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terça-feira, 18 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24231: (In)citações (238): Da contestação da Guerra, à mobilização e regresso da Guiné, o operário de Sines e a evolução das costelas (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 25 de Março de 2023:

Amigos e camaradas da Guiné

Cruzei-me várias vezes com Jaime Gama no CICA 2, mas apenas falei com ele 4 vezes durante um serviço comum, ele no papel de Oficial de Dia e eu no papel de Sargento de Dia. Foi o único contacto directo que tive e por isso não dá para falar do ex-Presidente da Assembleia da República, enquanto pessoa ou militar. Desse dia recordo a imagem dum individuo pouco falador, não dava nas vistas, não era vaidoso, não era militarista mas cumpria as regras. Depois da minha mobilização foi um exemplo a seguir para evitar problemas na tropa.

No final da recruta do 1.º turno em fevereiro de 1974 no CICA 2, realizou-se a semana de campo numa mata chamada Foitos, localizada na freguesia de Louriçal, apesar de decorrer sem incidentes, ficou gravada na minha memória para sempre. No penúltimo dia da dita semana, uma 5.ª feira, houve melhoria de rancho, o Vitor Costa pouco bebia e não era todos os dias que se comiam febras na brasa (rancho melhorado) e eu aproveitei a oportunidade para regar as febras com tintol. 

Com o aproximar da noite, a bebida a subir à cabeça e eufórico, decidi fazer uma sessão de esclarecimento à tropa contra a guerra colonial, estava a dita tropa já acomodada dentro das viaturas Morris cobertas com toldo. Que seca... deviam pensar os soldados, quem pensa este gajo que é. Quando terminei a sessão lá fui para o acampamento do "IN" a que pertencia, salvo erro, com a arma e as munições simuladas.

No dia seguinte, sexta-feira, com a boca ainda seca, começaram os preparativos para a tropa regressar ao quartel e o Victor Costa ia recordando as peripécias da noite anterior e nem me queria lembrar daquilo que tinha feito. Na segunda-feira seguinte e durante a semana tudo decorreu sem incidentes e eu, já mais calmo, comecei a pensar que afinal não tinha dado nas vistas. Mas veio a outra segunda-feira e, às nove horas da manhã, chamaram-me pelo altifalante do quartel, ao gabinete do 2.º Comandante, o Major Pires. Ao chegar à porta faço anunciar-me, faço a continência e, "V.ª Ex.ª meu Major dá-me licença", segue-se um momento de silêncio e lá veio a resposta:

- Entre nosso cabo miliciano, esteja à vontade. Seguiu-se um período de silêncio.
- Então a semana de campo correu bem - pergunta-me de chofre.

 Seguiu-se um período de silêncio e lá veio a resposta.
- Sim meu major correu bem...
- Hum - ouvi eu...
- Mas, ouvi dizer que houve política que não estava no programa da semana de campo... - 

Silêncio.

Seguiu-se uma lição de meia hora sobre dever, disciplina, exemplo a dar à tropa, a política não era para ali chamada etc. E a terminar:

- Olhe, quero dizer-lhe que foi mobilizado para a província portuguesa da Guiné para render um camarada seu. É tudo, pode sair.

Faço a continência, despeço-me, dou meia volta aos tacões e lá segui para casa, com a convicção que tinha mijado fora do penico e falado de mais. Daquela reunião com o 2.º Comandante, fiquei também a saber com quantos paus se faz uma canoa, ou seja, havia um pau que tinha uma ponta no bico e tinha havido uma mão que tinha aproveitado o pau para escrever.

Aqui começou o início de uma nova vida, seguiram-se 10 dias de licença para tratar da farda e da papelada, no Depósito Geral de Adidos de Lisboa, e apanhar um Boeing 727 da FAP em Lisboa e daí para Bissalanca. Até nisso eu tive sorte, porque foi a primeira vez que andei de avião. Ao chegar a Bissalanca já tinha uma carrinha Mercedes do Exército para me levar para os quartos do QG em Bissau junto ao bar de Sargentos.

No outro dia depois de arrumar a mala com o fardamento e outros pertences, dirijo-me para o dito bar e, ao passar pelas mesas na esplanada, começo a ouvir umas bocas que me eram dirigidas, não liguei e dirigi-me para o balcão.

As bocas, "piu... piu... piu"..., eram de gozo, divertidas, nunca as tinha ouvido e com tendência para aumentar. Que sorte, eu a pensar que ia ver gente triste e carrancuda e sai-me esta cena, a seguir de uma das mesas começa um coro, que só lhe faltava a música. Hoje já não existem praxes pelo menos daquele tipo, para mim que sempre gostei de praxes, esta foi do melhor, ser praxado permite conhecer novas pessoas e uma boa integração melhora o nosso moral.

Entretanto o coro foi aumentando:

piriquito vai no mato... óréréré
que a velhice vai no Bissau... óréréré
salta, salta piriquito... óréréré
que a velhice já saltou... óréréré


E a festa continuou.

Numa das mesas as picadelas tornaram-se mais fortes e foi para lá que eu me dirigi para os cumprimentar. Nem parecia que tinha chegado à Guerra, de onde és pergunta um, não havia sol lá na terra, diz outro, para onde vais? Vai trocar as divisas porque essas cheiram a leite (ainda hoje tenho as divisas de outro furriel). O que queres beber, foi aqui que comecei a beber o bom Whisky Old Parr, simples e seco, porque a água estraga o whisky e este, 5$00 a bolha e 127$50 a garrafa, era barato. 

Só no dia seguinte é que comecei a ouvir relatos sobre a guerra. O ambiente era bom, não fosse a saturação e a pancada no sotão, em alguns "velhinhos" com mais de 28 meses de comissão, fartos daquilo que era a fruta da época a aguardar que os mandassem para casa. Na minha primeira visita ao "Barracão", perdão queria dizer Hospital Militar de Bissau, para visitar uns amigos do "velho" furriel Bilhau da Leirosa, é que vi que tinha chegado à Guerra.

No dia 17 de Março, ao som do altifalante e da voz de Raul Solnado, que falava das munições da Guerra de 1908, recebi a ordem para fazer o espólio dum furriel miliciano morto em combate na região de Bafatá e que era o objecto da minha mobilização.

Foi um momento difícil, conhecer o historial desse camarada, fazer a seleção dos seus pertences para os enviar à família e queimar a correspondência imprópria das cartas enviadas por cinco mulheres ou raparigas que com ele tinham tido uma relação muito íntima, não sei se seriam madrinhas de guerra ou outra ligação qualquer, a verdade é que aquele tipo de escrita até dava vida a um morto. 

Fiquei então a saber que a fotografia dele de camuflado com chapéu à cowboy com a walter de 9 mm a pender para o lado direito pronta a sacar não era nada, quando comparada com a dita escrita das cartas. Apenas o vi em fotografias, não vi nem o caixão e a dita escrita não permitiu saber que tipo de vida levava na Metrópole, prefiro recordá-lo apenas como um guerreiro com tomates.

