sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: "Não há solução militar"

“A Guiné actual já não tem solução militar. Por favor guarde para si, o próprio governador gostaria de chegar a um acordo com Amílcar Cabral. Em Lisboa, espero poder dizer frontalmente tudo ao Presidente do Conselho [, Marcelo Caetano]. Tem que se chegar à paz”...



1. São palavras atribuídas ao deputado José Pedro Pinto Leite (*), líder da Ala Liberal, na Assembleia Nacional, eleito, como deputado independente da União Nacional (mais tarde, rebatizada como ANP - Acção Nacional Popular, o partido único do regime político de então), em 26 de Outubro de 1969, ao lado de Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mota e Miller Guerra.

Estas palavras terão sido ditas pelo corajoso e malogrado deputado, em Bambadinca, ao Alf Mil Mário Beja Santos, a título de confidência, "dois dias antes" de morrer no acidente de helicóptero, que caíu no Rio Mansoa, alegadamente em consequência de um tornado. E foram reproduzidas numa carta que o nosso camarada escreveu em Julho de 1970, já no final da sua comissão, ao poeta Ruy Cinatti.

2. Tenho dúvidas sobre a data em que ocorreu o acidente, o qual terá provocado no total seis mortos (incluindo a tripulação do helicóptero). Segundo o Beja Santos teria sido em 27 de Julho... Ora a data que é referida sistematicamente nas escassas fontes que tenho encontrado e consultado na Internet é 25 de Julho de 1970...

Pode ser lapso de memória do Beja Santos, ou erro sistemático reproduzido na Internet... De qualquer modo, nada como confirmar a data no livro escrito pelo irmão, Vasco Pinto Leite, em 2003, e em que se pretende reabilitar a memória de um grande português do nosso tempo, ignorado e esquecido depois da sua morte... Infelizmente não tenho o livro nem o li.

Recorde-se que J. P. Pinto Leite viajava com mais outros três deputados da Assembleia Nacional, Leonardo Coimbra (filho do filósofo Leonardo Coimbra), José Vicente de Abreu e James Pinto Bull (este, guineense, irmão do Benjamin Pinto Bull). Os restantes mortos, no acidente de helicóptero, deverão ter sido o piloto e o outro tripulante habitual do heli, um Melech (No entanto, na lista dos Mortos do Ultramar, não encontro referências a baixas mortais da FAP nessa data, por acidente ou em combate; é possível que tenham sido dados como desaparecidos).


3. Volta-se a reproduzir aqui o excerto da carta que o Beja Santos escrever ao seu amigo , o poeta Ruy Cinatti, a quem tratava por Dear Father [Querido Pai]:

"No passado dia 24 [de Julho de 1970], fomos avisados que iríamos montar segurança a um grupo de deputados que vinham visitar os reordenamentos dos Nhabijões e do Bambadincazinho, na manhã seguinte [25]. Antes deles chegarem parti para os Nhabijões onde os recebi.

"Foi uma boa surpresa reencontrar o Dr. José Pedro Pinto Leite que conhecera num lançamento na Moraes, salvo erro em companhia do Prof. Miller Guerra, bem como numa conferência promovida pela JUC [Juventude Universitária Católica].

"Após a visita, ele e os outros deputados vieram até à messe de Bambadinca, estávamos a meio da tarde, formaram-se grupos, o Pinto Leite pediu-me discretamente para conversarmos em particular, cá fora. Saímos para junto de uma das portas de armas, com um copo na mão, ele queria saber o tipo de guerra em que estávamos envolvidos, a natureza das dificuldades que vivíamos, os apoios da guerrilha, etc.

"Inicialmente eu estava muito constrangido, são assuntos com que nunca falamos com os civis e muito menos com deputados. Ele pôs-me à vontade, queria só que eu fosse sincero. Com toda a naturalidade, então, falei-lhe como vivera no Cuor, o tipo de guerra que ali fazíamos e agora em Bambadinca. Escolhi o exemplo do Xime, uma povoação e um porto doravante fundamental para o abastecimento do Leste, que vai ter uma estrada alcatroada até Bambadinca, mas onde os guerrilheiros se movem sem grande embaraço a cerca de 4 km de distância. Ele perguntou-me como é que os guerrilheiros aguentavam tantas dificuldades. Creio que lhe terei dito que sempre viveram nas maiores dificuldades e se não se entregam é porque acreditam no que fazem. Disse-lhe igualmente que sentia cada vez mais dificuldades no campo militar e que as populações estavam forçadas ao jogo duplo.

