pertenciam. Eles, os combatentes, ali firmes e aprumados, continuavam a honrar a sua pátria. Para eles foi o meu carinho e vai a minha saudade, como se fossem o meu próprio avô e os meus tios, que também por lá andaram.

Após o toque de apresentar armas ouviu-se o Hino Nacional. As bandeiras levantaram-se ao vento, descobriram-se as cabeças, prestaram-se as honras militares.

Hoje, muitos anos passados, nas datas comemorativas da Batalha de La Lys ou do Armistício, há muitos daqueles adolescentes, entre os quais me encontro, hoje já homens e veteranos de guerra, reunimo-nos junto aos Padrões de Guerra erigidos por todo o país, sob a mesma bandeira, homenageando os nossos antepassados e combatentes de todos as batalhas da nossa já longa História. Nós sabemos bem o que é servir a Pátria como Militares e como Combatentes.

04/JULHO/2000

(este texto pertence ao livro, não editado, com o título REFREGA, escrito como catarse a problemas surgidos com o PTSD)
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Notas de CV:

- Foto do Castelo de Leiria retirada de Lendas de Leiria, com a devida vénia

(*) Vd. poste de 14 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8670: Blogoterapia (185): Ageism ou a discriminação face à idade? (José Martins)

Vd. último poste da série de 14 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8669: Efemérides (54): 104.º aniversário de Miguel Torga (Felismina Costa)

Guiné 63/74 - P8682: Parabéns a você (300): José Manuel Moreira Cancela, ex-Sold Ap Armas Pesadas, CCAÇ 2382 (Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70)

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Notas de CV:

- José Manuel Moreira Cancela, foi Soldado AM da CCAÇ 2382, Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70.

Vd. último poste da série de 10 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8654: Parabéns a você (299): Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 e Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCAÇ 4745

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8681: História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74): Ilustrações (Parte III) (Jorge Canhão)




1. Mais ilustrações retiradas da História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74), unidade que foi rendida já depois do 25 de Abril de 1974 pelo BCAÇ 4612/74 (ao qual  pertenceu o nosso co-editor Eduardo Magalhães Ribero).... (Sobre esta aparente confusão de dois batalhões com o mesmo número, ler o poste do nosso camarada Agostinho Gaspar, P7414, de 10 de Dezembro de 2010).


Um exemplar, fotocopiado, da história desta unidade, o BCAÇ 4612/72,  foi-nos oferecido em tempos  pelo nosso camarigo Jorge Canhão (ex-Fur Mil 3ª C/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74).  O Jorge há havia aqui publicado uma série de postes com a história do batalhão... 

Como já foi referido anteriormente (*), este documento tem cerca de uma dúzia de interessantes (e raras) ilustrações, feitas a estilete sobre "stencil" por um ilustre desconhecido... 

Entendemos que algumas destas ilustrações (ou melhor, as imagens com melhor resolução) têm qualidade suficiente para merecerem também vir à luz do dia.

Referem-se também alguns aspectos da actividade operacional deste batalhão, no período de Outubro de 1973, com destaque para os trabalhos de reordenamento (planeamento, para a época seca, da construção de 270 casas, reconversão de 35, abertura de 10 poços com bomba, além da construção de algumas escolas, postos sanitários e lavadouros). 

Esta unidade foi rendida já depois do 25 de Abril de 1974 pelo BCAÇ 4612/74 (a que pertenceu o nosso co-editor Eduardo Magalhães Ribeiro).

Imagens: Cortesia de  Jorge Canhão (2011).
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Nota do editor:


Guiné 63/74 - P8680: Tabanca Grande (297): José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74)

1. Mensagem do nosso novo camarada José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74, com data de 15 de Agosto de 2011:

José Carlos Ramos dos Santos Gabriel
Nascido a 01 de Novembro de 1951
Natural de Cova da Piedade – Almada
Residente na Amora – Seixal
1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74

Camaradas
Só agora me passou pela ideia sondar no Google a possibilidade de encontrar algo relacionado com o BCAÇ 4513 e eis que me deparei com o vosso/nosso blogue e Tabanca Grande.

Já tentei ler o mais possível algumas das notícias colocadas no mesmo mas terei que o fazer com mais calma para me ir relembrando de algo com interesse para enviar.