Entretanto a dita rendição para Bafatá nunca se concretizou, nem cheguei a saber a razão. O facto é que fui direitinho para a CCaç 4541/72 para aprender a arte da Guerra. Depois de começar a beber bom Whisky é difícil parar, só temos que manter o controle da situação. A primeira coisa que me lembro quando cheguei à CCaç 4541/72, foi da minha deslocação ao barraco, perdão queria dizer Bar, pedir um Old Parr e o soldado dizer que não havia,  porque dava prejuízo, foi a minha oportunidade para saber quantas bolhas tinha uma garrafa e ensinar o soldado a gerir o bar. 

De facto 5$00 por cada dose e sendo elas 28, dava para ganhar dinheiro, mas a melhor opção seria vender do Dimple porque a garrafa custava 125$00, ainda hoje é raro o dia, não beber um Whisky a seguir ao almoço. As moedas que ainda mantenho na minha posse têm a ver com Whisky. Na tropa aprendi que há limites para tudo e 10$00 correspondia a dois Whisky e eram suficientes para andar direito, não falar demais, não dar nas vistas e não fazer coisas que nos tragam problemas. É o melhor remédio.

Destas recordações sobre a minha mobilização para a Guiné, resta-me apenas um papel timbrado que a grande maioria não possui, que guardo como recordação e sem complexos de esquerda ou de direita. O facto de ser contra a situação da guerra nas ditas colónias, refletia o pulsar da juventude do meu tempo e ela só trazia problemas, mas uma vez chegado à guerra da Guiné, o meu lado da barricada estava escolhido, a minha obrigação era cumprir e fazer cumprir as ordens, respeitar a hierarquia e fazer a guerra, ali comecei a respeitar aquele povo, mas também a aprender que, afinal, além de ter costelas de esquerda, tinha uma mão direita e um dedo que disparava a G3 apenas com o apoio do braço e da anca do mesmo lado e enquanto existissem ordens as ditas eram para funcionar.

A minha passagem pela Guiné mostrou-me que, se o Regime que nos conduziu à Guerra não era bom, o PAIGC não era melhor e as minhas costelas de esquerda começaram a perder força. Entre outras coisas eu consegui uma Declaração em papel timbrado de uma comissão por imposição, que nem o filho do Secretário do Gabinete do Ministro das Colónias, Baltazar Rebelo de Sousa dessa altura tem. 

 Quando regressei da Guiné esperava-me outra surpresa. Fomos mal recebidos, os empregos eram poucos e muito menos para aqueles que não fossem soviéticos ou próximo deles, mas a tropa e a psícola da Guiné tinham-me tornado mais forte e por isso fui à luta.

No início de 1975 comecei a trabalhar na empresa Sepsa, de Leça do Balio, na montagem da Petrosul em Sines, o centro do furacão da revolução no Alentejo, onde vi e assisti àquela cegueira ideológica dos soviéticos que nada tinham compreendido daquele poema do Zeca Afonso, ou da queima das fitas e da linha férrea entre Coimbra e a Figueira.

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
Quando um homem se põe a pensar
Quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
Dorme a noite ao relento na areia
Dorme a noite ao relento do mar
Dorme a noite ao relento do mar

E se houver uma praça de gente madura
e uma estátua
uma estátua de febre a arder

Anda alguém
pela noite de breu à procura
E não há quem lhe queira valer
E não há quem lhe queira valer

Vejam bem
Daquele homem a fraca figura
Desbravando os caminhos do pão
Desbravando os caminhos do pão

E se houver
Uma praça de gente madura
Ninguém vai levantá-lo do chão
Ninguém vai levantá-lo do chão

Vejam bem que não há só gaivotas em terra
Quando um homem
Quando um homem se põe a pensar

Que poema bonito este.

Mas a realidade era outra, aquela gente no complexo Industrial de Sines esqueceu-se que alguns da minha geração já conheciam o poema, conheciam as praxes académicas de Coimbra e já tinham aprendido a pensar e aquela revolução tinha mais a ver com aquele ditado popular "Olha para o que eu digo, mas não olhes para o que eu faço" e o pior, estava para vir.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24226: (In)citações (237): "Reflexão sobre a pobreza" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

terça-feira, 21 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24159: Os nossos seres, saberes e lazeres (563): O Estado a que isto chegou (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 16 de Março de 2023:


O Estado a que isto chegou

Para mim a guerra não foram só problemas. A capacidade de liderança, tolerância e a resistência aprendi-as na tropa, essa tolerância e resistência foram fundamentais quando iniciei uma nova atividade em 1976.

Numa empresa é fundamental dizer "o cliente tem sempre razão", mas para engolir tantos sapos e aguentar tanta razão, foi precisa muita resistência, tolerância e ouvir muita m..da. Eu sou empresário desde 1976.

Nem sempre há tempo para responder em devido tempo aos comentários, mas neste caso, com um barco da nossa Marinha de Guerra na Madeira, tive de arranjar tempo para escrever esta mensagem, porque ela me trouxe as recordações de um amigo com idade de ser meu pai chamado Maximiliano de Sousa, mais conhecido por Max.

Pouco tempo convivi com ele, mas aquela do "magala", numa conversa com ele numa mesa do café Nicola, depois da sua actuação no salão de festas do Casino da Figueira no outro lado da rua foram inesqueciveis.

Max era um homem vivido, com muita categoria, que não deixava ninguém indiferente, que saudades tenho daquele tempo. A primeira conversa com ele começou numa simples mesa do café Nicola e terminou com a mesa rodeada de assistência.

No que a mim me toca sendo eu um "reacionário" eleito pela CCaç 4541/72 para o MFA, que acima de tudo procura honrar os antigos combatentes, vou voltar a ouvir o "magala" de Max e meditar.

Depois deste desabafo vou responder ao último comentário da minha anterior mensagem.

A carta militar de 1947, mostra o estuário do rio Mondego, junto à Figueira e depois o início do baixo Mondego, que depois continua para Nascente até Montemor o Velho. A constituição do terreno (aluvião) é igual, mas as culturas são diferentes.

Da Ínsua, passando pelo marco geodésico (Pontão), até à Ribeira, para Noroeste é o Estuário do Mondego, para Sudeste da Quinta do Canal, Lares e Carrapatosa e até Montemor o Velho fica o Baixo Mondego, como mostra a simbologia da carta.

Durante mais de 4 anos fiz um trabalho de pesquisa no Arquivo da Universidade de Coimbra sobre escrituras do século XVIII e XIX, relativas a terrenos privados no Estuário do rio Mondego.

Este trabalho permitiu-me conhecer, a evolução da escrita, heróis da época, as virtudes do nosso povo e a covardia de alguns dirigentes que fugiram para o Brasil. Com as invasões francesas, veio o "aliado", o Duque de Wellington para organizar a resistência, este estabeleceu o seu Q.G. no Porto de Lavos em 1808.

A Figueira da Foz era então uma pequena vila em pleno crescimento devido à exportação de sal. Portugal tinha então um cobarde como Rei e com a falta de Forças Armadas capazes, as tropas de Wellington chegaram e fizeram uma política de "Terra Queimada" na região.

A maioria da população refugiou-se na Vila da Figueira que não estava preparada para este aumento de população. Seguiu-se um período de doenças, sofrimento e miséria tais que não constam dos manuais de História, mas que está registada nos velhos livros do Arquivo da Universidade de Coimbra.

Nas escrituras de aforamento do princípio do século XIX, do notário Manuel Peregrino de Carvalho, consta o Dr. Manuel Fernandes Tomaz, um ilustre figueirense do século XIX, deputado do Reino e o seu pai João Fernandes Tomaz. Da descrição consta a utilização de terrenos de aluvião na região de Lares e Carrapatosa, para instalar marinhas, que foram até aos anos 60 do século XX, actualmente são campos de arroz.

A constituição dos terrenos é igual, mas as culturas são diferentes devido ao tipo de água que utilizam. No Estuário a água é salgada e as culturas são Marinhas, Sal, Peixe, Crustáceos e Bivalves e no Baixo Mondego até Montemor o Velho, predomina a cultura do arroz, onde as águas são doces, ambas estão representadas na carta com simbologia diferente.

As invasões registadas na História de Portugal a nós trouxeram muitos problemas, mas também nos trouxeram conhecimento. No Estuário do rio Mondego junto ao mar a invasão do Império Romano trouxe-nos o conhecimento das marinhas para levar o sal até Conimbriga, a influência da água salgada chegava a Montemor o Velho vulgarmente chamado de Baixo Mondego.

A invasão dos mouros trouxe-nos o conhecimento da cultura de produção do arroz e a tecnologia dos canais de irrigação que conduziram a água doce para jusante até ao início do estuário.

As marinhas de sal são constituídas por diversos compartimentos, sendo o primeiro deles o viveiro ou reservatório da marinha, aqui através da comporta entra além de água salgada, peixe, crustáceos e Bivalves, daí que a produção extensiva destas culturas já venha do tempo do Império Romano.

Nos anos 80 do século passado alguns produtores converteram as marinhas de sal e construíram novas instalações para produção de peixe e com a utilização de novos equipamentos, alteraram as instalações para o regime semi-intensivo.

Para exercer esta atividade é preciso saber lidar com a vida animal, a DGRM, ex-Direção Geral das Pescas passou a chamar-lhe Aquacultura Marinha, eu sou um dos pioneiros ainda vivos.

Como a História mostra as invasões e as guerras trouxeram sempre problemas, mas não podemos esquecer aquilo que aprendemos com os romanos e os árabes e também não devemos esquecer aquilo que ensinámos a outros povos, por esse Mundo fora.


O Estado Fascista, o Estado Comunista e o Estado a que isto chegou.

Há gente neste País que colaborou com o IN, outros fugiram cheios de "coragem" e são hoje apresentados como heróis, há outros "democratas" que pediram ao regime "fascista" um adiamento à sua integração nas FA. Esse direito foi-lhes concedido e tratam os ex-combatentes com peste. Há ainda os filhos do papá, que não foram à guerra e opinam sobre tudo e todos e desprezam tudo o que deixámos em África e no Brasil.

Há ainda alguns que procuram o "ouro do Brasil", ou do quinto dos infernos que vinha na Nau dos Quintos para devolver aos "Brazileiros". Deste ouro, ainda só encontrei pedras já que as jóias da coroa foram roubadas na Holanda, está a decorrer a "investigação" e eu como "homem de fé ainda não perdi a esperança", porque a fé é a última a morrer.

Quando regressei da Guiné em Outubro de 1974, a Presidente da C.M. da Figueira da Foz, convocou-me para uma reunião cujo objectivo era a criação de uma comissão para elaborar os Cadernos do Recenseamento Eleitoral da Freguesia de Lavos.

A minha abertura a esta tarefa foi imediata, a caloirice falou mais alto, foi um trabalho que durou dois meses, as eleições de 25 de Abril de 1975 foram realizadas graças ao trabalho deste e de outros "parolos" deste País. Se a velhice fosse um posto, eu devia debitar os serviços prestados pela elaboração dos Cadernos Eleitorais, das inúmeras vezes que pertenci a várias mesas de voto, quatro anos como 1.º Secretário da Assembleia de Freguesia, só para falar destas e tudo isto a custo zero, mas não o vou fazer porque vivemos num "Estado de direito democrático". Hoje até os membros de uma simples Mesa de Voto, recebem 75 Euros pela execução daquela "tarefa dificil".

Já só falta o Presidente, numa qualquer comemoração atribuir um prémio aos parolos, "habituem-se", porque o valor que é dado às coisas depende das "costelas".

Se as "costelas" forem de esquerda, levam-se as facturas ao contabilista para registar, esperamos pelo relatório no fim do ano e sabendo que há contas por pagar, vamos para casa descansados e dizemos ao vizinho "as contas estão certas."

Se as "costelas" forem de direita, além das contas certas, sabemos que é importante pagar as dívidas e ter lucro para não deixar problemas aos filhos.

Estes são os novos tempos, por este andar ainda vou morrer reacionário. Os Donos disto tudo continuam a reclamar o Estado de direito democrático, mas o que nós temos, é o Estado a que isto chegou. Quer gostem ou não, o que está em causa é o Estado de Direito. Quem sabe se não precisamos voltar ao "ferro", ou a outro 25 de Abril?

Antes de terminar quero agradecer ao Luís Graça, Carlos Vinhal e restante equipa pela coragem que têm demonstrado na defesa da liberdade de expressão e pedir-lhes desculpa por não saber elaborar um texto que possam perceber, mas há uma razão para isso, eu sempre gostei mais de lidar com números.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf


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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24154: Os nossos seres, saberes e lazeres (562): Os meus livros. Ao todo, quinze (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23738: (Ex)citações (418): Os Consulados da Guiné, a Preparação Militar e a tarimba dos "velhos" (Victor Costa, ex-Fur Mil, At Inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 23 de Outubro de 2022:

Amigos e camaradas da Guiné
Nem sempre a minha actividade me dá o tempo necessário para escrever sobre os diversos temas aqui abordados. Esta mensagem está relacionada com o meu comentário de 10 de Julho de 2022, sobre as Directivas do Gen. Bettencourt Rodrigues e o MFA, espero que o debate sobre este tema não esteja fechado.

Guardo na memória uma das minhas primeiras patrulhas de reconhecimento feita num local do rio Mansoa próximo da travessia de João Landim durante a noite com o objectivo de verificar se havia movimento do IN.



Os Consulados da Guiné, a Preparação Militar e a tarimba dos "velhos"

Partimos ao anoitecer no fim de Março de 1974, a fim de realizar uma patrulha de reconhecimento e verificar se havia movimento nas proximidades da travessia do rio. As nossas armas eram apenas as G3 e carregadores. O condutor do Unimog levou-nos até ao fim duma picada e aí nos deixou.

Ele voltou para o Quartel e nós iniciámos a patrulha pela mata até chegar a uma bolanha, conheço bem este tipo de terrenos, cresci junto e exerço a actividade de Aquacultura Marinha no Estuário do Rio Mondego.