"Ele tudo ouviu, de vez em quando pedia esclarecimentos, e regressámos à messe. Antes de entrar, ele observou: 'A Guiné actual já não tem solução militar. Por favor guarde para si, o próprio governador gostaria de chegar a um acordo com Amílcar Cabral. Em Lisboa, espero poder dizer frontalmente tudo ao Presidente do Conselho. Tem que se chegar à paz'.

"Despedimo-nos pouco depois no aeródromo, prometi-lhe visitá-lo logo que chegasse a Lisboa.

"A 28 [de Julho de 1970], soubemos que na véspera [27] um tornado precipitara o helicóptero em que ele ia com outros dois [sic] deputados, no rio Mansoa. Pode imaginar a minha mágoa, o mais grave é a perda para o país com o desaparecimento deste político tão promissor, gostei sempre muito da acutilância e a oportunidade das suas propostas. Imagino a consternação que V. sente, sei que também o apreciava muito". (...)




4. Talvez os camaradas da FAP - o Jorge Félix ou o Victor Barata, por exemplo - possam esclarecer em que data precisamente e em que circunstâncias se deu este acidente. E quem foram, para além dos 4 deputados portugueses (e não três, como diz o Beja Santos), os camaradas da FAP que morreram (em princípio, dois, o piloto e um Melec, presumo). 

Não encontrei qualquer referência a este acidente (se é que se tratou de acidente...) no blogue do nosso camarada Victor Barata (Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74).

O editor, L.G.

_________

Nota de L.G.:

(*) De seu nome completo, José Pedro Maria dos Anjos Pinto Leite (1932-1970), eleito pelo Círculo de Lisboa, nas listas da ANP - Acção Nacional Popular, tinha partido para a Guiné, com outros três deputados, no dia 20 de Julho de 1970, para uma «viagem de estudo e de informação».

Na Assembleia Nacional, para onde foram eleito, a convite de Marcelo Cateno, seu professor de direito, tinha-se destacado nos últimos meses pelas suas qualidades de brilhante jurista, grande tribuno e incontestado e corajoso líder da ala liberal. Juntam-se duas referências bibliográficas.



Título: A Ala Liberal de Marcelo Caetano
ou o Sonho Desfeito de José Pedro Pinto Leite

Autor: Vasco Pinto Leite

Editora: Tribuna da História

Local: Lisboa

Ano: 2003

Preço: 15,00 €

ISBN: 978-972-8799-09-0

Formato: 15 x 23,5

Nº de Páginas: 384

Sinopse (com a devida vénia...):

"Quanto vale a vida de um homem? É a pergunta que ficou célebre no primeiro discurso em que o deputado José Pedro Pinto Leite contestou a defesa económica que o anterior regime fazia da Guerra Colonial.

"Católico progressista, instado por Marcelo Caetano, de quem foi aluno em Direito, a participar nas eleições legislativas de 1969 e na formação de um grupo liberal, que liderou, José Pedro Pinto Leite viria a morrer logo em Julho de 1970, no termo da primeira sessão legislativa, num acidente mal esclarecido, com um helicóptero da Força Aérea, durante uma visita à Guiné.

"Esta obra debruça-se sobre o projecto político da chamada 'Ala Liberal' e sobre a perspectiva histórica que potenciou. Propunha-se uma transformação profunda e imediata da comunidade portuguesa, reconciliada com os seus irmãos africanos. De São Bento a Bissau José Pedro Pinto Leite descreveu, num ápice um trajecto simbólico. O Sonho de uma ala parlamentar rebelde, que tentou aglutinar e que se desintegrou com a sua morte. O posterior 25 de Abril não pode ser estranho a este desfazer 'do sonho de José Pedro Pinto Leite.

"Setenta e três depoimentos de amigos próximos ou figuras proeminentes da sociedade portuguesa, actores ou testemunhas directas daquele período crucial de fim de regime, ajudam-nos a avaliar a importância do percurso de António Pedro Pinto Leite e da sua proposta. O livro contém prefácios do Dr. Mário Soares, do Dr. Francisco Pinto Balsemão, do Professor Adriano Moreira e do Dr. Sérgio Ribeiro".


Vd. ainda sobre a 'ala liberal' o artigo:

Araújo, António de - Ala liberal, o desencanto do reformismo. [Em linha]. Análise Social, vol. XLII (182) , 2007, 349-354. [Consult 10 de Outubro de 2008]. Disponível em http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n182/n182a20.pdf


Sem comentários: