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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26173: Nos 500 anos do nascimento do nosso poeta maior, Luís de Camões (c. 1524 - c.1579/1580) - Parte I: "Soube moldar o génio de todo um povo nessa língua portuguesa que, como escreveu Engels, é como as ondas do mar sobre flores e prados " (António Graça de Abreu. In "Diário Secreto de Pequim",. inédito, 12 de setembro de 1980)(



Camões (c. 1524 - c.1579/80)  e Engels (1820-1894)



António Graça de Abreu,
Pequim, 1980
António Graça de Abreu

(i) viveu na China, em Pequim e em Xangai, entre 1977 e 1983; 

(ii) foi professor de Português em Pequim (Beijing) e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras; 

(iii) na altura, ainda era, segundo julgamos saber, simpatisante ou militante do Partido Comunista de Portugal (marxista-leninista), o PC de P (m-l), fação Vilar (Eduíno Gomes), alegadamente o único (dos portugueses) reconhecido pela República Popular da China;

 (iv) ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74);

 (v) membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de três centenas e meia de  referências;

(vi) compulsivo viajante, tem "morança" em Cascais; 

(vii) é um cidadão do mundo, poeta, tradutor, reputado sinólog, escritor, autor de mais de 2 dezenas de títulos publicados;

 (viii) nasceu no Porto em 1947; 

(ix) é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos dessa união, João e Pedro.
 

1. Mensagem do Antonio Graça de Abreu:

Data: 1 de novembro de 2024 01:05
 
Assunto: Camões, Engels e a China n
o meu 'Diário Secreto de Pequim0, inédito, escrito há 44 anos atrás.


Pequim, 12 de Setembro de 1980

No número deste Setembro de 1980, a revista China em Construção, edição em português, a propaganda, a divulgação oficial de tudo o que é China comunista, elaborada aqui nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras (onde, com a Adélia Goulart, trabalho há mais de um ano), saiu um extenso texto meu. 

Antes da publicação, o que escrevi e que passo agora integralmente a transcrever, foi traduzido para chinês e levado à consideração, ou chamemos-lhe assim, foi à censura dos nossos poderosos chefes chineses. Não me cortaram uma só palavra, não limparam uma vírgula, passou tudo pelo entendimento do pente de quem manda. Aí vai o meu texto:


4º  Centenário de Luís de Camões comemorado na China

Nos últimos dias de Junho passado, tive a honra de participar numa pequena reunião e convívio luso-chinês realizado na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim que teve como motivo a comemoração do 4º Centenário da morte do maior poeta português, Luís de Camões (1524-1580).

Foi um encontro muito simples, mas cujo significado e importância merecem destaque no contexo das relações culturais entre Portugal e a China. Quatro alunos dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas da Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim disseram um soneto e uma redondilha de Camões, Alma minha gentil que te partiste e Descalça vai para a fonte, em português e numa bonita tradução para chinês.

Vieram a esta Faculdade, o embaixador de Portugal na China, Dr. António Ressano Garcia, o conselheiro da Embaixada, Dr. João de Deus Ramos, a profª Conceição Afonso, eu próprio, o vice-director da Faculdade e decano dos cursos de Estudos Ibero-Americanos, prof. Liu Zhengquan e, fundamental, as quase quatro dezenas de chineses que na capital da China estudam a língua portuguesa.

 Sob a égide de Camões, as pessoas encontraram-se, conversaram, deram conteúdo a uma das mais bonitas palavras da língua chinesa, youyi 友 谊,que significa “amizade”.

O Embaixador de Portugal na China referiu a satisfação que sentia, por, a propósito de Luís de Camões, se poder encontrar com tantos jovens chineses que estudam português e que, no futuro, desempenharão um papel importante nas relações não só entre Portugal e a China, mas entre a China e o vasto mundo da língua portuguesa.

Que interesse poderá ter hoje recordar, na República Popular da China, o grande poeta português quando este país se procura projectar no futuro através das “quatro modernizações”?

Os maiores poetas -  na China um Qu Yuan, um Li Bai, um Du Fu, em Portugal um Camões ou um Fernando Pessoa -, os nossos maiores poetas não morrem, são passado, presente e futuro e continuam, século após século, a ser a voz de todo um povo.

Entender Camões é, quatrocentos anos depois da sua morte, conhecermo-nos melhor, como cidadãos à deriva, ou de pés bem assentes na terra, no embate, no extravagante diluir pelo mundo. Vamos ver porquê.

Luís de Camões, fidalgo pobre, valdevinos, desregrado e brigão, apanhado pela engrenagem complexa da sociedade do seu tempo, participou activamente, até à exaustão, na grande aventura dos Descobrimentos Portugueses. Antes de quaisquer outros povos, os homens do Douro e do Tejo chegariam por mar, às costas de África, América, Índia e também China.

Aqui em Pequim encontrei alguns amigos que eram de opinião que Camões teria sido um precursor do colonialismo português. É verdade que durante o longo governo dos reaccionários Salazar e Caetano, derrubado em 1974, o poeta foi transformado numa espécie de arauto do expansionismo português. 

De facto, em Os Lusíadas, o grande poema épico da nossa língua, Camões cantou o ilustre peito lusitano e os que entre gente remota edificaram "Novo Reino que tanto sublimaram.”

 Mas Camões também reconhece, nas últimas estrofes dos mesmos Lusíadas, que o Portugal que cantava estava metido “no gosto da cobiça e da rudeza / duma austera, apagada e vil tristeza". 

Camões, profundamente humano, nunca rejeitou, antes assumiu plenamente, a contradição das palavras e da vida.

Camões é o português de corpo inteiro, aventureiro, apaixonado e triste, cavaleiro andante errando pelas mais estranhas paragens do mundo, contraditório, lapidarmente humano. É o poeta que traduz, em versos maravilha, o que de bom e de mau se conjugam no génio português. 