Sirvo-me da proteção duma maracha coberta de vegetação meio-seca, (pequenos muros de terra), que corriam na direção do Rio, estávamos na época seca e o terreno encontra-se seco e duro, eu ia à frente da secção a visibilidade era boa e a progressão decorria sem dificuldade, mandei aumentar a distância entre nós e paramos algumas vezes durante o percurso para escutar sons que viessem do rio.

Ao chegar ao aluvião brilhante constatei que tinha chegado à praia (sapal) na zona de influência das marés, estava baixa-mar e era bem visível a água turva do rio e a praia, não avancei mais. O nosso peso podia dificultar muito os nossos movimentos se o aluvião não fosse compacto, por isso continuamos a nossa progressão pelo terreno seco ao longo da margem, até ao nosso objectivo.

Procurei um local seguro e ali ficamos umas horas protegidos e envoltos pela vegetação, a vigiar a praia e as águas do rio procurando não fazer movimentos. Era uma noite de luar e a visibilidade era boa. Tinham já passado umas horas e não vimos quaisquer movimentações de pessoas, decidi iniciar o regresso, para ir ao encontro do Unimog.

Depois de sairmos da bolanha voltamos a entrar na mata, vi um mangueiro e uma pequena clareira e reconheci que já tínhamos passado ali no início da missão, estávamos perto do ponto de reunião. O mangueiro pareceu-me um bom local, mandei o pessoal aproximar-se do tronco da árvore e aguardar.

O Soldado Silva tinha à data mais de 26 anos e era o mais velho da Secção, era um militar experiente, chamou-me à parte e perguntou-me se iríamos continuar naquele local e como eu confirmei, comentou: - Olhe que não me parece um sítio bom, se aparece um turra com um RPG e faz pontaria ao mangueiro, pode lixar-nos! - E com o dedo indicador apontou para a malta junto ao grosso tronco do mangueiro e continuou, olhe que nós estamos no fim da Comissão, o nosso último morto foi no dia 7 de Janeiro deste ano e eu quero regressar a casa.

Bati na real, estava a receber uma lição dum soldado e ainda mais, nunca tinha ouvido falar nem conhecia o RPG, não pensei duas vezes, o mais sensato era ouvir o que o "velho" dizia e seguir o seu conselho, ia arriscar para quê? Assim foi, continuamos dentro da mata, fizemos o reconhecimento do local fomos aguardar próximo do ponto de reunião, para escutar o som da chegada do Unimog, que chegou quase ao romper do dia.

Como era possível nunca ter ouvido falar de RPG nem me ter passado pela cabeça aquela forma de utilização. Aquilo para os "velhos" era rotina, uma coisa simples e banal, para mim foi aprender e começar a pedir a sua opinião. Assim se formou um grupo coeso, tudo o que eles precisavam eu procurava resolver e tudo o que eu pedia era feito, minha integração foi tão simples, que passado umas seis semanas a CCaç 4541/72 elegeu-me para a delegação do MFA.

As bolanhas podem ser cultivadas e nós devíamos conhecer e ter presente que a guerra obrigou algumas populações ao abandono das culturas de muitos destes terrenos, em alguns locais desenvolveu-se um sentimento hostil, a maioria das NT nem ligava a isto e por isso uma simples travessia podia pôr-nos numa posição de desvantagem perante o IN.

Existe uma fotografia demonstrativa, no Blogue, do que parece ser um pelotão de homens com água pela cintura a atravessar uma bolanha rodeados de plantas aquáticas, que me parece no mínimo insensato, mas é também um desafio ao heroísmo (tangente à loucura) que se enquadra no livro "homens, espadas e colhões", que Rainer Daehnhardt descreveu sobre a coragem dos nossos antepassados.

A instrução de tiro instintivo é muito importante desde que os instruendos tenham aptidão para isso. Dominar uma arma e o tiro instintivo torna-nos mais confiantes e seguros, mas não o conseguimos sem treinar bastante e gastar muitas munições, o tiro instintivo na guerra não é o suficiente mas ajuda muito, eu dominava essa técnica.

Eu não conhecia as Directivas do Com-Chefe Bettencourt Rodrigues e por isso ver escrito preto no branco "Um cartucho por homem serve para detectar um mau atirador", conhecer a realidade dos factos e não ver uma única palavra escrita sobre a má alimentação, os seiscentos escudos por mês que as praças recebiam, a insuficiente preparação militar das NT, desde praças, sargentos e oficiais milicianos, o livro do combatente - patrulhas - o desconhecimento sobre o terreno da Guiné e a sua ideia que a carne para canhão continuava disponível para tudo, incluindo resistir até à exaustão e deixar cair a Guiné, mas nunca negociar com o PAIGC, foi uma desilusão ler estas Directivas e a sua visão da Guerra.

Não podemos no entanto esquecer que este problema era do conhecimento dos militares que compunham o estado embrionário do MFA, também nunca foi uma prioridade para o MFA. A seguir ao 25 de Abril, havia uma vontade da tropa regressar e quanto mais depressa melhor, o TCoronel Almeida Bruno deslocou-se a Bissau em representação do MFA no dia 7 de Maio de 1974 para promover a reestruturação e apelar à preservação da disciplina e da hierarquia das FA como consta da 1.ª pág. do BI do MFA n.º 1 na Guiné.

Essas decisões foram reforçadas pela Circular n.º 1703 da 2.ª Rep do EME e do Com-Chefe das FA da Guiné de 28 de Maio de 1974, também publicada aqui no Blogue, com as negociações de paz a decorrerem, a disciplina e a hierarquia eram mais importantes do que nunca, só um exército forte e coeso pode fazer uma boa negociação.

Sabendo disto alguns oficiais do MFA preferiram fazer política, Otelo Saraiva de Carvalho admitiu as fragilidades do seu pensamento político ao declarar em (os dias loucos do PREC, pág. 324 José P. Castanheira) "Faltou-me estrutura política que me podia ter possibilitado, desde o início ser o líder da Revolução, se tivesse cultura livresca, podia ser o Fidel Castro da Europa" e quantos membros do MFA quiseram ser os líderes da revolução? Não sabemos, o que sabemos é que foram todos para a Academia para seguir uma carreira militar, mas alguns mudaram de opinião, quiseram ser também revolucionários e nunca tiveram a coragem de assumir que estiveram perto lançar o povo numa guerra civil. Ainda bem que não estive sob as suas ordens, porque tinha que sujeitar-me a ver mais um livro publicado cheio de boas intenções e com a sua opinião sobre a sua verdade dos factos.

Tinha apenas 22 anos, mas percebi perfeitamente o que se passava em Bissau. Apenas um pequeno número de elementos do MFA tomava as decisões, mesmo assim sujeitas à direção do "comité central" de Lisboa, a maioria eram figurantes como eu , o que aconteceu às NT africanas, não devia ter acontecido e o MFA é o único responsável por não saber estar à altura da situação.

Eu nunca precisei do RDM para ser respeitado e exercer a disciplina, mas devo dizer àqueles que à data estavam a 4.000 km de distância que gostavam de ler o RDM e tresler uns Boletins e sabiam de tudo, que a única vez que obriguei um Superior a cumprir com aquilo a que ele estava obrigado, foi precisamente por causa de documentos do MFA e apenas precisei de levantar o braço, acenar um papel com a mão direita e o aviso e, passadas 48 horas, os documentos estavam na minha mão e o problema resolvido.