Infelizmente não tenho recordação do embarque para a Guiné do Batalhão em virtude de na data da partida me encontrar a prestar serviço na Defesa Nacional e não me ter sido permitido embarcar sem ter o meu substituto presente, razão pela qual só embarquei em 12 de Maio 1973 nos TAM, depois de muita insistência minha com o receio de vir a passar a rendição individual.

Agradeço a todos os meus ex-camaradas da altura que se prontificaram a fazer o meu trabalho até chegar o meu substituto pois sem este apoio não me teria sido dada a possibilidade de embarque.

O meu regresso também não foi com o Batalhão porque estava de férias na dita Metrópole a poucos dias de regressar à Guiné quando recebi um telefonema de um camarada a informar que o Batalhão já tinha regressado e para me dirigir ao quartel do Campo Grande para fazer o espólio.

Durante o tempo de permanência na Guiné vim sempre de férias logo que me era permitido visto já ser casado e ter a minha filha, e foi numa destas situações que mais uma vez não me juntei ao Batalhão no regresso.

Ainda mantive contato até 1997 com dois camaradas, o 1.º Cabo Rádio Telegrafista Luís Oliveira e o Furriel de Transmissões Roque, ambos residentes no concelho do Barreiro mas por razões da minha mudança de situação profissional perdi os contatos.

Relembro neste momento um torneio desportivo efectuado em Aldeia Formosa e se a memória me não atraiçoar terá sido em 1973 onde fui representar a 2.ª CCAÇ na modalidade de andebol e futebol de salão, hoje conhecida de FUTSAL.

As memórias vão aparecendo conforme vamos vendo as imagens e lendo os comentários de outros camaradas.

Saudações amigas e um até breve.
José Carlos
jocamora@gmail.com


2. Comentário de CV:

Caro camarada José Carlos Gabriel, bem aparecido nesta Tabanca Grande, Caserna Virtual, onde as portas de entrada estão sempre escancaradas de modo a que qualquer ex-combatente da Guiné possa entrar sem bater.

O teu Batalhão, mobilizado pelo RI 15 de Tomar, está registado na Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 7.º Volume - Fichas das Unidades, Tomo II - Guiné, como BCAÇ 4513/72, que embarcou para Guiné em 16 de Março de 1973. A tua 2.ª CCAÇ regressou em 4 de Setembro de 1974.

Pelo que nos contas, andaste sempre de candeias às avessas com o teu Batalhão. Não foste com a malta por impedimento de funções, olha o teu "azar" e ainda por cima a "guerra acabou" estavas tu junto da tua família. Até nem te podes queixar muito.

Tens com certeza, pelo meio, muitas histórias para contar e algumas fotos para mostrar. Este blogue está à tua inteira disposição para publicar os teus trabalhos.

Até novo contacto, fica com um abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores.

O teu novo camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8678: Tabanca Grande (296): José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876 (Bissum, Pirada e Bula, 1966/67)

Guiné 63/74 - P8679: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (4): O último azar


O Regresso dos Heróis*

Por

Domingos Gonçalves
(Ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887)


DEDICATÓRIA
A todos os colegas da CCAÇ 1546 do BCaç 1887



IV - O ÚLTIMO AZAR

Dia 14
Ao alvorecer o Alfange encostou ao cais de Binta e todo o pessoal foi autorizado a desembarcar. Depois de uma noite sem dormir, passada no rio, sair do barco foi um grande alívio. Ao sentirmos sob os nossos pés terra firme todos sentimos um grande alívio, um alívio enorme, que só as pessoas que algum dia tiveram a sensação de insegurança que nós tivemos durante a noite, poderão calcular.

Pelas doze horas, um Cabo da Companhia de Caçadores N.º 1546, o Cabiço, pegou numa granada de “rocket”, que estava abandonada, sem quaisquer condições de segurança, para a mostrar a um colega da Companhia de Comando e Serviços. Depois, atirou-a ao chão, ou ela caiu-lhe, e a granada explodiu com toda a violência. O Primeiro Cabo sofreu ferimentos mortais, tendo sucumbido ao fim de poucos minutos, enquanto que os dois outros colegas sofreram ferimentos menos graves e foram evacuados para Bissau de helicóptero. Chama-se a isto o azar do último dia... A morte a chegar quando já ninguém espera por ela...
Impressionante fatalidade... Iniciámos a viagem cheios de esperança, e o destino obrigou-nos, inesperadamente, a regressar ao ponto de partida... Era a morte que ficava faminta, desdentada e emagrecida, se não tivéssemos vindo outra vez ao seu encontro, para desta forma lhe saciarmos o apetite. E quantas vidas ela ceifará ainda, assim rudemente, de entre aqueles que vieram agora ocupar o espaço que deixámos livre!

Esta morte é apenas o resultado da imprudência e do desleixo do nosso chefe. Quantas vezes lhe foi dito:
- Capitão... Mande retirar dali aqueles explosivos... Qualquer dia assiste-se aqui a um acidente... Até o seu cachorro pode causar ali uma explosão...

Mas foram inúteis todas as palavras... Todos os avisos.
E agora que o pior aconteceu, não se pede responsabilidade a ninguém... Perdeu-se mais uma vida assim tão estupidamente, e ninguém vai incomodar-se com isso! Como tem pouco valor para estes comandos a vida de um soldado!

Pelas três horas da tarde todo o pessoal regressou para bordo do Alfange, e escoltados por outro barco de Guerra, que entretanto chegara a Binta, e por uma esquadrilha de aviões T6, que foram sobrevoando e observando as margens do rio, iniciámos de novo a viagem para Bissau, desta vez sem qualquer incidente.
A viagem foi longa e penosa. Este tipo de passeios pelo rio não deixam de ser martirizantes, mesmo quando se leva na alma a alegria que sentem os fugitivos do inferno.


Dia 15
Pelas nove horas da manhã o Alfange atracava ao cais de Bissau. Apesar de muito cansados havia no rosto de todos nós uma sensação de alívio. Depois de tantas horas de ansiedade e sofrimento, era a sensação de entrar no paraíso.

As viaturas militares levaram-nos para Brá, Companhia de Adidos, onde ficámos a aguardar transporte para a Metrópole. Somos quase pessoas livres... Este mundo de escravatura e de senhores de comportamentos loucos não passará, dentro de breves dias, de uma longínqua recordação. Agora, durante breves dias, vamos gozar as últimas delícias de Bissau, nas explanadas simples, bebendo cerveja fresca e saboreando mariscos. Serão estas as melhores lembranças que vamos guardar desta terra onde nunca entendemos o que nos mandaram para cá fazer. E agora já é tarde... Nunca devidamente o entenderemos...


Dia 16
Vamos passando o nosso tempo nesta cidade que, sem nós, seria uma terra sem vida e sem movimento... É uma folia... Cada um, na medida das suas possibilidades, vai comprando algumas recordações...

É o dinheiro da tropa que dá vida a este comércio, a estes bares e restaurantes, a toda esta miserável capital da Guiné...
O que há de bom aqui são os mariscos... E os bons petiscos dos pequenos restaurantes! Como há dificuldades em trocar os escudos que circulam aqui na Guiné pelos que circulam na Metrópole, e quando tal se consegue é com razoável prejuízo, gastam-se aqui as parcas economias constituídas com a parte do pré que nos pagaram aqui. É que nas localidades do interior, por onde andámos, nem condições havia para se gastar dinheiro. Se exceptuarmos as mal abastecidas cantinas militares, onde para além de bebidas, conservas e alguns artigos de higiene nada mais havia para comprar, essas localidades, regra geral, não tinham casas comerciais, nem cafés, nem restaurantes, nem cinemas. Por onde andámos apenas havia fome miséria e pobreza, que a presença da tropa às vezes ajudava a minorar. E talvez seja esse o único factor positivo que levará, amanhã, estas populações a lembrarem-se de nós.


Dia 17
Foi igual ao dia 16.

Dia 18
Foi igual ao dia 17


Dia 19
Acompanhei 20 soldados a exame de 4ª classe. Fizeram as provas escritas. A sabedoria deles não era muita, mas eu lá fui fazendo de espírito santo de orelha. Devem passar todos.

Dia 20
Voltei com os soldados a exame. Hoje fizeram as provas orais. Passaram todos. Este diploma é a única coisa importante que levam desta terra... Que lhes seja muito útil, é tudo quanto lhes desejo.


