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sábado, 5 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26987: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (8): Luís de Sttau Monteiro (1926-1993), enviado especial do "Diário de Lisboa", à cerimónia da independência em 5 de julho de 1975: "Daqui a três horas, sou estrangeiro"




As duas bandeiras de Cabo Verde: a das ilusões da "unidade" com a Guiné-Bissau (1975-1992) e a atual (desde 1992)...  A mudança de bandeiras não foi consensual...

O último dia duma colónia

por Luís de Sttau Monteiro 

(1926-1993)

 










Fonte: Diário de Lisboa, sábado, 5 de julho de 1975, ano 56,. nº 18807, pág, 10 (Inserido no caderno especial "Cabo Verde Ano Um" (com a colaboração de uma equipa de luxo: Fernando Assis Pacheco, Alexandre Oliveira, Eugénio Alves, Luís Stau Monteiro e José A. Salvador). 

Fonte: (1975), "Diário de Lisboa", nº 18807, Ano 55, Sábado, 5 de Julho de 1975, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4405 (2025-7-5)

Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 06823.173.27275 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18807 | Ano: 55 | Data: Sábado, 5 de Julho de 1975 | Directores: Director: António Ruella Ramos; Director Adjunto: José Cardoso Pires | Observações: Inclui supl. "Cabo Verde ano um". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa (com a devida vénia...)

(Seleção de excertos, e fixação do texto: LG)




Luís de Sttau Monteiro
(1926-1993)

1. O jornal "Diário de Lisboa" tinha então como diretor o A. Ruella Ramos e diretor-adjunto o escritor José Cardoso Pires. O Sttau Monteiro foi a Cabo Verde, como "enviado especial",  fazer a cobertura noticiosa da independência do país. 

Filho do embaixador em Londres, Armindo Monteiro, anglófilo e rival de  Salazar que o demitiu em 1943 (tinha sido ministro das colónias e dos negócios estrangeiros na fase inicial do Estado Novo),  Sttau Monteiro foi dos espíritos mais livres do Portugal dessa época. E um dos nossos grandes dramaturgos  do séc. XX, além de  "cronista social" ("As redações  
da  Guidinha", publicadas no "Diário de Lisboa",  nos anos de 1969 e 1970, e entretanto reunidas em livro, em 2003,  já depois da morte do autor, são um monumento, uma delícia, uma referência obrigatória para se compreender melhor o país onde nascemos.)

A crónica que escreveu, há 60 anos, para o jornal, "O último dia de uma colónia", é uma pequena obra-prima de bonomia, bom humor, empatia e ironia, onde não há a mínima concessão ao populismo revolucionários da época. Eis alguns nacos de prosa:

  • "(...) Sinto-me comovido porque isto de assistir ao parto de um país,  é uma epxeriência nova para mim"
  • " (...) Cor ? Que é isso ?"
  • "Há dois bêbados agora, na esplanada, o da água do mar, e um que canta o hino nacional!"
  • "(...) os cabo-verdianos descobriram Portugal"
  • "O que nós, portugueses, poderíamos ter feito nesta terra, por esta gente!"
  • "O que vale é que fazemos parte da festa"
  • "São três da tarde e a cachupa ainda me anda às voltas no estòmago"
  • "Daqui a três horas, sou estrangeiro. Mas... alguma vez serei estrangeiro nesta terra ?".

___________________

Nota do editor:

Último poste da série > 5 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26985: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (7): reportagem do 5 de julho de 1975 - III (e última) Parte (Carlos Filipe Gonçalves)

terça-feira, 1 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26973: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (5): em 30 de junho de 1975, vindo de Bissau, eu fazia a reportagem das primeiras eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular (Carlos Filipe Gonçalves)







Cabo Verde > Ilha do Sal > Aeroporto > 28 de junho de 1975 > Há 50 anos eu fazia a reportagem das eleições em Cabo Verde,  em 30 de junho de 1975. Na foto a chegada da equipa da comunicação social da Guiné-Bissau à Ilha do Sal, no sábado 28 de junho de 1975. Da esquerda para direita: 

  • Flora Gomes e Sana Nahada (operadores-câmara filmar); 
  • António Óscar Barbosa (Cancan) (#)  e Carlos F. Gonçalves (jornalistas);
  • Agostinho (fotógrafo).

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves 2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
.




O Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense,  CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)".

 


1. Postagem publicada na página do Facebook de  Carlos Filipe Gonçalves | segunda, 30 de junho de 2025, 12: 32, bem como na página da Tabanca Grande:



Eis um extrato do meu livro sobre a Rádio Barlavento, no qual descrevo esse dia e a reportagem no dia da eleições (*):

(...) Em junho de 1975 fui indicado para integrar a equipa de reportagem da Rádio Difusão Nacional da Guiné (RDN) que se deslocou a Cabo Verde para cobertura das festividades da Proclamação da Independência. (##)

Viajei integrado na equipa de reportagem que acompanhou a delegação da Guiné que era chefiada pelo comandante Nino. À chegada ao Sal, a malta da rádio,  jornal e cinema foram para a Praia. Fui indicado para ir primeiro a S. Vicente, para cobrir as eleições para a Assembleia Nacional Popular que decorreram na segunda-feira,  30 de junho. Pouco depois de chegar a Mindelo, fui às instalações da rádio, agora Rádio Voz de S. Vicente, nas instalações do Grémio e da antiga Rádio Barlavento.

(….) Na segunda-feira 30 de junho de 1975 faço a reportagem das eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular. Depois de uma volta pelos bairros, onde vi filas enormes de votantes, acabo por entrar na assembleia de voto da Escola Nova. Fui recenseado na hora, inscrito na lista eleitoral, recebi um boletim de voto e votei! 

Escrevo à pressa uma crónica dos acontecimentos que presenciei. Tento depois um contacto com Bissau, para enviar as notícias, mas isso torna-se uma tarefa impossível. Não há facilidades nos CTT, aliás todo o mundo aqui fica espantado com o meu pedido! Enviar reportagem? Isso é uma novidade, perguntam logo, como se faz? Lá expliquei, mas, a nega continuou. 

Quem paga, podia ser o problema, mas não me dizem... Alguém, querendo ajudar, sugeriu e levou-me a um radioamador! Todo solícito e sentindo-se importante, ele disponibiliza-se logo, leva-me ao seu «estúdio» e vai-me dizendo, que ele tem um amigo radioamador em Bissau. Fiquei surpreso! Através da aparelhagem, chama, chama, enunciando o indicativo e siglas próprias… Mas não obtém resposta! Passei lá mais de uma hora… Nada! Desisti.

Na terça-feira, à tarde apanhei o voo para a Praia, onde vou encontrar os colegas da rádio de Bissau, Cancan e Zeca Martins e a malta do cinema que está encarregue de filmar todos os acontecimentos. A missão agora é a reportagem do dia 5 de Julho, no próximo sábado. (…) (**)

_____________

Notas do autor (CFG):

(#) António Óscar Barbosa, conhecido jornalista, passou pelo Emissor Regional da Emissora Nacional em Bissau, Rádio Libertação e Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau. Foi assessor para a comunicação de Luís Cabral e Nino Vieira. Na política, a partir dos anos 1990, desempenhou cargos ministeriais.


(##) O
PAIGC sempre teve,  desde Conacri, uma equipa de operadores de câmara, fotógrafos e operadores de som, que registava todos os acontecimentos. Faziam agora parte dos órgãos de comunicação social.

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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 28 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26964: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (4): Cemitério Central do Mindelo: Talhão dos combatentes portugueses (Nelson Herbert / Luís Graça) - II (e útima) Parte

(**) A 19 de Dezembro de 1974 foi assinado um acordo entre o PAIGC e Portugal, instaurando-se um governo de transição em Cabo Verde. Este mesmo Governo preparou as eleições para uma Assembleia Nacional Popular, realizadas em 30 de junho, e  que em 5 de julho de 1975 proclamou a independência.

Cite-se uma peça recente da agência Inforpress (excertos, com a devida vénia):


(...) Cidade da Praia, 21 Mai (Inforpress) - Os primeiros deputados cabo-verdianos reuniram-se em sessão plenária em 04 de Julho de 1975, véspera da Independência Nacional, no salão da Câmara Municipal da Praia, para constituírem a primeira Assembleia Nacional Popular (ANP), com Isaura Gomes única deputada.

A acta da primeira sessão legislativa da primeira legislatura, consultada pela Inforpress, revela que os 56 deputados eleitos por todos os círculos eleitorais do país reuniram-se pelas 16:30 nos Paços do Concelho da Praia.

Nas listas únicas constavam nomes de dois sacerdotes (...).

A Comissão Eleitoral de então, presidida pelo jurista Raul Querido Varela, funcionou no edifício do Palácio da Justiça.(...)

Foi esta Comissão que, a 03 de Julho de 1975, procedeu ao apuramento geral do resultado das eleições dos deputados à Assembleia Nacional de Cabo Verde.

Este apuramento aconteceu nos termos do disposto nos artigos 102 a 105 da lei eleitoral de Cabo Verde, aprovada pelo decreto-lei 203/A 75, de 15 de Abril de 1975, do Governo provisório da República Portuguesa. (...)

O falecido Abílio Duarte, que a 05 de Julho proclamou a independência de Cabo Verde, no Estádio da Várzea, foi o primeiro presidente do parlamento cabo-verdiano. (...)

Após a instalação da mesa definitiva, Abílio Duarte declarara aberta a primeira sessão da Assembleia Nacional Popular.

De seguida, convidou os deputados a porem-se de pé, procedendo-se à leitura do texto de juramento colectivo, por uma questão de economia e tempo.

“Juro por minha honra dedicar a minha inteligência e energias ao serviço do Povo de Cabo Verde, cumprindo com fidelidade total os deveres da alta função de Deputado à Assembleia Nacional Popular”, foi assim que os eleitos de então juraram para servirem o país.

Feito o juramento, segundo consta da acta, a sessão foi suspensa por uns instantes e, de seguida, o presidente convidou os jornalistas a abandonarem a sala de sessão. (...)

Nessa mesma sessão, além do texto da proclamação da República de Cabo Verde, foi aprovada, por unanimidade, a Lei da Organização Política do Estado (LOPE), e foi, ainda, adoptada a lei que atribui a Amílcar Cabral o título de Fundador da Nacionalidade.

De acordo com o documento de 42 páginas dactilografadas, na época, a eleição do Presidente da República e do primeiro-ministro foi por aclamação.

“Povo de Cabo Verde, hoje, 05 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde proclama solenemente a República de Cabo Verde como Nação Independente e Soberana (...)”, lê-se no texto apresentado pelo presidente da ANP.

Abílio Duarte concluiu a leitura do texto de proclamação da independência dizendo que “a República de Cabo Verde lança um apelo a todos os Estados independentes, organizações e organismos internacionais, para que reconheçam de jure como Estado soberano, de harmonia com o Direito e a prática internacionais”.

Foi ainda nesta sessão legislativa que Aristides Pereira fora eleito primeiro Presidente da República de Cabo Verde e Pedro Pires como primeiro-ministro.

Em 1975, houve quem considerasse que Cabo Verde era um país “inviável” e com a independência ia desaparecer do mapa.

No livro do jornalista José Vicente Lopes “Aristides Pereira: Minha vida, nossa história”, o primeiro Presidente de Cabo Verde relata episódios sobre a situação financeira herdada da então potência colonial.

“Portugal deixou-nos praticamente com uma mão à frente e outra atrás (…), porque também estava com sérios problemas de sobrevivência devido ao caos financeiro e económico que nele se instalou com o 25 de Abril”, disse Aristides Pereira, para quem o que mais os governantes de então temiam era a seca.