Em anexo:
Duas fotografias do Rio Mansoa e arredores de João Landim.
Cópia da capa e contracapa do livro de Instrução do Combatente-Patrulhas.
Cópia da capa do livro "Os dias loucos do PREC"- Ad. Gomes e José P. Castanheira.
Cópia da capa e contra capa do livro de Rainer Daehnhardt.
Cópia do papel que exibi na mão direita a um superior.
Cultura de amendoim
Travessia em João Landim
Capa e contra-capa do livro de Instrução do Combatente
Capa do livro "Os dias loucos do PREC"- Adelino Gomes e José Pedro Castanheira
Capa e contra-capa do livro de Rainer Daehnhardt
Papel que exibi na mão direita a um superior

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23732: (Ex)citações (417): A propósito de Amadu Bailo Djaló (1940-2015): mestiçagem, mercenariato, fanado, hospitalidade africana, viagem a Boké... (Cherno Baldé)

sábado, 25 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23384: Memória dos lugares (442): Apenas um mês em Bula e a Mata do Choquemone marcou para sempre a CCaç 4541/72 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 2 de Junho de 2022:

Amigos e camaradas da Guiné,
Apenas um mês em Bula e a mata do Choquemone marcou para sempre a CCaç 4541/72.

Chegados à Guiné em 21 de Setembro de 1972, estes "periquitos", numa das suas ações ofensivas no Choquemone e Ponta Matar tiveram o primeiro embate sério com o IN, na mata do Choquemone em 25 de Novembro de 1972 e são obrigados recolher a Bissau, embalar os seus mortos, para os enviar à família e tratar das suas feridas.

Ainda mal refeitos do desfecho desta operação, vão participar na Operação Grande Empresa em 12 de Dezembro de 1972 e posteriormente ocupar Caboxanque, na região de Tombali, onde estiveram mais de 15 meses e durante este período reforçaram ainda as posições de Jemberem, Cadique e Cufar.

Depois de quase 18 meses de Guiné, vão para Safim, onde chegaram em 6 de Março de 1974 e já com o estatuto de "velhos" foi o merecido descanso do guerreiro, mas para alguns durou pouco. O destacamento de Capunga a sul e o destacamento de João Landim a norte foram de seguida ocupados. Em Safim ficaram o Comando, a gestão corrente da Unidade e os restantes militares.

Fui ter com eles a Safim em Março de 1974, passados 15 dias escrevi um aerograma aos meus pais com uma pequena mensagem a dizer que estava na Guiné e bem. Escusado será dizer que nem eles sabiam que tinha sido mobilizado para a Guiné . Apesar de me sentir bem preparado física e psico e manobrar muito bem as armas, constatei que não era o suficiente. Aqui fui encontrar uma Unidade muito segura, disciplinada e eficiente, nas patrulhas pouco se falava e muito menos de noite, cada um sabia exactamente o que fazer e como fazer, o que tornava tudo muito simples.

Sob o comando do Alf. Mil. Pratas fomos ocupar o Destacamento de João Landim norte, constituído por um pequeno "Hotel" cavado debaixo da terra circundado por uma trincheira, com um chuveiro de água ligado a vários bidões de 200 litros, que deixava o cabelo duro como um capacete e um pequeno barraco com uma arca frigorífica a petróleo para bebidas normalmente quentes e dois unimogs, não existia arame farpado, mas também senti que não era necessário. Não havia nada em redor, nem árvores nem população e tudo isto localizado a meia distância entre Bula e o Rio Mansoa.

O abastecimento de água para os gastos gerais do destacamento, provinha de uma pequena fonte localizada nas imediações de uma Bolanha a uns escassos quilómetros da mata do Choquemone. Com um condutor e a Secção de infantaria armada, partimos na direcção de Bula com um auto tanque de 5000 litros atrelado ao unimog. Depois de passar o Quartel, virávamos à direita e íamos por uma picada que nos levava até à fonte e aqui, depois de encher o auto-tanque, regressávamos ao destacamento.

Tinham passado já 18 meses, todos haviam esquecido o nome Choquemone ou parecia. Na verdade os "velhos" pouco falavam disso, mas aquela mata e o dia 25 de Novembro de 1972 estavam bem presentes na sua memória e agora voltar ali a Bula, bem perto da mata foi quase como voltar ao princípio e vieram as recordações.

A minha integração foi muito simples, os problemas deles começam a interessar-me e passam também a ser meus. Fazer baixas ao IN era para mim estar do lado certo da História e bem, os nossos camaradas mortos assim o exigiam, sinto que pertenço a este corpo, o resto era conversa, a Figueira e a Metrópole eram para esquecer, tinham ficado para trás.

As patrulhas e as operações de segurança da travessia do Rio Mansoa, feitas pela secção de infantaria. decorriam sem problemas. Até parecia que a Maria-turra e o PAIGC também se lembravam bem da CCaç 4541/72, sabiam quem eram, de onde vinham e dos "coices de mula" que tinham trocado no Choquemone. Eu sabia apenas das nossas baixas mas não das deles.

Na Cronologia da Guerra Colonial - 1972 - 2/2-por José Brandão estão registados 6 mortos em combate (cinco da CCaç 4541/72 e um paraquedista do BCP 12) todos no dia 25 de Novembro de 1972.

Guardo na memória os lamentos e a revolta do Silva, um soldado experiente, (de 26anos) o de óculos escuros na fotografia à entrada da LDM no Rio Cumbijã, um dos que me relatou a operação na mata do Choquemone em 25 de Novembro de 1972, apenas 2 meses depois da CCaç 4541 chegar à Guiné e recordo também o 1.º Cabo Dantas de G3 na mão no meio da malta, ambos da minha Secção.
Choquemone > Posição relativa a Bula e Binar. Infogravura © Luís Graça & Camaradas da Guiné 

Tratou-se de uma emboscada seguida de outra, com envolvimento, numa mata densa do Choquemone de que resultaram 5 mortos e 12 feridos em combate e entre os feridos o Comandante Sr. Cap. Mil. Inf. Dias Silva, que obrigou à intervenção de 2 Fiat G91, 1 helicanhão e 1 helisocorro para evacuação de feridos, tendo a CCaç 4541/72 na sequência desta operação recolhido a Bissau.

Não sei se a morte do paraquedista das forças do BCP 12 neste mesmo dia, está relacionada com esta operação. Toda esta informação é resumida mas é tudo o que disponho.[1]

Será possivel tornar público o relatório desta operação na mata do Choquemone, comandada pelo Sr. Cap. Dias Silva no dia 25 de Novembro de 1972, ou alguma informação complementar da FAP, BCP 12 ou algum camarada, para conhecer em pormenor o que foi e como terminou esta operação, qual o número de baixas do lado do IN e corrigir algumas informações acima descritas que possam estar incorrectas.

