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terça-feira, 25 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27462: Manuscrito(s) (Luís Graça) (280): Não sei se as aves-do-paraíso são felizes


Fonte: Google Gemini. (2025). Ilustração de uma ave-do-paraíso e uma andorinha de Candoz. Imagem gerada usando o modelo de IA Google Gemini  [acedido em 25 de novembro de 2025].



Não sei se as aves-do-paraíso são felizes

por Luís Graça


Não sei se as aves-do-paraíso são felizes.
Mas em Candoz poderiam sê-lo.

Não há aves-do-paraíso em Candoz
porque Candoz fica no hemisfério norte,
longe dos trópicos 
e longe do paraíso
(se é que ele existe).

Dizem que as aves-do-paraíso são as criaturas mais lindas do mundo.
Os machos.
Mas não basta ser lindo nem macho
para se ser feliz.

Em Candoz, há outras aves, outros pássaros,
daqueles que rasgam os céus e nidificam na terra:
não há perdizes,
ou, se existem, são poucas e loucas;
mas há verdes pombos bravos dos pinhais
(aqui diz-se "montes", que ardem todos,  de 10 em 10 anos);
e rolas, de outras paragens,
alegres pintassilgos,
ruidosos pardais do telhado,
andorinhas, pretas, no vaivém das suas viagens,
mas também toutinegras, popas, verdilhões.

Já não há cucos. 
Ou não me lembro de os ouvir.
Há coros de rouxinóis,
outras aves canoras e canastrões,
e passarões 
(sempre os houve, os canastrões e os passarões),
melros de bico dourado
que fazem os seus ninhos nas ramagens
das videiras do vinho verde.
E boeiras, que andam tristes, atrás do trator,
porque já não têm as juntas de bois 
a lavrar a terra com o arado de ferro.
Lavandiscas, dizem no Porto, que fica aqui perto,
em linha reta.

Não há guarda-rios, de azuis e rubras plumagens,
à cota trezentos, com o rio Douro ao fundo do vale,
a serra de Montemuro em frente,
e mais a nordeste o Marão,
onde já não mandam os que lá estão.

Eça de Queiroz, e o seu príncipe Jacinto, 
teus vizinhos, da Quinta de Tormes,
deveriam ter gostado de conhecer a Quinta de Candoz
onde os pássaros são mais livres do que nos "boulevards"  de 
Paris,
e, se são mais livres, logo serão mais felizes.

Pelo menos têm grandes espaços para voar,
os pássaros de Candoz.
E insetos, para caçar.
E pequenos bosques,  à volta. 
E água e barro e erva seca,  para fazer o ninho.

Claro que há os predadores,
o verde gaio, o negro corvo, o sinistro búteo,
o triste mocho, o agourento milhafre…
Onde há presas, há predadores.
Em toda a parte,
menos no paraíso 
(se é que ele existe).

Deus criou o mundo e era perfeito, 
mesmo que cruel,
dizia o padre António Vieira
nos seus sermões ao rei e à corte esclavagista.

A liberdade é a primeira condição da felicidade.
Triste é o melro na gaiola,
mesmo que esta seja forrada a ouro
ou ele tenha o bico dourado.

A outra condição é a equidade
(ou era, que o conceito foi agora metido na gaveta).
E tu aqui, leitor, interlocutor, calado, mal informado,
presumias que houvesse igualdade de oportunidades,
na busca de alimentos,
de sítios para nidificar
e de parceiros para acasalar.
Uma treta, até a natureza agora é madrasta.

As andorinhas, pensavas tu, há uns largos anos atrás,
por cá ficavam cada vez mais tempo,
parecendo até ser livres e felizes.
Ou felizes e livres,
que a ordem dos fatores era arbitrária, nesse tempo.

Agora todo o mundo põe
a ilusória segurança e a patética felicidade
à frente do cavalo alado da liberdade.

Dizias que elas eram inteligentes, as andorinhas,
e faziam análises de custo-benefício,
como qualquer economista
que acredita no mercado livre,
sem peias nem barreiras,
com presas e predadores.

Passavam todo o santo dia a caçar insetos
num raio de 500 metros à volta do ninho
que fizeram no alpendre de uma das casas abandonadas da quinta,
em redor do fio da lâmpada exterior.

Era insólita a construção, o ninho,
herdado de geração em geração
e todos os anos retocado ou reconstruído.

Tu até achavas que elas já não voltavam para a África subsariana,
que ficavam por cá,
as andorinhas de Candoz.
Para defender o ninho  dos "ocupas".
E por causa das alterações climáticas.
E, se calhar, também para fugir de Alá,
da guerra santa,
do alvoroço do povo
e dos tiros das Kalash.

Mas, não, este país qualquer dia já não é para as andorinhas,
que são migrantes.
Há passarões com voz grossa
que as mandam para a sua terra.
E elas ficam mudas e confusas,
com o GPS avariado,
já não sabem de que terra são.

Afinal, a felicidade já não está onde a gente a punha,
deixámos de a poder pôr onde nós estávamos.

Lourinhã, 7/8/2014. Revisto, 25/11/2025.

__________________


2. Análise literária sucinta do poema, gerada pela IA - Inteligência Artificial, 25 nov 2025. GEMINI (Modelo Flash 2.5). 

Fantástico poema! É uma análise profunda e melancólica sobre a Liberdade, a Felicidade e a Natureza, utilizando a "ave-do-paraíso" como um contraponto poético e simbólico à realidade telúrica da Quinta de Candoz (Marco de Canaveses, região de Entre  Douro e Minho, Portugal) e às suas "andorinhas" de  torna-viagem.

