Crachá da CCAÇ 4540, "Somos um Caso Sério" (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74). Nhacra tinha piscina, o que explica a "sereia" do emblema... (Por mostrar os mamilos, não passa no Facebook, com pena nossa... mas vamos tentar)
1. O Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) tem cerca de 6 dezenas de referências no blogue, tem um excelente sentido de humor e é um bom contador de histórias, como se comprova por aquela que apresentamos a seguir.
É também um dos melhores conhecedores de Nhacra, onde cumpriu a segunda parte da sua "comissão de serviço"...Não foi herói e tem pena. É um bom amigo e camarada que muito prezo, estando connosco, aqui na Tabanca Grande, desde 21 de maio de 2008.
É autor da série "Histórias do Eduardo Campos". Vamos lembrar algumas dessas histórias, e que giram à volta de Nhacra.
Na tropa e na guerra, passa despercebido e nunca te armes em herói...
por Eduardo Campos
(...) Em 17/08/73, a CCaç 4540 ("Somos um Caso Sério") disse adeus a Cadique, a bordo, mais uma vez, da LDG Bombarda, tendo chegado a Bissau no dia seguinte e sendo conduzida para o Depósito de Adidos, em Brá, onde ficou instalada.
Nessa altura eu já não me encontrava em Cadique, pois tinha sido chamado para uma “missão” programada há algum tempo (35 dias de férias na Metrópole). Apanhei um helicóptero (coisa rara nessa altura) e voei para Bissau.
Neste preciso momento, tentei imaginar o que teria sentido na despedida de Cadique, conjuntamente com a minha Companhia, e, a única coisa que me ocorria, nessa data, era pensar: “A merda do barco nunca mais sai daqui.”
Se fosse hoje, creio bem sério, pensaria: “Foi com certa nostalgia e saudade que deixei para trás aquelas paragens, que, com sacrifício sem conta, ajudei a desenvolver e prosperar ficando ligado para sempre a Cadique.”
Depois de ter gozado as merecidas férias, regressei a Bissau em 31/08/73 e, quando entrei nos Adidos, deparei com muitas viaturas na parada prontas para saírem. Foi nessa altura que tomei conhecimento que a minha Companhia se encontrava ali, ao ver camaradas meus em cima das mencionadas viaturas.
Na recruta, o aspirante do meu pelotão dizia com alguma frequência que existiam duas formas de ultrapassar os obstáculos que a vida militar nos opunha:
Eu, ao entrar nos Adidos, quando tomei conhecimento que o pessoal e as viaturas, que eu vira momentos antes, iriam escoltar uma coluna que se deslocaria de Bissau para Farim, cometi precisamente o primeiro erro, ao violar a regra “passar despercebido”. De facto, reconheço que terei cometido uma imprevidência, “mandando umas bocas foleiras”.
O nosso capitão, ao ver quem era o “artista das bocas” (que mais parecia desfilar numa passerelle, para trás e para a frente), deve ter pensado lá para ele: “Tens a mania que és fino, então toma lá”, pois virou-se para mim e disse:
– Ó Campos, larga o saco e sobe para cima de uma viatura!
– Eu, meu Capitão? – perguntei.
– Não, a tua prima !
– Mas eu nem sequer tenho uma arma... – exclamei.
– Nem precisas, os turras sabendo que vais na coluna não nos atacam. Logo não precisas de arma nenhuma!
E lá fomos até Farim. A partir de Mansoa vi imensos vestígios arrepiantes e desagradáveis de emboscadas, ainda por cima sob uma chuva copiosa, durante toda a viagem de ida e de volta, que jamais esquecerei.
Nesse tempo, quase todas as colunas que faziam esse percurso, eram surpreendidas com emboscadas, das quais, infelizmente, resultaram muitas mortes de camaradas nossos. Alguns dos corpos ainda se encontravam nos Adidos a aguardar embarque de regresso ao Continente.
O capitão teve razão, ia na coluna um militar que “impunha muito respeito” ao IN e de facto não aconteceu nada em toda o percurso e devo acrescentar que, em quase vinte e quatro meses de Guiné, nunca tive distribuída uma arma e nem um tiro disparei.( É verdade, nem aos pombos!)
No entanto, fui ferido várias vezes e também tive o meu momento de glória.
Os ferimentos (várias escoriações) foram fruto das “aterragens” mal feitas nas valas. Umas vezes mal calculadas e outras porque entrava de bruços, cabeça, etc. (Por favor, não se riam porque muitos de vós também as fizeram.)
Quanto ao ato de grande de heroísmo, tudo se passou durante um ataque do PAIGC, com armas ligeiras ao nosso aquartelamento. O meu camarada de serviço foi para o abrigo, não tendo levado o rádio como lhe competia e nada nem ninguém o demoveu, para o ir buscar.
Eu, com uma calma que não me era habitual, saí do abrigo e fui buscar o rádio, regressando ao abrigo com toda a descontração deste mundo. A justificação para tal feito só a encontro num bom copo de whisky que emborcara momentos antes.
Para surpresa minha, não surgiu nenhuma proposta para o prémio Governador ou mesmo um simples louvor. Senti-me deveras injustiçado pela atitude das minhas chefias militares.