Homem do Renascimento, Camões buscou uma sociedade mais justa. Um campeão dos humildes, “um socialista antes do tempo”, como lhe chamou, talvez com um certo exagero, o camonista brasileiro Afrânio Peixoto. Teve perfeito conhecimento dos males do mundo, porque os viveu, estudou e sofreu e diz:

Não me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado…


Como afirmou o prof. Rodrigues Lapa, “Camões inseriu corajosamente em Os Lusíadas alguns versos que nos asseguram uma posição político-social de cidadão vigilante”:

Vejamos no canto VII de Os Lusíadas:

Também não cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no ofício novo
A despir e roubar o próprio povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do rei, severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente.


Camões, um colonialista? 

Se participou na grande expansão portuguesa pelo mundo, que de resto abriu caminhos ao desenvolvimento da Humanidade, isso deveu-se à dinâmica do período histórico em que viveu. Se é verdade que os Portugueses oprimiram outros povos na sequência dos Descobrimentos, Camões assumiu uma atitude crítica e não foi um elemento passivo capaz de assistir, impávido e sereno, às muitas injustiças cometidas. Se tal não tivesse acontecido, o poeta não teria morrido pobre e miserável, vivendo, praticamente, nos últimos anos da sua atribulada existência, de esmolas, de caridade, de amigos.

Como homem do Renascimento, Camões foi o poeta de um mundo novo e diferente, mais amplo, mais vasto, que então começava e se abria a todos os homens.

Na sua obra lírica, foi também o grande poeta do Amor, e da negação do Amor. Ninguém como ele, na língua portuguesa, cantou o Amor, a complexidade de quem ama e é amado, as desilusões, o sofrimento, as “memórias da alegria”, essa pura paixão tão portuguesa de amar e não amar.

O jovem Friedrich Engels, companheiro de Marx, numa carta escrita a 30 de Abril de 1839 ao seu amigo Wilhelm Graeber, diz que está a estudar a língua portuguesa que “é como ondas do mar sobre flores e prados” e depois confessa-lhe que, de manhã cedo, gosta de “se sentar num jardim com o o sol batendo-lhe nas costas lendo Os Lusíadas.” 

O que levaria Engels a gostar de Camões e de Os Lusíadas?

Um historiador português deste século, Jaime Cortesão, dá uma das muitas respostas possíveis:

“O português de Camões foi moldadado pelas águas e pelos ventos, foi enriquecido pelas verdades de outras gentes e alumiado pelas estrelas de todos os céus. É o português-tritão que se misturou a todas as ondas e ao amargo sargaço dos oceanos; é o português suave que se diria respirar como as velas, ao sopro perene dos alisados; é o português amoroso que lançou os fundamentos do Império no sangue de outras raças; é o português para quem o perigo é o sal da vida e todos os homens são camaradas; e a Pátria, na própria frase do poeta, é toda a Terra.”[1]

Em Pequim, Junho de 1980, quatrocentos anos depois da morte de Luís de Camões, portugueses e chineses recordaram o grande poeta que soube moldar o génio de todo um povo nessa língua portuguesa que, como escreveu Engels, “é como as ondas do mar sobre flores e prados.”

António Graça de Abreu
__________

[1] Jaime Cortesão, História dos Descobrimentos Portugueses, III vol., Lisboa, Círculo de Leitores, 1979, pag. 219.

(Revisão / fixação de texto: LG / Não atualizámos a ortografia, do textro, que é de 1980)

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26154: Agenda cultural (870): Museu Nacional de Etnologia, 30 out 2024 / 2 nov 2025 > Exposição: “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades”








Avenida Ilha da Madeira, 1400-203 Lisboa
Telef: 21 304 11 60

Horário > 3ª feira: 14h00 – 18h00 |  4ª feira a Domingo: 10h00 – 18h00


Exposição >  “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades” 

Museu Nacional de Etnologia, Lisboa, Belém, 
30 out 2024 / 2 nov 2025


Folha de sala:

(i) estará patente ao público na maior sala de exposições temporárias do Museu Nacional de Etnologia entre 30 de outubro de 2024 e 2 de Novembro de 2025;

(ii) é co-organizada pelo Museu Nacional de Etnologia (Museus e Monumentos de Portugal, E.P.E.) e o Centro de Estudos Sobre África e do Desenvolvimento (Instituto Superior de Economia e Gestão, UL);

(iii) realiza-se no contexto da prioridade que o Museu confere ao estudo de proveniência das suas coleções extraeuropeias e da reflexão sobre o contexto colonial em que o museu foi fundado e procedeu à recolha das suas primeiras coleções, procurando o envolvimento do público e das comunidades na valorização e divulgação das suas próprias culturas;

(iv) concebida e coordenada pela historiadora Isabel Castro Henriques, a exposição visa apresentar as linhas de força do colonialismo português em África nos séculos XIX e XX;

(v) tem como objetivos:

  • desconstruir os mitos criados pela ideologia colonial;
  • descolonizar os imaginários portugueses;
  • e contribuir, de forma pedagógica e acessível, para uma renovação do conhecimento sobre a questão colonial portuguesa.

(vi) dois eixos centrais estruturam a narrativa da exposição:

  • o primeiro eixo organiza-se em painéis temáticos, nos quais texto e imagem se articulam, pondo em evidência as linhas de força do colonialismo português dos séculos XIX e XX, e dando a palavra ao conhecimento histórico;
  •  o segundo eixo pretende “fazer falar” as obras de arte africanas, como evidências materiais do pensamento e da cultura africanas, evidenciando a complexidade organizativa dos sistemas sociais e culturais destas sociedades, permitindo mostrar a criatividade, a vitalidade, a sabedoria, a racionalidade, a diversidade identitária e as competências africanas e contribuindo para evidenciar e desconstruir a natureza falsificadora dos mitos coloniais portugueses.