Aqui está uma análise literária sucinta, que me pediste, adaptada ao contexto do teu blogue, focada nos temas principais e na simbologia das aves:


 Análise literária sucinta: "Não sei se as aves-do-paraíso são felizes…"


O poema é uma meditação filosófica, escrita num tom conversacional e intimista ("tu aqui, leitor, interlocutor"), que desdobra o conceito de felicidade através da comparação entre o ideal (o "Paraíso") e o real (a "Quinta de Candoz").

(i) O Contraste entre o Paraíso e Candoz

O poema inicia-se com a figura mítica das aves-do-paraíso, que, no nosso imaginário, simbolizam a beleza incomparável e a liberdade extrema (o Paraíso, a utopia):

  • tese inicial: "Não sei se as aves do paraíso são felizes";

  • antítese geográfica: Candoz, no Hemisfério Norte,  "longe dos trópicos" e, por extensão, "longe do paraíso"; a beleza ("ser macho e lindo") não é garantia de felicidade.

Este contraste cria a moldura para a tese central: a verdadeira felicidade não reside na beleza exótica ou na perfeição mítica, mas sim na liberdade conquistada e exercida num ambiente real e imperfeito mas sustentável.

(ii) Aves de Candoz: a natureza real e imperfeita

O poeta lista, em detalhe, as aves autóctones de Candoz: pombos bravos, rolas, pintassilgos, pardais, melros, andorinhas (além das boeiras / lavandiscas). 

Esta enumeração minuciosa enaltece a realidade concreta do sítio;

  • liberdade é condição: a liberdade é apresentada como a "primeira condição da felicidade", e os pássaros de Candoz, ao terem "grandes espaços para voar" e autonomia para construir o ninho, são mais livres do que os pássaros de gaiola ou do ideal abstrato.

  • tristeza da perfeição: o poema contrapõe o "triste melro na gaiola" (a prisão dourada/segurança ilusória) à liberdade, mesmo que esta seja pura e dura;

  • o cruel equilíbrio: a liberdade em Candoz é regida pela lei da natureza: "onde há presas há predadores";  o poema evoca aqui uma reflexão ética e teológica, citando o Padre António Vieira ("Mundo perfeito /Mesmo que cruel"), para aceitar que o mundo criado é um sistema de equilíbrio, onde a luta entre predador (búteo, corvo,  milhafre...) e a presa é parte integrante da vida e da liberdade: esta é uma imagem poderosa para quem viveu o teatro de operações na Guiné.

(iii)  Andorinha: o ex-combatente migrante

O foco nas andorinhas (aves migrantes, inteligentes, que fazem "análises de custo-benefício")  é o ponto nevrálgico do poema e o que o liga mais diretamente ao universo do blogue:

  • a ilusão da permanência: o poeta e o leitor imaginavam que as andorinhas ficariam em Candoz, algures no Norte de  Portugal, não voltariam para a África subsariana, "para defender o ninho dos 'ocupas' " (aqui ecoa a linguagem da guerra, da defesa do território, da soberania, mas também do lar);

  • a crítica social: o regresso forçado e confuso das andorinhas ("elas ficam mudas e confusas, com o GPS avariado, já não sabem de que terra são") é uma crítica mordaz e atual sobre a migração, a xenofobia, o racismo e a desorientação identitária; ("este país qualquer dia já não é para as andorinhas, que são migrantes");

  • o antigo combatente:  a andorinha representa metaforicamente o antigo combatente ou o indivíduo que, após uma longa jornada (a "guerra"), regressa ao seu país (uma mítica "Candoz"), mas se sente deslocado e desorientado ("já não sabem de que terra são"), num mundo onde a liberdade e a felicidade foram substituídas pela "ilusória segurança" e pela falta de "equidade" (ou "igualdade de oportunidades", que não deve ser confundida com "justiça por decreto").

Conclusão

O poema é uma profunda reflexão sobre a procura da felicidade que tem de rimar com liberdade, e onde  se conclui amargamente: "afinal, a felicidade já não está onde a gente a punha, deixámos de a poder pôr onde nós estávamos."

É uma peça que, sob a leveza do tema das aves ( a ornitologia) toca em questões universais de liberdade, equidade, esperança, desilusão e crise de identidade, temas muito ressonantes para a comunidade de ex-combatentes.

(Pesquisa, condensação, revisão / fixação de texto, negritos: LG + IA Gemini / Google)

___________________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 12 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27414: Manuscrito(s) (Luís Graça) (279): Viva a Clarinha que hoje faz 6 anos!... Vivam os nossos netos!...

sábado, 1 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27372: Manuscrito(s) (Luís Graça) (277): As andorinhas de Candoz na véspera da "grande viagem" para a África (subsariana, equatorial e até austral)


Vídeo. 0' 45''. Alojado em Luís Graça > You Tube



Vídeo: 2' 00'' . Alojado em Luís Graça > You Tube

Quinta de Candoz > Paredes de Viadores > Marco de Canveses > 11 de setembro de 2025. 15h40. Dia de vindimas. Tempo de trovoada. Calor e humidade. Milhões de insectos, centenas de andorinhas. Ambos, os insetos e as andorinhas, parece,  surgir do nada. Como na Guiné, no incío da época das chuvas. 

Antes de partirem para África, as andorinhas, com este festim, reforçam as suas reservas de proteína. Nunca nos tinhamos apercebido deste fenómeno.  

Vídeo: Luís Graça (2025)



Quinta de Candoz > 8 de abril de 2023



Quinta de Candoz > 6 de julho de 2023



Quinta de Candoz > 11 de setembro de 2024



Quinta de Candoz > 11 de abrul de 2025



Quinta de Candoz > 11 de setembro de 2025


 

Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, Candoz, Quinta de Candoz > 23 de Agosto de 2012 > Fotograma de vídeo > Ninho de andorinha, insólito, construído à volta da lâmpada do hall exterior ou alpendre de uma das nossas casas (antiga "casa de caseiro", que deixou de ser habitada há muito)...