Em 08/09/73, saímos do Depósito de Adidos, com destino a Nhacra, onde iríamos substituir a CCaç 3477, “Os Gringos de Guileje”.
A partir de 19/09/73, a Companhia passou a ter á sua responsabilidade o sector de Nhacra, sob as ordens do COP 8, instalado no local.
Meus amigos, para mim e para a minha Companhia, a guerra tinha terminado, iria ter cerca de um ano de férias e ainda por cima almoçado remuneradas. (...)
Nessa altura eu já não me encontrava em Cadique, pois tinha sido chamado para uma “missão” programada há algum tempo (35 dias de férias na Metrópole). Apanhei um helicóptero (coisa rara nessa altura) e voei para Bissau.
Neste preciso momento, tentei imaginar o que teria sentido na despedida de Cadique, conjuntamente com a minha Companhia, e, a única coisa que me ocorria, nessa data, era pensar: “A merda do barco nunca mais sai daqui.”
Se fosse hoje, creio bem sério, pensaria: “Foi com certa nostalgia e saudade que deixei para trás aquelas paragens, que, com sacrifício sem conta, ajudei a desenvolver e prosperar ficando ligado para sempre a Cadique.”
Depois de ter gozado as merecidas férias, regressei a Bissau em 31/08/73 e, quando entrei nos Adidos, deparei com muitas viaturas na parada prontas para saírem. Foi nessa altura que tomei conhecimento que a minha Companhia se encontrava ali, ao ver camaradas meus em cima das mencionadas viaturas.
Na recruta, o aspirante do meu pelotão dizia com alguma frequência que existiam duas formas de ultrapassar os obstáculos que a vida militar nos opunha:
- primeira: tentar passar o mais despercebido possível daquilo que nos rodeava, não dando nas vistas;
- segunda: nunca se armar em herói, já que os cemitérios estavam cheios deles.
Eu, ao entrar nos Adidos, quando tomei conhecimento que o pessoal e as viaturas, que eu vira momentos antes, iriam escoltar uma coluna que se deslocaria de Bissau para Farim, cometi precisamente o primeiro erro, ao violar a regra “passar despercebido”. De facto, reconheço que terei cometido uma imprevidência, “mandando umas bocas foleiras”.
O nosso capitão, ao ver quem era o “artista das bocas” (que mais parecia desfilar numa passerelle, para trás e para a frente), deve ter pensado lá para ele: “Tens a mania que és fino, então toma lá”, pois virou-se para mim e disse:
– Ó Campos, larga o saco e sobe para cima de uma viatura!
– Eu, meu Capitão? – perguntei.
– Não, a tua prima !
– Mas eu nem sequer tenho uma arma... – exclamei.
– Nem precisas, os turras sabendo que vais na coluna não nos atacam. Logo não precisas de arma nenhuma!
E lá fomos até Farim. A partir de Mansoa vi imensos vestígios arrepiantes e desagradáveis de emboscadas, ainda por cima sob uma chuva copiosa, durante toda a viagem de ida e de volta, que jamais esquecerei.
Nesse tempo, quase todas as colunas que faziam esse percurso, eram surpreendidas com emboscadas, das quais, infelizmente, resultaram muitas mortes de camaradas nossos. Alguns dos corpos ainda se encontravam nos Adidos a aguardar embarque de regresso ao Continente.
O capitão teve razão, ia na coluna um militar que “impunha muito respeito” ao IN e de facto não aconteceu nada em toda o percurso e devo acrescentar que, em quase vinte e quatro meses de Guiné, nunca tive distribuída uma arma e nem um tiro disparei.( É verdade, nem aos pombos!)
No entanto, fui ferido várias vezes e também tive o meu momento de glória.
Os ferimentos (várias escoriações) foram fruto das “aterragens” mal feitas nas valas. Umas vezes mal calculadas e outras porque entrava de bruços, cabeça, etc. (Por favor, não se riam porque muitos de vós também as fizeram.)
Quanto ao ato de grande de heroísmo, tudo se passou durante um ataque do PAIGC, com armas ligeiras ao nosso aquartelamento. O meu camarada de serviço foi para o abrigo, não tendo levado o rádio como lhe competia e nada nem ninguém o demoveu, para o ir buscar.
Eu, com uma calma que não me era habitual, saí do abrigo e fui buscar o rádio, regressando ao abrigo com toda a descontração deste mundo. A justificação para tal feito só a encontro num bom copo de whisky que emborcara momentos antes.
Para surpresa minha, não surgiu nenhuma proposta para o prémio Governador ou mesmo um simples louvor. Senti-me deveras injustiçado pela atitude das minhas chefias militares.
Em 08/09/73, saímos do Depósito de Adidos, com destino a Nhacra, onde iríamos substituir a CCaç 3477, “Os Gringos de Guileje”.
A partir de 19/09/73, a Companhia passou a ter á sua responsabilidade o sector de Nhacra, sob as ordens do COP 8, instalado no local.
Meus amigos, para mim e para a minha Companhia, a guerra tinha terminado, iria ter cerca de um ano de férias e ainda por cima almoçado remuneradas. (...)
(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor LG:
Último poste da série > 24 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27051: Humor de caserna (205): uma boleia para Bissau à pala de uma falsa evacuação Ypsilon (Paulo Santiago, ex-alf mil, Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)
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