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quarta-feira, 20 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23446: Memórias da minha tropa: localidades por onde passei, que amei e onde sofri: de Ponte de Sor a Mafra, Amadora, Lamego, Tancos, Lisboa, Abrantes, Tomar... até chegar a Bissau (Veríssimo Ferreira, Ponte Sôr, 1942 - Loures, 2022)


Veríssimo Ferreira, soldado instruendo: BI militar, 
emitido pela EPI (Escola Prática de Infantaria), 
Mafra, em 25 de abril de 1964.


Verísismo Ferreira, furriel miliciano: BI militar, 
emitido pela CCS / Quartel General, 
 CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), 
Bissau, 14 de julho de 1966.



Guião da CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, "Bravos e Serenos"


1. Há três dias, em 17 do corrente, às 22h19, a sua filha Cristina F. Titau já temia e nos fazia temer o pior:

O meu pai está neste momento a lutar pela vida nos cuidados intensivos, ligado a um ventilador.

Para o meu pai "os melhores anos da sua vida" foram os que passou na tropa, na Guiné. Não pela guerra, mas por ser jovem, forte e pela camaradagem.
 
As probabilidades estão contra ele mas rezo para que ganhe mais esta batalha. Peço aos seus camaradas na honra de ter servido o país que rezem também comigo.

O meu pai é Veríssimo Ferreira.

A ontem, às 12h54, sabíamos qual era o doloroso e irrevogável desfecho (*):

O meu pai faleceu esta manhã. Quando souber do funeral, aviso. Obrigada a todos que foram amigos dele. ELA 
Esclerose Lateral Amiotrófica ]+ COVID, dificilmente podia ser diferente...

Recordem-no e guardem-no no coracão, que ele tinha medo da solidão... Nunca estarás só,  paizinho. Andas sempre em nós. 

Segundo informação da filha, Cristina Paula, a cerimómia funerária será realizada amanhã, quinta feira, dia 21. O corpo do nosso camarada Veríssimo Ferreira ficará em câmara ardente na capela da casa mortuária de Loures, a partir das 10h00. Às 15h15 será celebrada missa de corpo presente, seguindo o funeral para o cemitério de Loures.   

Como recorda a Cristina, "o pai nasceu a 21, casou a 21, partiu para a Guiné a 21 e voltou a 21, e fecha-se assim o ciclo deste modo no dia 21".

Vamos nós, seus camaradas, recordá-lo com saudade e honrar a sua memória. (LG)

2. Ainda antes do seu corpo descer à terra, vamos aqui lembrar o nosso querido amigo e camarada Veríssimo Ferreira, através da republicação, revista, de dois postes em que ele, com o seu típico bom humor de alentejano, recordava os seus primeiros vinte meses de tropa (a que se seguiram outros tantos de guerra, na Guiné, entre agosto de 1965 e abril de 1967). 

O Veríssimo Ferreira:

(i) nasceu em Ponte Sôr, distrito de Portalegre, Alto Alentejo,  em 21 de fevereiro de 1942;

(ii) fez o Curso de Sargentos Milicianos (CSM), com a recruta em Mafra e a especialidade de atirador de infantaria em Tavira, em 1964;

(iii) foi furriel miliciano, CCAÇ 1422, subunidade do BCAÇ 1858: mobilizada pelo RI 15 (Abrantes), partiu para o TO da Guiné em 18/8/65 e regressou a 15/4/67, tendo passado por Bissau, Bula, Farim, Mansabá, Saliquinhedim / K3;

(iv) foi o primeiro (e único) representante da CCAÇ 1422, no blogue, onde tem mais de 7 dezenas de referências;

(v) era (e é) o membro n.º 581 da  Tabanca Grande, onde ingressou em 3 de outubro de 2012;

(vi) passa a figurar na já longa lista (alfabética, ver coluna estática, no lado esquerdo do blogue) dos 121 amigos e camaradas da Guiné que "da lei da morte já se libertaram".


3. Memórias da minha tropa: localidades por onde passei, que amei e onde sofri: de Ponte de Sor a Mafra, Amadora, Lamego, Tancos, Lisboa, Abrantes, Tomar... até chegar a Bissau

por Veríssimo Ferreira (1942-2022)


E vai daí... Por edital, soube que me deveria apresentar em Mafra, na Escola Prática de Infantaria (EPI), a fim de frequentar o Curso de Sargentos Milicianos (CSM).

Saí de Ponte de Sôr, pela matina e no comboio. Chegado a Lisboa, pedi informações para ir para o Martim Moniz, local donde sairia a camioneta para Mafra.

A confusão, nesta louca cabecinha, era mais que muita (primeira vez na grande cidade) e, habituado que estava a ver muita gente junta aquando das feiras, pensei:
— Há por aqui uma como a nossa de outubro!!!

Bom, mas lá fui ter e parti para o destino... E cheguei enquanto no entretanto comi as duas sandes que a minha querida mãe preparara para a viagem.

Mafra, surpreendeu-me, quando logo ali mirei o Mosteiro.
— Um quartel? — duvidei.

Na entrada, havia um enorme grupo de juventude de cabelinhos cortados à inglesa curta e que esperava,  e a eles me juntei.

Lá chegou a minha hora e,  preenchidos que foram, uns papéis, mandaram-me para o alfaiate que tirava medidas olhando-nos de alto abaixo, o que significou que recebi umas roupitas bem bonitas por acaso: um  bivaque onde cabiam duas cabeçorras, duas camisas cinzentas n.º 54 (e eu até aí, usava 42), dois pares de calças que me chegavam dos pés à cabeça, duas botas 47 (e eu calçava 41)... e por aí fora.

Na caserna, assim chamavam ao quarto luxuoso, um 5.º andar e 183 degraus para subir, onde me colocaram, e onde, para me não sentir só, deixaram-me acompanhado por mais 151 recrutas que se tornaram meus amigos.

No dia seguinte reuniram-nos num espaço rectangular, que ainda hoje existe, lá atrás do convento e a que chamaram (e chamam) "a parada".