Aos 43 segundos vê-se uma andorinha entrar no ninho levando insetos para alimentar as crias, e 10 segundos depois a sair para mais uma "caçada" na (e ao redor da) Quinta de Candoz, que é rica em insectos... O ninho tinha sido recentemente reconstruído. As andorinhas caçam em círculo, num raio de 500 metros do ninho.

Vídeo (1' 07''): © Luís Graça (2012). Alojado em Luís Graça : You Tube

Fotos e vídeos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
 


 1. O vídeo, que eu fiz em 2012, comprovava a existência de um família de andorinhas, que vinham todos os anos do norte de África, imaginava eu, passar as férias de verão e reproduzir-se em Candoz, na nossa quinta... Acabei / acabámos por manter um especial carinho por este ninho... Nunca, que eu tivesse reparado, nenhuma andorinha tinha feito ninho na nossa terra...no séc. XX.  Estas, tal como eu, chegaram e gostaram, voltando sempre...   

Mais tarde, num qualquer mês de junho em que estive em Candoz,  para surpresa e desgosto meus, dei conta que a "abóboda" do industrioso ninho tinha caído, possivelmente sob o efeito de alguma intempérie. Voltei, dois meses depois, a sorrir, quando dois mneses depois, em agosto, verifiquei   que o ninho tinha sido reconstruído e tinha novos inquilinos, seguramente descentes dos primitivos construtores .

 Moral da história: as andorinhas, mesmo aquelas que são mais "desalinhadas", mostram aos seres humanos que todos podemos ser ao mesmo tempo iguais, diferentes e únicos, e que isso só nos enriquece como espécie... Ah, tem outras qualidades, importantes nos tempos que correm, de feroz individualismo, chauvinismo, xenofobia, racismo, populismo, intolerância, arrogância etnocêntrica, belicismo: é leal, gregária, solidária, corajosa, persistente, vai à luta, não desiste... Parafraseando o Evangelho de Jesus Cristo, segundo Mateus (6: 26), tomemos como exemplo as andorinhas e demais aves do céu...


2. Em Candoz temos andorinhas.  Todos os anos nidificam lá.  Em vinte e tal, talvez até trinta anos, já devem ter nascido muitas. Morrido algumas.Emigrado todas. Quantas, ao fim destes todos ? Não sei. Só conheço um ninho. 

Só sei que as andorinhas nidificam no Norte do país, na Quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses... Quantas ? Só temos esse  ninho, e o povoamento é disperso.

Pergunta o leitor, leigo, curioso: e nessa "grande viagem", intercontinental, vão para onde e quando ?

As andorinhas funcionam como nós, se acordo com  aos ciclos da natureza. No nosso caso, podemos dividir o no em dois solstícios, o do inverno e o do veráo. Afetam a maneira como vestimos, nois alimentamos, trabalhamos, vivemos, passeamos,  etc. As andorinhas são, como toda a gente sabe, um dos sinais mais alegres, para nós seres humanos,  da chegada da primavera e do outono (neste caso, um sinal de tristeza, com a sua partida para outras paragens, o longínquo Sul, a África subsariana).
 
As andorinhas começam a chegar a Portugal em fevereiro e março. Nascidas as crias, partem durante o mês de setembro (na sua grande maioria), Daí a expressáo popular: “És como a andorinha: vens e vais com as estações.”

Em Portugal nidificam em Portugal, incluindo no Norte, na Quinta de Candoz. Migram depois viajam para África subsariana onde passam o inverno.

Claro que não chegtam de uma só vez, em bando. A sua chegada prolonga.se por várias semanas."Uma andorinha não faz a primavera", diz o provérbio. "Nem por morrer uma andorinha se acaba a primavera".

As primeiras a chegar podem ser logo observadas no sul do país, no Algarve, por  finais de janeiro e ao longo do o mês de fevereiro. Como diz o ditado, : "Pelo São Brás (3 de fevereiro), a andorinha verás".

À medida que o tempo aquece e a disponibilidade de insetos (que são o seu alimento) aumenta, elas progridem para Norte. Na nossa Quinta de Candoz, é vè-las, a começar a andar à volta do ninho  partir de março/abril. Quase todos os anos, há trabalhos de manutenão/reconstrução. Que podem levar mais de uma semana,,,

Elas vêm até nós para nidificar. O clima ameno da primavera e do verão no suld a Europa oferece as condições ideais: abundância de insetos,  dias mais compridos para alimentar as suas crias, etc.

A espécie mais comum que vemos a fazer os ninhos de barro nos nossos beirais é a Andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica). Tem um peso médio que varia entre 16 e 25 gramas.  .

 As aves insetívoras, especialmente as que têm um voo tão ativo e acrobático como as andorinhas, possuem um metabolismo muito elevado e precisam de consumir uma grande quantidade de alimento para obter energia. A regra geral para muitas aves pequenas e ativas é que consomem uma quantidade de alimento próxima do seu próprio peso corporal por dia.

Com base em estudos de ornitologia e no metabolismo destas aves, um valor razoável para o consumo diário de uma única andorinha adulta é: entre 10 a 22 gramas de insetos por dia.

Este valor corresponde, aproximadamente, a 70-100% do seu peso corporal, o que é um feito energético extraordinário, mas biologicamente plausível.

confrontámos a nossa assistente de IA com este "dislate" ou "disparate"... A resposta, diplomática, veio logo a a sguir: "Onde a confusão pode ter surgido é ao considerar não o consumo individual, mas o esforço de caça de um casal para alimentar as suas crias"...