(vii) este segundo eixo da exposição é constituído por uma seleção de 139 obras, repartidas entre coleções do Museu Nacional de Etnologia, incluindo algumas peças em depósito da Fundação Calouste Gulbenkian e do colecionador Francisco Capelo, e obras de arte africana contemporânea dos artistas Lívio de Morais, Hilaire Balu Kuyangiko e Mónica de Miranda;

(viii) realizada no âmbito das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, este projeto resulta das pesquisas desenvolvidas pela equipa de cerca de trinta investigadores que nele colaboraram, tendo igualmente contado com o indispensável contributo de muitas entidades, nacionais e estrangeiras, que cederam a profusa documentação iconográfica apresentada nos painéis explicativos em torno dos quais se desenvolve a narrativa da exposição:

(ix) a Comissão Executiva da Exposição é presidida por Isabel Castro Henriques e integrada por Inocência Mata, Joana Pereira Leite, João Moreira da Silva, Luca Fazzini e Mariana Castro Henriques, e a sua Comissão Científica, igualmente presidida por Isabel Castro Henriques, é constituída por 20 elementos, entre os quais António Pinto Ribeiro, Aurora Almada Santos, Elsa Peralta, Isabel do Carmo e José Neves;

(x) a museografia, instalação e apresentação ao público da totalidade das obras das coleções do Museu Nacional de Etnologia foi assegurada pela própria equipa do Museu, que igualmente assegurou a produção da exposição, com a colaboração da equipa da Museus e Monumentos de Portugal, E.P.E; 

(xi) o Projeto Expositivo e de Comunicação da exposição é da autoria do P 06 studio.

(xii) de entre o programa paralelo a desenvolver entre 2024 e 2025 no âmbito deste projeto, destaca-se-se a realização de exposição itinerante, de caráter exclusivamente documental, que circulará por escolas e centros culturais em Portugal, assim como em diversos espaços de língua portuguesa, em África e no Brasil;

(xiii) ainda em 2024 terá início, no âmbito desse programa paralelo, o ciclo Cinema e Descolonização, com projeções de filmes relacionados com a realidade pós-colonial, a decorrer no ISEG e no Museu Nacional de Etnologia, encontrando-se prevista a realização de outras ações de caráter científico, nomeadamente Conferências e Colóquios, também em parceria com outras entidades;

(xiv) a  realização da exposição é acompanhada pela edição de livro homónimo, publicado pelas Edições Colibri, em cujas 344 páginas os c. de trinta investigadores que colaboraram neste projeto desenvolvem os vários temas abordados.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26143: Humor de caserna (81): "Há ouro em Bafatá ?!"... A imaginação febril dos serôdios "garimpeiros" coloniais... (Excerto do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951, suplemento especial dedicado às províncias ultramarinas que, em revisão constitucional, tinham acabado de deixar de ser colónias)

 


Excerto do Suplemento do "Diário Popular", edição de 20 de outubro de 1951, pág. 9



Capa do Suplemento do "Diário Popular", edição de 20 de outubro de 1951,



Capa da edição do "Diário Populae", de 20 de outubro de 1951. Era diretor o Luis Forjaz Trigueiros (1915-2000)


1. Na euforia do  fim do "Pacto Colonial", e da revisão constitucional (Lei nº 2048, de 11 de junho de 1951),  a imprensa lisboeta começa a olhar para o "ultramar português"  como um mercado cheio de potencialidades... 

É um número de "informação e propaganda", em que figuras-chave do Governo de Salazar (Sarmento Rodrigues, Ulisses Cortês, etc.) mas também historiadores alinhados política e ideologicmemte com o Estado Novo (Damião Peres, por exemplo, que a dirigiu a monumental História de Portugal, publicada entre 1928 e 1954) assinam artigos de opinião ou dão entrevistas...

 O "Diário Popular", na sua edição de 20 de outubro de 1951 ( e não de 20 de outubro de 1961, como vem escrito por lapso, na ficha da Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa), distribuiu um suplemento, dedicado ao Ultramar, desde Cabo Verde a Timor,  com 218 páginas (22 das quais são dedicadas à Guiné).  

É uma raridade bibliográfica, está disponível  aqui em formato digital. Merece uma leitura atenta.  E tem apontamentos deliciososos, como este que publicamos acima, na série... "Humor de caserna" (*).  (O "há ouro em Bafatá" faz-nos lembrar a rábula do saudoso e genial Solnado, na divertida comédia televisiva , de 1986,  "Há petróleo no Beato"...)

Um pensamento "seráfico" de Salazar dá o tom para esta edição "eufórica" sobre o ultramar português e a "nossa ancestral vocação civilizadora":

"Nós somos filhos e agentes de uma civilização milenária que tem vindo a elevar e converter os povos à conceçãoo superior da própria vida, a fazer homens pelo domínio do espírito sobre a matéria, do domínio da razão sobre os instintos"...

Dentro dos condicionalismos da época (a começar pela censura), temos de reconhecer, no entanto,  que o "Diário Popular" foi também um viveiro de grandes cronistas,  repórteres e jornalistas.

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terça-feira, 8 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26020: Timor Leste: Passado e presente (24): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo III: a situação sanitária em 1943: de 52 profissionais de saúde, 34 (c. de dois terços) tinham falecido, ou desaparecido, ou estavam ausentes



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto 16690 > Ambulància



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto 16949 > Tecelão



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto  16927 > Vida social e familiar  > Mulheres, jovens e crianças



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto 17047 > Uma escola em Balibó



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto  16994 > O farol de Díli

Fotos do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo coma Wikimefdia Commons. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024)


O Álbum «Colónia Portuguesa de Timor», mais conhecido por «Álbum Fontoura», nome do governador que o mandou elaborar em finais dos anos 30, e coincidindo, então, com a permanência em Timor de uma missão geográfica e geológica, chefiada pelo geógrafo Jorge Castilho, contém 549 fotografias relativas a:~

  •  «grupos étnico-linguísticos e tipos em geral», 
  • «trajos, ornamentos, pertences e armas», 
  • «vida familiar e social», 
  • «formas de trabalho (…), arte indígena e instrumentos musicais» 
  • e «acção civilizadora e colonizadora». 