Éramos, talvez uns três mil, que sairiam dali como oficiais ou sargentos milicianos. Juntaram-nos depois, sentados no chão,  e rodeando o oficial instrutor, cá fora,  ali ao lado esquerdo de quem entra, e esclareceram-nos sobre as normas em vigor, para contactos eventuais, com os residentes civis,  e também como distinguir os postos militares.

Ficámos a saber, que a coisa começava desta forma: o início e por aí fora: recrutas; soldado; 1.º cabo; furriel; sargento; aspirante; alferes; tenente; capitão; etc., etc., etc.; general; marechal; e, finalmente, 1.º cabo miliciano...

Contentíssimo fiquei. Então não é, que o filho do meu pai iria alcançar o mais alto posto, lá para agosto de 1964 e já especialista de infantaria?!... E 1.ª classe em metralhadora Dreyse 7,9? E 3.ª classe em espingarda mauser 7,9? E 1.ª classe em comportamento? E atirador, terminada a instrução complementar?

Aparvalhado ainda, com o facto de ontem ter visto, Lisboa, aviões dos grandes  e barcos a atravessar um rio a que ouvi chamarem Tejo, e ter ainda a possibilidade de (e também, pela primeira vez) poder ir ver o mar, as praias da Ericeira e mais agora esta notícia, plena de responsabilidades... Olhem, fiquei de tal maneira entontecido  que julgo não ter voltado a ser o humano normal de antes.

Continências e divisas, foram-nos sabiamente mostradas, bem como o manejo duma espingarda, o seu desmanchar em bocados  e a consequente limpeza com o escovilhão.

No 3.º dia, e após o pequeno almoço, começou a preparação para que pudéssemos vir a ser militares disciplinados, bravos, heróicos e que, acima de tudo, voltássemos inteiros: corridinhas na tapada, rastejar no meio da trampa, percursos de combate, saltos para o galho, jogos de brutobol, tiro na carreira do dito, actividades desportivas com vários empecilhos no meio, audição dos gritos estridentes e ameaçadores dos monitores do pelotão... Enfim, toda uma panóplia útil que só mais tarde entendemos ter sido preciosa para que aqui e agora estejamos ainda semivivos e, ah!,  sempre acompanhados pela fiel Mauser e de capacete enfiado, no local próprio de enfiar capacetes.

Regressávamos depois e quase na hora do repasto. Íamos à suite tomar um banhito rápido e mudar de fato. Toca a corneta e ala que são horas de almoço.

Boas refeições, sim senhor e até vinho havia e da cor que entendêssemos, embora eu achasse que aquilo era mais água e cânfora, substância que, e ao que diziam, transformava em eunucos, embora provisoriamente, quem bebia a zurrapa.

A 4 de julho de 1964, após portanto 5 meses e 10 dias e com aproveitamento e todos os créditos alcançados, consideraram-me então, apto, ou seja, vais tirar a especialidade de "atirador" e, como ordens não se discutem, decidi-me e fui para Tavira

Terra linda que continuo a visitar. Linda praia, onde até a água era e é, quente, comparada com a da Ericeira, de que tinha provado o sal. Boas gentes, embora e nesse período, as tenha considerado más com'ás cobras, tendo em conta que quando os pobres militares, sedentos e até com alguma fomita, colhíamos algumas amêndoas, alfarrobas ou figos, ou ainda, lhes bebíamos umas gotas nos escassos poços existentes, iam de imediato participar ao quartel e algumas vezes lá tínhamos que desembolsar os 25 tostões para compensar o prejuízo.

A miséria patrimonial deste povo algarvio era notória e justificava a queixa. O turismo mal começara e aquelas frutas e água eram o seu ouro.

No que se refere à instrução militar, foi o acrescento próprio, para quem já estava treinado.
Novidade apenas para o "deitá...á...á...r!" nas salinas. Lindo de se ver, creiam. E nós, vestidinhos, lavadinhos e engomados, calçadinhos, botas engraxadas e reluzentes, espelhando o sol quente desse mês de julho, obedecíamos, está claro, só para não nos considerarem desobedientes.

Saíamos enlameados, cheios de lodo até aos cabelos, mas mais fortes alguns, aqueles que engoliam alguma distraída enguia. Até nisso, a sorte me foi madrasta já que o único brinde que me calhou foi uma enorme serpente que resolveu aninhar-se no bolso esquerdo das calças.

À tardinha dispensavam-nos e podíamos então confraternizar mas as tascas locais, onde sempre comíamos generosas doses de grandes conquilhas, ou jaquinzinhos atados pelo rabo e em grupos de 5 ou 6, regados com aquele saboroso tintol carrascão de tal forma que até os dentes ficavam coloridos.

Alguns mais afortunados, proporcionavam, a outros, passeios e assim conheci, Quarteira, Armação de Pera, Albufeira e Faro.

E em 30 de agosto de 1964, fui promovido a 1.º cabo miliciano, pois então... Começa aí um percurso agitado, com constantes mudanças, assim estilo "faça férias cá dentro" e foi o que me valeu para ficar bem a conhecer algum deste País, que eu julgava ser só o Alto Alentejo:

1.º - Amadora (Regimento de Infantaria 1);
2.º - Lamego (Rangers);
3.º - Tancos (Minas e Armadilhas)
4.º - Lisboa (Grupo C. Trem Auto)
5.º - Abrantes (Regimento Infantaria 2)
6.º - Tomar (Regimento Infantaria 15)
7.º - Bissau e o resto (CCAÇ 1422).

À Amadora cheguei... nem ao almoço tive direito e mandam-me avançar, de forma a estar, e sem falta, no dia seguinte em Lamego.

Voei para Sta. Apolónia, fui para o Porto, daqui para a Régua e o certo mesmo é que às 8,30 entro no novo poiso.

Bambúrrio,  dei logo de caras,  à porta de armas, com um herói da minha terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, 2.º sargento e monitor agora das tropas a preparar. Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras, e logo ali ele próprio se disponibilizou para me ajudar no que eu precisasse.

A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama. Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor. Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4.º,  onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a tromba, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento,  prolongados, estafantes...

Foram tempos duros, mas uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois. Ficou-me gravada, a frase: "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.

Lá de quando em quando, também nos convidavam a ir até lá abaixo à City e então era um fartote... Que belas pingas, bom presunto (coisa da qual eu já ouvira falar mas não provara qu' a crise abundava com'agora) e até as pessoas eram simpáticas prá rapaziada fardada.

No aspecto da preparação militar, gostei manning d'atravessar o rio dum lado pró outro, agarrado a uma corda e com os pés assentes noutra e a água lá em baixo, revolta com'ó caraças fez-me perguntar a mim próprio: 
 —  Porqu'é que não trouxeste o calção de banho em vez da farda de trabalho?

Tancos desejava-me ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão perto e com tão boa comida e melhor buída...

Recordo com alguma emoção, convenhamos, aquele dia em que cá em baixo, junto ao Castelo de Almourol, me pediram atenciosamente para experimentar um pedaço de massa explosiva, a que chamavam farinheira. Colocada que foi, debaixo dum pedregulho de todo o tamanho, a que juntei depois um detonador, mais um cabo eléctrico com 50 metros que trouxe até cá ao alto e liguei a uma caixinha com alavanca que pressionei...

O estardalhaço do rebentamento foi impressionante, levantei a cabeçorra e é nessa altura que vejo no ar aquele monstro redondo a dirigir-se a jacto, precisamente para o local onde me encontrava e a quem eu disse:
— Trá-la-rai, la-rai, la-rai... falhaste, pá, paciência!

Acabara, sim, por derrubar uma pobre e velha árvore centenária.

Passou-se, e eis senão quando, me vejo a caminho de Lisboa, Avenida de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me confundiu do porquê. E não só a mim, também o senhor sargento da Secretaria se espantou e exclamou:

—  Ora , porra, pedi um cabo miliciano condutor e mandam-me um atirador?! Mas... — continuou ele — aguente aí, ó patrício, você é da Ponte Sôr,  eu sou de Alter, temos de resolver isto.

E, após perguntar-me se conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês.

Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, às vezes, num quarto com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi.

Turismei... Vi cinema no Piolho, Condes, Éden, S Jorge... Conheci, a desoras, as boas zonas: Intendente, Cais Sodré, Bairro Alto, Alfama, Mouraria, Madragoa... Vi campos de futebol, com relva imagine-se... O aeroporto, Cabo Ruivo e os hidroaviões, comboios em Santa Apolónia e Rossio... Fui a Cacilhas...  Fui ao Jardim Zoológico, Parque Mayer, Parque Eduardo VII, Feira Popular... Comi bifes na Solmar, Portugália, Império, Ribamar..., sopa de marisco na Rua de S. José, iscas na Travessa do Cotovelo,  bacalhau com grão no João do Dito... Bebi na Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas...

Até que um dia me transmitem:
— Vais para Abrantes.
Bati o pé e disse:
— Não vou... Não vou... Não vou... 
E fui.

Em Abrantes, estava mais perto de casa, o que me agradou. Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o oficial instrutor, ensinando novos militares. Por que alguns de nós, os recentes cabos milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa.

Entretanto em abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em unidade operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic)" , fui promovido a senhor furriel miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que, fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de agosto desse ano.

Quando digo "embarcaram comigo", em vez de "embarquei com eles", deixem que explique: quer o Comandante, quer os restantes oficiais e sargentos, haviam partido uma semana antes, de avião, ficando apenas connosco, um senhor sargento-ajudante, (pessoa com alguma idade e peso e que era chefe de secretaria) e nós próprios, os furriéis milicianos e toda a restante e valorosa CCAÇ 1422, claro.

A ele pertenceria comandar-nos antes do embarque, no desfile perante as autoridades e perante os nossos familiares presentes. No último momento, nomeia-me para o fazer... Ordens não se discutem, cumpri.

Correu lindamente, marchámos com garbo. Depois? Bom...,  depois a vinte e tal de agosto de 1965 chegámos a Bissau, para ganhar a guerra e preparar zonas de turismo para que os vindouros ali passassem férias descansadas.

Não precisam agradecer.
Disse.
Veríssimo Ferreira (**)

[ Seleção a partir dos postes P12617, de 21/1/2012, e P12649, de 28/1/2012 / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
____________

Notas do editor:


(**)  Vd, também os primeiros postes da série "Os melhores 40 meses da minha vida";

terça-feira, 19 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23445: In Memoriam (440): Veríssimo Luz Ferreira (1942-2022), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1422/BCAÇ 1858 (Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67)

IN MEMORIAM

Veríssimo Manuel da Luz Ferreira (1942-2022) 
Era natural de Ponte de Sôr, e bancário reformado. Vivia em Loures
Veríssimo Ferreira foi Fur Mil Inf na CCAÇ 1422
Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67

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A notícia do falecimento do nosso camarada Veríssimo Ferreira foi uma surpresa embora soubéssemos que ele estava a passar menos bem. Continuava activo no seu facebook, interagindo com a malta da pesada.

Aproveitamos para enviar à sua esposa, filha Cristina e demais família, as nossas mais sentidas condolências. Quem o conheceu, pessoalmente ou através das redes sociais, não pode ficar indiferente à sua passagem para a outra dimensão desconhecida que a todos nós está destinada. Terminou a sua comissão de serviço na Terra, ficando algures à nossa espera porque deixámos muitas conversas por acabar.

O Veríssimo foi apresentado à tertúlia em 3 de Outubro de 2012 (Vd. Poste 10473) e teve uma colaboração muito activa no nosso Blogue com a publicação de fotos e textos bem humorados, onde a brincar nos deixa estórias muito sérias. No Oio passou pelos locais mais complicados e com as mais deficientes condições de vida.


Lembro as suas séries "Os melhores 40 meses da minha vida", "Pós-Guiné", "Fragmentos de memórias" e "Crónicas higiénicas", no total de 70 publicações a não perder.

Segue-se uma sequência de fotos suas tiradas aquando da sua estadia no K3 que bem demonstram as condições proporcionadas aos militares ali estacionados.

Como conta o Veríssimo, quando faltavam 8 meses para terminar a sua comissão, foi colocado em Bissau. Foi uma bela oportunidade para "fugir" da guerra e até ter a visita da sua esposa e filhota.

Seguem-se mais algumas fotos:
Veríssimo Ferreira e a sua família em Bissau no ido ano de 1966
Veríssimo Ferreira e a sua família mais recentemente

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Falta informar que o Corpo do nosso malogrado camarada estará em Câmara Ardente na Capela Mortuária de Loures no próximo dia 21, quinta-feira, a partir das 10 horas da manhã. Às 15h15 será celebrada Missa de Corpo Presente a que se seguirá o funeral para o cemitério local.

Num dos postes publicados, o Veríssimo Ferreira dizia que tinha nascido num dia 21, casou num dia 21, chegou à Guiné num dia 21 e regressou também num dia 21. Como diz a sua filha Paula, vai fechar o ciclo da sua vida no próximo dia 21 quando descer à terra.
 

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22504: Pequeno dicionário da Tabanca Grande (13): "Máfrica" (termo irónico, para não dizer sarcástico, para designar a EPI, sita em Mafra), grafado por Vasco Pires e por Rui Alexandrino Ferreira


Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1964 > Curso de Sargentos Milicianos (CSM) > "Mafra, 26 de Janeiro de 1964 > O 1.º pelotão, da 1.ª Companhia, ao 2.º dia de tropa"... Pormenor: todos equipados de Mauser... Foto do álbum do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67).

Foto (e legenda): © Veríssimo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. "Máfrica" é um vocábulo da nossa gíria castrense e consta do Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, tendo sido "grafado" pelo nosso saudoso Vasco Pires (Vilarinho do Bairro, Anadia, 15/6/1948 - Porto Seguro, Baía, 31/10/2016) (foi alf mil art, cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72; entrou para a Tabanca Grande em 27/9/2012; tem cerca de 7 dezenas de referências no nosso blogue).

Alguns excertos do seus postes com o descritor "Máfrica:

&&&

 (...) Eu venho lá da Bairrada pofunda, que na década de 50 era mais conhecida como terra da batata, ao invés de terra do vinho, o vinho ainda se vendia a granel.

(...) A minha infância e adolescência foi passada em escolas da região, seguida de uma passagem de cinco anos pela efervescente cena coimbrã da segunda metade da década de 60.

Em 69, saí desse "borbulhar" de novas ideias e atitudes, para a disciplina EPI na "Máfrica" de tantos de nós. Logo começou a minha boa sorte, de ter camaradas, subordinados e superiores que me ajudaram nesta caminhada de três anos pelos quartéis de Portugal e África. (...) (*)

&&&

(...) Mas éramos todos muito inocentes, aí com facilidade o sistema nos enquadrava com um Tenente e dois Cabos Milicianos e às vezes, poucas, um Sargento.

Poucos dias depois receosos de perder o fim de semana, íamos-nos tornando instrumentos de um sistema que durante tantos anos (63 a 74), enquadrou uma geração de pouca sorte.

O processo começava aí: "Máfrica", Vendas Novas, Tavira, Caldas da Rainha... E lá íamos nós, mais ou menos convencidos e eficientes agentes, enquadrar outros mais, pelos quartéis de Portugal e de África. Mafra e Tavira, eram o início de um processo de inserção no sistema de muitos milhares, que a propaganda chegou a fazer pensar, que estavam "dilatando a Fé e o Império". (...) (**)

&&&

(...) De qualquer, a grande escola de cadetes e fábrica de oficiais que depois seguiam para os teatros de operações do ultramar, a grande 'Máfrica' (, a expressão é do nosso grã-tabanqueiro Vasco Pires), que terá formado dezenas e dezenas de milhares de oficiais subalternos e comandantes operacionais, era, como em qualquer parte do mundo, uma verdadeira "instituição totalitária" ("total institution") no sentido forte, sociológico, do termo.

Se não, vejamos alguns traços comuns às instituições e organizações a que poderíamos aplicar a tipologia desenvolvida, e,m 1961, pelo sociólogo americano Erving Goffman (Asyluns: essays on the social situation of mental patients and otther inmates. New York: Anchor, 1961).(...) (***) 

&&&

(...) Então, "Máfrica" exprimia a reação,  de jovens inocentes e provincianos que se julgavam na vanguarda da modernidade e pensavam que iam mudar o mundo, à disciplina militar, reforçada, por ser num curso acelerado [, o COM].

No meu caso, o impacto foi "amortecido", pois dormia e comia fora do quartel [, EPI]. (...) (****)

&&&

(...) Tempos atrás, lendo uma matéria, lembrei de cartaz que vi em um dos quartéis por onde passei, talvez "Máfrica" [, EPI, Mafra]. Dizia: "O boato fere como uma lâmina " (se não falha a memória).

Quantos boatos não passaram na nossa vida militar? Muitos fabricados pela contra-informacão, outros gerados pelos nossos medos. Logo propagados nos "jornais da caserna". (*****)

2. Comentário de Fernando Ribeiro ao poste P22489 (******):


(...) "Máfrica" - Estive cerca de seis meses a frequentar o COM em Mafra e tenho que puxar muito pela memória para me lembrar de ouvir alguém chamar "Máfrica" a Mafra. De que eu tenha a certeza, só ouvi uma vez, mas admito que tenha ouvido mais uma vez, no máximo duas. Fora isso, sempre ouvi chamar Mafra a Mafra. Confesso que acho estranha esta insistência na palavra "Máfrica", mas se calhar a minha memória é que já não é o que era. (...)