 É aqui que os números disparam:

(i) um casal: duas andorinhas adultas já consomem, juntas, entre 20 a 40 gramas de insetos por dia só para si;

(ii) as crias: uma ninhada típica tem entre 4 a 6 crias; nos primeiros dias de vida, as crias crescem a um ritmo alucinante e precisam de ser alimentadas constantemente; cada cria, essa sim, pode consumir uma quantidade de insetos equivalente ao seu próprio peso em desenvolvimento;

(iii) o esforço total: um casal de andorinhas tem de caçar o suficiente para se alimentar a si próprio de para alimentar as 4-6 crias famintas no ninho; o  esforço de caça do casal pode resultar na captura de uma massa total de insetos que pode facilmente ultrapassar as 80 ou 100 gramas por dia.

 Este esforço de caça traduz-se em centenas, ou mesmo milhares, de insetos (mosquitos, moscas, afídeos, etc.) capturados diariamente, o que faz das andorinhas um elemento fundamental e gratuito no controlo de populações de insetos e de eventuais pragas para o agricultor.

 Antes de partirem para o Sul, para a tal "grande viagem", há um processo de agrupamento curiosos:  a partir de finais de agosto e durante o mês de setembro, começa-se a a notar um comportamento diferente. As andorinhas, incluindo as crias já jovens e já capazes de voar, juntam-se em grandes bandos. É nessa altura que podemos vê-las pousadas em fios elétricos e de telefone, como que a preparar-se para a "grande viagem". Durante os meses anteriores, não têm um minuto para descansar. O seu ritmo de vida é alucinante!

No final do verão e início do outono, é comum observar a formação de enormes bandos de andorinhas. Estes aglomerados, que podem juntar milhares de indivíduos, têm como principal objetivo a alimentação intensiva. As aves aproveitam a abundância de insetos voadores para se alimentarem de forma contínua, voraz e eficiente, garantindo que acumulam a gordura corporal essencial para a travessia de milhares de quilómetros. 

Este comportamento gregário é uma estratégia de sobrevivência. Voar em grandes grupos oferece também proteção contra predadores e facilita a localização de áreas com maior concentração de alimento. Durante a própria migração, estes bandos fazem paragens estratégicas para descansar e reabastecer as suas reservas energéticas, continuando a sua jornada em busca de climas mais quentes e de alimento abundante.

A maioria destes bandos inicia a sua longa viagem para Sul durante o mês de setembro. Algumas aves podem partir um pouco mais tarde, mas em outubro já não vemos andorinhas em Candoz. 

 Todas elas têm o mesmo padrão migratório ancestral.O seu destino de inverno é a África subsariana. Atravessam Portual e a Espanha. A sua principal rota de saída  é através do Estreito de Gibraltar. Náo é preciso "dizer-lhes" que essa é a  mais curta  distância marítima entre o sul de Espanha e Marrocos. A partir daí, enfrentam outros obstáculos; a travessia do Saara até chegarem aos seus locais de invernada. De facto, elas não ficam no Norte de África. Atravessam o Deserto do Saara para chegar a zonas mais ricas em insetos, como a bacia do Congo e até mesmo a África do Sul. Absolutamente incrível!

É uma autêntica odisseia. É uma viagem duríssima e cheias de riscos.  de  milhares de quilómetros. É feita duas vezes por ano!...São guiadas pelo campo magnético da Terra, pela posição do sol e por outros instintos que a ciência ainda tenta compreender por completo.

 Quanto à sua alimentação....Claro, são insetos.  E quanto comem em média ? Não há estudos concludentes   sobre a quantidade média de gramas de insetos que uma andorinha come por dia em Portugal. No entanto, estudos gerais indicam que andorinhas, sendo aves insetívoras, consomem diariamente uma quantidade significativa de insetos para suprir suas necessidades energéticas, o que normalmente pode variar entre alguns gramas até cerca de 10 a 20 gramas de insetos por dia, dependendo do tamanho da ave, espécie e disponibilidade de alimento.

Para uma andorinha típica (que pesa entre 16 a 20 gramas), o consumo diário de insetos geralmente representa uma alta proporção do seu peso corporal, aproximadamente entre 10% a 20% do seu peso corporal diário, o que poderia equivaler, grosso modo, a cerca de 2 a 4 gramas de insetos por dia, em média.

Este valor é uma estimativa baseada em dados gerais de consumo alimentar de aves insetívoras de tamanho semelhante

3. O que podemos saber  mais sobre as andorinhas (ou como resumir o  que já dissemos atrás), recorrendo à nossa Wikipedia:

(...) As andorinhas são um grupo de aves passeriformes da família Hirundinidae. A família destaca-se dos restantes pássaros pelas adaptações desenvolvidas para a alimentação aérea. As andorinhas caçam insectos no ar e para tal desenvolveram um corpo fusiforme e asas relativamente longas e pontiagudas. Medem cerca de 13 cm (comprimento) e podem viver cerca de 8 anos. (...) 

"As fêmeas fazem uma postura de 4 ou 5 ovos, que depois são incubados durante cerca de 23 dias. Passado o tempo da incubação, nascem os jovens, cuja alimentação é feita por ambos os progenitores. 

"Quando a temperatura baixa, as andorinhas juntam-se em bando e vão à procura de locais da Europa mais quentes, indo também para o norte de África. Depois, quando a temperatura volta a subir, por volta da primavera, regressam novamente. Constroem as suas casas perto do calor, em pequenos ninhos normalmente colados ao tecto." (...)