Dia 21
Nada de especial aconteceu...


Dia 22
Imposição das insígnias das campanhas da Guiné a todo o pessoal do Batalhão de Caçadores 1887. Houve desfile com fanfarra. Além do Batalhão, desfilou um Esquadrão de Cavalaria, uma Companhia Independente e um Pelotão de outra Arma qualquer, que não cheguei a identificar.

O Batalhão N.º 1887 recebeu um louvor colectivo do Comandante Militar da Guiné. É uma riquezinha que nos vai servir para muita coisa! Se estes soldados fossem viver dos louvores colectivos, ou individuais, que a tropa dá, quando muito bem se lembra, estavam todos mais do que tramados. Se ao menos estes louvores servissem para limpar das cadernetas militares os castigos que sem justificação razoável em muitas delas constam averbados, e que vão impedir que muitos destes homens possam aceder a empregos públicos, enfim, que se desfizessem por aí em louvores! Mas, com aquilo que não vai servir de nada para ninguém, porque nos continuam a chatear!

Seria bem melhor que estes homens quando chegassem às suas terras pudessem contar com estruturas de apoio que os ajudassem a conseguir trabalho, a ter condições de acesso a cuidados de saúde, de que tanto vão carecer, e a uma boa integração no meio social e familiar. Sem isso, para que vão servir as condecorações e os louvores? Todos nós, em maior ou menor grau, precisaremos de ajuda... Mas de louvores, presumo, ninguém precisa... Muito menos tratando-se destes louvores colectivos...
As sequelas desta vida de sofrimento, de um “stress” quase permanente, vão fazer-se sentir ainda por muito tempo, ou talvez para sempre. E não serão estes louvores a amenizar, minimamente, as suas consequências.


Dia 23
Aproxima-se o dia do embarque. O “Quanza”, velho navio de passageiros que nos vai levar para Lisboa, está quase a chegar a Bissau. Em breve partiremos... O Comandante da Companhia N.º 1548, do nosso batalhão, reuniu num jantar, no Solar dos 10, os Oficiais e Sargentos da Companhia. Não reuniu nesse jantar os soldados, pois seria um grupo muito numeroso e não tinha condições para o fazer. Ofereceu, no entanto, uma recordação a cada um dos seus homens. Teve, efectivamente, uma ideia feliz. Só os mártires da Companhia de Caçadores nº 1546 não têm direito a nada! Nem ao calor de uma palavra de gratidão e de amizade!

Navio Misto Quanza. Ano de registo, 1929; ano de abate, 1968
Com a devida vénia a Navios Mercantes Portugueses


Dia 24
À noite, pelas nove horas, fui reconhecer as instalações do Quanza, destinadas aos nossos homens. O barco é bastante velho mas, o que interessa, é que nos leve em segurança até Lisboa. O nosso capitão fica em Bissau a resolver, ainda, alguns problemas relacionados com a entrega de material. A notícia agradou a toda a gente. Ficamos com a certeza de que ninguém nos vai incomodar durante a viagem. E todos dizem:
- Deus seja louvado!

Os heróis têm finalmente direito a que os deixem viajar em paz. E quem não foi herói deve mesmo ficar para trás e fazer a viagem longe da companhia destes homens que merecem que a história os não esqueça. Só os grandes em dignidade têm efectivamente direito a fazer em conjunto esta viagem tão desejada.


Dia 25
Pelas nove horas a Companhia disse adeus ao aquartelamento de Brá, na periferia de Bissau, o mais sujo e detestável de quantos até hoje conheci.

Pelas nove horas e meia os homens da Companhia começaram a subir para o barco, com as respectivas bagagens. O almoço teve lugar já dentro do Quanza.

Pelas duas horas, o Comandante Militar da Guiné subiu a bordo, fez um breve discurso e despediu-se de nós.

Pelas três da tarde o pessoal estranho, aquele que não ia seguir viagem, saiu do barco.

Às quinze horas e dez minutos locais o barco começou a efectuar as manobras para sair do cais de acostagem.

Às quinze horas e vinte minutos, serenamente, o Quanza já descia a barra do Geba, em direcção ao mar Atlântico.

Adeus, Guiné!

(Continua)
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Notas de CV:

 (*) O Regresso dos Heróis é um livro do nosso camarada Domingos Gonçalves (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68), edição de autor.

Vd. último poste da série de 13 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8666: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (3): O último susto

Guiné 63/74 - P8678: Tabanca Grande (296): José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876 (Bissum, Pirada e Bula, 1966/67)

1. Mensagem do nosso novo camarada e tertuliano, José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, Bissum, Pirada e Bula, 1966/67, com data de 7 de Agosto de 2011:

Sou José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, natural de Barcelos, residente no Porto.

Embarquei para a Guiné em Janeiro de 1966, tendo regressado em Novembro de 1967. Estivemos em Pirada, Paúnca, Bula, Naga, Bissum, outras localidades pertencentes à zona militar de Bula, também estivemos em Encheia onde fomos dar apoio a um Pelotão que estava cercado pelos inimigos.

A nossa Companhia era de intervenção rápida, onde fosse necessário.

Saúde e felicidades para todos os camaradas em geral

José Lima da Silva
Ex-Soldado 81795/65



2. Comentário de CV:

Caro José Lima, bem-vindo à Tabanca Grande.
Estás apresentado à tertúlia embora te falte a foto actual e uma pequena história. Sabes que nestas coisas não facilitamos e a "jóia" tem que ser paga.

Proponho até que para começar que nos contes como ganhaste aquela Cruz de Guerra que ostentas na foto acima. A foto documenta algum "10 de Junho"? Se sim diz em que ano.
Reparo que não tens emblemas nem armas na farda pelo que estarias já na disponibilidade. Ou estou enganado?

Além de nos pores ao corrente destes pormenores poderás contar-nos outras histórias sobre a tua passagem pela Guiné e enviar-nos mais fotos para publicação. Não te esqueças de nos dizeres que local e situação documentam as fotos, para não acontecer como esta que não identifica o local e a cerimónia.

Já agora ficas informado de que temos na tertúlia o ex-Alf Mil Diamantino Pereira Monteiro da tua Companhia.

Ficamos à espera de mais notícias tuas. Até recebe desde já um abraço da tertúlia.

O teu novo camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

- Estandarte da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 da colecção do nosso camarada Carlos Coutinho, com a devida vénia

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8633: Tabanca Grande (295): Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

Guiné 63/74 - P8677: Notas de leitura (265): O Fazedor de Utopias, Uma biografia de Amílcar Cabral, por António Tomás (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Aqui temos uma surpresa, na esteira da tese de doutoramento de Julião Soares Sousa.

António Tomás é um antropólogo da nova geração, não está enredado em cumplicidades, não está sujeito a silêncios, pôde trabalhar na equidistância de quem é angolano e não precisa de vender teodiceias.

O que ele mais procura nesta biografia é o progenitor de uma lusofonia justificada como o espaço que transformou Portugal e as suas antigas colónias num multiculturalismo onde o espaço da língua portuguesa se tornou multimodo. Tem consciência que é na Guiné que mais fortemente se vive a desilusão das independências, fruto de procedimentos históricos e até propagandísticos. Como antropólogo, sabe que as entrevistas não são neutras, só permitem ver um prisma da verdade histórica.

São estes alguns dados fascinantes que me levam a sugerir a todos os confrades que tenham acesso directo às cerca de 300 páginas deste livro imprevisto, ousado e de uma transparência por vezes brutal.

Com um abraço do
Mário


O fazedor de utopias, uma biografia de Amílcar Cabral (1)

Beja Santos

“O Fazedor de Utopias, uma biografia de Amílcar Cabral”, por António Tomás (Tinta da China, 2007) é um livro singularíssimo na já ampla biografia que abarca os estudos do PAIGC ou a personalidade do seu líder fundador.

António Tomás é angolano, nasceu em 1973 e é antropólogo, o que lhe acarreta enormes vantagens pelo distanciamento (não precisa de se esconder em sofisticados silêncios), pelo não comprometimento geracional (não necessita de cultivar cumplicidades ou de promover mitologias) e pelo olhar que o antropólogo político pode lançar, equacionando a causa de estudo com o ambiente, o tempo histórico da luta anticolonial e as ondas de choque em sucessão entre a vida e o desaparecimento desse fazedor de utopias, Cabral, é incontornável referência revolucionária africana dos anos 60 e 70.

O olhar do antropólogo exige por definição um olhar com inserção e depois apurar, com toda a secura possível, a multiplicidade de nexos, classificando-os sem linguagem encomiástica, derrubando ideias feitas ou desfazendo conceitos mantidos em santuário fechado.

É o que António Tomás faz neste estudo, lembrando-nos logo à cabeça que os cabo-verdianos foram a verdadeira casta colonizadora da Guiné, que foram os cabo-verdianos que ao lado de Teixeira Pinto, conduziram as guerras de pacificação da Guiné, assumiram a liderança de negócios, foram a tutela administrativa e os zeladores da lei colonial. Impuseram a sua língua franca, o crioulo, que, com o passar do tempo, ganhou identidade local.

Não vale a pena disfarçar estas realidades, foram os cabo-verdianos quem durante séculos estiveram à frente das guarnições militares, foram capatazes, notários, professores, executantes da ordem colonial. Assim se pode perceber a mentalidade de Juvenal Cabral e como ele teve até à morte um procedimento de apoio incondicional à política de Salazar, nunca escondendo a sua admiração por Teixeira Pinto. Como diz Tomás, Juvenal Cabral considerava Salazar um político providencial. Definido o contexto em que se formou o jovem Amílcar, o seu despertar intelectual decorreu dentro dos preceitos específicos da cultura cabo-verdiana, a mãe, Iva Pinhel Évora, é o seu referencial, ele não tem ilusões sobre os sacríficos da sua mãe para a formação que recebeu.

É esse olhar de antropólogo que é lançado sobre os anos de Lisboa, ele chega com duas bolsas exíguas que mal dão para pagar as despesas, dá explicações e torna-se um aluno brilhante no Instituto Superior de Agronomia. Temos aqui a vertente do jovem estudante ser confrontado com outro tipo de mentalidade, a do branco que encara o negro à luz da inferioridade, e daí a necessidade de se estabelecer o contexto do que ocorrera na sociedade portuguesa depois da aprovação do Acto Colonial, em 1930.

Cabral está em busca de identidade, os ventos do pan-africanismo começam a chegar a Lisboa, sabe-se que os norte-americanos irão combater os impérios coloniais. Cabral, como outros jovens africanos, acolhe-se ao ideal da negritude. Aos poucos, insere-se no movimento oposicionista ao salazarismo, mas sempre com discrição.

Conclui o estudo, faz o estágio no Alentejo em pedologia, a ciência que se dedica ao estudo dos solos. Depois decide-se a trabalhar na Guiné, ninguém sabe o que o motivou a esta decisão. Chega a Bissau em Setembro de 1952, vem como director-adjunto dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné, cargo que irá acumular com a direcção da Granja Experimental de Pessubé. Enquanto faz o recenseamento da agrícola da Guiné, trava conhecimento com um grupo de naturais e cabo-verdianos.

Cabo-verdianos e guineenses vivem então em mundos jurídicos diferentes: os primeiros são “civilizados”, os segundos, na sua esmagadora maioria, “indígenas”. Ou seja, encontram-se em patamares diferentes de civilização. O seu relatório sobre o recenseamento agrícola é corajoso, faz sugestões para se corrigirem deficiências, chama a atenção para os perigos das monoculturas e recomenda a diversificação das produções.

António Tomás, como mais tarde Julião Soares Sousa, desmonta algumas peças da hagiografia, por exemplo de que o governador da Guiné, Melo Alvim, lhe recomenda que abandone a província, dadas as suas actividades clandestinas. A história foi outra: Cabral e a mulher estavam fisicamente debilitados, não obstante a PIDE já o tem sob mira. Trabalha em África, tem um nome profissional prestigiado, eclodem entretanto os movimentos nacionalistas em África. A Guiné-Conacri torna-se independente, é o ensejo para Cabral se preparar para a clandestinidade. Vindo de Angola, em 1959, ajuda a fundar o PAIGC, escreve integralmente os seus estatutos. Tomás, tal como Julião Soares Sousa, considera que a fundação do PAIGC em 1956 não tem fundamento. Sente-se inspirado pelos ideais da unidade africana, aliás em Angola contribui para a fundação do MPLA. Quem vai mobilizar os guineenses é Rafael Barbosa, ele será a locomotiva da subversão interior até ser preso, em 1962.

Cabral começa a clandestinidade em Paris, daqui prossegue a difusão dos seus ideais tanto no norte de África como em Londres. António Tomás chama a atenção para o documento que ele elabora em Londres e que será difundido também graças ao empenho do jornalista e escritor britânico Basil Davidson. “The Facts About Portugal’s African Colonies” é de facto a primeira denúncia sobre o colonialismo português.

A linguagem é panfletária, atinge rapidamente a opinião pública: 11 milhões de africanos viviam sob a dominação colonial portuguesa, o país mais atrasado e com a mais baixa taxa de escolaridade em toda a Europa. Fala no estatuto do indigenato e na exploração operada pelos grandes interesses das companhias. Como Tomás observa, Cabral é conhecedor das críticas dos próprios agentes coloniais, como escreve: “Nos dados referentes à questão laboral em Angola, Amílcar Cabral havia elaborado o relatório explosivo elaborado por Henrique Galvão e apresentado à Assembleia Nacional em 1947. O documento de Galvão, um autêntico embaraço para o regime, vinha na tradição de outros relatórios, mormente os elaborados por estrangeiros, sobre as leis laborais e o regime de semiescravidão a que estava reduzida grande parte das populações africanas. Esta foi a razão pela qual muitos africanos de colónias portugueses preferiram emigrar ilegalmente para outros sítios, como o Congo ou a Zâmbia. Em Angola, a mortalidade infantil rondava os 60 por cento, enquanto a geral estava fixada em 40 por cento”. O documento, curiosamente é difundido por algumas agências noticiosas internacionais, a principal empresa francesa dá-lhe eco.

Agindo sempre em nome da unidade africana, junta-se aos outros movimentos independentistas e ruma para Conacri. O que se vai passar depois, até deixar de ser olhado com desconfiança por Sekou Touré é matéria conhecida, mas deu trabalho derrubar o medo de que todo aquele armamento até podia servir para um golpe de Estado dentro do país; Cabral impõe-se como líder organizativo, ganha as primeiras batalhas diplomáticas, os primeiros quadros entram em formação. O “ano horrível” de 1961 marca a fuga de estudantes africanos, matéria-prima indispensável para o PAIGC e para o MPLA.

A observação de António Tomás sobre a organização social deste PAIGC pode ser útil para se compreender o que vem adiante: “Na cúpula dirigente estavam os cabo-verdianos, entre os funcionários coloniais recrutados por Amílcar Cabral e os jovens quadros vindos de Lisboa e de outros pontos da Europa; na base encontravam-se os guineenses, camponeses e analfabetos, agarrados às tradições e crenças populares; como estrato intermédio havia os jovens de Bissau, com pouca escolaridade, mas que aprenderiam a manejar a máquina militar do PAIGC, vindo a tornar-se os verdadeiros senhores da guerra”.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8664: Notas de leitura (264): A Guerra de África 1961 - 1964, por José Freire Antunes (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8676: Fotos à procura de... uma legenda (6): Mansanbo, CART 2339 (1968/69)...O pingue-pongue...da vida undergound (Torcato Mendonça)


Guiné > Zona leste > Sector L1  (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Fotos Falantes II... Do álbum fotográfico, mas sem legenda,  do nosso querido amigo e camarada Torcato Mendonça, com ADN português, alma de Viriato, costela alentejana e algarvia, que foi casar ao Fundão... Viveu, em tempos, galharda e patrioticamente, no "bu...rako" de Mansambo, uma obra-prima dos arquitectos, engenheiros, caboqueiros, trolhas, marceneiros e ofícíos correlativos dessa notável empresa que foi a CART 2339, Os Viriatos... 

Ei-lo, aqui, divertidíssimo a jogar pingue-pongue no seu abrigo, com outro camarada que não identifico (será o Carlos Marques dos Santos ?)... O álbum fotográfico do Torcato Mendonça continua a ser uma caixinha de surpresas...

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.