3. Comentário do editor LG:

Em relação a Mafra, as "memórias" são das personagens do conto, não do autor, o contista (******).  Quarenta anos depois é natural que haja contaminação entre "ditos" e "feitos" de diferentes épocas. 

Relativamente ao termo "Máfrica" temos, no nosso blogue, 14 referências   (*******)... E Mafra tem sessenta. A EPI cerca de metade.

Máfrica deve ser termo da gíria coimbrã, era uma forma irónica (, para não dizer sarcástica, ) de identificar a EPI, situada em Mafra... O nosso saudoso Vasco Pires, que morreu no Brasil, usava-o muito... Mas também o angolano, nascido em Sá da Bandeira (hoje, Lubango),  Rui Alexandrino Ferreira, no seu livro "Rumo a Fulacunda" (2.ª edição, 2003, Palimage Editores, Colecção Imagens de Hoje, 415 pp.). Veja-se este excerto:

(,,,) Para lá [,EPI, Mafra,] me vi empurrado, pois naquela altura, corria o ano de 1964, não havia Curso de Oficiais a não ser no continente. Infantaria só mesmo lá-. E como o rapaz Rui nem tinha padrinhos, nem certamemte servia para outra coisa... e sobretudo porque as necessidades eram "carne para canhão", ou seja, combatentes, nem vale a pena acrescentar mais nada...

"Muita chuva, muito vento, muita e...um convento". Eram com estes sábios, esclarecidos e esclarecedores termos que pela voz do povo se definia aquele "paraíso"- E como a voz do povo  mais não é do que a voz de Deus, já para não referir  quaisquer outras vozes - é claro - que afirmava, que "pior que África só mesmo Máfrica", correspondia em absoluto com a realidade no que dizia respeito  à chuva, ao vento e ao convento. Esqueceram-se de acrescentar o frio e a"merda que restava só podia ser mesmo a tropa".

Tropa que apesar de tão mal tratada, fazia com que a vila perdesse a  monotomia e espantassse a modorra de cada vez que se apresentava para a recruta mais uma fornada de "jeijão verde" (alcunha com que os locais brindavam os milicianos em geral, quer se tratassem de soldados-cadetes do Curso de Oficiais, ou de soldados-instruendos do Curso de Sargentos. Por grosso e atacado eram agrupados ao molho  e todos equiparados ao mesmo vegetal)" (pág. 49).

O Vasco Pires, emigrado no Brasil desde 1972, e que só descobriu o nosso blogue em 2012, não leu por certo o livro do Rui Alexandrino Ferreira. (*******)
_________





(******) Vd. poste de 27 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22489: A galeria dos meus heróis (41): De companheiros de infortúnio a amigos para a vida - Parte I (Luís Graça)

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18332: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (31): Abrantes, sede do antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2, mais tarde Escola Prática de Cavalaria (2006) e hoje Regimento de Apoio Militar de Emergência



Abrantes > O antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2 >  Hoje  Regimento de Apoio Militar de Emergência


Abrantes > O antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2 >  Já foi Escola Prática de Cavalaria (2006)

Fotos: © Manuel Traquina (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Abrantes > RI 2 -  Regimento de Infantaria 2 > 1970 > A unidade mobilizadora de muitos batalhões que passaram pelo TO da Guiné como foi o caso  do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)... Durante a guerra do ultramar, o RI2 incorporou, treina e mobilizou um total de 52.000 homens para os diverso Teatros de Operações. Mais concretamente, foi a unidade mobilizadora de  63 batalhões, 30 companhias independentes e 82 pelotões de apoio.

Na foto, em primeiro plano, o nosso camarada Otacílio Luz Henriques, a caminho da "peluda"...

Foto: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados.   [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Abrantes > RI 2 -  Regimento de Infantaria 2 > 1969 > Vista aérea.

 Foto: Unidades do Exército Português > Regimento de Infantaria nº 2  (página  de Nuno Chaves, em construção) (com a devida vénia...)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Traquina, deixada ontem na página do Facebok da Tabanca Grande:


Para aqueles que passaram pelo Regimento de Infantaria de Abrantes vão estas fotos.

O RI2, como em tempos o conhecemos, e por onde passaram largos milhares de militares, agora virou RAME - Regimento de Apoio Militar de Emergência. 

Com um número de militares muito reduzido em relação aos tempos de guerra, foi já também Escola Prática de Cavalaria [, em 2006].

2. Comentário do editor LG:

No seu livro, "Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné" [Edições Palha de Abrantes, 2009), o Manuel Traquina tem um pequeno capítulo dedicado ao RI 2. unidade que mobilizou a sua companhia, a CCAÇ 2382...E dai partiram para a Guiné... O Manuel Traquina "jogava em casa", já que era natural do concelho (, Souto, a 20 km da sede)...

Sobre a sua terra diz o seguinte:

"Curioso é que ainda hoje a cidade de Abrantes seja lembrada por muitos que por aqui passaram e, também, por alguns que aqui arranjaram madrinha de guerra, namorada e noiva... casaram e por aqui ficaram" (p. 31).

Meu caro Manuel, a minha companhia, a CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12) foi mobilizada pelo RI 2. Aliás, éramos meia dúzia de gatos pingados (graduados e especialistas, uma meia centena). Formámos companhia, tirámos a Escola Preparatória de Quadros e fizemos a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, também "à pedrada", como vocês,  no Campo Militar de Santa Margarida (CMSM), que ficava no concelho vizinho de Constança... A cerimónia de despedida foi junto à capela do CMSM, E dali fomos diretamente, de comboio (, tenho a ideia que de noite, quase como "clandestinos"...) para o Cais da Rocha Conde de Óbidos. Embarcámos no T/T Niassa em 24 de maio de 1969...

Da tua terra, Abrantes, não tenho memórias, desse tempo. Ou varreram-se-me as memórias, de todo.. Posso dizer que passei por Abrantes como cão por vinha vindimada... com os (des)acordes da fanfarra do RI 2 muito ao longe...


3. Recorde-se que o Manuel Traquina (ex-Fur Mil Mec Auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes [, foto atual, acima]. Aliás,  nasceu no Souto, Abrantes, em 1945. 

Frequentou o Curso de Sargento Milicianos (CSM), nas Caldas da Rainha, no 1º trimestre de 1967. Em 30 de Março, dava início à especialidade de Mecânico Auto, na Escola Prática de Serviço e Material (EPSM), em Sacavém. Fez ainda estágio no Centro de Instrução de Condutores Auto nº 3 (CICA3) em Elvas. Em finais de Agosto, é transferido para o Depósito Geral de Material de Guerra (DGMG), em Beirolas. Quinze dias depois, a 13 de setembro, é mobilizado para a Guiné. A 19 de fevereiro de 1968, apresenta-se no RI 2, em Abrantes, a fim de integrar a CCAÇ 2382. Passados dois meses e meio, a 1 de Maio de 1968, parte no Niassa, com destino a Bissau, aonde desembarca a 6.

Na Guiné, passou pelos seguintes aquartelamentos: Brá, Bula, Aldeia Formosa e Bula. Regressa a Portugal em Abril de 1970, no mesmo T/T Niassa.

Depois da ‘peluda’, trabalhou em Angola, no Serviço de Emprego. Regressa Portugal, em 1975, na sequência do processo de descolonização. Em Abrantes, foi técnico de emprego, do Centro de Emprego local. Está actualmente aposentado do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFO). Tem página no Facebook > Manuel Batista Traquina.

Publicou "Os Tempo de Guerra, De Abrantes à Guiné”,  Edição Palha de Abrantes, 2009. E, mais recentemente,. em 2017, na Chiado Editora, "Angola que eu conheci: de Abrantes a Luanda"

(*) Último poste da série > 27 de abril de 2017 > Guiné 63/74 - P17290: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (30): Tavira, CISMI, onde há 48 anos frequentei o 1.º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos (António Tavares)

Vd. também 28 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12649: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (14): As localidades por onde passei, sofri e amei - Conclusão (Veríssimo Ferreira)

(...) Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.

Bati o pé e disse:
- Não vou... Não vou... Não vou... 

E fui.

Em Abrantes, estava mais perto de casa [, Ponte de Sor], o que me agradou.

Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Por que alguns de nós, os recentes cabo-milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa.

Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic)" , fui promovido a Senhor Furriel-Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto. (...)

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15240: Inquérito "on line" (5): Resultados provisórios, num total de 117 respostas: parece haver uma sobrerrepresentação dos "spinolistas" (75%), em relação aos "schulzistas" (5%) e aos "bettencourtistas" (5%)... Comentários de José Colaço, Raúl Azevedo, Veríssimo Ferreira e Francisco Galveia

Com-chefe, gen inf Arnaldo Schulz
(1964/68): tem 32 referências no nosso blogue
A. Inquérito "on line", no nosso blogue, iniciado em 9 do corrente e que se prolonga até 15, 5ª feira (*): 


"Dos 3 últimos com-chefes do CTIG, aquele de que tenho melhor opinião é... Arnaldo Schulz (1964/68), António de Spínola (1968/73) ou Bettencourt Rodrigues (1973/74) ?"...


Respostas provisórias (n=117)


1. Arnaldo Schulz (1964/68)  > 7 (5%)



2. António de Spínola (1968/73)  > 88 (75%)




3. Bettencourt Rodrigues (1973/74)  > 7 (5%)


4. Nenhum deles  > 9 (7%)


5. Não sei / não tenho opinião  > 6 (5%)



Respostas recebidas [diretamente, no blogue, "on line",sob a forma de "voto" no canto superior esquerdo]:

117 [até às 19h00 do dia 11/10/2015, domingo]

Dias que restam para responder:

3 [até 15/10/2015, 5ª feira, 15h32]

Com-chefe, gen cav António Spínola (1968/73): 
tem mais de 200 referências no nosso blogue


B. Alguns comentários curtos deixados pelos nossos camaradas que nos leem (*):


José [Botelho] Colaço [ex-sold trms,  CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65]:


(...) Inquérito só aos últimos três governadores,  Shulz, Spínola e Bettencourt? E porque não aos últimos quatro, o comandante Vasco António Martinez Rodrigues,  penso eu,  não pode ser ignorado e sair incólume, pois foi no seu mandato de governador da Guiné 1962/64,  que a guerra da Guiné se "declarou". Bem se sabe que o Vasco Rodrigues, governador geral,  não tinha o tanta responsabilidade a nível militar como os seus sucessores,  devido as chefias militares estarem a cargo de um chefe militar, na altura o brigadeiro Fernando Louro de Sousa,  e segundo se consta deu origem à exoneração de ambos. (...)



Raúl [Manuel Bivar de ] Azevedo [ex-cap mil, 2ª C / BART 6522, Susana, 1972/74]


(...) O meu voto vai para António de Spínola (**), baseado em experiência pessoal, visitou a minha Companhia variadas vezes. Um militar exemplar. (...)


Omis Syrev Ferreira  [, 1º nome escrito ao contrário do Veríssimo Ferreira, é o seu "user name"  no Blogger; ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67]


Com-chefe, gen inf [José Manuel]
Bettencourt Rodrigues (1973/74):
rem cerca de 3 dezenas de referências 
no nosso blogue


(...) Aquele que conheci e atendeu justos pedidos, que a Secção de Funerais e Registo de Sepulturas fez, foi o Sr Gen. Schulz. Ouviu o que tínhamos para dizer, concordou e nem uma vírgula acrescentou. E foi a partir daí que às famílias dos militares falecidos deixou de ser pedida qualquer contribuição (6 mil escudos) à época. (...) 


Francisco [Monteiro] Galveia [ex-1º cabo cripto, CCAÇ 616 (Empada, 1964/66)9


(...) A minha resposta é 1 - Arnaldo schulz (1964/1966)

Visitou-nos (à CCaç 616) em Empada e Ualada (batizada por nós por Rancho da Ponderosa), onde estava permanentemente um pelotão nosso. Aguém dos presentes lhe disse que
ali tudo era feito a braços, não havendo também lá mulheres... Ele teve
esta expressão: "Então aqui é tudo feito à mão". (...) 

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Notas do editor:




(**) Vd. 11 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15236: O Spínola que eu conheci (32): A primeira vez que comi caviar, foi com ele, em Bambadinca (Jaime Machado); um militar que eu admirava (João Alberto Coelho); em Antotinha, formámos o pelotão e batemos-lhe a pala no campo de futebol, em tronco nu: estávamos a jogar à bola, quando chegou de heli (Carlos Sousa)

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13355: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): IV (e última) Parte: A Máfrica como "total institution", no sentido sociológico forte do termo...


Capa da brochura, s/d, usada no COM - Curso de Oficiais Milicianos, ministrado na EPI - Escola Prática de Infantaria, Mafra (ou a Máfrica, como lhe chama o Vasco Pires, nosso camarada da diáspora lusitana no Brasil), 


Planta do EPI, Mafra





EPI - Salas de aula
































Reprodução da quarta (e última) parte do guia do instruendo do COM (Curso de Oficiais Milicianos), usado na EPI - Escola Prática de Infantaria, em Mafra (*):  Informações úteis para o instruendo (Correio, telefone, sslas recreativas, cantinas, barbearias, farmácias, parques de estacionamento, retificação de documentos, datas de casamentos, talhes de barba e cabelo...).

Imagens: © Mário Vasconcelos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. O documento original, sem data, chegou-nos, devidamente digitalizado, por mão do nosso camarada Mário Vasconcelos [ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72. Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à esquerda].

Recorde-se que já publicámos o guia do instruendo do CSM - Curso de Sargentos Milicianos, documento que nos chegou por mão da parelha Fernando Hipólito / César Dias, e que é claramente mais "ideológico" do que o guia que estamos agora a publicar. Comparando os dois guias, há claramente um tratamento mais "classista", de maior deferência, em relação ao instruendo do COM, futuro "oficial e cavalheiro".

Não encontro este documento na Biblioteca do Exército.

Estas "indicações" ( e não "instruções") dadas aos instruendos dos COM remetem, por sua vez, para o Regulamento Geral de Instrução do Exército (RGIE).

2. De qualquer, a grande escola de cadetes e fábrica de oficiais  que depois seguiam para os teatros de operações do ultramar, a grande 'MÁFRICA' (, a expressão é do nosso grã-tabanqueiro Vasco Pires), que terá formado dezenas e dezenas de milhares de oficiais subalternos e comandantes operacionais, era, como em qualquer parte do mundo, uma verdadeira "instituição totalitária" ("total institution") no sentido forte, sociológico, do termo.

Se não,  vejamos alguns traços comuns às instituições e organizações a que poderíamos aplicar a tipologia desenvolvida, e,m 1961, pelo sociólogo americano Erving Goffman (Asyluns: essays on the social situation of mental patients and otther inmates. New York: Anchor, 1961).

(i) Este tipo de institituições  são organizações "muralhadas",  fechadas, com "barreiras" delimitando claramente as trocas ou transações com o exterior, tanto ao nível das entradas no sistema  (inputs) como das saídas (outputs);

 (ii)  como em qualquer estabelecimento militar (mas também prisional, conventual, hospitalar psiquiátrico...), essas barreiras tanto são físicas (sob a forma de muros altos, arame farpado, áreas minadas, portões, janelas gradeadas, portarias, guichés ou balcões de atendimento, pessoal e sistemas mais ou menos sofisticados de vigilância e protecção, áreas de acesso interditas ao público, etc.; como a própria arquitectura dos edifícios, marcada por uma grande volumetria ou monumentalidade, mais evidente ainda em Mafra, já que o  EPI está instalado num antigo convento);   como são  barreiras imateriais, culturais ou simbólicas (logótipos, regulamentos, valores, práticas, ritos, vestuário, normas de acesso, códigos linguísticos, sistemas de sinalização, etc.).;

(iii) tais barreiras servem fundamentalmente para demarcar as fronteiras do sistema de acção interno e definir a identidade organizacional (por ex., o soldado fardado e armado junto a uma barreira de arame farpado, as formaturas, as divisas e galões, os toques de clarim);

(iv) os instruendos (neste caso...)  estão colocados sob uma única e mesma autoridade (o comandante da EPI);

 (v) comem, dormem e trabalham sob o mesmo teto;

(vi) cada fase da atividade quotidiana desenrola-se, para cada instruendo, , numa relação de grande promiscuidade com um elevado número de outros instruendos, submetidos às mesmas regras, procedimentos, deveres e obrigações;

(vii)  todos os períodos de atividade são regulados segundo um programa estrito, isto é, todas as tarefas estão "encadeadas", obedecem a um plano imposto "de cima" por um sistema explícito de normas e regulamentos cuja aplicação é assegurada pelo pessoal militar (de instrução e de apoio), fortemente hierarquizado (oficiais, sargentos e praças); e, por último,

(viii)  as diferentes atividades assim impostas são por fim reagrupadas segundo um plano único e racional,concebido expressamente para responder ao fim ou missão oficial da instituição (, formação militar, humana, técnica e operacional de oficias subalternos em tempo de guerra).

O traço essencial destas instituições, como a MÁFRICA, é a aplicação ao indivíduo dum tratamento coletivo (e, nalguns casos, coercivo) de acordo com um sistema burocrático que cuida de todas as suas necessidades. Daí decorrem alguns consequências importantes, segundo a sociologia da "total institution":

(ix) A tarefa principal dos profissionais (pessoal dirigente e de enquadramento) não é tanto a de dirigir, controlar, ou supervisionar o trabalho, como numa empresa, como sobretudo a de vigiar e punir toda a infracção às regras, todo o comportamento desviante (, isto é mais evidente nas instituições ligadas á justiça, à reinserção social, e  até `á saúde mental - caso dos manicómios, no séc. XX e primeira metade do séc. XX);

(x) Há um fosso intransponível entre o número restrito de dirigentes e de pessoal de enquadramento (instrtutores, neste caso) e a massa de indivíduos dirigidos lou em formação (instruendos);

(xi) Os instruendos são forçados a viver no interior do estabelecimento, por períodos variáveis  (entre 3 a 6 meses),  mantendo com o mundo exterior contactos limitados, enquanto os profissionais continuam , entretanto, oficialmente integrados nesse mundo exterior (têm as suas famílias e as suas casas,  as suas relações sociais, os seus hobbies, etc., no exterior, na comunidade, "lá fora");

(xii) Cada grupo tende a ter  uma imagem estereotipada (e muitas vezes negativa e até hostil) um do outro: para o instrutor, o instruendo  é, incialmente,  visto como um simples mancebo, um ser virado sobre si mesmo, egocêntrico, infantil, reivindicativo, efeminado, mole, cobarde, muitas vezes agressivo, mentiroso, desleal e ingrato; para o instruendo, o instrutor  começa por ser visto  um ser poderoso e muitas vezes prepopente e até tirânico; em todo o caso, quase sempre distante, frio, mesquinho e desumano;

(xiii) Os contactos entre os dois grupos são restritos: a própria instituição impõe a distância espacial e temporal entre eles; mesmo quando certas relações são inevitáveis (a interação na instrução); há barreiras selectivas (as regras da hierarquia militar,  baseadas da unidade comando controlo); há segregaçºão socioespacial (messe de oficiais, messe de sargentos, refeitório de praças);

(xiv) Os instruendos são mantidos sistematicamente na ignorância das decisões que lhe dizem respeito, quer os motivos alegados sejam de ordem militar, legal, administrativa, disciplinar, penal; por outro lado,. nem têm qualquer poder reivindicativo, dada a sua situação de total subordinação e a sua sujeição ao regulamento de disciplina militar;

(xv) A instituição no sentido lato do termo (edifícios, instalações, equipamentos, recursos técnicos, humanos e financeiros, razão social, história, políticas, nome, logotipo, etc.), é vista, tanto por uns como por outros, como ‘propriedade’ dos dirigentes (comandante, instrutores, pessoal de apoio), sendo o pobre do instruendo visto, condescendentemente, quando muito um ‘hóspede’; não há visitas e as saídas (tal como as entradas) são estritamente regulamentadas e controladas em função da lógica do processo de instrução militar, não das necessidades, expectativas ou preferências do instruendo (ou da sua família); como "hóspede" que é, a ele aplica-se o provérbioi popular: "O peixe e o hóspede ao fim de três dias fedem", isto é, cheira mal:

(xvi) A relação de trabalho (nas "total institutions") tende a estar  mais próxima da relação senhor/servo do que da relação de trabalho livre (embora subordinado), que é uma das estruturas-base das sociedades modernas: o conteúdo, a organização e as demais condições de trabalho, os horários, os planos de actividades, as regras de funcionamento, o regimento, etc., são impostos e sancionados pela instituição,


Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1964 > Curso de Sargentos Milicianos (CSM) > "Mafra, 26 de Janeiro de 1964 > O 1.º pelotão, da 1.ª Companhia,  ao 2.º dia de tropa"... Foto (e legenda) do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67).


Foto: © Veríssimo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



(xvii) A "nstituição totalitária", enquanto comunidade residencial e organização fortemente centralizada, regulamentada e fechada, é, de resto, incompatível com uma outra estrutura básica no processo de socialização: a família; a sua eficácia depende, aliás, em grande parte do grau de rutura que ela provoca com o universo familiar dos seus membros e com os papéis sociais que desempenhavam antes (pai, esposo, educador, etc.). 

Em suma, e segundo o sociólogo norte-americano Erving Goffman, as ‘instituições totalitárias’ (prisões, hospícios, asilos, lazaretos, hospitais psiquiátricos ou manicómios dos séculos passados, mas também estabelecimentos militares e militarizados,  unidades da marinha de guerra e mercante, frota da pesca do bacalhau, colégios internos, reformatórios, centros de reclusão/reinserção social, mosteiros, conventos, seminários, etc.); seriam, nas sociedades humanas, lugares de coerção destinados a modificar a personalidade, as atitudes ou o comportamento do indivíduo, e a que o indivíduo responde através de dois tipos de "adaptações":

(a) primária ou manifesta (por ex., aceitação das regras, interiorização das normas e valores, submissão à disciplina, compliance ou adesão ao tratamento prescrito, ressocialização);  e

(b) secundária ou latente (como meio de escapar ao papel e ao personagem ou ao label que a instituição lhe impõe — instruendo, educando, interno, noviço, aprendiz, louco, doente, recluso, recruta,  etc.. — e que o leva a assumir uma vida clandestina no seio da instituição. (LG)

PS - Claro que este "modelo sociológico" também se aplicava, com as necessárias adaptações e cautelas, tanto à 'MÀFRICA' como  ao CISMI, Tavira, por onde muitos de nós passámos (e fomos "passados")... antes de ir parar, alegremente,  às bolanhas da Guiné.
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Nota do editor:

(*) Postes anteriores:

18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13003: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte I: Finalidade, Funcionamento, Provas de aptidão, classificação e Faltas

25 de abril de 2014 > Guiné 63774 - P13041: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte II: Averbamentos; Serviço interno; (...); Salas de estudo; Comportamento; Saídas do quartel; Passaporte de dispensas ou licenças; Cartas de recomendação, pedidos feitos por interpostas pessoas, etc.. etc., [vulgo, "cunhas"].

28 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13055: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte III :vi - Serviço interno; vii -Dispensas, pretensões; viii- Fardamento; ix - Uniformes, equipamento e armamento; x- Revista de saúde e curativos