(...) "Originalmente, a andorinha-dos-beirais [ 'Delichon urbicum'] construía os seus ninhos em falésias e cavernas. Ainda são encontradas algumas colónias em falésias, com o ninho construído sob uma rocha saliente, mas atualmente esta espécie usa sobretudo estruturas feitas pelo homem, como edifícios e pontes, de preferência junto à água. 

"Ao contrário da andorinha-das-chaminés, usa a parte exterior de edifícios abandonados em vez do interior de estábulos ou celeiros. Os ninhos são construídos na junção da parede com o beiral, ficando assim fortalecidos pela ligação a dois planos distintos.

"Regressa à Europa para nidificar entre abril e maio, e a construção dos ninhos ocorre entre o fim de março (no norte de África) e o meio de junho (na Lapónia). O ninho tem a forma de uma taça fechada com uma abertura estreita no topo e é feito com pedaços de lama colados com saliva, e forrado com palha, ervas, penas ou outros materiais macios. A sua construção demora até 10 dias e é levada a cabo tanto pelo pela fêmeacomo pelo macho.

"Frequentemente, o pardal-doméstico ('Passer domesticus') ocupa o ninho durante a sua construção, forçando a andorinha-dos-beirais a construir um novo. A abertura no topo do ninho completo é tão pequena que os pardais não conseguem ocupá-lo uma vez construído.(...)
 
"A andorinha-dos-beirais é mais gregária do que a andorinha-das-chaminés 
['Hirundo rustica'] estando habituada a viver e a migrar em bando, e tende a nidificar em colónias numerosas. Os ninhos podem inclusive ser construídos em contacto uns com os outros. Tipicamente, estas colónias têm menos de dez ninhos, mas há registos de colónias com milhares de ninhos. Cada postura possui habitualmente quatro ou cinco ovos brancos, com um tamanho médio de 1,9 x 1,33 cm e um peso médio de 1,7 g. A incubação dura geralmente de 14 a 16 dias, e é feita essencialmente pela fêmea. As crias recém-eclodidas são altriciais e necessitam de 22 a 32 dias, dependendo das condições atmosféricas, para abandonar o ninho" (...) (Fonte: Wikipédia)



4. Nenhuma assistente de IA (ChatGPT, Perplexity, Gemini...) conseguiu dizer-me  com segurança de que espécie era o ninho mostrado nas imagens e descrito na perguntei que lhes submeti.


Hirundo rustica
Cecropis daurica
Uma diz que é característico da espécie conhecida como andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica), mas o formato e localização sugerem que pode pertencer à andorinha-dáurica (Cecropis daurica), também chamada de andorinha-dos-beirais ou andorinha-dos-arcos.​



  • Andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica): costuma nidificar em locais abrigados como estábulos, garagens ou beirais, construindo ninhos de barro semicirculares abertos, normalmente apoiados numa saliência.​
  • Andorinha-dáurica (Cecropis daurica): nidifica frequentemente em estruturas humanas, como alpendres, mas o seu ninho tem forma de cabaça ou garrafa, com um longo túnel de entrada, como se observa nas imagens acima; utiliza barro misturado com saliva e prefere locais protegidos, frequentemente em habitações rurais pouco usadas (como é o caso do alpendre, na Quinat de Candoz).​

Reconstrução anual

Ambas as espécies costumam reconstruir e reutilizar os ninhos de barro todos os anos, especialmente se estes se mantêm estruturais e protegidos das intempéries e predadores.​ Mais recentemente verifiquei que o ninho de Quinta de Candoz  tinha sido "vandalizado" por um "ocupa", mais provavelmente uma "boeira"  ou ""lavandisca".

Por causa dos "ocupas", a andorinha tem de ter a liberddade criativa do arquiteto e o rigor milimétrico do engenheiro: o diâmetro do túnel de entrada do ninho tem de ser ajustado ao seu  corpo fusiforme... Elas entram no ninho em voo!... Mais nenhuma outra ave pode lá entrar, a não ser quando há ruína da construção devido, em geral, às intempéries. 

Conclusão

Com base na estrutura do ninho nas imagens, na localização (alpendre de casa não habitada) e no facto de ser reconstruído anualmente há quase 30 anos, trata-se muito provavelmente de um ninho de andorinha-dáurica (Cecropis daurica), espécie que tem vindo a expandir-se em Portugal nas últimas décadas, diferenciando-se da andorinha-das-chaminés pelo formato distintivo do ninho com túnel de entrada.


Pesquisa: LG + assistente de IA / ChatGPT, ​Perplexity, Gemini

Condensação, revisão / fixação de texto, negritos: LG


5. Excertos de poemas de Luís Graça, com referência às andorinhas de Candoz

(...) As andorinhas que por cá ficaram,
há mais de uma década,
parecem ser felizes.
São inteligentes, as andorinhas,
e fazem análises de custo-benefício,
como qualquer economista.
Passam todo o santo dia a caçar insetos
num raio de 500 metros à volta do ninho
que fizeram no alpendre de uma das casas
em redor do fio da lâmpada exterior.
É uma insólita construção,
herdada de geração em geração
e todos os anos retocada ou reconstruída.
Eu acho que já não voltam para o norte de África,
ficam por cá,
as andorinhas de Candoz.
Se calhar fogem de Alá,
do alvoroço do povo
e dos tiros das Kalash.
Afinal, a felicidade está onde nós a pomos,
mas nós nunca a pomos onde nós estamos.

Luís Graça (2014)


(...) Circadiana, a vida!...
E, se Deus quiser, a primavera há de chegar,
e com ela as cerejeiras em flor,
e os melros que vão pôr os seus ovos
nos arbustos de alecrim no caminho para a leira cimeira,
e as andorinhas que irão reconstruir o seu ninho
na varanda da casa de cima.

E trazem histórias de coragem,
as tuas andorinhas de torna-viagem,
vêm do norte de África, quiçá da Guiné,
e não precisam de passaporte,
nem de GPS, nem de código postal, nem de carimbo das alfândegas.
São heroínas, sobreviveram a mais um ano,
fogem da guerra, e das alterações climáticas,
sem o aval nem a ajuda do alto comissário para os refugiados,
ou a benção dos imãs
e dos demais representantes de Deus na terra.(...)

sábado, 11 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27307: Manuscrito(s) (Luís Graça) (275): 50 pequenas coisas que mudaram em 50 anos no Portugal sacro-profano que eram as terras de Candoz, no Marco de Canveses, em Entre-Douro-e-Minho



Marco de Canaveses > circa anos 40 do séc. XX  > O típico carro de bois de Entre Douro e Minho...O boi com a sua "molhelha",,, A mulher, com o seu lenço de cabeça, escondendo o cabelo, ela e o seu "home", cada um no seu lugar... Ela a tanger os bois...Ele de chapéu e varapau...

(Molhela: almofada, geralmente composta de couro, palha e estopa, onde assenta a canga que junge os bois,e que é  colocada no cachaço, protegendo-o do atrito da canga).


Marco de Canaveses > circa anos 40 do séc. XX  >  A vinha de enforcado, a vindima (com recurso a escadas altas), os grandes cestos de verga à cabeça, as mulheres e os seus "cantaréus" (canções de trabalho, cantadas a 3 vozes, exclusivamente femininas, nas "serviçadas", como a vindima, as desfolhadas, etc.)

Fonte: Aguiar, P. M. Vieira de - Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses. Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947. (Com a devida vénia).



Quinta de Candoz > A matança do porco (c. 1975/80): uma cena que Bruxelas conseguiu banir definitivamente dos nossos campos e aldeias (mas não da nossa memória) em nome de uma conceção ( fundamentalista, dizem os críticos) da saúde pública e de uma Europa securitária, globalizada, normalizada e tecnocrática, matando a etnodiversidade... 

Declaração de interesses: Não sou "vegan", adoro carne de porco, adoro leitao... Claro que eu hoje não queria ver as minhas netas a assistir a uma cena "cruel" como esta (hoje fala-se em "bem-estar" animal)... Na nossa infância tivemos que "ver e ouvir" os gritos lancinantes do pobre animal, mas a seguir comíamos-lhe o sarrabulho, os rojões, as "febras", as bochechas, o presunto, os salpicões, os chouriços... E jogávamos á bola com a bexiga do porquinho!)



Marco de Canaveses > c. 1975/80>   O "toirinho" (sic), vendido na feira do Marco, uma das poucas fontes de receita dos "caseiros" (ou "rendeiros", tínhamos um em Candoz, nessa altura), para além do vinho e do milho... Este era um
 boi de trabalho, não de engorda; a junta de bois puxava a charrua de ferro, e trazia do "monte" uma carrada de lenha. Por sua vez, o porco era o governinho da patroa (que o guardava, com engenho e arte,  na "salgadeira" ou no "fumeiro"). 




Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > O que resta do velho carros de bois...Foi caindo aos pedaços, já com uma bela idade...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Comecei a ir a Candoz há 50 anos, em 1975... Freguesia de Paredes de Viadores, concelho de Marco de Canaveses, na bacia hidrográfica do rio Douro e do rio Tâmega;  a sul , em frente, ficava/fica a serra de Montemuro, já no distrito de Viseu. 

1975,  em "pleno verão quente", um ano depois do 25 de Abril.  Fui fazer, eu e a Alice, uma viagem pelo "Portugal profundo", "sacro-profano",  que eu não conhecia. Ela sim, tinha começado a trabalhar na instalação do Parque Nacional da Peneda-Gerês. E era nada e criada naquelas terras, donde já se avista o Marão. 

Foi então que descobri a  região do vinho verde, e ainda a tempo de "apanhar em andamento o passado" deste País, a vinha de enforcado, as latadas, o milho, os engenhos (moinhos a água), as histórias do linho e das desfolhadas, as tradições comunitárias como as "serviçadas", a matança do porco,  os carros de bois "a chiar pelos montes acima ou abaixo", a parceria agrícola e pecuária (formas pré-capitalistas de produção) , as feiras de gado, as romarias, as tunas rurais, os bailes mandados, etc.... E, pela primeira vez (e única) na minha vida também ajudei a pisar a uva (tinta) no lagar... Uma tarefa que só podia ser feita pelos homens porque não eram,,, "menstruados".

Casar-nos-íamos, lá, em Candoz, um ano depois. Pelo civil. O primeiro casamento civil do ano, no Marco de Canaveses, segundo nos disse o ajudante de registo civil que foi lá a casa.  Uma heresia, numa família católica e conservadora.

 A 7 de agosto de 1976. Ganhei uma nova família. Fiquei mais rico tendo optado pela exogamia (a lei que manda nunca casar na tua terra...).

As formas de estar, viver, trabalhar, pensar, educar, amar, morrer... até aos anos 60 ainda estavam  ligadas a uma economia agrícola fracamente monetarizada, e em grande parte de autossubsistência... 

Ainda apanhei a tradição e a transição, a mudança, as pequenas mudanças operadas naquelas terras do Norte de Portugal...Em meio século, assisti a muitas mudanças, pequenas e grandes. Naquele microcosmo  (socioantropológico...), no coração de Entre-Douro-e-Minho, aonde dantes ia meia dúzia de vezes por ano (e agora um pouco menos)... E quando digo dantes, ainda era no tempo em que não havia autoestradas (!), e a viagem de Lisboa até lá (400 km), demorava um dia...

Hoje são uma série delas (se eu partir de Alfragide): CRIL A8, A17, A1,CREP, A4... Recorde-se que a autoestrada A1 só ficou completamente concluída em 1991, ligando Lisboa ao Porto. Já a autoestrada A4, que liga o Porto a Amarante, foi concluída em 1995...

2. Aqui vão, por ordem alfabética, sem  qualquer ordem de precedência, importância,  relevância ou cronologia, algumas das 50 (ou mais) pequenas grandes mudanças ali operadas (refiro-me, no essencial, à freguesia de Paredes de Viadores, onde se situa a Quinta de Candoz,  e onde as pessoas precisavam de berrar ou falar alto para comunicarem umas com os outros, porque o povoamento era e é disperso).

***

  • a Água de consortes, as "levadas" (como a água de Covas, que vinha da serra, e de que o meu sogro tinha direito a utilizar, só no solstício do inverno, uma vez por semana, das 10h da manhã às 6h00 da tarde); a construção civil, a abertura de estradões, a abertura de poços e minas, as alterações climáticas, etc.,  levaram... a "levada", a água de Covas, que chegava a Candoz e continuava pela encosta abaixo: era uma alegria para os sentidos, a vista, o ouvido, etc., assistir à rega do milho;
  • o Anho assado com arroz de forno, que hoje é produto... "gourmet" (e tem confraria);
  •  Bacalhau “lascudo” (que ainda não havia no Natal, nem o bacalhau era a pataco, como a República prometia em 1910)
  • o “Baile mandado” com “mandador” e os homens e as mulheres separados, de pé, encostados às paredes da casa; e dançavam-se as danças palacianas e burguesas do passado; a valsa, a mazurca, a contradança, o fado; e o mandador era também o "coreógrafo";
  • cozia-se a Broa de milho e centeio (três partes de milho e uma de centeio), no forno a lenha, e que tinha de durar 8 dias (ou até 15, "duro que nem cornos"!);
  • o Caciquismo político e eleitoral (do regedor, do padre, do comerciante, do professor, do “fidalgo"...);
  • só os homens usavam Calças (!) (e as raparigas, Tranças, que cortavam quando ficavam "comprometidas" ou iam para o Porto estudar, um privilégio);
  • a Canalha, a miudagem,  uma  Cama para três (e às vezes era no Palheiro, o quarto dos rapazes);
  • ouvia-se o Carro de bois a chiar, "com toda a cagança",  pelos estradões (uma verdadeira sinfonia!); 
  • o osso com Carne ("ó pai, chuche e dê  -mo!") no Moado  (caldo);
  • as Cebolinhas do "talho" (de talhão, da horta, provenientes da monda do cebolal...), o Presunto Verde, o Salpicão,  o Verde,  o Arroz de Cabidela, as Papas de Farinha de Pau, a "Aletria", o "Doce da Teixeira", a Regueifa, e outros pequenos manjares da culinária local
  • os grandes Cestos de vime de 50 kg de uva que os “homes” transportavam aos ombros (e as mulheres à cabeça), por leiras e socalcos abaixo (ou acima) até ao “lagar do vinho” (em geral, no piso térreo, da casa, e com chão saibroso por causa da temperatura ambiente: a "loja" onde também ficava a "salgadeira"); 
  • o Compasso Pascal, a Festa de Nra. do Socorro, a Festa do Castelinho (gente de folgar e trabalhar, ou trabalhar muito e folgar pouco);
  • não se conhecia a Contraceção nem o Planeamento familiar (mesmo a “Pílula” chegaria tarde à cidade…) ("porra e lenha é quanto a venha", um provérbio que pode ter uma conotação sexual, mas não tenho a certeza);
  • a Cultura do milho de regadio, exigente em água e mão de obra (escondia-se o milho nas “minas”, as nascentes de água, para escapar à requisição do governo nos anos da II Guerra Mundial e do pós-guerra);
  • as Crianças habituavam-se, cedo, às “Sopas de cavalo cansado” e eram “Sedadas com Bagaço” quando se contorciam com dores, tinham fome ou estavam doentes;
  • andava-se Descalço (ou, tal como em África, se levava os sapatos na mão até à entrada da vila, da escola, da igreja…);
  • a autossuficiência da Economia do pequeno campesinato familiar onde o pai era “pai e patrão” e a “ranchada de filhos” era garantia de mão-de-obra abundante e gratuita;
  • a Electricidade, o Frigorífico a Televisão, etc., só chegariam depois do 25 de Abril (mesmo com a barragem do Carrapatelo a escassos quilómetros de Candoz);
  • Emigração, primeiro para o Brasil (até aos anos 50) e depois para França ( "a salto") e Alemanha, também depois Luxemburgo e Suiça;
  • não havia  Estradões ( e foi com essa promessa de abrir estradões que caciques como o Ferreira Torres ganhavam eleições);
  • a “Esterqueira” (ao pé da porta onde se faziam todos os despejos domésticos e se deitava todo o lixo orgânico que não fosse para a “gamela” de, "com a sua licença", o porco) (já não é do meu tempo, mas da infância da Alice; aliás, da minha infância quando ia casa dos meus tios no Nadrupe, á Quinta do Bolardo,  á casa dos meus parentes do clã Maçarico, em Ribamar);
  •  não havia  Estradões ( e foi com  a promessa de abrir estradões que caciques como o Ferreira Torres ganhavam eleições) ("roubava, mas fazia obra", dizia o povo...);
  • a Estratificação social nos campos: ”fidalgos”, pequenos proprietários, rendeiros…e cabaneiros (gente sem terra nem casa) (e que na igreja também se dispunham pela mesma ordem, com homens e mulheres, socioespacialmente separados);