Mas, segundo ele, graças à campanha de sensibilização feita junto de alguns países africanos e de Portugal, conseguiram colmatar as carências que havia para arrancar.

Para assinalar o 50º aniversário da independência nacional, a Assembleia Nacional vai reunir-se no dia 05 de julho, em sessão solene, sob a presidência de Austelino Correia, com um parlamento constituído por três partidos políticos: o Movimento para a Democracia (MpD, poder), o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e a União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), ambos da oposição. LC/AA.


(Revisão / fixação de texto: LG)

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26970: Efemérides (460): Rescaldo da cerimónia de inauguração do Memorial em homenagem aos Combatentes de Leça da Palmeira caídos em campanha na guerra do ultramar


CERIMÓNIA DE INAUGURAÇÃO DE MEMORIAL EM HOMENAGEM AOS COMBATENTES DE LEÇA DA PALMEIRA MORTOS NA GUERRA DO ULTRAMAR

O Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes promoveu, em colaboração com a União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira, a cerimónia em epígrafe, que contou com as presenças do Presidente do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, Tenente Coronel Armando Costa, do Presidente da União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira, Sr. Paulo de Carvalho, da Presidente da Câmara, Dra. Luísa Salgueiro, membros do Executivo, membros dos Órgãos Sociais do Núcleo, sócios da Liga, familiares e amigos e cidadãos de Leça da Palmeira, o clarim dos Bombeiros de Matosinhos-Leça da Palmeira, o Porta Guião do Núcleo, num total de dezenas participantes.

Pelas 10H00, iniciou-se a cerimónia militar na entrada do parque público Fernando Pinto de Oliveira, em frente ao edifício da Junta de Freguesia de Leça da Palmeira, com a concentração dos presentes em frente ao Memorial, onde se encontram os nomes dos combatentes leceiros que tombaram pela Pátria.

O orador da cerimónia, Tesoureiro da Direção, Sargento Mor David Caetano, deu início à leitura do Guião da cerimónia a que se seguiu a audição e entoação do Hino Nacional por todos os presentes e a inauguração e bênção do Memorial pelo Rev. Padre Francisco Andrade.

O Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Núcleo, Sr. Ribeiro Agostinho, fez a chamada de todos os combatentes mortos da freguesia na Guerra do Ultramar, seguindo-se a deposição de uma coroa de flores e o Rev. Padre Francisco Andrade proferiu uma evocação religiosa.

A cerimónia prosseguiu com os respetivos toques de homenagem aos mortos e, após um minuto de silêncio, o clarim dos Bombeiros de Matosinhos-Leça da Palmeira fez o toque de alvorada. De seguida, foram proferidas alocuções alusivas ao ato pelo Presidente da Direção do Núcleo, pelo Presidente da Junta e pela Presidente da Câmara.

Por último, ouviu-se o Hino da Liga dos Combatentes.

Para além da inauguração de mais um Memorial aos Combatentes do Ultramar no concelho de Matosinhos, esta atividade teve igualmente o objetivo de levar à prática o Programa Estruturante da Liga dos Combatentes “Conservação das Memórias”.


Antigos combatentes e autoridades
Sargento Mor David Caetano, orador da cerimónia
Porta-Guião do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes
Clarim dos Bombeiros Voluntários de Matosinhos-Leça
Momento da inauguração do memorial com os nomes dos leceiros caídos em campanha
O Rev. Pe. Francisco benzendo o memorial
O Combatente Ribeiro Agostinho fazendo a chamada dos leceiros caídos em campanha
Momento da evocação religiosa aos mortos pelo Rev. Pe. Francisco
O combatente Daniel Folha declama dois poemas de sua autoria, um dedicado às Mães e o outro dedicado aos combatentes da guerra do ultramar
O Presidente do Núcleo de Matosinhos da LC no uso da palavra
O Presidente da União de Freguesias Matosinhos-Leça da Palmeira, dirigindo-se aos combatentes presentes
A Dra. Luísa Salgueiro, Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, falando aos presentes

Texto do Núcleo de Matosinhos da LG
Fotos: José Trindade, editadas e legendadas por CV

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Nota do editor

Último post da série de 12 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26913: Efemérides (459): Discurso de Lídia Jorge, Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho de 2025, em Lagos

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26955: Os 50 anos de independência de Cabo Verde (2): vai estrear, em julho, no dia 4, na Praia, e no dia 11, no Mindelo, o filme "Nós, povo das ilhas", de Elson Santos e Lara Sousa (Documentário em português, 80', 2025, PT, CV, MZ)




Fotograma do filme "Nós, povo das ilhas", de realizadopelo cabo-verdiano Elson Santos e a moçambicana Lara Sousa (Documentário em português, 80', 2025). Trata-se de uma coprodução da Soul Comunicação (Cabo Verde), Midas Filmes (Portugal) e Kulunga Filmes (Moçambique). Terve  antestreia no IndieLisboa, 4 maio, domingo, 19:30,  no Cinema Ideal

 (Cortesia: Midas Filmes)



NÓS, POVO DAS ILHAS
Elson Santos, Lara Sousa
DCP | 80’ | 2025 | PT, CV, MZ 

Sinopse: 

"A partir de uma foto esquecida de um grupo de guerrilheiros cabo-verdianos clandestinos nas montanhas de Cuba, Elson, um jovem cineasta vai em busca dos heróis silenciados desta ousada e pouco conhecida operação militar, cujo principal objectivo era realizar o sonho de Amílcar Cabral de libertar o país das garras do colonialismo.

Num vai-e-vem entre o passado e o presente, o filme estabelece uma conversa com os heróis da Independência do país. Com eles, viaja pelos anos de luta na Guiné e no Cabo Verde pós-independência, reflectindo sobre sonhos, pesadelos e o que é o país hoje, entre a utopia e o esquecimento.

(Fonte: Midas Filmes)




1. Vai fazer 50 anos que Cabo Verde se tornou independente, em 5 de julho de 1975. Nesta série vamos dando apontamento e notícias sobre essa efeméride.  

Como já aqui o dissemos, esta data históricca  é uma boa ocasião para reforçar laços, afetivos e históricos, entre nós, independentemente do lado da barricada onde cada um de nós estava há 50/60 anos. (*)

Ontem recebemos uma mensagem do nosso amigo Nelson Herbert Lopes, que nos enviou o link com a noticia da estreia, na cidade da Praia, e depois no Mindelo,  do documentário, de 80 minutos, "Nós, Povo das Ilhas", do cabo-verdiano Elson Santos (n. 1977) e do moçambicano Lara Sousa.

O Nelson Herbert, guineense de origem cabo-verdiana,  tem 70 referêncvias no nosso blogue: jornalista,  trabalhou na VOA - Voice of America, e viveu nos EUA, estando hoje reformado: vive no Mindelo, São Vicente.

 
Data - 24/06/2025, 10:50 (há 20 horas
Assuto - Documentário "Nós, Povo das Ilhas" estreia em Cabo Verde relembrando a luta pela independência (Cultura - Santiago Magazine (...)


2. Reproduzimos cvom a devida vénia a notícia  publicada no Santiago Magazine




Por SM/Inforpress | 24 de Jun de 2025


Cabo Verde recebe a estreia do "Nós, Povo das Ilhas" no dia 04 de Julho, no Auditório Nacional, na Praia, marcando um momento de revisitação da história do país, conforme indicou Elson Santos, um dos realizadores do filme.

Em comunicado enviado à Inforpress, o realizador explica que o documentário retrata uma janela para a “memória e o debate essencial em desvendar a história por detrás de uma foto esquecida de guerrilheiros cabo-verdianos”.

A narrativa central foca-se numa operação militar da luta de libertação “ousada e pouco conhecida”, que decorreu em Cuba, com a intenção de preparar 31 guerrilheiros cabo-verdianos para uma invasão de Cabo Verde.

Embora a missão não se tenha concretizado, o treino serviu de base preparatória para a luta armada de libertação liderada por Amílcar Cabral e que viria a culminar na proclamação da Independência de Cabo Verde em 5 de Julho de 1975.

“O filme estabelece uma conversa íntima com cinco dos integrantes desse grupo, o ex: presidente Pedro Pires, Agnelo Dantas, Júlio de Carvalho (recentemente falecido e a quem o filme é dedicado), Silvino da Luz e a única mulher do contingente, Maria Ilídia Évora, conhecida por Dona Tutu”, lê-se na nota.

Segundo Elson Santos, a produção do filme enfrentou desafios, nomeadamente a dependência de financiamento externo e as dificuldades no acesso a arquivos audiovisuais que retratam a história de Cabo Verde.

O filme que estreou em Lisboa, Portugal, no dia 4 de maio, vai ser apresentado na cidade da Praia, no Auditório Nacional, a 4 de julho, e em São Vicente, no Auditório Onésimo Silveira, na Uni-Mindelo, no dia 11 de julho.

(Revisão / fixação de trexto, edição da foto: LG)


3. Sobre a estreia do filme em Cabo Verde, ver aqui uma peça da RTC - Rádio Televisão Cabo-verdiana, incluindo uma entrevista com o realizador Elson Santos: disponível no You Tube (7' 07'').
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Nota do editor LG:

(*) Último poste ds série > 11 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26909: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (1): a "nova força africana" e a falta de formação em liderança e sensibilidade sociocultural de oficais e sargentos metropolitanos (José Macedo, ex-2º ten fuzileiro especial RN, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26913: Efemérides (459): Discurso de Lídia Jorge, Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho de 2025, em Lagos

Lídia Jorge, Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho de 2025, em Lagos

Discurso de Lídia Jorge no Dia 10 de Junho em Lagos:

«Os países escolhem datas de referência para celebrarem a sua história, contemplando memórias de batalhas, ações de independência, encontros civilizacionais, momentos importantes em torno dos quais concitam a unidade dos cidadãos e promovem o orgulho patriótico.

Mas, em Portugal, é a data da morte de um poeta que protagoniza o nosso momento cívico de unidade mais relevante.

Muito se tem discorrido sobre o significado desta nossa singularidade e, muitas vezes, é difícil explicar que não se trata de um sinal de melancolia, mas sim do seu oposto.

Há a assunção de que um poeta do século XVI nos legou uma obra tão vigorosa que acabou por ser adotada no seu conjunto como exemplo da vitalidade de um povo e que a própria biografia do seu autor se oferece como exemplo não só de um percurso português, mas se transformou em símbolo universal da nossa peregrinação prometeica sobre a terra.

A fidelidade que Camões manteve em relação à pátria, quando se encontrava em paragens remotas, alimenta a simbologia que lhe é atribuída como exemplo da proximidade que os portugueses que se encontram longe mantêm com a sua cultura de origem.

O país retribui-lhes, reconhecendo, desde há muito, que as comunidades portuguesas são o corpo essencial do nosso ser identitário.

Mas as celebrações deste ano de 2025 têm um cunho muito particular. Em primeiro lugar, porque voltam a ter lugar na cidade de Lagos. No século passado, foi cidade anfitriã em 1996.

Passados 29 anos, esta cidade do Algarve continua a ser democrática, livre, próspera.

O que mudou e o que justifica que, de novo, tenha sido escolhida para ser palco das celebrações foi a nova consciência de que Lagos passou a representar um lugar obrigatório quando se pretende avaliar as relações entre os povos ao longo dos séculos.

É sabido que Lagos, lugar de saída para a África e lugar do comércio prático, tem como símbolo complementar o Promontório de Sagres.

A escassos 40 quilómetros de distância, Sagres e Lagos representam historicamente uma dualidade contrastiva cujo papel se encontra em avaliação.

