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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15221: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVI Parte): Cabral no Oio; Uma carta e Galinha à cafriela

1. Parte XVI de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 7 de Outubro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XVI

Cabral no Oio 

Parece que o Amílcar Cabral está cá dentro. Há informações que referem a presença dele numa reunião de quadros na zona do Oio, dispara-lhe o capitão, no quarto em Brá, olhos na meia-noite do relógio de pulso.

Amílcar Cabral. Foto na net.

E que está a retirar, para o Senegal, pela zona de Bigene. Certezas não há, pode até já ter passado ou estar a caminho da fronteira por outro lado. De qualquer maneira vamos trabalhar com as informações que temos. Há apoio da Força Aérea, estão a ser movimentadas tropas da zona e o QG quer que um grupo vá para a fronteira.
Amanhã, às 5 em Bissalanca, nos helis. Vou estar em cima no PCA.
O Alegre já dormia, teve que se pôr a pé, meteu-se no jeep para Bissau à procura de um chefe de equipa.
Grupo acordado, material conferido, reunião, os procedimentos habituais. Pequeno-almoço na cantina às 4 e meia, grupo ao corrente dos pormenores.
Era apenas uma hipótese, não passava disso. Mas teriam que estar preparados para se encontrarem com uma larga coluna do IN a servir de escolta.

Levantaram à hora, com a Guiné a acordar, rumaram para norte. Cerca de quarenta minutos depois estavam na zona, T-6 a aparecerem, já a brilharem ao Sol, vai estar um dia quente.


Dos helis viram os trilhos, o Tenente Caldas, o piloto, a indicar-lhe com a cabeça para uma clareira, aí mesmo, ok, vamos baixar. Ouviu a comunicação com o resto da esquadrilha, preparar a formação, por cima das árvores, abrir portas, uma mão no cinto outra na arma, saltar.
Tiros dispersos e altos para os helis1, os T6, barulhentos e lentos, a picarem, fumos a sair das asas, rebentamentos, o costume, nada que não se tivesse visto antes. Reagrupados, correram a abrigar-se, vegetação rasteira, não havia muito onde.
Os T-6 referiam estar um grupo a entrar numa mata em frente, para aí a meio quilómetro, na direcção da fronteira, iam picar nessa direcção. Coluna por um trilho fora, o Sol em cima deles, rebentamentos de vários lados, todos a considerável distância.
Pouco tempo depois, um Dornier comunicava não ver sinais de movimento e que informações recentes confirmavam a presença de Amílcar Cabral no Oio, e que terá passado a fronteira durante a noite, por outro lado, para leste de Bigene. Sempre em frente, a caminho da fronteira, nem tempo tiveram para meter guias da zona, iam por ali em direcção à mata como se estivessem a descer a Avenida da Liberdade.
Boca seca, borbotos brancos de saliva nos cantos dos lábios colados, uma chuvada agora é que vinha a calhar, nem uma nuvem, o sol muito grande. Ao longe, no caminho para lá, a mata prometia-lhes sombra, pelo menos.
Valente, arranque com a sua equipa. Os cinco a andar, parecia um bailado, uma eternidade. Desapareceram na mata, uns minutos.
Um sinal deles, lá foi o resto do grupo abrigar-se do sol. Não há muito tempo tinha passado por ali gente, pelas cascas de abacaxi que viram espalhadas. Não os tinham comido todos. Cortaram o que lhes apeteceu, sentaram-se à sombra, limparam a saliva da boca com fatias cortadas com o punhal. O silêncio, um oásis!

À noite estava em Bissau. Tinha passado pelo Bento depois de jantar, as pernas doridas a pedirem descanso, mas a levarem-no para a Sé, rua acima, luzes das janelas a apagarem-se.
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Nota
1 - Esta manhã, enquanto bombardeavam Djagali, os Portugueses mandaram uns 50 homens de helicóptero até à zona da fronteira. Foram interceptados por combatentes do PAIGC; retrocederam, depois de algumas horas de combate, deixando vários mortos no terreno. Quando chegámos, a estrada estava livre”. “Com os rebeldes da Guiné”, por Gérard Chaliand, no “Le Nouvel Observateur”, 13/07/66. Gérard Chaliand, amigo do Cabral, a relatar o que não aconteceu.

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Uma carta2

Desenrasque-se.
Nas mãos tinha a carta que o capitão acabara de lhe entregar, uma carta dirigida ao Ministro do Exército.

Exmo. Senhor Ministro de Exército 

Excelência,

Venho respeitosamente dirigir-me a Vossa Excelência expondo-lhe o seguinte. 
Sou mãe do 2.º Sargento Mil. M. A., morto em Angola, no Quitexe, em 23 de Abril de 1963. Após 22 meses (?) ao serviço da Pátria, o meu filho, que era a luz dos meus olhos, lá se ficou. 
Hoje tive conhecimento que outro meu filho, o 1.º Cabo Mil C. A., acaba de ser mobilizado para a Guiné, para onde parte no dia 9 deste mês. 
Sou pobre, se não ia pessoalmente, de joelhos, pedir a Vossa Excelência que tenha pena de mim. Com a morte do meu filho nunca mais fui a mesma. Se há pessoas desamparadas da sorte, uma delas sou eu, perdi completamente o gosto por viver. 
Não choro os meus filhos à Pátria, choro sim a sua morte quando vejo companheiros deles, depois de apurados, descerem aos hospitais militares e ficarem livres. Não ensino procedimentos destes aos meus filhos, custar-me-ia muito vê-los tomar atitudes idênticas. 
Mas apelo ao coração, que presumo ser bom, de Vossa Excelência, que certamente também é Pai. A metrópole é também a nossa Pátria e o meu filho ficaria aqui a cumprir o tempo necessário e não mo mandaria para longe entrar em combates. Há seis anos, o meu marido teve uma trombose. Vive, mas é um doente, e com tudo isto vejo agravar o seu sofrimento. 
Não me convenço que meu filho vá para tão longe. E, pelos seus filhos, Senhor Ministro, peço-lhe que mo deixe ficar. Vossa Excelência terá a certeza que eu terei mais meia dúzia de anos de vida, nunca mais de alegria, mas para melhor poder amparar o meu marido e meus filhos, para os quais sempre tenho vivido. 
Julgo bater à porta de Deus e a Ele fico a pedir para que Vossa Excelência e Família tenham uma vida cheia de saúde e felicidade. 
Respeitosamente de Vossa Excelência 
4 de Fevereiro de 1965.

Nessa mesma manhã encontrou-se com o Furriel. Começaram por falar da equipa, do estado físico e anímico dos homens, das famílias e aí, perguntou-lhe como vivia a mulher as vésperas das saídas para o mato, uma vez que estava há algum tempo em Bissau com uma filha recém-nascida.
Fica muito ansiosa, fica triste, claro. Mói-me o juízo a toda a hora, já não posso ouvir mais, sempre com a mesma ladainha, que o Capitão Saint-Clair do QG, que ainda é nosso parente, também é de opinião que isto dos comandos não é vida para um tipo casado, ainda para mais com uma filha. E já lhe disse que me arranja lugar na repartição dele.
O que penso disto, meu alferes? É complicado. São capazes de ter alguma razão. E eu desde que ela chegou com a miúda, não sei, custa-me um bocado, às vezes. Não era surpresa, há algum tempo que se notava. Desde a vinda da mulher, o Furriel começou a esmorecer, mal se dera no princípio, agora o entusiasmo, via-se, não era o mesmo.
Faça o requerimento, não precisa de falar de razões, simplesmente pede para sair, por motivos pessoais, mais nada, pena também, que é que se pode fazer?

Com dois chefes de equipa, Sarg. Mário Valente e Furriel C. Azevedo, em Brá

Entraram os dois ao mesmo tempo para os comandos como instruendos, foram depois instrutores do grupo, participaram em todas as operações até àquela data e tinha grande respeito pela intrepidez e sentido de camaradagem daquele furriel.
Estava a perder um bom chefe de equipa, de muita confiança, como se provou naquele infeliz caso passado em Barro. Viera a saber mais tarde pelo Sargento Valente, que o Bacar Jassi, lá na língua dele, terá pedido ao Céu, que houvesse fogo naquela ida a Sano, que a primeira rajada iria para as costas do alferes, que o tinha mandado atar e prender junto com turras. Mamadú Jaló3 terá ouvido o desabafo, falou ao ouvido do furriel Azevedo, que por sua vez comunicou aos outros chefes de equipa, todos de olho no Bacar Jassi, da ida até ao regresso a Barro.

A morte do Silva, da equipa do furriel, em Jabadá, a única baixa definitiva até então, abalara-os, pela morte do camarada, claro, mas também pela forma como ocorrera, a equipa a andar para a frente e o Silva a ficar para trás. Compreendera as razões, o fogo cruzado, directo neles, a equipa com pressa de atingir a orla da mata pelo menos, mas deixar o Silva para trás, custava-lhe entender isso.
Se até no curso se tinham escolhido uns aos outros, por tantas afinidades, sempre juntos em parelhas, para o cinema, para o café, para o Cupilom, para todo o lado, logo ali que deveriam estar mais juntos que nunca, e quando era mesmo preciso, o Silva ficara para trás.

Um jantar de despedida com os chefes de equipa do grupo no Fonseca4 marcou o fim da comissão do furriel nos comandos depois da despedida oficial em Brá, aquela tarde. No meio do frango assado e Casal Garcia, desmancharam-se a rir, quando alguém contou uma história de há meses. E, sabe-se como é, contar uma história às vezes é como andar à procura de material dentro dos acampamentos inimigos. Quando menos se conta, em vez de uma granada à mostra sai uma ou duas dúzias atrás, presas numa corda.
A insensatez dos vinte e poucos anos que todos tinham, a lotaria que lhes tinha saído na roleta que era a guerra que estavam a viver e as armas que tinham nas mãos davam-lhes a sensação de impunidade que valia bem desafiar todos os regulamentos. Não eram todos os que assim pensavam, claro.
Acrescentava-se o desafio que o Saraiva lhes tinha incutido no curso. Que podiam fazer tudo, mesmo o que não fosse permitido. Desde que não se deixassem apanhar.
Então, um deles, provavelmente farto de dormir no Cupilom, terá tido a ideia de levar para o aquartelamento de Brá uma gentil morena. A porta de armas de Brá era guardada pelo Batalhão residente, logo não parecia ser uma tarefa muito fácil meter lá dentro a jovem. Por isso mesmo, deve ter pensado o aventureiro.
Convencida a jovem, enfiou-lhe um camuflado, meteu-a no jeep no banco ao lado do condutor e ele próprio carregou no botão, arrancou do Cupilom directo a Brá e à porta de armas. Só os dois, sem testemunhas. Nada difícil, afinal, deve ter pensado, quando viu a cancela a fechar-se atrás deles. Depois, seguiu-se a manobra de estacionar mesmo em frente à messe de oficiais, sacou a jovem do jeep, entrou no edifício dos quartos e meteu-se com ela no quarto. O que também não lhe pareceu ter sido complicado, depois de ter fechado à chave a porta do quarto que repartia com outro camarada, ausente naqueles dias.
Os dois na cama, a trocarem umas impressões, e ao imprevidente militar aconteceu o que não esperava. Batidas na porta acompanhadas da voz do capitão a chamar pelo seu nome. Seguiu-se o silêncio que seria de esperar, que sem dificuldade se imagina, ao mesmo tempo que não davam sinais de abrandamento os toques impertinentes na porta e o seu nome na boca do comandante. Este, minutos sem resposta, teve o bom senso que faltava a outros em situações bem menos graves. Foi-se embora.
No dia seguinte, na reunião que era costume começar as actividades do dia, os alferes da Companhia ouviram o capitão dizer, baixo mas em bom som, que se alguma vez encontrasse alguém, fosse quem fosse, com uma mulher no quarto, lhe aplicava o máximo da sua competência e o punha na rua. Isto tudo, de seguida, sem largar os olhos do presumível infractor. E, depois do silêncio de todos, perguntou a cada um se tinha entendido? Os não implicados olharam uns para os outros sem perceberem a que propósito o capitão abordara assunto que lhes pareceu tão despropositado.