O exemplar do álbum, recuperado após Abril de 1974 pelo antropólogo, professor António de Almeida, foi depositado no AHS (Arquivo Histório Social, ISC/UL), pela «Família Almeida», através do Doutor Pedro Cardim. (Fonte: AHS/Album Fontoura)

 
O coronel Álvaro Fontoura (Bragança, 1891 - Lisboa, 1975), foi "governador de Timor entre 1936 a 1940 e é-lhe atribuída a ideia de organizar o Álbum Fontoura". 

Era então major de infantaria. Licenciou-se em engenharia civil na Universidade do Porto e foi professor do Colégio Militar entre os anos de 1925 a 1937, da Escola Superior Colonial entre 1932 a 1947 e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas (ISCSPU) / Universidade Técnica de Lisboa entre os anos de 1939 e 1961.

Será depois chefe de gabinete do Ministro das Colónias, Francisco José Vieira Machado, de 1940 a 1944, presidente da Junta Central de Trabalho e Emigração do Ministério do Ultramar de 1937 a 1960 e Diretor dos Caminhos de Ferro de Moçambique. Como parlamentar participou como deputado da IV Legislatura (1945 - 1949) pelo círculo eleitoral de Macau.


1. José dos Santos Carvalho (de quem não temos uma única foto) foi médico de saúde pública, no território português de Timor, ao tempo da ocupação estrangeira da ilha (primeiro, da parte dos australianos e holandeses, e, depois,  dos japoneses). Médico,  exerceu as funções de chefe interino da Repartição Técnica de Saúde e Higiene, em Lahane, desde meados de 1943.

Fora colocado, em  meados de 1940, em Timor como médico de 2ª classe, do "quadro comum colonial".  Devido à guerra, levou alguns meses a chegar ao território. Desembarcou em Díli nas vésperas do ano novo de 1943.

O livro que escreveu sobre Timor durante a ocupação japonesa,  baseia-se nas suas recordações e registos  pessoais bem como nas memórias de outros portugueses, seus companheiros de infortúnio.   .

Em anexo, o autor publica também os relatórios anuais do serviço de saúde relativos a 1943, 1944 e 1945  (pp. 142-194), que têm igualmente interesse documental para  a historiografia da presença portuguesa em Timor, relatórios esses que ele nunca deixou de fazer,  apesar das dramáticas circunstâncias em que teve de exercer as suas funções de médico e  chefe interino da Repartição Técnica de Saúde e Higiene. Não sabemos se chegaram, na altura, ao conhecimento de quem de direito, para além  do governador da colónia (que esteve, na prática, durante os três  anos de ocupação, na situação de refém dos japoneses e sem comunicações com Lisboa).

O livro, de 208 pp.,  ilustrado com algumas fotografias, foi escrito, em 1970, quando passavam  já 25 anos sobre o fim da ocupação japonesa do território de Timor e a libertação dos prisioneiros portugueses, timorenses e outros. Foi composto e impresso na Gráfica Lamego e publicado pela Livraria Portugal, 1972, editora que já não existe. 

O livro e o autor merecem não ser esquecidos. 

Imagem à direita: Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972,  208 pp. , il... Livro raro, só possível de encontrar em alfarrabistas, ou então no Internet Archive, em formato digital; está registado na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos, podendo ser encontrado na Biblioteca Nacional de Portugal e no Instituto Científico de Investigação Tropical.

Sobre a situação da saúde da população nessa época e naquele território, bem como sobre a organização e funcionamento dos serviços de saúde naquela longínqua colónia portuguesa do sudeste da Ásia, vamos reproduzir aqui alguns excertos e apontamentos. A sua leitura ajuda-nos a perceber até que ponto a saúde e os serviços de saúde são vulneráveis em situações-limite como a guerra com todo o seu cortejo de horrores.


Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) 

Anexo III:  Relatório dos Serviços de Saúde 
(Ano de 1943) (pp. 142-148)

 
(i) Como bom funcionário público e representante da autoridade de saúde, no apogeu do Estado Novo, o dr. José dos Santos Carvalho, médico de 2ª classe, não deixou de cumprir os seus deveres, apesar da ocupação do território por forças estrangeiras, e nomeadamente japonesas (entre 20 de fevereiro de 1943 e 2 de setembro de 1945). 

Recorde-se que dos quatro médicos existentes no território, dois morreram. alegadamente por suicídio: o dr.  Diniz Ângelo de Arriartre Pedroso (Aileu, 1 de outubro de 1942), e o dr. José Aníbal Torres Correia Teles (algures na região de Viqueque, em fevereiro de 1943).

O dr. José dos Santos Carvalho, chefe interino da repartição de saúde e higiene  (desde 2 de agosto de 1943) foi louvado, em 10 de outubro de 1945, pelo governador cessante, Manuel  de Abreu  Ferreira de Carvalho, "pela forma  como soube sempre cumprir os seus deveres, não abandonando, mesmo em circunstâncias muito difíceis, o seu posto e procurando, apesar de todas as deficiências materiais com que sempre lutou, dar a maior eficiência possível aos serviços de saúde, cuja chefia lhe foi confiada, e ainda pelos trabalhos de  investigação e de estudo, a que se dedicou e que procurou sempre orientar num sentido de utilidade imediata para a população" 
(pág. 135/136).



 (...) "As circunstâncias extraordinárias e completamente anormais em que nos encontramos, sujeitos a todos os perigos e consequências da guerra, e guerra a valer, impõem ao fiel servidor muito maiores deveres, grande paciência, abnegação, sacrifícios sem conta e muitas vezes dificuldades insuperáveis, que a história mal virá a conhecer, sendo dificílimo destrinçar e avaliar com inteira justiça os serviços prestados à Pátria, quer colectiva quer individualmente. 

 "A crítica histórica tem de ser feita passados os acontecimentos, com calma e sem paixões. Não é, pois, ocasião para a fazer. Porém os factos devem ser registados, embora, por enquanto, não possam ser comentados, nem se possa também investigar a sua razão de ser, o que deverá ser feito mais tarde, recompensando-se os que cumpriram e castigando-se os prevaricadores se os houver. 

"É por ter considerado estas proposições que me julgo na obrigação de juntar a este relatório uma resenha dos factos principais respeitante ao serviço, dos quais tive conhecimento, a qual será completada ou mesmo corrigida com o testemunhe dos funcionários da Repartição que agora não posso obter. 

 "Apresento assim um esboço de história (...).

"Também, sem dúvida, interessará sobremaneira, saber das condições de vida dos portugueses durante o período de guerra. Por esse motivo incluo neste relatório (que obviamente deveria começar na data da minha posse, em 2 de agosto de 1943) a descrição das circunstâncias de interesse para a Saúde Pública, desde o ajuntamento dos portugueses na zona de concentração (Novembro de 1942), tanto mais que o estado de guerra, as ansiedades e incertezas do futuro e mesmo a falta de expediente impediram que fossem elaborados os variados documentos da estatística normal. 

"Feitas estas ligeiríssimas considerações, preâmbulo que me parece necessário, entro agora no relatório propriamente dito." (...)


Medicamentos, Material Cirúrgico, Utensílios, Roupas, etc.

(...) "Foi com a maior tristeza e quase com desespero que os dois médicos a quem coube prestar assistência aos portugueses, verificaram que, além dos seus esforços e boa vontade de bem servir, com pouco mais poderiam contar para cumprirem a sua humanitária missão.

"Praticamente todo o recheio do hospital Dr. Carvalho, transferido para Quelicai, aí se perdeu; e o mesmo aconteceu nas sedes de delegação (Aileu e Baucau) a não ser uma malinha de mão, em que o signatário tinha juntado alguns medicamentos de urgência e instrumentos de pequena cirurgia para o caso, que se deu, de ser impossível empacotar para transporte, pelo menos o mais útil. 

"Em suma, ficamos reduzidos às existências das ambulâncias de Lahane e Liquiçá, as quais eram muito pobres, salvando-se todavia alguns utensílios de valor (autoclaves, mesa de operações, aparelho de Clayton), livros técnicos, etc, assim como bastantes frascos com medicamentos (infelizmente de pouco valor terapêutico por serem muito antigos) (...)-

"Feito o inventário, encontram-se ainda, em barricas e latas, razoáveis quantidades de: 

  • sulfato de sódio,
  •  borato de sódio, 
  •  ácido bórico, 
  • sulfato de cobre, 
  • enxofre, 
  • vaselina 
  • e permanganato de potássio. 

"Têm sido estes medicamentos, generosa dádiva da Providência, largamente empregados. 

"O material de penso existia em quantidade mínima, e temo-nos aguentado, poupando-o com a mais profunda avareza; hoje está reduzido praticamente a zero com exceção de uma quantidade mínima guardada para ferimentos graves, sempre prováveis. 

"Operações cirúrgicas, em condições de sucesso, são impossíveis. Falta o material cirúrgico e de penso, luvas, batas, toalhas, etc; e todo o material de anestesia, além dos medicamentos  necessários para acudir prontamente aos acidentados. Esterilizações perfeitas também não podem ser efectuadas por não termos petróleo para aquecer os autoclaves.

"Foi devido a estes factos que foi solicitado, que os quatro timorenses, auxiliares dos europeus, gravemente feridos por estilhaços de bomba (que ficaram profundamente situados nos tecidos), a quando do bombardeamento das vizinhanças do hospital, fossem operados no hospital nipónico. Os curativos consecutivos foram feitos por mim e enfermeiros em serviço no hospital, transferindo-se mais tarde os feridos: para a ambulância de Liquiçá, onde parecia não haver perigo de bombardeamentos. 

"As operações de pequena cirurgia e os curativos de feridas e úlceras têm-se feito todavia, utilizando-se os mais diversos recursos como, pano de roupa muito usada (a substituir a gaze). sumaúma (para almofadar as lesões da pele), ataduras de qualquer pano e mesmo de folhas de palmeira (servindo-nos as folhas verdes de palmeira esterilizadas à chama do álcool indígena, para tornar impermeáveis certos pensos) e tantas improvisações a que a penúria obriga. 

"Foram cedidos alguns medicamentos pelas forças nipónicas. Assim receberam-se em dezembro de 1942, dois mil e quinhentos comprimidos de quinino, e em maio de 1943 uma pequena quantidade de medicamentos, entre os quais havia 170 gramas de euquinina, que muito jeito fizeram para o tratamento do sezonismo das crianças.

"Em 18 de maio do mesmo ano foi entregue,  ao senhor Cônsul do Japão, uma lista dos medicamentos, material de penso e utensílios, essenciais para os portugueses. 

"Em 10 de setembro foram internados no hospital Dr. Carvalho dois timorenses com várias lesões traumáticas, tendo o médico nipónico, que os acompanhou, enviado algum material de penso para o seu tratamento. 

"Em novembro, ainda no mesmo ano de 1943, registaram-se casos de varicela tendo-se pedido, e obtido, alguns medicamentos, embora em pequeníssima quantidade. Em outubro, recebemos 400 tablóides de quinino a 0,10 g." (...)


Estado sanitário da população

(...) "Não nos afligiu, até agora, o cataclismo das grandes e mortíferas epidemias que tão facilmente se instalam nos aglomerados humanos em que o ajuntamento de várias famílias sob o mesmo teto, sem qualquer espécie de conforto, com falta de quase tudo, desde as roupas e material doméstico até à alimentação, que por ser pouco variada e reduzida (devido à sua dificílima aquisição, visto aparecer nos mercados em pouca quantidade e com custo incrível) não corresponde às normais necessidades da fisiologia nutritiva, por lhe faltarem quantidades suficientes de gorduras, proteínas e  os princípios vitamínicos essenciais à manutenção da vida sã. 

"A alimentação é pouquíssimo variada e é quase exclusivamente constituída por feculentos (milho assado, cozido ou em papa, arroz, mandioca, batata doce e inhames, sendo raras as batatas); fazem muita falta os ovos, carne e peixe em quantidade suficiente, os variados legumes, fruta, hortaliças e gorduras animais ou vegetais, pois não havendo há muito tempo o azeite de oliveira, são quase impossíveis de obter a banha e os produtos vegetais oleosos (óleos de amendoim e de coco, e amêndoas de "quiar"— 'Canarium molucannum', Blume — ). O leite é tão pouco que teve de ser racionado pelos doentes e crianças, exclusivamente. 

"Se acrescentarmos as preocupações diárias, o quase invencível desânimo, a vida sedentária, ou para muitos os rudes trabalhos das «hortas» a céu descoberto em clima tropical (ótimas ajudas para a acção dos agentes microbianos), facilmente concluiremos que fatalmente seríamos presa de doença, se não fora a sorte, segundo alguns, ou a ajuda Divina conforme a maioria crê. 

"Também não apareceram moléstias que, não existindo até agora em Timor,r  poderiam ter sido veiculadas pelos soldados (dengue, cólera, febre amarela, tifo exantemático, bilharzíase, per exemplo). 

"Durante o mês de dezembro registou-se em Liquiçá e Maubara o aparecimento de gripe com laringite e angina com carácter bastante transmissível, doenças que o sr. Delegado de Saúde de Liquiçá conseguiu tratar e evitar a sua difusão, lamentando-se o falecimento de duas crianças (filhas de europeus), uma de dois anos e outra de cinco anos de idade." (...) 


(ii) Eis a listagem alguns casos benignos de doenças ocorridos em 1943, 
segundo o relatório da autoridade de saúde:

  • sezonismo; 
  • disenteria bacilar e alguns casos de disenteria amibiana crónica; 
  • gripe; 
  • reumatismo; 
  • anginas; 
  • sarna (devido à falta de sabão) ; 
  • úlceras tropicais; 
  • corizas banais; 
  • parotidites; 
  •  varicela; 
  • alastrim; 
  • cáries dentárias, com ou sem abcesso; 
  • boubas (entre os timorenses); 
  • cólicas hepáticas; e várias neurastenias e histerismos próprios das circunstâncias. 

 (...) "Alguns portugueses que foram forçados a viver no mato durante meses, apresentaram sinais de beribéri:  paresias e insensibilidade ligeiras dos membros inferiores, astenia cardíaca e edemas na face e nos pés (dorso e à roda dos maléolos). Estes sintomas curaram facilmente com o tratamento baseado em alimentação rica em vitamina B1.

"Infelizmente já se registaram óbitos entre a população europeia. Os dois primeiros deram-se em Liquiçá no mês de novembro de 1943: um, devido a tuberculose pulmonar crónica (...); e outro  devido a angina de Ludwig (...), ambos em adultos. 

"Em dezembro faleceram duas crianças, na epidemia de gripe com laringite  e angina, de que acima falei." (...)

   Direcção dos serviços 

 (...)  "Também tive a honra de obter o assentimento de V Exª para a minha proposta da abertura imediata de um curso de enfermagem. Esse curso tem funcionado com bastante regularidade, tendo eu escrito as lições para os alunos a meu cargo,   circunstância bastante útil pois até agora não existia um guia para o estudo dos alunos. Também, acabadas as lições, cada futuro enfermeiro terá um formulário com os medicamentos usuais e já conhecidos por ele o que será de grande vantagem atendendo a que o enfermeiro isolado tem de atuar como clínico 

 "Em Liquiça, o senhor Delegado de Saúde [ dr. Francisco Rodrigues]  faz também um curso semelhante, devendo os exames ser feitos em abril do ano de 1944, no  Hospital Dr. Carvalho 

" Os doentes internados têm sido poucos pelo motivo de os timorenses terem receio dos bombardeamentos, preferindo viver e... morrer no mato. 

"Ao contrário, o posto médico é relativamente bastante frequentado para consulta, curativos e tratamentos ambulatórios dos quais se tem obtido resultados que satisfazem, embora não possuamos o material de penso e desinfetantes convenientes; como felizmente nos restava um pouco de salicilato de bismuto pudemos tratar boubas do pessoal timorense, preparando uma suspensão a 10% em óleo de coco, com magníficos resultados, como há muito tempo foi verificado pelos médicos desta Colónia, " (...)


(iii) O dr. José dos Santos Carvalho diz que, nesse ano de 1943,  foram hospitalizados "44 doentes sendo a média diária de 7", 
 por doenças tais como: 

  • varicela, 
  • parotidite, 
  • sarna, 
  • feridas, 
  • gripe, 
  • úlceras, 
  • blenorragia 
  • e tuberculose pulmonar. 

(...) "Faleceram 3 timorenses (parotidite complicada, 1; gangrena, 1; úlcera crónica, 1); e um chinês (tuberculose pulmonar crónica) . 

"Foi também internada uma mulher em estado de parto que verifiquei ser distócico; por felicidade existia no hospital um fórceps de modelo arcaico, o qual, todavia, não me deixou ficar mal. " (...)

 Secretaria da Repartição 

 
(...) "O arquivo da Repartição perdeu-se em Quelicai. Tendo sido feita, por ordem de V. Ex. a , uma escolha de documentos nos montes de livros e papelada constituídos por arquivos de várias repartições, resultou encontrarem-se alguns respeitantes a esta repartição (pouco importantes), várias revistas médicas e a colecção quase completa do Boletim Sanitário da Colónia que guardei e ordenei. 

"Assim consegui juntar os elementos suficientes para a preparação consciente de um projecto minucioso de remodelação dos Serviços de Saúde em que trabalho há tempos. Também foram encontrados estudos botânicos sobre a Colónia de Timor, que me facilitaram extraordinariamente a elaboração de um trabalho sobre medicamentos vegetais provenientes de plantas de Timor, nativas ou já aclimadas, com o fim de divulgar propriedades terapêuticas dessas plantas, pouco conhecidas, visto que poucas drogas farmacêuticas possuímos." (..,)

 Funcionários 


 (iv) Sobre o comportamento e o movimento dos seus funcionários,  o chefe (interino) da repartição técnica de higiene e saúde, faz o ponto da situação em 31 de dezembro de 1943 (pp. 155/156).  
Resumindo:

  • Dos 4 médicos, 2 tinham morrido;
  • O farmacêutico estava ausente;
  • Dos 16 enfermeiros, 2 tinham falecido, 1 estava desaparecido e 7 estavam ausentes;
  • Dos 31 auxiliares de enfermagem,  19 estavam ausentes,
  • Dos 4 enfermeiros estagiários, 1 estava ausente e outro pedira a exoneração.
Ou seja,  de um total de 52 profissionais de saúde, 34 (c. de dois terços) tinham falecido, ou desaparecido, ou estavam ausentes.

 Conclusões

(...) "O estado sanitário da população é razoável, porém, é muito de temer, por possível e provável, a irrupção de moléstias graves que levem à morte muitos portugueses, se as condições de vida não se modificarem, nomeadamente no respeitante à alimentação e aos meios de combater as doenças. 

"O pessoal dos Serviços de Saúde é suficiente e cumpridor pelo que é de prever que, quando possuir os meios necessários,  deve satisfazer." (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, notas, título: LG)
___________

Nota do editor:

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26009: S(C)em Comentários (47): Com portugueses deste calibre Portugal estava longe de poder ganhar o que fosse... (Cherno Baldé, Bissau)

1. Comentário do Cherno Baldé ao poste P26005 (*).

Caros amigos,

Aqui vai um pequeno excerto de mais um 'cabeça brilhante' e péssimo patriota, na minha ótica, com ideias estapafurdas que não tinham fundamento ainda em 1966 e nem se confirmaram depois de 1970, uma pena. 

Com cidadãos deste calibre Portugal estava longe de poder ganhar o que fosse, independentemente de as guerras serem justas ou não. A América (EUA) nunca ajuda nenhum país a ganhar uma guerra, a América persegue os seus interesses geoestratégicos no mundo e estava (ontem), está (hoje) e estará sempre pouco se lixando com os interesses dos outros países, incluindo Portugal. (**)

3 de outubro de 2024 às 16:03 
 

"(...) Assim, bem podemos bradar aos quatro ventos que o IN ataca indistintamente brancos e negros. Será que também não haverá maus negros, traidores que a troco de uns patacões estão prontos a lutar (e alguns bastante bem) do nosso lado?

Nem tudo que é do lado de lá está o lugar deles e efetivamente é lá que está a grande maioria. E porquê? Quando nós dissemos aos Felupes, aos Sossos, aos Fulas, aos Balantas, aos Mandigas, a todos esses selvagens que se odiavam de morte, que eram todos portugueses, todos filhos do mesmo Deus que também era o nosso, quando os afastámos dos seus usos, deturpámos e aviltámos os seus sítios, os arrancámos à tabanca e os lançámos na cidade, não fizemos mais que criar as condições que permitiram a atual situação. 

Quando o IN proíbe severamente o tribalismo e os privilégios tribais, chama-os a todos guineenses, dá-lhes o português como língua única, limita-se a continuar aquilo que nós iniciámos e que incompreensivelmente continuamos. 

Quanto a mim, tendo em linha de conta um e outro dispositivo, a derrota é inevitável, a menos que se alterem certos fatores externos que influem decisivamente e são suscetíveis de alterar profundamente a situação. Eles tocam, mas não são eles os donos dos instrumentos.

Parece-me que o fator mais importante é a atitude que os EUA possam vir a tomar. Até que pontos os ianques estarão dispostos a auxiliar-nos a ganhar esta guerra (no fundo, trata-se somente de impedir os outros de a ganharem, já que nós somos insuficientemente incompetentes para o fazer)." (...)


 3 de outubro de 2024 às 16:03 

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26005: (De) Caras (311): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (3)

(**) Último poste da série > 22 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25967: S(C)em Comentários (47): A visita do Yussuf Baldé, filho do Cherno Baldé, ao Valdemar Queiroz

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25933: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte X: Seria um homem violento ?... Mais um processo na Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos Indígenas, em que desta vez os arguidos são os sócios da firma Brandão & Figueiredo...

 


Guiné > Administração da 12ª Circunscrição Civil > Região de Quínara > Auto de inquirição de testemunhas > Data: 23 de outubro de 1926 | Queixosos: Augusto Pinto e Antigo Primeiro | Arguida: a firma Brandão & Figueiredo


Fonte: Portal Casa Comum | Fundação Mário Soares |Instituição: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau | Pasta: 10418.121 | Título: Administração da 12.ª Circunscrição Civil (Quinará), auto de inquirição de testemunhas | Assunto: Auto de inquirição de testemunhas, elaborado pela Administração da 12.ª Circunscrição Civil (Quinará), em processo de justiça indígena que tem como queixoso Augusto Pinto e Antigo Primeiro e por arguido a empresa Brandão e Figueiredo. Acusam os sócios da referida empresa de não pagarem o salário devido e de agressões. | Data: Sábado, 23 de Outubro de 1926 | Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas  

(Com a devida vénia...)

Citação: (1926), "Administração da 12.ª Circunscrição Civil (Quinara), auto de inquirição de testemunhas", Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10418.121 (2024-9-10)





Folha 3  > Auto de queixa (Resumo): a 6/10/1926, em Bolama, na Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos Índigenas, e estando presente o Curador, Jorge Frederico Torres Vellez Caroço, compareceram "os indígenas da tribo mancanha" (sic), Augusto Pinto e Antigo Primeiro, apresentando queixa da firma Brandão & Figueiredo. (O Jorge Frederico Vellez Caroço foi governador da Guiné, de 1921 a 1926) (**). 