A comunicação digital que se afirmou a partir dos anos 90 permite agora uma divulgação ampla dos estudos que os arqueólogos, antropólogos e historiadores estão a realizar neste espaço geográfico designado por Terras do Infante.

Era a altura de atribuir a Lagos, de novo, o estatuto de cidade vencedora e de apoiar estas celebrações de importância ou de interesse cultural.

Mas há outro motivo para que, este ano, a celebração deste dia seja particular. Desde há dois anos que estamos a invocar o nascimento de Camões, ocorrido há 500 anos, presume-se que entre 1524 e 1525. Calcula-se que assim tenha sido, mas vale a pena refletir sobre o facto, pois, tal como não sabemos como decorreu a sua infância, nem a sua formação, também desconhecemos o local e o dia em que o poeta nasceu.

Para sermos justos sobre a sua vida inicial, apenas podemos dizer o que um certo maestro célebre disse de Beethoven: Um dia Camões nasceu e nunca mais morreu. Nunca mais morreu.

Provam-no a forma como, passados cinco séculos, tem sido revisitado ao longo destes dois últimos anos. As escolas, a academia, o mundo da edição, os vários campos das artes e das ciências humanísticas em Portugal têm dado rosto a toda uma espécie de comemoração espontânea e informal em torno do nosso poeta maior.

Novos autores têm surgido, atualizando a exegese sobre os seus poemas e o conhecimento acumulado em torno da vida de Camões.

O jovem ensaísta Carlos Maria Bobone pôs recentemente em relevo o papel decisivo que Camões desempenhou ao fixar uma língua nova à altura de um pensamento novo que resultaria definitivamente na Língua Portuguesa moderna que hoje usamos.

Demonstrou como a língua portuguesa, manobrada no seu esplendor, resultou como uma dádiva que devemos ao grande cantor do Oceano, como lhe chamou Baltasar Estaço.

Por sua vez, a biógrafa Isabel Rio Novo, numa visita recente, profusamente documentada que faz à vida de Camões, no final, não deixa de se comover com os testemunhos sobre os últimos dias do poeta, demonstrando que as histórias que correm sobre certos passos da sua vida, afinal, não são lendas, são verdades.

O receio de sermos românticos não nos deveria afastar da realidade testemunhada. E assim, a mim, não me pareceria errado que os adolescentes portugueses conhecessem o comentário que Frei José Índio redigiu na margem de um exemplar d’Os Lusíadas, presumivelmente oferecido pelo próprio autor na hora de partir. Escreveu o frade: Yo lo vi morir en un hospital en Lisboa sem tener uma sábana com que cobrisse, despues de haver navegado 5.500 léguas per mar.

Assim foi, sem um lençol. Terá sido um amigo quem lhe enviaria a sábana, já depois de morto.

Não me parece que daí se devam retirar conceitos patrióticos ou antipatrióticos. Conceitos sobre a vida humana e seu mistério, isso, talvez.

Entretanto, por contraste, sobre a obra que deixou, milhares de páginas de novo têm sido escritas, confirmando a dimensão invulgar do poeta que foi.

Hélder Macedo, um dos seus leitores mais subtis, disse recentemente numa entrevista que, se Camões tivesse continuado a viver, ninguém mais em Portugal teria sido capaz de escrever um verso. Essa hipérbole é linda.

Assim como é reconfortante saber que os professores deste país continuam a ler às crianças epigramas, redondilhas e vilancetes de Camões, como se fossem filos modernos, feitos de palavras, o que mostra que os portugueses continuam vivamente enamorados do seu poeta maior.

Mas se o patrono destas celebrações é o poeta do virtuosismo verbal e do amor conceptual, o amor maneirista, o poeta do questionamento filosófico e teológico, como é em “Sôbolos rios que vão”, e o poeta dos longos versos enfáticos sobre o heroísmo dos viajantes do mar, ao regressarmos a todos esses versos, escritos há quase 500 anos, encontramos coincidências que nos ajudam a compreender que os tempos duros que atravessamos têm conformidade com os tempos em que o próprio viveu.

Camões, tal como nós, conheceu uma época de transição, assistiu ao fim de um ciclo e, sobre a consciência dessa mudança, no conjunto das 1.102 oitavas que compõem Os Lusíadas, 22 delas contêm avisos explícitos sobre a crise que se vivia então.

Aliás, hoje é ponto assente que o poema épico encerra um paradoxo enquanto género, o paradoxo de constituir um elogio sem limites à coragem de um povo que havia resultado da criação do Império e, em sentido oposto, conter a condenação das práticas que, passados 50 anos, impediam a manutenção desse mesmo Império.

E nesse campo pode-se dizer que Os Lusíadas, poema que no fundo justifica que o dia de Portugal seja o dia de Camões, expressa corajosas verdades dirigidas ao rosto dos poderes que elogia.

É bom lembrar que, entre os séculos XVI e XVII, três dos maiores escritores europeus de sempre coincidiram no tempo apenas durante 16 anos e, no entanto, os três desenvolveram obras notáveis de resposta ao momento de viragem de que eram testemunhas.

Foram eles Shakespeare, Cervantes e Camões. De modo diferente, mas em convergência, procederam à anatomia dos dilemas humanos e, entre eles, os mecanismos universais do poder, corpus que continua válido e intacto até aos nossos dias: sobre o poder grandioso, o poder cruel, o poder tirânico, o poder temeroso e o poder laxista.

No caso de Camões, de que se queixa ele quando interrompe o poema das maravilhas da história para lembrar a mesquinha realidade que envenenava o presente de então? Queixava-se da degradação moral, mencionava “o vil interesse e sede imiga/Do dinheiro, que a tudo nos obriga”, e evocava, entre os vários aspetos da degradação, o facto de sucederem aos homens da coragem que tinham enfrentado um mar desconhecido, homens novos, venais, que só pensavam em fazer cultura. Mais do que isso, queixava-se da subversão do pensamento, queixava-se da falta de seriedade intelectual, que resultava depois, na prática, na degradação dos atos do dia a dia.

Escreve o poeta no final do canto oitavo: “Este deprava às vezes as ciências,/ Os juízos cegando e as consciências./ Este interpreta mais que sutilmente/ Os textos; este faz e desfaz leis;/ Este causa os perjúrios entre a gente/E mil vezes tiranos torna os Reis”.

Na verdade, Camões, Cervantes e Shakespeare, de modos diferentes, expuseram os meandros da dominação, envolvidos com o tempo histórico dos impérios que viveram.

Por essa altura, sobre os reis de Portugal, Espanha e Inglaterra, dizia-se que lutavam entre si pelo domínio do globo terrestre. Ou mais concretamente, dizia-se então que os três competiam para ver quem acabaria por pendurar a terra ao pescoço como se fosse um berloque.

Os três autores perceberam bem que, em dado momento, é possível que figuras enlouquecidas, emergidas do campo da psicopatologia, assaltem o poder e subvertam todas as regras da boa convivência.

Escreveu Shakespeare no ato IV do Rei Lear: “É uma infelicidade da época que os loucos guiem os cegos”.

Enquanto isso, Cervantes criava a figura genial do alucinado Dom Quixote de La Mancha, que até hoje perdura entre nós como o nosso irmão ensandecido.

Por seu lado, Camões, no corpo d’Os Lusíadas, não falou da loucura, mas a vida haveria de lhe demonstrar que as páginas escritas por si mesmo haviam sido proféticas, em resultado dela, da loucura. O desastre de Alcácer-Quibir, ocorrido em 1578, estava assinalado numa das últimas estrofes do Canto X. Era a história, como sempre, a confirmar o pressentimento experimentado pela literatura.

No entanto, o fim do ciclo, que neste caso aqui interessa, não é mais uma transição localizada que diga apenas respeito a três reinos da Europa.

Nos dias que correm, trata-se do surgimento de um novo tempo que está a acontecer à escala global. Porque nós, agora, somos outros.

Deslocamo-nos à velocidade dos meteoros e estamos cercados de fios invisíveis que nos ligam para o espaço.

Mas alguma coisa desse outro fim de século, que se seguiu ao tempo da Renascença malograda, relaciona-se com os dias que estamos a viver. O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra redonda é disputada por vários pescoços em competição, como se mais uma vez se tratasse de um berloque.

E os cidadãos são apenas público, que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores. E os seus ídolos são fantasmas.

É contra isso e por isso que vale a pena que Portugal e as Comunidades Portuguesas usem o nome de um poeta por patrono. Por isso mesmo, também vale a pena regressar a Lagos.

Sobre estes areais, aconteceram momentos decisivos para o mundo.

No início da Idade Moderna, Lagos e Sagres representaram tanto para Portugal e para a Europa que à sua volta se constituíram mitos que perduram. O Promontório e a silhueta do Infante austero que sonhou com o achamento de ilhas e outros descobrimentos, como parte de uma guerra santa antiga, e tudo realizou a poder de persistência férrea e sagacidade empresarial, transformou-se numa figura de referência como criador de futuros. À sua figura anda associado um sonho que se realizou e depois se entornou pela terra inteira e a lenda coloca-o a meditar em Sagres.

Numa referência um tanto imprecisa, mas que permite a sua evocação, Sophia escreveu: “Ali vimos a veemência do visível/ o aparecer total exposto inteiro/ e aquilo que nem sequer ousáramos sonhar/ era o verdadeiro”.

Esta ideia de que, na mente do Infante, se processou uma epifania, anda-lhe associada enquanto mentor de uma equipa mais ou menos informal que teve a capacidade de motivar e dirigir. Sagres passou, assim, para a história e para a mitologia como lugar simbólico de uma estratégia que mudaria o mundo.

Mas existe uma outra perspetiva, como é sabido, e hoje em dia o discurso público que prevalece é, sem dúvida, sobre o pecado dos Descobrimentos e não sobre a dimensão da sua grandeza transformadora.

É verdade que a deslocação coletiva que permitiu estabelecer a ligação por mar entre os vários continentes e o encontro entre povos obedeceu a uma estratégia de submissão e rapto, cujo inventário é um dos temas dolorosos de discussão na atualidade.

É preciso sempre sublinhar, para não se deturpar a realidade, que a escravatura é um processo de dominação cruel, tão antigo quanto a humanidade.

O que sempre se verificou foi diversidade de procedimentos e diferentes graus de intensidade.

E é indesmentível que os portugueses estiveram envolvidos num novo processo de escravização longo e doloroso.

Lagos, precisamente, oferece às populações atuais, a par do lado mágico dos Descobrimentos, também a imagem do seu lado trágico.

Falo com o sentido justo da reposição da verdade e do remorso pelo facto de que se ter inaugurado o tráfico negreiro intercontinental em larga escala, como polos de abastecimento nas costas de África, e assim se ter oferecido um novo modelo de exploração de seres humanos que iria ser replicado e generalizado por outros países europeus até ao final do século XIX.

Lagos expõe a memória desse remorso. Mostra como, num dia de agosto de calor tórrido de 1444, desembarcaram aqui 235 indivíduos raptados nas costas da Mauritânia e como foram repartidos e por quem.

Alguém que, muito prezamos, encontrava-se em cima de um cavalo e aceitou o seu quinhão de 46 cabeças. Esse cavaleiro era nem mais nem menos do que o próprio Infante D.Henrique.

Lagos não se furta a expor essa verdade histórica.

Lagos também mostra o local onde depois levas sucessivas iriam ser mercadejados os escravos. E mais recentemente relata-se como eram atirados ao lixo quando morriam sem um pano a envolver os corpos. Até agora foram retirados desse monturo de Lagos os restos mortais de 158 indivíduos de etnia Banta.

Lagos mostra esse passado ao mundo para que nunca mais se repita. Talvez por isso estejamos aqui,no dia de hoje.