Despediram-se na esplanada do Bento com um abraço, uma amizade como só aqui. O furriel para o ninho, ele não sabia para onde. Uma volta pelo Bissau velho como havia quem lhe chamasse, uma sensação de desencanto a desenhar-se, tão cedo ainda e sem sono.
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Notas
2 - Esta carta foi enviada para o Ministério do Exército em princípios de 1965 e reencaminhada pela 1.ª Rep/QG, em Abril ou Maio de 1966, para a Companhia de Comandos.
3 - Morto mais tarde no Morés
4 - Restaurante também conhecido por Solar dos 10, na altura um dos mais conhecidos restaurantes de Bissau

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Galinha à cafriela5

"Temos que ser nós a pô-los daqui para fora, esta terra é nossa, não nos faltam apoios, é todo o mundo a dar-nos razão! Desde meados deste século, os colonialistas têm sido corridos de todo o lado, ficaram os portugueses e por quê, camaradas? Porque de todos os impérios, o deles é o mais atrasado, não só economicamente como também em termos culturais. Uma taxa de alfabetização baixíssima, um país inculto, atrasado, governado por um grupo de lacaios em nome de um ditador e dos interesses de meia dúzia de famílias." 
"Por isso dizemos e insistimos, somos aliados do povo português na mesma luta contra o colonialismo e contra o fascismo. Mas esta situação, os camaradas não duvidem, está a mudar e ainda vai ser no nosso tempo e vamos ser nós que vamos acabar com o colonialismo na nossa terra. Temos amigos em todo o mundo, URSS, Suécia, China, Noruega, Cuba, toda a África, toda a Ásia, todo o mundo, amigos que nos ajudam com armas, comida, medicamentos, técnicos. 
Mas temos que ser nós, camaradas, nós é que temos que fazer o trabalho aqui na Guiné e em Cabo Verde, de os pôr daqui para fora!"6

Uma rua de Bissau. Foto do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Com a vénia que é devida.

Aqueles tempos calmos, com tempo para tudo, o sossego das tardes de Bissau estavam cada vez mais longe. Depois dos incidentes do Pijiguiti a vida nunca mais foi a mesma. Interrogatórios, Pide, tropa a chegar todos os dias, incidentes em todo o lado, prisões durante a noite, a vida cada vez mais difícil.
Benilde, a mãe de Teresa, pensava em como era tranquila a vida em S. Vicente, difícil a subsistência, mas o ambiente era outro, como era bom se o Vasco conseguisse ser colocado em Cabo Verde, na Praia ou no Mindelo.
Teresa estava com 19 anos, vivia com a ansiedade própria da idade o que ouvia contar em casa e entre os amigos, as gloriosas lutas que se travavam nas matas contra a tropa colonialista, as tentativas de alfabetização das populações, nas escolas dispersas pelo mato, os progressos pela emancipação, o caminho irreversível para a independência. O relacionamento dela com aquele militar era motivo de reprovação dos amigos e de desconfiança do próprio pai.
Coisas separadas, pai, não têm nada que ver, sei tomar conta de mim, já não sou menina.

A mamã contou ao papá do nosso encontro. A princípio ficou calado, continuou a comer, mas não ficou de muito boa cara, não. No fim de jantar, então falou, que ainda sou muito nova, que tenho muito tempo à frente. É mesmo a sério, virado para mim?
Quando queres vir jantar a casa? Quando pode ser? Não pode ser amanhã? Fica para sábado então, posso dizer à mamã?
Mas espera, Teresa, jantar?
Então, não ficou combinado, apresentar-te ao meu pai?
Apresentar-me ao teu pai? Combinado com quem?
Jantar só, que importância tem?

Teresa no varandim, com aqueles olhos. A mãe como se fosse para a festa, música de morna, a sala grande, sente-se, esteja à vontade, a Tesa faz-lhe companhia, vou ver as coisas, sumo de abacaxi com gelo, quer?
Sentia-se fraco, não lhe apetecia nada estar ali, bem melhor não ter vindo. Os dois sentados, ele a passar a vista pelo salão, uma mesa ao canto, fotos antigas de outras terras, rostos desconhecidos, gazelas de pau-preto, cadeiras de palhinha, a luz suave filtrada pelas cortinas, o que estou eu aqui a fazer e os pais a entrar.
Ora viva, então, como está, ah? Igualmente muito prazer, então?
Sorriso sem palavras, cumprimentos, quer beber alguma coisa fresca, ah já está servido, então?
Então nada, desta vez apeteceu-lhe mesmo responder.
Calor, hem, esta humidade não deixa a gente respirar, então? Vocês lá em Portugal tem um clima bem mais ameno, mais temperado, mas muito frio no Inverno, não? Acho que nunca prepararam as vossas casas para o frio, se calhar porque se habituaram a estarem lá só de passagem, não é, no regresso dos Brasis por onde andaram, só paravam em Lisboa para descarregarem o ouro, a prata, as especiarias, não é, gargalhada que lhe pareceu trocista.
Assim! O pai da Teresa além de trabalhar nos escritórios de uma grande empresa "colonialista" era também um humorista.
Nunca pensei nesse assunto.
Na sua idade também pensava noutras coisas, não é, a Mabilde e uma ajudante de travessas na mão, cadeiras a afastarem-se, é melhor sentarmo-nos, então. Galinha à cafriela, saladas, abacaxi, bananas, e para beber, cerveja, Casal Garcia, tinto do Dão, o que quer beber?
Então? De onde é o senhor, o que faz na vida civil, como vai a metrópole, o que dizem lá desta guerra, o Salazar está para durar? Não vai durar a vida toda não é, vem outro a seguir, já deve estar escolhido, claro, quem será, quem lhe parece que seja?
Que não estava a par, não fazia ideia.
Quando lá estive aqui há tempos, a estudantada, gente da sua idade, não é, andava alvoroçada, falava-se da guarda a cavalo em Lisboa, espancamentos em quem passava, lojas trancadas.
Sabe, isto está um problema, vai ser cada vez mais difícil continuar nesta situação, na vossa metrópole e aqui, a tendência é só para agravar… a URSS, a China, a América veja lá… a Suécia, a Noruega, o mundo todo, menos a Espanha do Franco, o governo português tem as portas fechadas em quase todos os países, agora até o Brasil! Mas, o povo português faz parte da grande família africana, dos guineenses e cabo-verdianos, disso nunca nos podemos esquecer. Partilhamos a história há mais de cinco séculos!
Agora, esta guerra está a ser suportada por vós, pela vossa juventude, quando regressam deixaram cá o melhor das vossas vidas, muitos até deixam bocados deles e outros nem regressam, não é?
A mãe Benilde não parava quieta, a galinha não passava, atravessada na garganta, não havia maneira de ir para baixo, sumo na mão, a da Teresa, a acalmá-lo, no joelho por baixo da mesa.
Que estava a par da agitação estudantil, que deveriam ter alguns motivos, mais outros da idade, adiante se veria.
E então, a Tesa o que é para si? A Tesa é muito boa menina, sabe? Um bocado senhora do seu nariz, às vezes teimosa demais, muito boa estudante, até agora.
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Notas
5 - Galinha do campo com um molho ácido e cebolada
6 - Amílcar Cabral, numa das emissões da Rádio do PAIGC, Conacri

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 1 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15186: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XV Parte): ME-14-04; Partir mantenhas; Buba, outra vez e Vamos ser independentes

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3564: História de Vida (19): Meninos Soldados (Juvenal Amado)


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (1), Ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 30 de Novembro de 2008, com um texto destinado à série História de Vida (2).

Mais um retrato dos tempos da guerra colonial, quando a ditadura mais se fazia sentir.

Assunto: Meninos Soldados

Caro Carlos

Depois da troca de correspondência havida entre nós dois e posteriormente com o Luis e conhecimento do Virgínio Briote sobre a anterior estória, cheguei à conclusão que relatar um pouco do que foram as lutas passadas dos senhores Loureiros, merecia uma segunda oportunidade.

Se entenderes que há interesse na estória, agradeço que me digas pois eu tenho alguma documentação eleitoral daquele tempo que poderá ser adicionada à estória.

O titulo é recuperado de um escrito do Torcato Mendonça, nome que é mencionado no decorrer da estória.

Um abraço
Juvenal Amado



Juvenal Afonso no dia de embarque para a Guiné, 18 de Dezembro de 1972

Juvenal com o amigo de Alcobaça, António, da Companhia de Transportes.

Aljustrel, Juvenal, Confraria e o periquito Lourenço, no Restaurante da Morte Lenta



2. MENINOS SOLDADOS
(Em memória dos senhores Loureiros, combatentes pela paz e liberdade)

O bairro Hipólito, em Alcobaça, serve de alojamento na sua grande maioria, a operários da Crisal e Raúl da Bernarda.

Tinha talvez uns 10 anos, morava mais os meus pais e irmãos provisoriamente na casa da minha tia, após termos ficado sem sitio para vivermos, por motivos que não interessam agora.

Filho de operário vidreiro, aí comecei a moldar o meu sentimento político.

Uma madrugada ouvi bater as portas de carro, mesmo debaixo da janela do quarto, onde dormia mais o meu irmão.

Em 1960 os carros eram raros e, que eu me lembre, no bairro não havia nenhum.
As visitas não eram para nós, mas sim para a casa ao lado.