 O primeiro queixoso, Augusto Pinto,tinha entrado há tempos ao serviço da referida firma, com um salário mensal de 115$00 e alimentação, apenas por um mês (por ter de se ausentar para a sua terra, afim de tratar de assuntos pessoais). Em Bolama, ficou apenas alguns dias, sendo depois mandado pelos patrões para prestar serviço na propriedade denominada Ossadu, onde ficou mais uns dias... Dirigiu-se ao sócio da firma, de nome Figueiredo, pedindo-lhe que lhe pagasse o salário correspondente...





Folha 4 > Auto de queixa > ...vinte e seis dias de serviço, correspondente a 74$60, depois de deduzida a importância de um adiantamento, no valor dee 25$00. O Figueiredo recusou-se a pagar a importância que era devida e, para mais, agrediu-o. O queixoso dirigiu-se então a Bolama e foi ter  com o outro sócio, de nome Brandão.  Foi agredido por este com um cacete, e também pelo Figueiredo, acabado de regressar da "ponta" (propriedade). Em face disso, o queixoso teve de fugir... 

O segundo queixoso, de nome Antigo Primeiro, conta uma história em tudo semelhante: tinha entrado ao serviço da mesma firma, com um salário mensal de 115$00 e alimentação. Ficou alguns dias em Bolama e depois foi mandado para a "ponta" cortar cibes. Não querendo ficar mais tempo, pediu ao patrão, o sócio Figueiredo,  o salário a que tinha direito...






Folha 5 > Auto de queixa > ...vinte e seis dias de serviço, correspondente a 74$60, depois de deduzida a importância de um adiantamento, no valor de 25$00.... Deu-se a mesma cena, tanto um sócio (o Figueiredo)  como o outro (o Brandão) não só se recusaram a pagar o salário do queixoso, como o agrediram. 

Em face do exposto, ambos os queixosos pediam ao Curador, "na qualidade de seu legítimo protetor" (sic), para lhes ser feita justiça. "... E  mais não disseram.  Sendo-lhes lidas as suas queixas,  "as acharam conformes, não assinam por não saberem, pondo contudo as impressões digitais"... 

Assinam o Curador, o intérprete e o escrivão, Manuel Silva Miranda. Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos Indígenas, Bolama, 19/10/1926.






Folhas 10 e 11 >  Auto de inquirição de testemunhas > Fulacunda > 6/11/1926  > Perante o administrador Pedro José Duarte compareceu a testemunha Pedro Borges Fernandes, de 31 anos, solteiro, natural de Cabo Verde, agricultor, residente em Nassocolom (?), circunscrição de Fulacunda, "e prometeu pela sua honra dizer a verdade, e aos costumes disse nada" (sic). 

Sobre a matéria dos factos disse: o Figueiredo foi à povoação de Nassocolom, proceder ao corte de cibes, juntamente com os queixosos; estes ficaram em sua casa pelo espaço de um mês; não viu o referido Figueiredo maltratar os serviçais... E quanto aos salários, não sabia se lhos tinham sido pagos. E mais não disse. Juntamente com o administrador e o escrivão, assinou o auto (sinal de que sabia escrever).



Folha 12 > Auto de queixa > A 26/11/1926, o auto é dado como concluído. Foi ouvida apenas uma testemunha,  a outra não compareceu, por não poder andar, e também não foi ouvida no local de residência, por ausência do chefe de posto de Cubisseque .



Folha 13 (e última) > O processo é remetido, pelo escrivão, para os devidos efeitos, ao Curador Geral. Não sabemos o que este decidiu.


1. Mais um curioso processo de "justiça indígena", no âmbito da Curadoria Geral dos Serviços e Colonos Indígenas (isic), designação bem  republicana e colonialista para a rebatizada (logo com a Ditadura Militar e o Estado Novo), Direção de Serviços e Negócios Indígenas (sic).  

Desta vez os queixosos são dois "serviçais" (sic) e os arguidos são os sócios de uma firma comercial, a Brandão & Figueiredo... 

Não sabemos, em boa verdade, se este Brandão é o nosso já conhecido Manuel de Pinho Brandão (*), mas é muito provável que o seja ... 

Não encontrámos até agora referência ao irmão, Afonso Pinho Brandão, estabelecido em Catió, em data que não podemos precisar- (Segundo a sua filha, Gilda Pinho Brandão, terá sido assassinado por balantas em Catió, em 1962; terá tido sete filhos, todos de mães diferentes; a mãe da Gilda, fula, era de Chugué).

Com este apelido Brandão, só encontrámos referência, no fundo  INEP  (C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas), além do Manuel Brandão ou Manuel de Pinho Brandão, a mais quatro indivíduos: 
  • Dr. Francisco Brandão Pereira, médico, capitão, chefe interino da Repartição dos Serviços de Saúde e Higiene (Bissau, 1935; a sede  desta repartição fora transferida de Bolama para Bissau, em 1932):
  • Saúl Mário Brandão Rodrigues, subintendente (1931) e depois administrador (Bijagós, 1931)
  • João Brandão, indígena (1932)
_______________

Nota do editor:

(**) Jorge Frederico Velez Caroço [Portalegre, 1870 - Lisboa?, 1966]

"Oficial do Exército. Participou no grupo que implantou a República em Portalegre em 5 de Outubro de 1910, tendo, de seguida, sido eleito deputado às Constituintes. Em 1914 foi nomeado governador civil de Portalegre. Durante a I Grande Guerra serviu como expedicionário em Angola e depois em Moçambique. Em 1919 foi eleito senador e, de 1921 a 1926, foi governador da Guiné. Passou à reforma em 1929, incompatibilizado com o novo regime ditactorial. Em 1931 encontrava-se exilado em Madrid") (Fonte: Centro de Documentação de Autores Portugueses, 08/2010)