Aliás, a UNESCO criou a Rota do Escravo e inscreveu Lagos na Rota da Escravatura, para que saibamos como os seres humanos procedem uns com os outros, mesmo quando se fundamentam em religiões fundadas sob os princípios do amor e sob a lei dos direitos humanos.

Lagos mostra esse filme e faz-se parente de quem escreveu na porta de um lugar de extermínio moderno o pedido solene: Homens não se matem uns aos outros.

É verdade que só conhecemos o que sucedeu naquele dia 8 de agosto de 1444 porque o cronista do infante Dom Henrique o narrou. Eanes Gomes de Zurara não conseguiu evitar um sentimento de compaixão e comentou, de forma comovida, como a chegada e a partilha dos escravos era cruel. Felizmente que dispomos dessa página da “Crónica dos Feitos de Guiné” para termos a certeza de que havia quem não achasse justo semelhante degradação e o dissesse.

Aliás, sabemos que sempre houve quem repudiasse por completo a prática e o teorizasse.

O que significa que Lagos, a cidade dos sonhos do Infante de que Sagres é a metáfora, passados todos estes séculos, promove a consciência sobre o que somos capazes de fazer uns aos outros. Esta tornou-se, pois, uma cidade contra a indiferença.

É uma luta nossa, contemporânea.

Em Lagos, hoje em dia, está presente de outro modo a mensagem do cartoon de Simon Kneebone, datado de 2014, que tem corrido mundo.

A cena é nossa contemporânea. Passa-se no mar. Num navio enorme, aparelhado com armas defensivas, no alto da torre, está um tripulante que avista ao longe uma barca frágil, rasa, carregada de migrantes.

O tripulante da grande embarcação pergunta: de onde vêm vocês? Da lancha, apinhada, alguém responde: vimos da terra.

Sugiro que os jovens portugueses, descendentes de cavadores braçais, marujos, marinheiros, netos de emigrantes que partiram descalços à procura de trabalho, imprimam este cartoon nas camisas quando vão ao mar.

Consta que, em pleno século XVII, 10% da população portuguesa teria origem africana.

Essa população não nos tinha invadido. Os portugueses os tinham trazido arrastados até aqui. E nos miscigenámos.

O que significa que por aqui ninguém tem sangue puro. A falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade. Cada um de nós é uma soma.

Tem sangue do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou. Filhos do pirata e do que foi roubado. Mistura daquele que punia até à morte e do misericordioso que lhe limpava as feridas.

A consciência dessa aventura antropológica talvez mitigue a fúria revisionista que nos assalta pelos extremos nos dias de hoje, um pouco por toda a parte.

Agora que percebemos que estamos no fim de um ciclo e que um outro se está a desenhar, e a incógnita existencial sobre o futuro próximo, ainda desconhecido, nos interpela a cada manhã que acordamos sem sabermos como irá ser o dia seguinte.

A pergunta é esta: quando ficarem em causa os fundamentos institucionais, científicos, éticos, políticos e os pilares de relação de inteligência homem-máquina, entrarem num novo paradigma, que lugar ocuparemos nós como seres humanos? O que passará a ser um humano?

Comecei por dizer que Camões nasceu e nunca mais morreu.

Regresso à sua obra para procurar entender que conceito tinha a poeta sobre o que era um ser humano. Sobre si mesmo, toda a sua obra o revela como vítima da perseguição de todas as potestades conjugadas. A sua obra lírica é uma resposta a esse abandono essencial.

Em conformidade com essa mesma ideia, ao terminar o canto I d’Os Lusíadas, Camões define o ser humano como um ente perseguido pelos elementos: “Onde pode acolher-se um fraco humano,/ Onde terá segura a curta vida/ Que não se arme, e se indigne o Céu sereno/ Contra um bicho da terra tão pequeno”.

Nestes versos, se reconhece o conceito renascentista, o da grande solidão do ser humano e a sua luta estóica contra, centrada na confiança em si mesmo.

Mas, na prática, essa atitude representava uma orfandade orgulhosa que facilmente a fortuna não reconhecia. Curiosamente, no final da vida, o corpo nu de Camões só teve um lençol, o oferecido, a separá-lo da terra. Igual à sorte do seu corpo, essa sorte não difere daquela que mereceram os corpos dos escravos aqui em Lagos.

Mas entretanto, no século XIX, o direito à proteção beneficiada pelo Estado começou a emergir. Criaram-se documentos essenciais tendo em vista o respeito pelos cidadãos. Depois das duas guerras mundiais do século XX, foi redigida e aprovada a Carta dos Direitos Humanos e, durante algumas décadas, foi tentado implantá-los como código de referência um pouco por todo o mundo. Só que ultimamente regride-se a cada dia que passa.

O conceito de representatividade respeitável da figura do Chefe de Estado, oriundo do povo grego, princípio que sustentou a trama purificadora das tragédias clássicas, a que se juntou depois o princípio da exemplaridade colhida dos Evangelhos, essa conduta que fazia com que o rei devesse ser o mais digno entre os dignos, está a ser subvertida.

A cultura digital subverteu a regra da exemplaridade. O escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende.

Um Chefe de Estado de uma grande potência, durante um comício, pôde dizer: adoro-vos, adoro os pouco instruídos. E os pouco instruídos aplaudiram.

Pergunto, pois, qual é o conceito hoje em dia de ser humano? Como proteger esse valor que até há pouco funcionava e não funciona mais?

Hoje, dia de Portugal, de Camões e das comunidades, não será legítimo perguntar, sem querer ofender quem quer que seja, perguntar como manteremos a noção de ser humano respeitável, livre, digno, merecedor de ter acesso à verdade dos factos e à expressão da sua liberdade de consciência?

Nós, portugueses, não somos ricos. Somos pobres e injustos. Mas, ainda assim, derrubámos uma longuíssima ditadura e terminámos com a opressão que mantínhamos sobre diversos povos e com eles estabelecemos novas alianças e criámos uma comunidade de países de língua portuguesa. E fomos capazes de instaurar uma democracia e aderir a uma união de países livres e prósperos que desejam a paz.

Assim sendo, por certo que ainda não temos as respostas, mas, perante as incógnitas que nos assaltam, sabemos que temos a força.

Leio Camões, aquele que nunca mais morreu, e comovo-me com o seu destino, porque se alguma coisa tenho em comum com ele, que foi génio, e eu não sou, é a certeza de que partilho da sua ideia, de que um ser humano é um ser de resistência e de combate. É só preciso determinar a causa certa.

Muito obrigada.»

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Nota do editor

Último post da série de 10 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26903: Efemérides (458): foi há 52 anos, o 10 de junho de 1973, Dia de Portugal, o último sob o regime do Estado Novo ("Diário de Lisboa", 11 de junho de 1973)

terça-feira, 10 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26903: Efemérides (458): foi há 52 anos, o 10 de junho de 1973, Dia de Portugal, o último sob o regime do Estado Novo ("Diário de Lisboa", 11 de junho de 1973)


Dia de Portugal, 10 de junho de 1973, o leitor que adivinhe! Foto de primeira página, sem título de caixa alta, apenas com a seguinte legenda;



Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06817.167.26386 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18126 | Ano: 53 | Data: Segunda, 11 de Junho de 1973 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "Exclusivo" | Fundo: DRR - Documentos Ruella RamosTipo Documental: Imprensa  (Com a devida vénia...)


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
 


1. O jornal, o "Diário de Lisboa", que não se publicava em dias feriados, reproduz na página 14 (e não 12, como vem indicado na notícia de primeira página) o discurso do então Chefe de Estado, Almirante Américo Tomás (Lisboa, 1894-Cascais, 1987).  Seria o último 10 de junho, Dia de Portugal,  realizado na vigência do regime do Estado Novo.  (O jornalista não podia adivinhar que era o último, mas hoje sabemos; o leitor habitual também náo precisava de título para saber do que tratava.)

Na primeira página, ao canto direito,  publica-se apenas a foto que reproduzimos acima: o chefe do Governo a entregar uma condecoração a título póstumo (a uma mulher, carregada de luto, uma viúva de um militar morto em combate,  deduz-se). A imagem, escolhida foi esta, sempre pungente,  e não  outra (por exemplo, a dos "Torre e Espada" desse ano).  E não era por acaso, tendo em conta a orientação do jornal, "conotado com a oposição democrática".

A notícia das cerimónias (que o jornal não podia deixar de dar...) é remetida para a página 14...

Ficamos a saber que nesse  10 de Junho de 1973 foram distribuídas, em Lisboa e outras cidades,  mais de 4 centenas e meia de condecorações a militares dos 3 ramos das Forças Armadas, que se destacaram nos TO de África:

  • em Lisboa, 89 militares;
  • no Porto, 86; 
  • em Coimbra, 34;
  •  em Santarém, 46; 
  • em Évora, 4; 
  • no Funchal, 7; 
  • em Ponta Delgada, 6; 
  • em Luanda, 8 (além de  três civis africanos);
  • e, em Lourenço Marques, 59. 

Um major de cavalaria  dois capitães de infantaria e um alferes receberam em Lisboa a mais alta condecoração, oficial da Ordem Militar da Torre Espada com palma. (O jornal não diz os nomes,  mas sabemos que foram o maj cav J. Almeida Bruno, os cap inf F. Lobato de Faria e A.J. Ribeiro da Fonseca e o alf  pqdt A. Casal Martins.)

Condecorado com Medalha de Ouro de Valor Militar com Palma foi o  gen J. M. Bettencourt Rodrigues, que, ainda provavelmente sem o saber, seria o próximo com-chefe e governador da Guiné, substituindo o gen António Spínola (que cessaria funções em 6 de agosto de 1973).


Duas companhias do navio-escola brasileiro "Custódio de Melo" associaram-se ao desfile final. em que participaram mais de três mil elementos dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas, das corporações e dos estabelecimentos militares (pág, 14). (O Brasil, recorde-se, ainda vivia sob ditadura militar, 1964-1985).

Do discurso do almirante Américo Tomás, o último presidente da República do Estado Novo,  publicado na edição do "Diário de Lisboa", de 11 de junho de 1973, reproduzem-se alguns excertos... 

Doze anos depois do início da guerra em África, parece haver preocupação,  por parte do então chefe de Estado,  com a coesão, a solidez e o moral das Forças Armadas, numa altura em que havia já sinais de pré-rotura do gen Spínola com o regime (ou  com a ala mais radical do regime) e quando o manuscrito do livro  "Portugal e o Futuro" estava já na forja, mas ainda em segredo e sem título. (Seria concluído, nesse verão, nas célebres termas do Luso onde Spínola passava sempre uma temporada.)

Pergunta-se: será que esta mensagem do então presidente da República chegou a todos os seus destinatários, e sobretudo aos que defendiam a bandeira de Portugal nos "até por vezes inconfortáveis quartéis do mato africano" (sic) ? E, se sim, terá sido bem acolhida e compreendida ?

Pessoalmente não me lembro do meu Dia de Portugal no TO da Guiné, nem em 1969 (em Contuboel) nem em 1970 (em Bambadinca ou algures no mato). 


(...)





segunda-feira, 9 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26901: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (41): memórias de um fotógrafo: aqueles dias tristes e cinzentos de março



Guiné > S/l > 1972 > Uma viatura blindada Chaimite V200. Foto de António Rogério Rodrigues Moura [ARRM]. Com a devida vénia...


Fonte: Portal Prof 2000 > Aveiro e Cultura > Arquivo Digital



Foto: ©  (2010) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




São excertos do Diário de um 'Bate-chapas', manuscrito em formato pdf que nos chegou às mãos... Com a seguinte nota: "Este ficheiro, em formato pdf, faz parte de um manuscrito que, se um dia passar no crivo da crítica, talvez ainda possa vir a ser publicado como livro,  de memórias de um ex-combatente da guerra colonial na Guiné,  que queria ser fotocine, e que acabou por bater retratos dos seus camaradas, e reformar-se como fotógrafo... de casamentos"...

O autor que não quer para já ser identificado, foi fotógrafo amador, na Guiné: nas horas vagas, fazia retratos dos seus camaradas, tendo um pequeno laboratório de fotografia, a preto e branco, onde revelava os negativos. O seu sonho era ser fotocine. Chumbou no curso de sargentos milicianos, quando estava a tirar a especialidade na Escola Prática de Cavalaria. Acabou por ser mobilizado, em rendição individual, para  uma companhia de infantaria
, andou pelo  leste  da Guiné. Autorizou-nos que publicasse este excerto  na série "Contos com mural ao fundo". Esta é uma versão, revista recentemente . (LG)



Contos com mural ao fundo (Luís Graça) > Memórias de um fotógrafo:  aqueles dias tristes e cinzentos de março 
 


2/3/2018

Dia de inverno. Não admira, estás em março. E a primavera é só daqui a três semanas. E parece que vai continuar assim,  nos próximos dias. Tempo triste, cinzento. Como a velhice. (E, como diz o provérbio, "teme a velhice, porque ela nunca vem só".)

Partidas da meteorologia. Ou nem por isso. Se há algo que é previsível (ou devia sê-lo) é o tempo. Ou era o tempo, antigamente. Razão por que há as previsões meteorológicas e os meteorologistas. Ciência matemática, garantem-te, o que não quer dizer exata. Como a ciência militar, que é arte, engenho... e sorte. Se fosse uma ciência exata, não estavámos sempre a repetir, como os "comandos", que "a sorte protege os audazes". Sorte ?!

Dantes, quando eras miúdo,  pensavas que era o São Pedro quem mandava nos céus e arredores. Metiam-te medo, com o dilúvio e a arca de Noé. Santa ignorância, quando se é puto. Quem te meteu isso na tua cabeça,  essas patranhas ?  O senhor abade, a catequista, o mestre-escola (cresceste na aldeia, em Mazouco, até aos 10 anos)... 

Agora parece que já destronaram o santo, não havendo ninguém de respeito que mande nesta m*rda,  cá em baixo. Anda tudo desregulado: o tempo, o clima, a economia, a saúde, a cabeça e o coração dos humanos… Até as estações do ano andam trocadas. 

Quando eras puto, havia quatro estações, e o Natal era no inverno, e fazia frio, e caía neve, pelo menos em Trás-os-Montes. 
Na Guiné, no teu tempo, havia duas estações, dividindo o ano ao meio: a das chuvas (de maio a outubro), e a do tempo seco (de novembro a abril). 

O mundo dual é sempre mais simples e previsível. Nunca gostaste da fotografia a cores, és  do tempo do preto e branco. Mas tiveste que te render ao mercado:  nos casórios ninguém queria fotografias, mesmo artísticas, a preto e branco. E agora só querem vídeos. E tens que aceitar, vergando-te à evidência. Fizestes muitos vídeos. Só a viver da fotografia, já terias  fechado a loja mais cedo.


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Bajocunda > c. 1973/74 > Época das chuvas > Imagem da parada de Bajocunda, cedida por 
Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74).  

Fonte: Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > (...) "Depois de 7/8 meses a vermos o céu sempre igual e a atmosfera amarelada com as poeiras vindas do deserto, os primeiros pingos grossos de chuva eram celebrados com grande alívio por nós e contagiante alegria pela criançada que aproveitava as poças de água para se refrescar, brincar e encharcar os adultos incautos" (...).

Foto (e legenda) © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagemcomplementar: Blogue Luís Graça & Canmaradas dfa Guiné.]



E, quando as primeiras chuvas apareciam, era uma explosão de vida e de alegria. Lembras-te dos milhões de insetos que caíam no chão (e no prato da sopa, se era à hora do rancho). É das imagens de rara beleza que tu guardas de África, a alegria de miúdos e graúdos que vêm para a rua "embebedar-se de água". Literalmente, "embebedar-se de água". 

Bolas!, tens pena de nunca ter tirado uma "chapa" a cenas "bíblicas",  como essa.  Até tu, pé de chumbo, vinhas para a rua, no meio da tabanca, dançar com os "djubis", as bajudas e as mulheres grandes. Grande tonto!... Seis meses á espera da chuva! 

Mas, de facto,  nunca te lembraste de trazer a máquina fotográfica para poderes registar esses momentos (únicos!) que, afinal, eram dos mais felizes da vida na Guiné, os primeiros dias de chuva!... E o cheiro que  a terra molhada recendia, como na tua aldeia debruçada sobre o rio Douro!... 

Como foi possível não teres um registo fotográfico desses dias de alegria breve?! ... Que besta!

Reflexão amarga, quando pensas nesse tempos, de há quase 50 anos atrás: hoje o deserto avança. E
stás a dar cabo da tua casa, do teu chão, do teu teto, da tua terra, das tuas florestas,  dos teus rios, dos teus mares. Aqui  e na  Guiné,  pelo que te têm  contado, a malta que lá tem voltado...  A fauna e a flora, as criaturas de Deus, sofrem sem terem culpa, à exceção do bicho  homem. Bicho ? Diabo! Somos o diabo de nós mesmos!

Pintem-no de todas as cores, para que ele apareça ainda mais feio, fero e mau. Neste caso o "diabo branco", que metia medo aos "djubis" na "festa do fanado"!… (Também nunca tiveste curiosidade por estas "excentricidades" etnográficas, mas lembras-te que o diabo no fanado  era "branco".)

O povo precisa, em todas as culturas, da figura de um diabo, ora branco, ora preto, ora vermelho, de preferência com cornos, que simbolize o mal absoluto, que aterrorize, mas que também brinque com a gente. Como os caretos de Ousilhão,  da terra do teu pai, no concelho de Vinhais. Também ele foi careto quando rapaz. (Era já GNR quando conheceu a tua mãe em Freixo de Espada à Cinta.)

Em dias assim, o que te resta é meter-te num centro comercial. O mais perto de casa, com estacionamento à borla, luzes, lojas, ar condicionado, música, ruído ... E o formigueiro humano, gente tão solitária como tu,   cada um no seu carreiro, como a formiga,  subindo e descendo escadas rolantes... Faz-te lembrar os bagabagas, que eram autênticas cidades liliputianas.

Enfias-te num cinema.  Dantes ia-se para a tasca, o homem, ou a igreja, a mulher. A oferta é muita mas a maior parte é lixo. Puxas dos cartões, à cata de descontos. Sempre dão para as pipocas. Afinal, ser velho  é um "privilégio"  nesta sociedade!....  Sénior, se faz favor
.... Veterano?!.... (Raio, nem sequer tens um cartão de combatente, para fazer valer os teus direitos!... Este país sempre tratou mal os antigos combatentes.)

Não sejas arrogante. Se o lixo está em cartaz, é porque há clientes, há público para consumir o lixo. Ainda por cima pagas para comer lixo. 

Não sejas mau, da tua parte também és um consumidor de lixo, seja cinema, sejam salmões de aquacultura. Ou as mensagens de gente megalómana, azeda, ressabiada ou mesquinha  nas redes sociais. (Felizmente, e para bem da tua saúde mental, eliminaste a tua conta no Facebook.)

Sem esquecer  o  futebol ou as pregações evangélicas ou os "sites" pornográficos. Ou os "best-sellers" de Natal. O último romance do fulano tal...  "Ah!, Ainda não o leste, bolas, não sabes o que estás a perder ?!... Devias ter lido, está no 'top ten'.... É o máximo!"...

Em suma, o que se vende é o que é badalado, o que é visto na televisão (e cada vez mais, nas redes sociais ). Claro, há uns gajos de fato completo e gravata que gozam à brava com isto tudo, e vão aumentando as suas chorudas contas bancárias e fortalecendo as suas tentaculares redes de poder e de influência. 

As lojas e as redes sociais estão cheias de lixo, barato, a preço de saldo, que tu compras. Tu e os outros tontos como tu. ("Consumo, logo existo", parecem pensar.)

E "a malta não olha a preços, quer é descontos"… E viver, freneticamente, o cagagésimo de segundo do presente... que mais logo já será passado. E bem passado e pesado.

"O último a morrer que feche a tampa do caixão!".. Lembras-te da boca foleira do furriel Lopes  ? Lembras-te do sacana do cabo quarteleiro que nunca saía do aquartelamento, era a função dele,  ficava a guardar as armas e as bagagens, quando a gente saía.... E as urnas. A provocação era para ele e os gajos que ficavam no quartel.

 Gozavam á brava com o desgraçado, antes de a companhia  partir em colunas ou para operações. Afinal, essas bocas de bravata eram sobretudo para espantar o nosso próprio medo. No princípio, era mais do que medo, era cagaço. E ele lá ficava a tomar conta da "loja", com o cu apertado entre as pernas, com um medo do caraças de  um eventual ataque ao quartel com foguetões 122 mm.

Lembras-te, ó "Bate-chapas"?!... 

Foi a frase publicitária de maior sucesso que tu criaste lá nesse desgraçado quartel do mato na região do Gabu:  "A malta não olha a preços, quer é descontos"… Tão atual, hoje em dia, quase meio século  depois!... 

Eh, pá, tu devias ter ido para o "marquetingue", davas uma "ganda criativo"!...E nunca para fotógrafo de casamentos, batizados, bodas de ouro, aniversários, festas da primeira comunhão e do crisma, bailes de carnaval, festas de fim de curso!... 

E será que hoje serias mais rico e feliz ?! Ou feliz e rico ? (Não sabes se a ordem dos fatores é arbitrária: pode-se ser rico e feliz, feliz sem ser rico, rico sem ser  feliz?!)

Houve "chapas" ao preço da chuva, no primeiro Natal que lá passaste. Quase ao preço de custo. A malta mal ganhava para a cerveja. Mas era um luxo, a fotografia, para se mandar para casa... Não perdeste "patacão", até ganhaste algum. 

Foi uma operação de "marquetingue", para lançar a marca do "Bate-chapas".  E o sucesso foi de tal ordem que vendeste logo uma centenas e meia de  fotos da malta vestida de pai Natal tropical, ladeada de "bajudas de mama firme"... 

Fizeram sucesso, os gajos da CCS do batalhão  também se juntaram à festa, a clientela foi aumentando... E até o capelão entrou na reinação,  vestido de Pai Natal!...Com a lavadeira e o filho, a servirem de Nossa Senhora e o Menino Jesus. Tens pena de ter perdido esses teus primeiros trabalhos.

Grande pândego, um gajo da corda,  aquele padre capelão. Já não te lembras de que terra era ele, mas era um gajo do Norte. Gostavas de ir à missa que ele dizia ao domingo, quando estiveste na sede do batalhão. (...)

Com esse  "patacão" começaste a  investir em máquinas fotográficas e material  para o laboratório. No final da comissão, tinhas três máquinas compradas em Bissau, lá na loja dos libaneses, do tal Taufik Saad... 

 E compraste peças de artesanato em prata, feitas pelo ourives de Bafatá, o tal do dente de ouro... E mais quinquilharia asiática, louça chinesa, etc. , que chegava a Bissau, oriunda de Macau.  Ainda chegaste a embalar tudo, até que um incêndio reduziu os teus "recuerdos" da Guiné a cinzas...

Tiveste um ataque de choro, se ainda bem te lembras!... Foi um terramoto na tua vida.