Quero agradecer ao José Guerreiro da CCaç 4541/72 pelas fotografias do Sold. Silva e do 1.º Cabo Dantas aqui publicadas em 07 de Abril de 2013 e 31 de Janeiro de 2013, respectivamente, porque me permitiram recordar as acções e vivências do tempo de aprender com os "velhos", que influenciaram o meu percurso de vida ao longo destes anos. Por tudo isto eles merecem bem a minha homenagem.
1.º Cabo Dantas segurando a sua G3
Soldado Silva junto da LDM

Fotos: © José Guerreiro da CCAÇ 4541/72. Todos os direitos reservados

Junto fotografia da constituição da minha Secção de Infantaria

O meu obrigado e um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur. Mil. At. Inf.

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[1] - Notas do editor:

i - O militar paraquedista referido faleceu em combate durante a Op. Urso Vermelho em Cufar-Bedanda pelo que nada tem a ver com a emboscada sofrida pelo pelo pessoal da CCAÇ 4541/72. 

ii - Os militares da CCAÇ 4541/72 mortos na emboscada de 25 de Novembro de 1972, foram:

- 1.º Cabo Radiotelegrafista Fernando da Conceição Fernandes
- Soldado Atirador Germano de Jesus Almeida
- Soldado Atirador José António Ferreira Correia
- Soldado Atirador Manuel Gomes Neto

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23261: Documentos (38): Boletim Informativo n.º 2 do Movimento das Forças Armadas na Guiné, de 17 de Junho de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 12 de Fevereiro de 2022:

O período 1974/75, a que chamo cinzento ou de má memória começou em Junho de 1974 e terminou em 25 de Novembro de 1975. Neste período estivemos perante o espectro de uma guerra civil e ao contrário do que alguns teóricos bem pensantes dizem, só somos um povo de brandos costumes até a mostarda chegar ao nariz, porque a partir daí...

Com o 25 de Abril, assistimos a uma multiplicação do número de revolucionários e cada um deles mais revolucionário que o outro. Em pouco tempo deixaram de existir militares que serviram o antigo Regime ou foram poucos os que o fizeram. Foi um autêntico milagre das rosas, da disciplina à hierarquia que durante anos nos habituámos a seguir, era-nos agora proposto mudar para um sistema de centralismo "democrático" do Leste, a ser aplicado à tropa, rapidamente e em força.

Dizia o Ex-Chanceler alemão Willy Brandt, quando questionado sobre o seu passado revolucionário que: Ser revolucionário até aos 28 anos de idade, é normal, faz parte da natureza humana, mas continuar a sê-lo depois dos 28, qualquer coisa está errada. Esta citação aplica-se que nem uma luva a muitos dos nossos militares na Metrópole e na Guiné.

Existem títulos e artigos no Boletim Informativo n. º 2 do MFA na Guiné que merecem ser lidos com atenção e em particular o da Reunião de trabalho do MFA na Guiné. Este tem duas referências ao Sr. Gen. Spínola, uma referência ao Sr. Gen. Galvão de Melo, a determinante da evolução será a relação capital-trabalho e que a revolução ora iniciada só poderá prosseguir numa base de aliança Povo-MFA e Governo e continua, assim a Comissão Coordenadora assoberbada de trabalho, não tem exercido as funções para que foi criada, fim de citação (depreende-se que fosse trabalho político), a Comissão Coordenadora (de 7 elementos) irá ter, além das funções de membros do Conselho de Estado a de se constituir em repartição de Relações Públicas e Acção Psicológica (espécie de 5.ª REP.) que funcionará ao nível do EMGFA - (cá está, 5.ª REP, já só falta atribuir o nome correcto) - , foi criada a Polícia de Informação Militar (PIM), no seio das FA começa a esboçar-se uma divisão entre esquerda e direita, falta de legislação própria para os saneamentos levanta-se novamente o problema da politização das FA etc, etc, etc.

Das referências e títulos atrás citados, há pelo menos dois que se destacam, a Polícia de Informação Militar (PIM) e a espécie de 5.ª REP. - (a Comissão Coordenadora assoberbada de trabalho), trata-se de uma referência a trabalho político intenso desenvolvido e com uma linha política clara, que poderá conduzir a uma caça às bruxas. Para mim um simples leitor do Jornal República, as cito - (sugestões para o trabalho a realizar pelas Delegações do MFA) -, e outros Títulos desenvolvidos que constavam do Boletim Informativo n.º 2 do MFA na Guiné, era areia demais para a minha camioneta, agora sim, já não restavam dúvidas, daqui para a frente seria sempre cumprir e fazer cumprir as ordens do Comando. Mesmo assim, lá guardei estes papéis como recordação, mas estava longe de imaginar o poder e a influência que a 5.ª Divisão viria a ter na Guiné e na Metrópole. Ainda bem que o fiz, hoje dá para os ler, olhar para trás e ver como era.

Espero que a publicação destes boletins sirva para mostrar como decorreu o período de negociações e transferência de soberania na Guiné e porque aconteceram algumas quebras na cadeia de Comando que afectou a hierarquia e a disciplina em algumas Unidades, com efeitos negativos na imagem das NT.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur. Mil. Inf.

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23187: Documentos (37): Boletim Informativo n.º 1 do Movimento das Forças Armadas na Guiné, de 1 de Junho de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23234: (In)citações (205): O general Spínola, a guerra e a paz (Victor Costa, ex-fur mil, At Inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)


Guiné > Sector de Bissau > Safim > CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar e Safim, 1972/74) > Maio de 1974 >  Eu e a minha lavadeira e a sua famíla. Foto de que lhe ofereci uma cópia.

Foto (e legenda): © Viictor Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), natural da Figueira da Foz, e membro nº 855 da Tabanca Grande :

Data - terça, 3/05/2022, 19:48
Assunto - O General Spinola, a Guerra e a "Psicola", na Guiné

Amigos e Camaradas da Guiné,

Quando cheguei à Guiné, o General Spínola já não estava no Comando do Território, no entanto o seu nome era citado frequentemente com opiniões a favor ou contra. Foi um personagem que mexeu com todos e não deixava ninguém indiferente.

Passei a conhecer e admirar Spínola a partir de uma entrevista dada por Leopoldo Sedar Senghor em 15 de Junho de 1974.

Para mim, fosse ele de esquerda ou de direita, era pouco importante, considerava-o um grande guerreiro, que procurou a paz para a Guiné e dava muita importância à Acção Psicológica e à vantagem militar para dar início às negociações de paz numa posição de força, mas não tinha habilidade para a política.

Na CCaç 4541/72 era frequente os "Velhos" falarem da "Psícola" do Gen. Spínola. Tratava-se de ele oferecer prendas a um Homem Grande, onde constavam um rádio de 6 transistores, uma camisa garrida e uns óculos escuros.

Como eu tinha vindo do Leste da Guiné,  nunca tive oportunidade de ver estas acções, mas o que sei é que ele dava muita importância às condições físicas e mentais da tropa e ao exercício da Acção Psicológica e utilizava tudo para conseguir um bom relacionamento com as populações locais.

Eu acabei por receber essa influência dos "Velhos", não ofereci óculos escuros, que era visto duma forma depreciativa, porque talvez o exemplo não fosse o melhor, mas também utilizei a "Psícola", chegando a brindar a minha lavadeira e família com uma fotografia conjunta. 

Na guerra devemos sempre manter boas relações com a população porque nas patrulhas podemos vir a precisar, eu próprio verifiquei isso e não custa nada procurar evitar atritos, que nos possam trazer desvantagem no futuro.

Penso que seria uma mais-valia os camaradas lerem a entrevista republicada no Boletim Informativo n.º 2 do MFA,  de 17 de Junho (de «Jeune Afrique»,  n.º 701 de 15 de Jun 74) nomeadamente a opinião do Representante do IN (PAIGC), o Presidente do Senegal Leopoldo Sédar Senghor, "O meu papel acabou", sobre o que ele pensava do General Spínola e a descolonização da Guiné.

Não pretendo fazer nenhuma crítica sobre outras formas de ver estas questões mas apenas emitir a minha opinião. Mas lembro que por vezes agarramo-nos a preconceitos, não vamos ao fundo da questão, não vemos o personagem na globalidade e acabamos a desvalorizar os valores do nosso País, em detrimento de outros. 

Por isso continuo a admirar Spínola e a dar valor aos nossos, porque se não o fizermos, quem o irá fazer? (*)

Segue em anexo a fotografia e o texto da entrevista. (**)

Um abraço do Victor Costa
Fur Mil At Inf
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 24 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23196: (In)citações (204): As comemorações do dia 25 de Abril de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

(**) A publicar, num outro poste, na série "18º aniversário do nosso blogue"

domingo, 24 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23196: (In)citações (204): As comemorações do dia 25 de Abril de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

Safim, Abril de 1974 - Lendo o jornal República


1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 5 de Fevereiro de 2022:

Amigos e camaradas,
Apesar de muito importantes, as fotografias não dizem tudo sobre nós. Esta mensagem e a fotografia anexa pretende recordar um período da nossa História que eu vivi intensamente.
A fotografia que vos trago hoje é de um membro da Delegação do MFA de 22 anos de idade da CCaç 4541/72, nos balneários do Quartel de Safim a ler o Jornal República.

Fundado em 15 de Janeiro de 1911, o jornal República, foi um Jornal da Oposição moderada ao Governo do Estado Novo e como muitas outras instituições e pessoas deste País não resistiu ao vendaval do PREC.

Na minha opinião, as duas datas mais importantes antes e depois do PREC são o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, por isso dou muita importância às Comemorações do 25 de Abril de 74 porque pôs fim ao Estado Novo e à Guerra Colonial e também dou muita importância às comemorações do 25 de Novembro de 75, porque sem esta data, continuaríamos seguramente a não ter, a democracia, nem o País que ainda temos hoje.

É no entanto necessário falar do que aconteceu entre estas duas datas, isto é - a 5.ª Divisão do MFA e o PREC-, para percebermos como chegámos ao 25 de Novembro de 1975.

Em 17 de Junho de 1974 é publicado na Guiné o Boletim Informativo n.º 2 do MFA na Guiné, em formato A3 que refere nomeadamente na sua pág. 4, cito - Constituição de uma Repartição de Relações Públicas e Acção Psicológica (espécie de 5.ª Repartição) a funcionar ao nível do EMGFA, - que mais tarde se assumiu na Metrópole em 9 de Setembro desse mesmo ano como - 5.ª Divisão do MFA .

Neste documento começam as minhas reservas com a orientação política do MFA na Guiné, que depois irão aumentar durante o período do PREC.
Ler o Jornal República, era comungar daquilo que no Jornal se escrevia, e acompanhar os seus problemas internos durante o PREC e em particular no Verão Quente de 1975, serviu para reforçar as minhas convicções.

Quando finalmente no dia 25 de Novembro de 1975, o Ten. Cor. Ramalho Eanes e o Maj. Jaime Neves puseram novamente o País nos eixos, foi com alívio verificar, que afinal não estava sozinho naquela barricada.
De facto até o Director, a equipa redactorial e colaboradores do Jornal República, nomes que não vou divulgar, nem emitir qualquer comentário, mas que estavam nessa barricada.
Foi necessário esperar 46 anos para receber a triste notícia dum Senhor, rijo mas moderado, o "Velho" Gen. Ramalho Eanes, ex-Presidente da República com apenas alguns "gatos pintados" e aquela coragem, à chuva a dar o exemplo, nas comemorações do último 25 de Novembro.

Foi uma comemoração desvalorizada e apagada, para dar um sinal político ao País, que as coisas tinham mudado e que eles é que mandam. Que mais disseram esses Senhores que mandam nisto tudo? Disseram apenas que o 25 de Novembro é uma data que divide os Portugueses. E é verdade, visto que do lado desses Portugueses, já só falta o casamento, porque a união de facto, há muito que já existe.

Luís de Camões tinha razão, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (...). Será que a próxima data a deixar de ser comemorada, seja o 25 de Abril?

Quando damos tudo por garantido, não damos valor aos melhores, não respeitamos os mais velhos, não defendemos os nossos heróis e procuramos apagar a História, afastamo-nos da razão. Quem sabe se não existe agora mais um problema, à procura de uma solução!

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur. Mil. At. Inf.

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23184: (In)citações (203): Nós, os fulas e os nossos (mal-)entendidos. a propósito da expressão "(lavadeira) para todo o serviço" (Cherno Baldé / Mário Miguéis)

domingo, 13 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23074: Memória dos lugares (437): Rio Mansoa, destacamento de João Landim (Victor Costa, ex-fur mil at inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5

 Guiné > Região do Cacheu > Rio Mansoa >  Destacamento de  João Landim

Fotos (e legendas): © Viictor Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Cacheu > Rio Mansoa > João Landim > 1965/66 > A famosa jangada que atravessava o Rio Mansoa em João Landim, ligando Bissau com a região do Cacheu

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Cacheu > Mapa de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor: Rio Mansoa e passagem em João Landim.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


1. Mensagem do Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974)

Data - 12 mar 2022 17:09 
Amigos e camaradas da Guiné,

Ao longo da História,  os Rios e os Portos tiveram sempre muita importância numa guerra e os rios da Guiné, como não podia deixar de ser, tiveram também aqui um papel de relevo.

Este tema que pretendo abordar prende-se com o facto das fotografias que pretendo ver publicadas se referirem ao Rio Mansoa, ao Porto de João Landim e daí até a Foz, às Jangadas que realizavam a travessia, à proteção das pessoas e bens que as utilizavam, à amplitude das marés e à segurança e riscos associados ao funcionamento da engrenagem e também aos acidentes que vitimaram muitos de nós.

Todas estas fotografias não incluem equipamento militar nem armas, apesar da maior parte delas serem tiradas de cima de uma jangada militar. Isto não foi devido a qualquer imposição do Comando ou dos meus superiores mas por opção minha e deve-se a uma tonteria dum puto 22 anos que não queria que quando o rolo fosse revelado em Bissau pudesse fornecer ao IN qualquer informação por mais pequena que fosse das NT. Também não foi com a ideia de prejudicar quem acima de mim mandava, até porque era uma pessoa de trato fácil, muito correta e se calhar não dava muita importância a estas questões por ser do interior. Mas acontece que eu nasci e vivo numa zona onde desde miúdo convivi com o Rio, o Mar, a amplitude das marés e os riscos aí associados.
 