Ouvi vozes graves, alguma turbulência, o choro de uma mulher, palavras nervosamente balbuciadas, várias pessoas entram no carro e este parte.

No dia a seguir apercebo-me, entre as meias palavras da minha tia e da minha mãe, que o senhor Loureiro tinha sido preso. Deixava a esposa e filhos num total desespero.

O senhor Loureiro era operário vidreiro na Crisal.

Era por demais reconhecido por toda a gente, que os vidreiros eram firmes opositores ao regime de Salazar. A Pide prendeu muitos militantes anti-salazaristas nessa altura e o senhor Loureiro foi um deles.

A partir daí passei a viver com o terror, de que viessem buscar o meu pai também, não que percebesse o porquê, mas na minha ingenuidade, pensei que prendessem todos os que fossem vidreiros.

Mais tarde também eu fui vidreiro e rapidamente fui apanhado pela contestação que grassava no nosso ambiente de trabalho.

Em 1969 fui aos primeiros comícios, onde os candidatos da oposição (*) discursavam, num ambiente carregado de ameaças por parte da polícia politica. Quando saíamos das sessões, trazíamos panfletos, que distribuíamos pelas povoações por onde passávamos.

Assim cheguei à idade do serviço militar e ai, sabendo o que devia fazer, faltou-me a coragem. Faltou-me a coragem para fugir, não ver mais os meus pais, irmãos, amigos e os locais nos quais eu tinha crescido. O medo do desconhecido e clandestino toldou-me os pensamentos.

Embora consciente da injustiça da guerra, fui mais um para engrossar a enorme legião de jovens, atirados para a mesma.

Fomos porventura os melhores soldados do Mundo, atendendo às condições em que éramos mal treinados, armados e enviados durante dois anos para combater soldados, que não cumpriam comissões de serviço, mas sim lutavam na sua terra e só acabavam o serviço militar quando morriam, ficavam feridos, ou no caso de vitória dos seus ideais.

Nós pelo o contrário sem razão e sem ideais, éramos carne para canhão. Na esmagadora maioria éramos milicianos.

Nós. os soldados, éramos em grande parte quase analfabetos, oriundos de zonas do nosso pais que competiam em atraso com as próprias colónias. Não tínhamos qualquer noção do nosso isolamento como País no crédito das Nações.

A Guiné foi em tempos apelidada pelos Ingleses, que estiveram na região de Bolama, (**) como cemitério de brancos. Devido ao seu clima foram-se embora. Só nós oriundos de um país atrasado aguentámos.


A chegada à Guiné

MENINOS SOLDADOS, retrato superiormente traçado pelo Torcato Mendonça, fomos recebidos ao largo de Bissau para nosso espanto e desconfiança pelos pilotos da barra porque eram negros.

Olhando para as águas barrentas pensava, que nada era como havía imaginado antes. O calor era insuportável às 11 horas da noite, quando amanhecesse não sei como seria.
Sufocava dentro do camuflado, novo em folha e por isso mesmo mais desconfortável. A sede que sentíamos, seria nossa companheira durante os 27 meses de comissão.

As horas foram passando até que amanhece, as Companhias desembarcam. Os pius pius e os periquito salta, salta, são as minhas memórias daqueles primeiros momentos. Os garotos faziam o gesto de quem nos degolava. Naquela atmosfera de festa para eles, era visível a nossa atrapalhação e receio, face ao nosso destino.

Eram camionetas civis, subimos para elas com as nossa malas e sacos. Chegamos ao Cumeré já noite, véspera de Natal.

As antiaéreas fizeram fogo de batimento de zona seriam talvez 22 horas pois o IN tinha atacado alguns destacamentos próximos.

Como não sabíamos para que lado estávamos virados, pensámos que estávamos a ser atacados. Foi o nosso primeiro cagaço se assim poderei chamar-lhe.

Conclusão

Também fizeram a guerra milhares de jovens que já naquele tempo estavam conscientemente contra o regime. Não deixaram de cumprir a sua obrigação de defender-se a si e aos seus camaradas. Nesses também houve coragem, abnegação, sofrimento suor e lágrimas. Choraram os nossos mortos e maldisseram o inimigo, mas não festejaram os seus mortos. Envelhecemos rapidamente.

Hoje estou divido entre a enorme honra de me encontrar no seio dos ex-combatentes, (consciente que não passei por metade do que muitos passaram), é muito o prazer que me trazem a maioria das recordações, mas também a certeza que combati numa guerra que nunca devia ter acontecido.

O senhor Loureiro passou pelas mais diversas torturas às mãos da Pide e esteve preso muito tempo. Quando foi solto vinha doente, desnutrido e pálido. Quando recuperou, retomou o seu lugar no seu local de trabalho. Reformou-se já depois do 25 de Abril de 1974, tinha começado a trabalhar com 5 anos no vidro, numa fábrica da Marinha Grande.

Vendia ainda há pouco tempo, junto ao Mosteiro de Alcobaça, miniaturas de vidro soprado para aumentar a pouca reforma. Não ganhou nada para ele e foi a pensar em nós todos que foi preso. Num combate desigual pela liberdade e igualdade, lutou com as únicas armas que tinha, a sua razão.

Não teve direito a medalhas, mas foi sempre com orgulho e humildade que ostentou a valentia dos que souberam dizer não.

Juvenal Amado

(*) Eram candidatos das forças Democráticas entre outros, os Drs. Vasco da Gama Fernandes e José Henriques Vareda. Também se candidatava pela primeira vez o jovem estudante Alberto Bernardes Costa, hoje Ministro da Justiça.
No comício o Dr. Vareda, a certa altura do seu discurso, apontou para as filas da frente e chamou assassinos aos esbirros que aí estavam. O Teatro José Lúcio da Silva, penso que já se chamava assim, quase vinha abaixo com a enorme ovação da sala, cheia até à porta.

(**) Bolama era o sítio para onde iam os nossos camaradas descansar nas férias. Eu nunca lá estive, mas diziam que era bom. Para os Ingleses não se lá aguentarem, como se aguentariam nas outras zonas?

Periquito vai no mato, olé lé lé lé
Que a velhice vai no Bissau, olari lo lé.


Juvenal Amado
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Notas de CV:

(1) Vd. último poste da série Estórias de Juvenal Amado de 2 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3162: Estórias do Juvenal Amado (15): Adeus, até ao meu regresso

(2) Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3444: (Ex)citações (6): A segunda morte do Soldado Milhões (João Tunes)

A partida para a guerra (excert0): uma das mais emblemáticas fotos do Joshua Benoliel (1873-1932), o maior fotojornalista português das duas primeiras décadas do Séc. XX. Vd. Arquivo fotográfico do Arquivo Municipal de Lisboa.


Do blogue do nosso camarada João Tunes, Água Lisa, com a devida vénia:

Terça-feira, 11 de Novembro de 2008 > ATÉ O SOLDADO MILHÕES FOI GASEADO PELO ESQUECIMENTO

Pelo irrelevo que é dado à efeméride até parece que Portugal não participou na 1ª Guerra Mundial de que hoje se comemoram os 90 anos do armistício que lhe deu termo. O que é sobretudo chocante se tivermos em conta que não só milhares de soldados portugueses ali combateram como foram muitas as nossas baixas e as sequelas, entre mortos, feridos e uma enorme quantidade de compatriotas que tiveram o destino de carpirem todas as suas vidas o martírio dos gaseados.

Mas julgo que, no caso, não é propriamente a desmemória a funcionar. O que, diga-se, é mal que, em Portugal, cresce nas nossas esquinas da lembrança histórica. E, no entanto, ao contrário de outras guerras a que metemos armas (como a colonial), saímos dela do lado dos vencedores. O que, tendo em conta o automatismo do celebracionismo do sucesso que é marca dos tempos, transforma esta omissão numa espécie de paradoxo.

(...) Depois, se a ideia da participação na Guerra foi mal parida, todo o salazarismo foi, numa espécie de vingança póstuma do Sidónio abatido, um reencontro ideológico e diplomático com a nova Alemanha construída a partir dos escombros da sua derrota, particularmente como revanche da humilhação do Tratado de Versailles, para mais uma Alemanha despossuída de colónias em África.

E, então, durante toda a ditadura (particularmente, desde que foi afastado o seu chefe militar primeiro, Gomes da Costa, o qual havia combatido na Guerra), a memória da participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial foi relegada ao título de fenómeno inconveniente de um passado, o republicano, que havia que esquecer ou menosprezar. Até hoje. Que atingiu inclusive a lembrança do lendário Soldado Milhões (*), essa espécie de Zé Povinho soldado e que foi alçado a figura mitificada que durante muito tempo simbolizou as virtudes da valentia militar dos nossos beligerantes nas trincheiras da Flandres, desfilando com bigode e medalhas nas cerimónias evocativas mas pouco assistidas, o qual não só já se finou como levou consigo as últimas lembranças tangíveis de que Portugal participou e venceu numa das Guerras Mundiais, nunca o tendo celebrado com palmas e louros (...).

Selecção e negritos: L.G. (**)

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Notas de L.G.:

(*) Excerto da
Wikipédia > Batalha de La Lys

(...) O Soldado Milhões

Nesta batalha [de La Lyz] a 2ª Divisão do CEP [Corpo Expedicionário Português]foi completamente desbaratada, sacrificando-se nela muitas vidas, entre os mortos, feridos, desaparecidos e capturados como prisioneiros de guerra. No meio do caos, distinguiram-se vários homens, anónimos na sua maior parte. Porém, um nome ficou para a História, deturpado, mas sempiterno: o Soldado Milhões.

De seu verdadeiro nome Aníbal Milhais, natural de Valongo, em Murça, viu-se sozinho na sua trincheira, apenas munido da sua menina, uma metralhadora Lewis, conhecida entre os lusos como a Luísa. Munido da coragem que só no campo de batalha é possível, enfrentou sozinho as colunas alemãs que se atravessaram no seu caminho, o que em último caso permitiu a retirada de vários soldados portugueses e ingleses para as posições defensivas da rectaguarda.

Vagueando pelas trincheiras e campos, ora de ninguém ora ocupados pelos alemães, o Soldado Milhões continuou ainda a fazer fogo esporádico, para o qual se valeu de cunhetes de balas que foi encontrando pelo caminho. Quatro dias depois do início da batalha, foi encontrado por um médico escocês, que o salvou de morrer afogado num pântano.

Regressado a um acampamento português, um comandante saudou-o, dizendo o que ficaria para a História de Portugal, "Tu és Milhais, mas vales Milhões!". Foi o único soldado português da Primeira Guerra a ser condecorado com o Colar da Ordem da Torre e Espada, a mais alta condecoração existente no país.(...).


(**) Vd. postes anteriores desta série:

28 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3375: (Ex)citações (5): Os nossos soldados eram miúdos, de 19, 20, 21 anos. Admiráveis. Iam matar e morrer (A. Lobo Antunes)

10 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: Não há solução militar

16 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2951: (Ex)citações (3): A guerra de África acrescentou 15 anos ao regime de Salazar (André Gonçalves Pereira)

1 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2908: (Ex)citações (2): Conto histórias da vida, o que foi, o que será, sou 'kora djalô', tocador de kora (José Galissa)

2 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2324: (Ex)citações (1): Um pouco de humor de vez em quando também nos faz bem (Henrique Matos)

sábado, 27 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2222: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (4): Aspectos positivos e negativos (Pedro Lauret)

As nossas desculpas ao Comandante Pedro Lauret pelo atraso na publicação do comentário sobre a série A Guerra (1).

O Capitão de Mar e Guerra na Reforma Pedro Lauret.

Nos anos decisivos da Guerra (1971/73), o então Tenente serviu no NRP Orion. Percorreu os rios da Guiné em missões de patrulhamento e apoio a tropas em operações, desempenhando um papel marcante em Gadamael.


Co-editor: vb
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Caros Camaradas e Companheiros de Tertúlia,

Quero deixar um pequeno comentário ao documentário de Joaquim Furtado, A Guerra.

Em minha opinião entendo haver aspectos muito positivos e negativos neste documentário.

Em primeiro lugar não se pode esconder que é um trabalho que se encontra em preparação há mais de dez anos com um orçamento invejável, aguardado com enorme expectativa.

Os aspectos positivos prendem-se com enorme qualidade de realização, recuperação de imagens e ritmo. São de salientar as entrevistas aos guerrilheiros da UPA, documentos de enorme violência, porventura mais cruéis que as próprias imagens dos massacres.

Devo criticar apenas na realização o facto de não terem sido utilizados mais grafismos, nomeadamente no que se refere a números. Por exemplo, entendo que era interessante sublinhar, graficamente, que em 1961 havia um dispositivo militar de pouco mais de seis mil homens, cerca de cinco mil de incorporação local, e mostrar a sua distribuição pelo território.

O aspecto negativo prende-se, não com este episódio, que tem para mim nota muito elevada (perdoe-me a citação de MRS) mas por este conteúdo ter constituído o primeiro documentário. Exibir, como primeiro episódio da série, os massacres de Março de 1961, vem justificar que o segundo episódio, que ainda não vi (estou a escrever este comentário às 15:00 de 23 de Outubro), possa mostrar Salazar a dizer “Para Angola rapidamente e em força”, e justificadamente mostrar toda a acção militar decorrente dos acontecimentos de Março de 1961.

Penso que o processo da Guerra Colonial e da descolonização não se inicia em 1961, mas tem na sua génese todo a nova realidade saída da II Guerra Mundial – ONU, carta das ONU, movimento de descolonização das potências europeias, Bandung, crise do Suez … Esta nova realidade internacional é bem compreendida pelo Estado Novo´que depressa elimina o Acto Colonial e o integra na constituição - revisão constitucional de 1951 - e por um passo de magia transforma as antigas colónias em província ultramarinas.

Os contactos havidos pela União Indiana relativamente ao estado Português da Índia a partir de 1947, contactos havidos pelo MPLA e PAIGC, no sentido de se obterem soluções pacíficas para territórios sob administração portuguesa, são também elementos essenciais para entender o que foi a Guerra Colonial.

Em minha opinião, a série de documentários de Joaquim Furtado, deveriam iniciar-se com a contextualização histórica e politica que envolve a Guerra. Iniciar a série com actos de enorme violência, descontextualizados, faz-me lembrar os Telejornais que, em dia de notícias de importância a nível nacional ou internacional, abrem com a agressão a um idoso no interior do país, ou com um qualquer acto de violência isolado, técnica comprovadamente eficaz para fixar audiências.

Pedro Lauret

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Nota de vb:

Pedro Lauret vai estar amanhã, Domingo, no programa do Pedro Rolo Duarte, Antena1, entre as 11 e as 12, para falar do blog da Associação 25 de Abril.

Em mensagem que nos enviou hoje, acrescenta:

"Quando gravei o programa tive oportunidade de falar também no nosso blog. Espero ter acertado com as palavras e que de alguma forma possam contribuir para a divulgação da nossa caserna.
Em off, fiz-lhe ver que há blogs que sem preocupação de comentar a actualidade têm uma enorme importância, como é o nosso caso. Tomei a liberdade de dar o contacto do Luís."


(1) Vd.post anterior desta série RTP: A Guerra, série documental (...) > 25 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2212: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (3): Portugueses da diáspora também querem ver (João G. Bonifácio)

(2)Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

terça-feira, 3 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1916: Álbum das Glórias (16): O Doutor Leopoldo Amado... ou a segunda derrota de Spínola (João Tunes)

Universidade de Lisboa Faculdade de Letras > Reitoria > 28 de Maio de 2007 > Provas Púlicamento em História Contemporânea > O Leopoldo Amado defendendo a sua tese Guerra colonial 'versus' guerra de libertação (1963-1974): o caso da Guiné-Bissau (1).

O Leopoldo no meio do júri das suas provas de doutoramento. O principal arguente, o coronel na reforma, Afonso Aniceto, é o terceiro a contar da esquerda.

Dados biográficos sobre Aniceto Afonso: (i) Tenente-Coronel do Exército, na reserva desde 1985; (ii) Curso da Academia Militar em 1963; (iii) Comissões em Angola (1969-1971) e Moçambique (1973-1975); (iv) Licenciatura em História pela Faculdade de Letras de Lisboa em 1980; (v) Mestrado em História Contemporânea de Portugal pela mesma Faculdade em 1990; (vi) Professor de História Militar na Academia Militar de 1982 a 1985; (vii) Director do Arquivo Histórico Militar (Lisboa) desde 1993 (até 2007); (viii) Membro da Comissão Portuguesa de História Militar desde 1998.

O Lepoldo entre os seus dois orientadores, a Prof Doutora Isabel Henriques, e o Prof. Doutor João Medina, do Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

O João Tunes e o Leopoldo, ou melhor, o João Tunes (2) "transmitindo a Leopoldo Amado aquilo que, nestas situações, pode fazer de melhor um amigo e admirador: absoluta confiança no reconhecimento dos seus esforçados méritos"... Acho que não há melhor legenda (LG).

Luís Graça e o Leopoldo, ou melhor, o Luís Graça, em nome da Tabanca Grande, manifestando a sua solidariedade, apreço e regojizo a um grande lusoguineense, no culminar de um processo que o levou, brilhantemente, a obter mais um grau académico, motivo de orgulho para os seus amigos e familiares, mas também para os seus irmãos guineenses...

1. Mensagem do Leopoldo Amado, membro da nossa tertúlia, nosso amigo, agora Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Lisboa:

Em jeito de eterna gratidão, envio-te algumas fotos como testemunho da tua solidariedade nos dias das minhas provas públicas de Doutoramento.

Um abraço

Leopoldo Amado

2. Tomo a liberdade de reproduzir aqui, para conhecimento dos demais tertulianos, o texto que o João Tunes publicou no seu blogue, de homenagem ao novo Doutor em História Contemporânea, o seu (e nosso) amigo Leopoldo Amado. É uma maneira única e muito original de fazer um elogio a um amigo e a um povo (que vale pelos filhos que tem, mesmo aqueles que são obrigados a viver na diáspora):

Água Lisa (6) > 29 de Maio de 2007 > O Leopoldo saldou-me as contas (O destaque a bold e a cores é da responsabilidade do editor do blogue, L.G.)


Desses dois anos (1969-1971) enfiado dentro de um fato camuflado a olhar gentes e bolanhas num país ocupado e metralhado, gastando - num equivocado paradoxo - tempos que seriam bem melhor aproveitados a podar a árvore da vida quando esta me oferecia seiva para dar e vender, a apanhar porrada de criar bicho, mandado por um general educado pelos nazis em Estalinegrado e que nunca perdeu o ademane de actor em artes de militarismo prussiano que sinalizava com um vidrinho pendurado num olho, auto-reduzindo-me à expressão mínima de jovem mal fardado feito parvo e perdido a mando colonial de um país a mudar de ditador sem que a lucidez acordasse e varresse os podres do fascismo tuga de raiz católico-clerical, estou finalmente vingado. Porque o Leopoldo pagou-me as contas e deixou-me em dia ao tirar-me da garganta a espinha atravessada da guerra colonial.

Ao olhar e ouvir o presidente de um júri de doutoramentos da Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa comunicar que o Leopoldo - que antes ali tinha depositado e brilhantemente defendido o seu labor de tese sobre a guerra na Guiné, acrescentando história à memória, permitindo que a ignomínia daquela guerra seja vista pelos dois lados e outros que se queiram acrescentar -, era um novo Doutor em História Contemporânea aprovado com distinção, senti-me com as contas feitas.

E logo ali, naquela solenidade académica herdada do velho regime, feita para lustre dos bonzos académicos que engraxavam as botas do salazarismo tardio e onde formatavam novas fornadas de elites para as orgias de domínio nos banquetes da opressão fascista-colonial, mas cuja arquitectura (o que aquela Cidade Universitária tem para contar…) muitas vezes escutou os gritos de revolta estudantil a preferir a aventura da liberdade ao bolor da reprodução de castas e os seus muitos passos ligeiros e acelerados da fuga ao trote das botas cardadas da polícia de choque que guardava o regime da iniquidade, um historiador, um guineense, um preto bem preto, um humilde e sábio africano enobrecido com a grandeza da dignidade africana que desafia, pelo saber, a arrogância do academismo eurocêntrico, trazendo consigo a herança da sabedoria longa feita praxis do génio de Amílcar Cabral, desdobrando em tese demonstrada como é que um grupo de nacionalistas africanos derrotou a poderosa máquina do exército colonial português, sem esperar pelo 25 de Abril, pois quando ele se deu já a Guiné-Bissau era um país independente reconhecido por mais Estados que os que tinham relações diplomáticas com o decrépito Estado de Portugal.

E quando aquela tão clássica Universidade doutorou o Leopoldo, foi como se Spínola, o grandioso General Spínola, lá no sossego do seu túmulo, levasse com a sacudidela da segunda derrota na Guiné. A definitiva, a que lhe pode dar, se ele a aceitar, o descanso eterno.

Caro Doutor Leopoldo Amado, guineense de cepa e meu caro amigo, obrigado, muito obrigado. Pagaste a minha conta, ela está paga. Falta o livro, venha o livro.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1794: Blogoterapia (21): Falar da guerra, com pudor... e com alegria do novo Doutor, Leopoldo Amado (Luís Graça)

(2) Vd. post de 15 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CXC: João Tunes, o novo tertuliano