Havia gajos que arriscavam,  faziam chegar algum "contrabando",  como as bebidas alcoólicas da Intendência (exclusivas para as Forças Armadas), através desse truque dos caixotes feitos com tábuas de madeira preciosa, que valiam ouro na metrópole, nessa época. Tudo despachado no barco. Sem passar pela alfândega. Afinal, eram todos heróis, os gajos que vinham do ultramar. Quer dizer, da guerra.

"Bate-chapas"!!!... A princípio, não achaste piada nenhuma à alcunha... "Bate-chapas" era uma especialidade dos gajos da ferrugem. Havia bate-chapas ou "chapeiros",  estofadores, correeir
os, trolhas, carpinteiros... Até havia um sacristão e cangalheiro, na CCS. 

"Bate-chapas!"... Que insulto!.... Era desvalorizar o teu talento e a tua arte de fotógrafo. Mas toda gente tinha uma alcunha. E tu acabaste, a contragosto, por assumir a tua. Até a mulher do capitão, era a "Capitoa". E o teu alferes "Casanova",  do teu grupo de combate, era o... "Picha d'Aço". E o cozinheiro, o "Merda Seca"... E o impedido do capitão  o "Meia-Leca"... 

As lojas aqui, no centro comercial, também tresandam a "merda seca", "made in" China, Indonésia... (Ainda te lembras de boicotar os produtos da Indonésia, por solidariedade com os desgraçados dos timorenses, em finais de 1991, princípios de 1992, depois do pavoroso massacre no cemitério de Santa Cruz, em Dili...). 

 Dantes, tinhas "scotch whisky", marca branca, que vinha diretamente da Escócia em barris para a malta da tropa. O mais baratinho. E depois engarrafado no Beato com água do Tejo, dizia-se. Chamavam-lhe "uísque de Sacavém". Para os bravos que se batiam para sobreviver à tona de água do Geba!... (Nunca foi coisa que apreciasses, tinhas os teus problemas de estômago.)

"Beber a água do Geba"...  Lembras-te da expressão ?!... Bebeste algumas vezes a água do Geba. Mas nunca tiveste propriamente saudades da Guiné nem muito menos vontade de lá voltar. (Mas quem recorda, não desdenha, é isso ?!... Afinal, tivestes bons e maus momentos. )

E nos saldos salda-se a roupa de inverno e os sapatos de inverno, porque já vem aí a primavera e logo a seguir o verão do contentamento da malta. 

"Ainda vamos ser felizes, meu amor, com casa à beira da praia no reino de Portugal e dos Algarves", diz a chavala para o gajo, ali ao teu lado, comendo pipocas. (Não percebes esta mania, horrorosa, de as miúdas de agora se tatuarem de alto a baixo, parecem umas osgas, todas pintalgadas!... Mas que diferença te faz, não é doença infetocontagiosa. ... F*da,-se, estás a ficar intolerante!)

Compra-se a crédito, barato, a casa de praia, pré-fabricada. E a mobília. E os electrodomésticos. E o amor,  que dura tão pouco. E a moda é quem mais ordena. São as mesmas marcas em todo o lado.

Consumir é bom para a economia, que acelera e às vezes desacelera, para desespero do senhor ministro das Finanças… Mas nem tudo o que é bom para a economia é bom para o balanta, o felupe, o fula,  o mandinga ou o bijagó... Ou o morador do Bairro da Bela Vista em Setúbal onde vivia um dos teus antigos camaradas de armas,  de quem não sabes noticias há já uns largos anos.  Um amigalhaço. Era de Cabo Verde, tinha carapinha, vivia no Bairro da Ajuda, em Bissau, antes da tropa,  chamavam-lhe o "Turra", na brincadeira.  Tinha jeito para a bola. Acabou por ser um "retornado", sem nunca ter nascido em Portugal. 
 
10/3/2018

Foste à praia do Guincho. Levaste o carro a "passear" (o teu velho Mercedes de matrícula K). Gostas de lá ir no inverno. O mar está sujo, escuro e bravo como um touro. Espuma de raiva. Às vezes apetecia-te ter a raiva do mar. 

"Vamos ter forte temporal esta noite", dizem os meteorologistas da Antena Um, os novos profetas da desgraça. Aviso amarelo a passar para o vermelho daqui a umas horas. Tempestade Félix. 

Não percebes nada de meteorologia, meu estúpido. O que é o anticiclone dos Açores ? E o que é um ciclone ? E uma tempestade tropical ? E um furacão ?  E um tufão ?

Há uma escala para medir estas fúrias dos elementos da natureza. Devias saber mais sobre estas m*rdas de que agora tanto se fala: as alterações climáticas, o degelo das calotas polares, a subida da água dos oceanos, os fogos florestais...Na Guiné, no Gabu, lembras-te das chuvas intensas, das tempestades tropicais, das trovoadas medonhas...

Há gajos que são pagos para pensar e para saber.  Tivestes quase 24  meses na Guiné, na p*ta da guerra, a defender a Pátria. Nunca te explicaram quem era a Pátria, essa entidade nebulosa, hermafrodita, simultaneamente macho e fêmea. 

Nem nunca te disseram quem eram os pais da Pátria... Nunca te explicaram isso, nem na tropa nem na guerra. Não te explicaram como é haver um país que foi fundado sob a violência doméstica, um filho que bate na mãe. (Outra patranha, por certo, que te contaram na escola. E nos Pupilos do Exército. Afinal, querias era jogar à bola.)

O teu capitão, miliciano, era um gajo fixe, afável, católico. Pelo menos ia à missa, quando podia.  (E já lá está, coitado, à direita de Deus Pai, dormindo o sono dos justos. Morreu cedo, de cancro pulmonar. Era uma chaminé a fumar.) 

Não tinha jeito nenhum para as tiradas patrióticas.  Nunca ouviste o teu capitão falar da Pátria. Nem do sentido da guerra (ou da falta dele).  Também ninguém fazia perguntas do estilo: mas que m*rda é que eu estou aqui a fazer !?...

Só o conheceste, na Guiné, ao teu capitão . Afinal eras de rendição individual. Mas ficaste com a impressão de que ele estava ali a fazer um frete, a ver passar o tempo, a arrancar as folhas do calendário como o resto da maralha. Teve sorte em poder trazer a esposa no segundo ano.  Mas, nas operações no mato, cumpria os mínimos. Só não queria apanhar uma porrada do general Spínola e muito menos do tenente-coronel, comandante do batalhão, que tinha um medo que se pelava do Spínola. 

Ainda te lembras do teu momento de glória em Piche, pediste parar tirar uma foto ao nosso comandante-chefe: "O meu general dá-me licença que lhe tire uma foto para a História ?!"... Ele sorriu, condescendente, e fez um gesto com o pingalim,  gesto que tu apanhaste no ar... Há malta que deve ter cópia desta foto...

Os camaradas que morreram na estrada de Piche, esses, "morreram pela Pátria" ou  "em nome da Pátria"... Malta que morreu, calcinada na Chaimite, vai fazer 44 anos dentro de dias, se não erras as contas (*). Ainda conviveste com os dois furriéis do Erec de Bafatá...

Já o teu general não estava lá... O outro nunca o viste... Não gostava de andar de helicóptero, a rasar a copa das árvores...  Também já não havia patacão para o "pitrólio".

15/3/2018

Fazes horas… Meu estúpido, que raio de expressão?!... Se tu soubesses em que ano, mês, semana, dia ou hora a morte te vinha bater à porta, já tinhas dado um salto mortal no sofá, impulsionado por uma mola...E programado os últimos dias ou meses que te sobravam para viver… 

Ninguém entra em pânico com esta hipótese,  felizmente teórica, a não ser quando o verídico final do médico, do juíz ou do carrasco martela nos teus ouvidos. Os médicos agora já não estão com paninhos quentes, olham-te, olhos nos olhos, e fuzilam-te:  "Tens dois ou três meses de vida, seis no máximo, trata de fazer as malas"... Que é como quem diz: "Prepara-te para a última viagem"...

 Não sabes como vai ser no teu caso. Ninguém sabe, mas  já pediste,  aquem atende os recados lá no céu,  uma "morte santa", isto é, súbita, fulminante, indolor... Sobretudo não queres sofrer. Oxalá se pudesse encomendar a morte. Como se encomenda uma piza.

A sacana da tua médica de família mandou-te ir ter com os gajos do ACP, o Automóvel Clube de Portugal, para te passarem o atestado médico a enviar ao IMT – Instituto da Mobilidade e Transportes. Vais fazer 70 anos. Ainda te faltam uns meses.  Não te irá passar o atestado médico. Tira daí o cavalinho da chuva. Diz que fazes bem em planear a tua vida. Pediste-lhe com antecedência, nesta última consulta. Mas que tem muita pena, 
não é um ato clínico, é uma ato administrativo.

Ah!, querias revalidar a carta de condução ?!...Ela diz que não pode atestar a tua validade (e, muito menos, a virilidade, a acuidade auditiva, a sanidade mental, a integridade da rede neuronal, a verticalidade da coluna vertebral, e por aí fora)…

"Estamos todos a prazo, doutora… Quem me diz que não apanho uma macacoa ou não sou atropelado à porta do centro de saúde ?!... Ainda há dias, um velhote com 90 anos, sem carta (ilegal, há mais de cinco anos!), me iam passando a ferro na passadeira… Velhote de 90 anos, um  piloto, medalhado!... Um histórico da TAP, que ainda pilotara os Super Constellation nos anos 60 e tinha saudades da Lourenço Marques do Kanimambo!"...

E tu que vais fazer setenta (no princípio de  2019, se lá chegares) ?!.. 20 anos de distância ainda é muito ano… Não é nada, idiota, é já daqui a 20 anos!... E a guerra já acabou há quase  50!...

Fazes horas!... Em vez de estares a viver intensamente o resto dos dias que te faltam para cumprir calendário… Agora vives para cumprir calendário. Para não dar cabo da estatística da esperança média de vida… Por patriotismo, para que o teu país não fique "mal na fotografia", como ficava nos anos em que tu lá andaste, português de segunda, nos Pupilos do Exército e depois na Guiné. ( Os Pupilos eram só para os filhos da arraia-miúda, sargentos e praças.)

1º cabo atirador de cavalaria!.. Não percebias por que é que vieste parar a uma companhia do arre-macho!... Substituir um camarada que, coitado,  lerpara numa mina. 

Chumbaste no Curso de Sargentos Milicianos, na especialidade. Também nunca soubeste porquê. Talvez por seres reguila demais. Sempre foste reguila.  Apanhaste uma porrada... Mesmo sendo "pilão" (aliás foste expulso, depois do 5º ano.) Felizmente, na "peluda",  não  te adiantou nem atrasou nada a "porrada" que apanhaste , em Santarém, na EPC. Já tinhas emprego. Mas podias ter ganho para um carro se fosses pago como furriel na Guiné.

Tiveste que te agarrar á fotografia. Nas horas vagas, passavas o tempo a tirar o retrato à malta... Toda a gente queria tirar o retrato para mandar para casa, no aerograma do dia seguinte, como "prova de vida"... "Estou bem, meus amores, até ao meu regresso!... Rezem por mim"... (Não se podia mandar fotografias nos aerogramas, mas a malta queria lá saber!)

Até tu, lembras-te ?!, ias fazendo um tracinho na parede, em cada semana que passava… 4 eram um mês, 48 um ano, mais coisa menos coisa… Que um gajo queria era cavar daquele campo de concentração, daquela m*rda!... E "a Pátria deles, que se f*desse"!...

Quando um gajo trabalhava, tinha horas para tudo, estava tudo planeado, regulamentado, havia normas e leis, livro de ponto,  usavas agenda e gravata, saías de casa de manhã, entravas à noite, metias-te no comboio de Sintra a caminho de Lisboa, com regresso a Rio de Mouro, a tua gaiola dourada com vista sobre o Palácio da Pena, a serra de Sintra, o pavoroso cimento a crescer  à volta, o inferno do trânsito para quem ia de carro!... 

Ainda te lembras de ver crescer Rio de Mouro,  era uma aldeia quando os teus pais se mudaram para lá, em finais dos anos 40. Foi lá que nasceste. Só depois é que te levaram para Mazouco, para frequentar a escola. 

 Um mouro de trabalho, isso sim, uma besta de carga, foi o que tu foste!... Sem sábados nem domingos, que eram dias de casórios e batizados... Para quê ?, para quem ?... E sobretudo porquê ?

Agora não já precisas da p*ta da agenda, nem de apontar o nome e o número de telefone dos clientes e fornecedores, a não ser para marcar a consulta do dentista e registares o dia e a hora da última vez em que deste uma queca! (Já nem é em feriados e dias santos, é quando calha:  telefonas-lhe, 
 ela vem ter contigo a casa, a tua "bajuda",  que conheceste por foto nos anúncios classificados no "Correio da Manhã". )

Fazes as palavras cruzadas e a sopa de letras que é para prevenir o Alzheimer, a recomendação é da tua vizinha, ainda boazona, que te faz olhinhos, vive sozinha com o cão, e trabalha lá numa  clínica manhosa da tua rua…

Agora és um cinéfilo compulsivo, vais ao cinema todas as semanas...Sempre adoraste cinema. Foste ver o filme "Três cartazes à beira da estrada"… Passa-se num cidadezinha ronceira do Missouri e há uma mãe justiceira que quer vingar a violação e a morte da filha. 

Um lugarzinho do mundo onde nunca foste, nem onde nunca irás, porque é sítio que não interessa nem ao menino Jesus. Tal como Piche e Buruntuma, Bafatá ou Nova Lamego. Ou tal como a p*ta da aldeia da tua mãe, Mazouco, lá em Freixo de Espada à Cinta onde nasceu também a tua avó e a tua bisavó (essa, nunca a conheceste). E para onde te levaram, desterrado, quando eras menino e moço.

Tal como não conheceste o filho ilustre da terra, o almirante Sarmento Rodrigues que foi governador da Guiné, nos anos 40 (coisa que não sabias, imagina!).  Nem muito menos o poeta Guerra Junqueiro (nunca te falaram dele na escola, nem nos Pupilos, em Mazouco só gozavam contigo  por seres saloio de Sintra.)

Morrerá de parto, a tua mãe, do teu mano mais novo, uns anos depois,  ainda andavas na escola,  na 4a. classe, contava-te a chorar o sacana do teu velho, que voltou logo a casar, sem chegar a fazer o luto... E te trouxe com ele de novo para a linha de Sintra. (Já nem te lembras na primeira casa onde moraste; afinal, as melhores recordações que ainda tens,  até aos 15 anos, são as dos Pupilos, onde encontraste uma segunda família.)

Cresceste sem mãe a partir dos 10 anos. A outra foi sempre madrasta… Mãe é mãe e só há uma... Também lá está a fazer tijolo, a tua madrasta, ela e o teu velho. Morreram, há uma dúzia de anos. Os dois, num acidente de carro, na autoestrada a caminho do Norte… (Um estúpido acidente com a gaja a conduzir com a mão esquerda e  com a direita a acender um cigarro, disseram-te os bombeiros; que ironia, e o teu velho que tinha sido da Brigada de Trânsito!)… 

Infelizmente, o teu velho morreu sem teres resolvido o contencioso que tinhas com ele… Nunca gostaste da gaja dele, que afinal o acabou por matar... Há anos que não falavas com ele e muito menos com ela... 

E estás com essa atravessada na tua consciência, acusa-te o teu irmão mais novo, que aparava o golpe. Sentes culpa por o teu velho ter morrido, nas circunstâncias trágicas em que morreu, sem nunca teres tido uma conversa séria com ele, nem que fosse de despedida, de filho para pai, de pai para filho... Não era pessoa fácil.  Tinha o seu feitio. Para mais  transmontano da Terra Fria, e ainda por cima cabo da  GNR...
 
E lá no Missouri, no sul, na América profunda onde nada acontece, o raio do realizador fez um filme que é um misto de tragédia, comédia, "western" e "thriller" policial. (Eh!, pá, andas a pensar fino e a falar grosso, ainda acabas em crítico de cinema… E já tens alcunha, o "Bate-Chapas", registado na Sociedade Portuguesa de Autores, para quando acabares de escrever e publicar o teu livro, "Memórias de um 'Bate-chapas' que queria ser fotocine na Guiné")…

E a propósito, achas que é um bom título para um livro sobre a guerra colonial, camarada ?... 
"Não é, não, senhor, vão-te confundir com os gajos da ferrugem… E depois é comprido demais!"... E alguém, pá , sabe o que é um  fotocine?!"...

"Bate-chapas", essa, sim, era uma especialidade dos gajos da ferrugem... Havia uma 1º cabo bate-chapas, na CCS do batalhão, que estava em Nova Lamego, mas a malta chamava-lhe o "Penedo Durão", era teu conterrâneo de Poiares, imagina como o mundo era pequeno!... (Chegaste a beber uns copos com ele, quando lá ficavas!... Perdeste-lhe o rasto,  nem sequer voltaste mais às tuas berças. )

E, de facto,  alguém sabe lá o que é um fotocine!… Tens razão, camarada. Estes putos de agora que não foram à tropa, sabem lá, esta geração do pós-25 de Abril!… Tiveram tudo, não sofreram como nós...

E, para mais, "Bate-chapas"! … Que raio de alcunha que te puseram!.. Tu nunca foste mecânico, eras operacional, 1º cabo atirador de cavalaria. (Mas puseram-te, os sacanas, uma G3 nas unhas, em vez de seres, ao menos,   um garboso apontador de canhão  de Chaimite !...  Bem podias ter ido para o EREC de Bafatá!.. O pobre do furriel Teixeira ainda é do  teu tempo!)

E foste fotógrafo nas horas vagas numa companhia de tropa-macaca. Chamavam-te "Bate-chapas", também na reinação, os "djubis" e as bajudas, por que andavas sempre a tirar fotografias, no quartel, na tabanca, nas colunas, era o teu biscate, o teu "vício", para arredondar o pré ao fim do mês, e fazer um pé de meia para as férias… 

Eras um fotógrafo compulsivo, reconheces hoje. Revelavas e expunhas as provas, numeradas, num placard que servia de mostruário. Só tiravas a pessoas,  a caras, não a paisagens.  Havia gajos que lhe chamavam o "monstruário"...

A Arminda e a garota, que tu mal conhecias (tinha escassos meses, a tua filha, quando partiste para a Guiné), ansiavam por ti, ainda faltavam dois ou três meses para vires de férias… 

Quem eram os cabos que vinham de licença de férias à metrópole nesse tempo? Só tu, que tinhas dois ordenados, e o cabo cripto, que era um gajo evoluído, com estudos como tu (por sinal,  chumbaram os dois no CSM), e o "escritas" que também comia da gamela com o "nosso primeiro"… 

E, claro, os graduados, os furriéis, os sargentos, os alferes, e o capitão no 1º ano (no segundo ano levou para lá a esposa, a "Capitoa", uma valentona que aguentou com um ataque de foguetões 120 mm que, felizmente, só deram cabo de uns poilões de uma tabanca abandonada; o que vale é que os "turras" tinham má pontaria, exceto naquele dia fatídico em que derreteram uma Chaimite, na estrada de Piche.)

Podias ter sido fotocine, sim, senhor, se tivesses tido uma boa cunha, se tivesses tido sorte na p*ta da vida, era uma rica especialidade, não saías de Bissau, quando muito terias que fazer uma ou outra sessão de projeção de cinema no mato… Ias de avião até Bafatá ou Nova Lamego, depois apanhavas uma coluna… Na outra semana, descansavas e ias beber umas "bazucas" no Pelicano ou na 5ª Rep (o Café Bento!) ou ver passar as modas no Café Império, ali ao pé do palácio do Spínola.

Lembras-te quando o teu pelotão esteve destacado em Bafatá?!... Ias á noite com o teu comandante, o "Casanova", grande p*tanheiro, ao Bataclã ( uma espécie de clube noturno lá  do bairro da Rocha)... E, 
no dia dos teus anos,  que coincidiu a um sábado, armaste-te em rico, até convidaste as gajas todas que f*diam com a tropa, para ir ao cinema, ver uma cagada de um filme cómico italiano do tempo da Maria Cachuca ?!… 

Foste tu que pagaste os bilhetes, foi bodo geral aos pobres, uma ridicularia... Os "djubis", as bajudas e as mulheres grandes, riam-se que nem uns perdidos, mesmo não percebendo patavina que os gajos e as gajas do filme diziam, em italiano, e muito menos as legendas… E o sacana do Lopes, trocista e racista, a mandar as suas bocas: "Ó Barrote Queimado, quem não sabe ler, vê os bonecos!"…

O cinema de Bafatá, a grande obra de civilização que lá deixou o "tuga" no leste… Mais a piscina, e a mesquita, e a catedral, o mercado… Nunca mais viste um filme quando a guerra começou a sério para a malta, que ainda era "periquita", e os índios e os cobóis deixaram de ter tempo para limpar as armas…


16/3/2018

Rica vida de reformado, dirás tu hoje,  a gozar contigo próprio. Dias de inverno, cinzentos e tristes, a escassos dias da primavera que há-de vir (ou não). Foi um mês em que choveu sem parar. E vai continuar a chover , pelo menos até ao dia 22, segundo viste na Net.

 Afinal, do que seria de ti sem o raio da Net, mesmo já não tendo os teus amigos virtuais do Facebook... Aliás, não tens um   amigo verdadeiro, do peito, daqueles  que te possam dar um ombro para chorar, se um dia vieres a precisar. ("Que um homem não chora, muito menos os camaradas da Guiné", dizia o "Casanova", armado em durão, um transmontano de Alfândega da Fé, se bem te lembras, que estudara para missionário ...)

Voltas a enfiar-te no "porto de abrigo" do teu centro comercial. O que dá para ver a meio da tarde, ó cinéfilo ? O filme "Post", de SpielBerg, com o Tom Hanks e a Merry Streep. 

É sobre quê ?, perguntas. O papel do jornalismo nas democracias modernas. O braço de ferro do "Whashington Post" e do poder político-militar na América que queria cortar o bico aos jornalistas.

Não é nada de empolgante, mas é importante pelo episódio (histórico) que recria: publicação, pelo "New York Times" e pelo "Washington Post", dois jornais de referência, dos papéis do Pentágono, um documento ultrassecreto feito por académicos sobre o envolvimento americano no Vietname (tal compo a gente na Guiné), desde o presidente Eisenhower. 

Os governos americanos foram-se atolando no Vietname  e as perspetivas eram claramente as de uma crescente escalada e quiçá desastre a nível politico-militar.

O estudo encomendado pelo Robert McNamara estava guardado a sete chaves até que uma cópia foi parar aos jornais… Mas há lá chaves e cofres que guardem um segredo ?!... 

Só a malta na Guiné é que foi apanhada de surpresa pelo Strela!... "Fomos apanhados a cagar!", dizia o meu comandante, o "Casanova"...E, antes, pela notícia da morte do Amílcar Cabral, nosso vizinho de Bafatá (dizia-se que a mãe vivia lá!), e depois pela declaração unilateral da independência em 24 de setembro de 1973, já depois de lhe terem limpado o sebo em Conacri, as criaturas do criador.

Mas o que é que os "pides" andavam a fazer nessa época ? E os craques da Força Aérea… não sabiam que já havia uma arma dessas, o Strela, a ser utilizada no Vietname ?... E a golpada dos capitães, não se estava mesmo a ver que um dia haveria de estoirar a bernarda ?!... E os generais e os  almirantes do Caetano  ? Onde andavam ? A arear o bronze das cruzes de guerra?... 

Andavam todos, afinal,  a brincar ao faz-de-conta!...  Por isso o Império caiu sem honra nem glória!  (Confessas que não deste conta do estrondo.)

Não te quiseram para fotocine, os sacanas  da tropa, tu que já eras fotógrafo, profissional,  na vida civil!...Com cartão passado pelo sindicato corporativo, sim, senhor!... Eras um fotógrafo encartado, fazias casamentos e batizados, tinhas um patrão, já velhote, que não podia a ir a festas, que se enfrascava todo, cortava a cabeça aos noivos com a bezana e dava cabo dos rolos… Valia-lhe o genro, que acabou por tomar conta do negócio...  E que foi o teu último patrão, ali nas Avenidas Novas, em Lisboa.

Mas, olha, safaste-te, a biscatagem deu-te para montar o teu negócio próprio, quando regressaste de vez, são e salvo, graças a Deus, benzia-se o teu velhote, amarrado a uma gaja vinte anos mais nova do que ele, e que o chupava até ao tutano… Pobre do velho que podia ter tido mais sorte na p*ta da vida!... Polícia da Brigada de Trânsito, com uma boa reforma e um bom pé de meia.  Também transmontano como a tua mãe, mas ele da Terra Fria, Vinhais.

Mais tarde, com as tuas economias todas, deixaste Lisboa e abriste uma papelaria e livraria com secção de fotografia, lá no teu bairro, em Rio de Mouro. Tal como na tropa, em matéria de fotografia, fazias tudo menos a revelação de diapositivos. 

Uma merda, afinal!... Veio depois a fotografia digital, a revelação automática, os computadores,  as impressores, o "self-service",  os centros comerciais...  

O negócio foi por água a baixo!... Os livros vendiam-se pouco, a não ser o material escolar... E a fotografia deixou de ter procura... Agora toda a gente é fotógrafo, com as máquinas digitais e os telemóveis... É só carregar no botão, e já está. E até fazem as tais selfies!

Vendeste a baiuca ainda no início da crise de 2008/2009. Que afinal veio para durar. Que tristeza, hoje recusas-te a passar por lá… Já passou por mais mãos. Agora deve ser uma loja de um chinês ou um templo evangélico ou um "fitness centre".  Valeu-te ao menos o dinheiro do trespasse, compraste títulos da dívida pública, que sempre te dão algum rendimento, no banco não vale a pena teres dinheiro, ainda tens que pagar por cima.

−Ó "Bate-chapas", tira-me aqui um chapa, e faz-me um postal com dois corações que é para mandar para a minha Maria  que vai fazer 21 anos e já pode casar comigo quando eu voltar!...

− Ó "Bate-chapas", arranja-me umas fotos das p*tas do Bataclã que é para eu mandar para o meu mano mais novo que vai às sortes, e que nunca viu uma gaja nua…

E a alcunha ficou mesmo, para o resto da vida, "Bate-chapas"... Não levas a mal. Já faz parte da tua identidade... Afinal, foste um "Bate-chapas" toda a vida... Ainda hoje te fazem uma festa quando vais aos convívios anuais do esquadrão:

− Ó "Bate-chapas", bate-me aqui uma!... ( Ainda goza contigo a velhada, quando a gente se encontra no convívio anual da companhia, este ano vai ser aqui perto, na Ericeira.)

Eras um gajo popular ( ou popularucho). Tinhas centenas, milhares,  de provas e negativos, no teu estaminé, improvisado, por detrás da caserna grande... Tinhas lá a tua "morança", de paredes de adobe, barrotes de cibe e cobertura de colmo,  com a devida autorização do capitão, a quem não levavas nada dos trabalhos fotográficos (nem a ele nem ao "nosso primeiro", nem ao "Casanova", como não podia deixar de ser)...  

Ficou tudo reduzido a cinzas quando houve aquela incêndio medonho, que até parecia um ataque dos gajos do PAIGC ao arame farpado… ("Ninguém soube como aconteceu", contaram-te depois.)

Foram muitos os palpites, mas tudo indica que tenha sido um raio numa aquelas frequentes trovoadas tropicais… Houve quem dissesse que foi sabotagem, gajos civis que trabalhavam no quartel e que eram "turras", e que terão deitado o fogo à tua palhota, quando estavas fora, a fazer segurança a uma coluna logística até Piche, ou aos trabalhos da TECNIL, no troço Piche-Buruntuma. 

Em boa verdade, não te lembras de ter inimigos..., a não ser os gajos do mato. Afinal, estavas em guerra!

Estavas já perto do final da comissão, felizmente tinhas depositado um mês antes a guita, o teu pé de meia, no BNU, uma semana em que te desenfiaste até Bissau, com a devida  licença do capitão… Ficaste de tanga, sem duas das três máquinas, sem rolos, sem laboratório, sem arquivo, sem as bugigangas que querias trazer para a família e amigos, sem trocos, sem peúgas nem cuecas… 

Até a lista dos calotes ardeu!... (Sobretudo a lista dos calotes, ainda eram uns bons contos de réis!)

 Não havia bombeiros nos nossos aquartelamentos!... E muito menos água e mangueiras e bocas de incêndio!... Qual quê ?!... "Deixa arder, que o meu pai é bombeiro!", diziam alguns gajos, cínicos e gozões, que já estavam com a cabeça feita, a pensar no avião que os levaria de regresso a casa...  (Viemos de barco, fomos de avião!)

E hoje aqui estás,  vivo, viúvo, reformado, com um pé de meia, fechado numa sala de cinema de um centro comercial, comendo pipocas para aliviar a angústia do fim de tarde… Antes de ires para casa, e aqueceres a sopa requentada que a tua empregada, guineense do Biombo ou Binar (vê lá tu!),  faz-te para toda a semana… Trabalha como segurança, de segunda a sexta, e o serviço doméstico é uma biscatagem. Ela tem um bom físico, é de origem balanta. Solteira. Mas já terá crescido em Portugal.  Veio com os pais, fugidos daquela miséria. (O avô morreu numa  mina nossa, no corredor de Guileje, em 1973, a família tem lá um papel para limpar o cu, a dizer que o homem grande foi "combatente da liberdade da Pátria"! )

De tempos a tempos, meia dúzia de vezes se tanto por ano, falas pelo Skype com a tua filha que está na Austrália, casada com um grego do Pireu... E mal conheces os teus netos que não falam português. P*rra, tens uma filha com 50 anos!... Foste pai aos 20, grande irresponsável!...

E lá vais escrevinhando o teu diário, falando em voz alta com o teu "alter ego", o mesmo é dizer, falando para as paredes do teu T2 em Rio de Mouro, agora grande demais para um homem só.

Podias ter sido um grande fotocine, um grande fotógrafo, até um grande cineasta, quem sabe ?!... Foste apenas um "Bate-chapas", na tropa, um fotógrafo de casamentos antes e depois… (aliás, toda a vida!)

Consola-te : levaste um pouco do calor da amizade e da camaradagem da Guiné a muitos lares portugueses, mães e pais, esposas, namoradas, madrinhas de guerra…, arrancaste muitos sorrisos a "djubis", "bajudas de mama firme" e mulheres grandes de teta caída… E até a homens grandes, régulos, milícias, guerreiros que habitualmente nunca sorriam... 

Foste à guerra, deste e levaste… Tiveste mulheres que gostaram de ti. Tiveste mulheres a quem pagaste para gostarem de ti. E tiveste sorte, afinal, em não ter ido para um esquadrão de cavalaria e não ter ficado esturricado dentro de uma caixão blindado como era a Chaimite, como aconteceu na emboscada na estrada de Piche (que não te sai da cabeça).

E hoje ? Nem amigos e amigas tens, do Facebook, tristes e empedernidos corações solitários… E olhas-te para o espelho e vês um gajo velho, como ó caraças!,…E  pegas no teu bilhete de identidade, que é vitalício, e a foto que lá está, não condiz com a p*ta da imagem que vês no espelho da casa de banho … O São Pedro não te vai deixar entrar no Paraíso, quando chegar a tua vez… 

Mal por mal, vais ficando por aqui, esquecido (e oxalá que ainda por uns bons aninhos!), no Limbo da Terra, depois de teres conhecido o Inferno da Guiné.  Gostavas, em todo o caso, que na tua lápide, alguém escrevesse por ti:

"Não adianta reclamar, ó 'Bate-chapas', ninguém te vai devolver o dinheiro... Não há livro de reclamações no Céu, no Paraíso ou no Olimpo dos deuses e dos heróis, como lhe queiras chamar: tu é que compraste o bilhete errado para a sessão de cinema errada… Trocaste o filme… da tua vida, ó 'Bate-chapas'! "...

(Seleção, revisão/ fixação de texto, título: LG)

2018. Revisto em 10 jun 2025.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 19 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26816: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (40): Quem não arrisca, não petisca

(**) O autor não especifica mas tudo indica tarrar-se tratou Op "Matador", em 22 de março de 1974, a um escasso mês do 25 de Abril, em que uma força constituída por 2 Gr Comb/CCaç 21 (Bambadinca), 1 Pel ERec 8840/72 (Bafatá) e o GE Mil 323 (Dunane), na sequência de uma acção de patrulhamento e segurança de itinerários na área de Bentém - Cambajá, setor L4, foi emboscada, pelas 7h45, por um grupo IN, estimadado em 200 elementos, entricheirados e armados de LGFog. As NT sofreram 6 mortos e 16 feridos (dos quais 5 graves).Foram destruídas 3 viaturas (uma Chaimite, uam White e uma Berliet) e extraviadas 3 Esp Aut "G-3", 1 metralhadora ligeira "HK-21" e 1 Emissor / Recetor "Racal TR-28". Essa emboscada é referida nas memórias do Amadu Bailo Dajló, "Guineense, Comando, Portugês, Lisba: Associação de Comandos, 2010). 

Lembre-se aqui os nomes dos nossos camaradas que tombaram nesse troço da estrada alcatroada de Piche - Nova Lamego, a 10 km depois de Bentém, antes de Camabajá (vd. carta de Nova Laemgo):

 (i) do Esquadrão de Reconhecimento de Cavalaria, EREC 8840/72 (Bafatá, 1973/74): os fur mil cav José António da Costa Teixeira, natural de Lousada, e Manuel Joaquim Sá Soares, natural de Santo Tirso; os sold cav, João da Costa Araújo,  sold condutor da Chaimite, natural de Ponte Lima; e Victor Manuel de Jesus Paiva, também sol cond auto rodas, natural de Castelo Branco; 

(ii) e. ainda, do recrutamento local, o sold at inf Bailó Baldé, natural de Nova Lamego, pertencente à CCAÇ 21, e ao Gr Com comandando do alf graduado comando Amadu Bailo DjalóM e o sold at art Bambo Nanqui, do 12º Pel Art / GAC 7

Escreveu o Amadu: "A minha companhia saiu uma vez com a companhia de europeis para a  zona do Gabu. Saímos de Piche, em viatufras, e cerca de cinco minutos depois caímos numa emboscada (...). Tivemos seis mortos, entre os quais o Bailo, soldado do meu grupo. Nesta emboscada perdemos um carro blindado(...)"  (op cit, pp. 271/272).