1. Como dissemos no primeiro poste desta série, neste verão do nosso descontentamento, o tempo está bom para fazer charadas, passatempos, palavras cruzadas... E daí esta nossa sugestão:  ajudar a legendar fotos que andam  por aí à procura de quem as legende como deve ser... Com imaginação, com humor, com talento... Temos muitas, em arquivo,  umas mais falantes do que outras... Mas todas falam do nosso quotidiano, em geral nos bu...rakos por onde andámos... 

Amigos, camaradas, leitores: Legendas, aceitam-se... Não se dão alvíssaras... Prometemos tão apenas publicar as melhores legendas (com as respectivas fotos) com honras de caixa alta. As 10 melhores...

Os nossos leitores poderão comentar (ou escrever pequenas histórias sobre) os postes desta nova série  dentro das regras que estão estabelecidas no nosso blogue: por exemplo, os comentários não podem ser anónimos...
(LG)

PS - É esperado que os autores das fotos possam também dar uma ajudinha, uma pista, uma dica, uma ideia...

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de Agosto de 2011 >Guiné 63/74 - P8635: Fotos à procura de... uma legenda (5): Cais do Xime, escoltando rachas de cibe para o reordenamento de Nhabijões (Humberto Reis)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8675: O Nosso Livro de Estilo (4): O que nós (não) somos... Em dez pontos!


Lourinhã > Vimeiro > Monumento comemorativo  e centro de interpretação da Batalha do Vimeiro > Azulejo alusivo  aos combates travados junto à antiga igreja do Vimeiro, em 21 de Agosto de 1808...  Azulejo desenhado e pintado à mão por Salvador (1999).

Foto: Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados


O que nós (não) somos... Em dez pontos! 

(i) Os amigos e camaradas da Guiné têm como maior denominador comum a experiência de (ou a relação com) a guerra da Guiné, entre 1961 (ou 1963) e 1974 (colonial, para uns; do ultramar, para outros; de libertação, para os nacionalistas guineenses);

(ii) Muitas outras coisas nos podem separar (a ideologia política, a religião, a nacionalidade, a origem social, a etnia, a cor da pele, as antigas patentes e armas, etc.), mas essas não são decisivas;

(iii) Quanto ao nosso blogue, ele não é nenhum porta-estandarte, nenhum porta-voz, nenhuma bandeira de nenhuma causa;


 (iv) Somos independentes do Estado, dos partidos políticos e das associações da sociedade civil que de uma maneira ou de outra possam representar e defender os direitos e os interesses dos ex-combatentes portugueses (ou guineenses ao serviço de Portugal);

(v) Somos sensíveis aos problemas (de saúde, de reparação legal, de reconhecimento público, de dignidade, etc.) de todos os ex-combatentes, que passaram pelo TO da Guiné,  incluindo os guineenses que combateram, de um lado ou de outro; mas enquanto comunidade (virtual) não temos nenhum compromisso para com esta ou aquela causa por muita justa ou legítima que ela seja;

(vi) Em todo o caso, a solidariedade, a amizade e a camaragem são valores que procuramos cultivar todos os dias;

(vii) Cada camarada e amigo que aqui escreve (incluindo os leitores que comentam livre e responsavelmente no espaço reservado a esse efeito), compromete-se a respeitar a orientação editorial e as normas éticas do blogue, mas representa-se apenas a si próprio;

(viii) Não somos historiadores; também não somos nenhum portal noticioso; não temos jornalistas profissionais; não temos a obrigação de cobrir a actualidade dos nossos dois países, Portugal e a Guiné-Bissau; abstemo-nos, de resto, de introduzir no blogue a actualidade política, em geral, e dos nossos dois países, em particular;

(ix) Somos apenas um grupo camaradas da Guiné, e de amigos (do povo português e do povo guineense), incluindo familiares de camaradas desaparecidos ou mortos, durante e depois da guerra;

(x) Publicamos narrativas, histórias, estórias, documentos, relatórios, fotos, vídeos, etc., relacionados com a nossa vivência comum, a guerra, de que fomos actores e vítimas, protagonistas e testemunhas...


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Nota do editor:
 

Último poste da série > 14 de Agosto de 2011 >  Guiné 63/74 - P8668: O Nosso Livro de Estilo (3): Sou um pira no blogue, mas penso que captei o seu espírito (J. Pardete Ferreira)