Quando em meados de Maio de 1974 fui colocado no Destacamento de João Landim Norte a minha travessia do Rio Mansoa foi feita na praia-mar, foi muito fácil e decorreu sem incidentes.

Mas durante as operações de segurança que ali fiz constactei que, apesar do Porto de João Landim estar a mais de 40 Km da foz (Mar), a influência das marés fazia-se sentir fortemente, com um caudal também muito forte e ainda com uma amplitude de maré superior a 4 metros e onde naturalmente se passeava o tubarão negro.

As próximas 5 fotografias tiveram como objectivo captar:

1º O aluvião descoberto no leito do Rio na baixa-mar para poder calcular a altura entre o nível da maior e da menor maré.

2º O desnível da rampa de acesso à jangada a marca da maré na margem e as dificuldades associadas.

3º A entrada das pessoas para a Jangada civil e a Lancha da Marinha a executar a proteção.

4º A Jangada a navegar no Rio sem qualquer dificuldade.

5º A minha última travessia e despedida já ao longe do edifício do Porto de João Landim, felizmente mais uma vez sem qualquer problema.

Para concluir,na minha modesta opinião, durante o período da Lua, o risco de embarque e desembarque nas Jangadas fora do pico da maré era muito elevado.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23058: Memória dos lugares (436): Safim, às portas de Bissau, e o terminal dos autocarros da A. Brites Palma (Victor Costa, ex-fur mil inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22923: Documentos (35): Comunicações e Ordens enviadas pelo Estado-Maior do Exército e do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné - Anexo à Circular N.º 1703/NP da 2.ª Repartição do Estado-Maior do Exército (2) (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)


1. Continuação da publicação dos documentos enviados pelo nosso camarada Victor Manuel Ferreira Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974) em mensagem de 16 de Janeiro de 2022:

Amigos e Camaradas da Guiné
Existem algumas fotografias publicadas sobre alguns militares das NT em acções políticas usando viaturas do Exército e camisolas do IN (PAIGC), abraços, envolvendo oficiais etc, que ocorreram durante o período pós 25 de Abril na Guiné,que desconhecia. Quero lembrar que, além de sermos militares, as Delegações do MFA tinham toda a informação sobre o processo negocial e a postura a assumir. Estas ações políticas, no processo de transferência de soberania da Guiné, a mim parecem-me no mínimo, desnecessárias, despropositadas, não respeitaram os nossos mortos em combate, não melhoraram a nossa imagem e entendo que não deviam ter acontecido.
Devo no entanto dizer que foi emitido um comunicado do Secretariado do MFA na Guiné de 16 de Junho de 74, com a linha política definida pela 5.ª Divisão constituída em 15 de Junho de 1974, onde estas actividades podiam eventualmente ser enquadradas. Desconheço porém se exerceram alguma influência no comportamento destes militares.

Assim é meu propósito dar a conhecer e tornar públicas as comunicações e ordens que recebemos enquanto Delegação do MFA na Guiné da parte do Estado Maior do Exército e do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné relativas a esse período, nomeadamente a Circular N.º 1703/NP e anexo, mandadas executar pelo ex-Cap. Dias Silva e mais tarde reafirmadas pelo próprio como mostra a nota original escrita a vermelho por cima da Circular N.º 2736/AP/74, cito "Deve a delegação do MFA desta dar cumprimento rigoroso explicando a todo o pessoal em 25/7/74", Dias Silva Cap - e que apelavam à disciplina e respeito pela hierarquia e informação das NT sobre as negociações em curso do Processo de Paz na Guiné, a abstenção de actividades políticas no exercício das nossas funções dentro do quartel, etc. Estava aberta a via negocial para o conflito, as ordens eram muito claras e equilibradas e foram cumpridas e executadas por todos nós. Só nos restava esperar o Acordo das partes em confronto para sairmos da Guiné com a cabeça erguida e regressar a casa. Assim aconteceu, a CCaç 4541/72, não esqueceu os camaradas mortos e feridos em combate, nomeadamente aqueles em Choquemone no dia 21 de Novembro de 1972. Tinham algum ressentimento resultante da condução desta operação e do número de militares envolvidos que sempre os acompanhou. Quando cheguei a esta CCaç encontrei "velhos" que não eram vaidosos, sabiam de guerra, tinham tarimba e era notável a sua capacidade psicológica e estas, tive a sorte de aprender com eles. No período de transição não tivemos nenhum envolvimento ou problema com o PAIGC e mantivemos nosso bom relacionamento com a população local.

Relativamente ao Comunicado às Delegações do MFA de 16 de Junho de 1974, devo dizer que não foram realizadas estas ações na nossa Unidade, no entanto eu recebi essa comunicação. Tem uma inscrição original escrita a vermelho, na parte superior, dirigida a mim, Fur. Costa. Estudei este documento e decidi que não me competia a mim enquanto militar nem me sentia habilitado para fazer esclarecimento político sindical, propaganda e animação cultural e outras que constam deste comunicado. Entendi também, que não era possível conciliar este tipo de ações com disciplina e hierarquia próprias da Instituição Militar.

Note-se que a Circular N.º 1703/NP de 28/5/74 diz claramente, que: (Perante a política, as Forças Armadas têm que ser imparciais, coesas e conscientemente disciplinadas) e nós graduados devíamos dar o exemplo.
Na operação acima citada estes rapazes da CCaç 4541/72, tinham menos de dois meses de Guiné, eram "Piriquitos". Porque lhes foi atribuída esta missão? Será que os Donos da Guerra, dos alfinetes, mapas e mesas, nas salas em Bissau como alguém aqui e muito bem lhes chamou, tinham consciência do tempo necessário para fazer um operacional? Penso que não. Na minha opinião, eram necessários seis meses de atividade operacional numa zona de menor atividade, antes de sermos colocados no ferro. Entretanto a CCaç 4541 vai para Bissau tratar das feridas do Choquemone. Ainda estas não tinham sarado, um mês depois, "operação Grande Empreza", conquista do Cantanhez na posse do IN onde era o "Maior". Entram na posse de Caboxanque gentilmente cedida pelas CCP 121 e 122 e mantêm-nas em sua posse até serem transferidos para Safim em Março de 1974. As guerras nem sempre são justas, mas hoje temos um problema mais grave no nosso país: Não valorizamos os nossos guerreiros. Penso que não devemos fechar este debate, nunca esqueci os lamentos e raiva de alguns deles, "se fosse hoje aquilo nunca tinha acontecido". Como é evidente, referiam-se à Operação do Choquemone.

(Seguem os documentos citados)
Circular Nº1703/NP e anexo de 28/5/74
Circular Nº2736/AP/74 de 22/7/74
Comunicado às Delegações do MFA em Bissau de 16 de Julho de 1974

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf


Clicar nas imagens para ampliar

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22921: Documentos (34): Comunicações e Ordens enviadas pelo Estado-Maior do Exército e do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné - Circular N.º 1703/NP da 2.ª Repartição do Estado-Maior do Exército (1) (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)