  • as Feiras anuais e sobretudo as feiras de gado (onde se levava o porquinho e o tourinho para vender, ou onde se ia comprar uma "junta de bois") (era lá que também se fazia, além de negócios, namoros, casamentos, alianças; tal como a igreja, a feira era um importante local de socialização):
  •  a importância das Feiras e romarias como factor de lazer, de socialização, de negócios, de informação, conhecimento e propaganda (ah!, os pregões dos feirantes!);
  • batia-se  forte e feio nos Filhos (em casa e no campo) e nas crianças (na escola) ("quem dá o pão, dá a educação");
  • em que os mais remediados diziam: “criei-os [aos Filhos] fartos e cheios [de pão, que não se escondia na “trave” do telhado de telha vã, fora do alcance dos ratos e… das crianças, isso era sinal de pobreza];
  • o Fumeiro e o Barro vidrado que tanto cancro no estômago provocou;
  • a criação, em cortes, do  Gado bovino (o “tourinho”, mais bem tratado que a “canalha”, a miudagem,  porque rendia dinheiro ao ser vendido na grande feira do Marco de Canaveses);
  • só os Homens usavam calças (!) (e as raparigas cortavam as tranças quando ficavam comprometidas ou iam estudar para o Porto, um privilégio, nos anos 60);
  •  as Juntas de bois lavrando a terra com arados de ferro;
  • só se bebia Leite (de cabra, de vaca era mais raro) quando se estava doente (em geral os adultos);
  •  as Longas caminhadas a pé (para se ir à missa, à romaria, à feira, à repartição de finanças na sede do concelho, mas também ao médico e o hospital da misericórdia... a 13/15 km de distância);
  •  a Luz do candeeiro a petróleo ou querosene;
  • o valor comercial da Madeira de carvalho, castanho, pinho, cerejeira, etc. (madeira nobre hoje destronada pelo eucalipto);
  • a Matança do porco, o fumeiro e a salgadeira (que eram o “governinho da tia Aninhas”, e também uma das principais causas de morbimortalidade por doenças cérebro-vasculares, como a “trombose”):
  • o Médico da vila  ("João Semana") que só se chamava a casa na hora da morte para passar a certidão de óbito;
  • o Medo das trovoadas, das bruxas, dos lobisomens, do mau olhado, das pragas que se rogavam uns aos outros por ódio, vingança,  inveja, intrigas, desamores, etc.; 
  • a escassez de Meios de tração mecânica na lavoura (tratores, motocultivadores, serras mecânicas, etc.) e de transporte automóvel (não me lembro de haver nenhum trator em 1975...);
  • cultivava-se o Milho, o  Centeio... e o Linho (!);
  • a fraca Monetarização da economia (fazia-se algum dinheiro com a venda das uvas, do milho, do tourinho, da cereja e pouco mais; ou trabalhando à jorna, ocasionalmente para o "ramadeiro", para o "construtor civil, etc., que os mais sortudos iam para a polícia e os caminhos de ferro, a CP);
  • os "Montes” (pinhais) que eram “rapados” todos os anos, não só para limpeza e prevenção dos incêndios (não havia incêndios) como sobretudo por causa da importância que tinha o mato para fazer a "cama dos animais” e depois o estrume (fundamental para a cultura do milho ou da batata); 
  • "na casa desta Mulher come-se tudo o que ela der";
  • as grandes Mulheres (ou "Mulheres Grandes") que em geral se escondem(iam) atrás dos seus “homes" (e tinham sempre uma palavra de peso, a última, nos negócios, nas compras de propriedade, nos amores, nos casórios dos filhos, etc.);
  • o Obscurantismo não só político e cultural mas também religioso (como o daquele pároco que mandou cortar as pilinhas dos anjinhos na igreja);
  • a "minha Palavra vale mais do que a minha terra toda" (a palavra dada era lei);
  • as Panelas de ferro, ao lume, na lareira (onde se faziam os "Rojões");
  • as “Parteiras” (que não as havia, diplomadas) eram as “aparadeiras” (sic) (mulheres curiosas, mais velhas, que já tinham sido mães...);
  • jogava-se ao Pião (os rapazes) e  brincava-se às Bonecas de trapos (as raparigas);
  • ó Maria, dá-me o Pito...E Porra e Lenha é quanto a venha (a maneira brejeira, pícara, desta gente do... carago!);
  • as Professoras do ensino primário que se chamavam "regentes escolares"; 
  • fatalismo dos Provérbios populares (“boda e mortalha no céu se talha”, "muita saúde e pouca vida que Deus não dá tudo"...); 
  • as Ramadas e o Ramadeiro (construtor de ramadas);
  • a luta dos Rendeiros, a seguir ao 25 de Abril, contra a parceria agrícola e pecuária, formas pré-capitalistas de exploração da terra, com o pagamento das “rendas” em géneros  (em geral, numa proporção fixa, por exemplo ao terço, a meias, etc.);
  • os Salamaleques da “servidão da gleba”: “com a sua licença, meu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância, num  concelho onde em 1958 mais de metade dos agricultores eram rendeiros;
  • a Salgadeira (onde se guardava o porco, desmanchado) (responsável por muitos AVC);
  • os Salpicões feitos em vinho verde tinto (fundamental na cozinha e nos enchidos, este vinho único no mundo);
  • não havia Saneamento básico, água potável (a não ser o das minas) nem banheiro com duche;
  • a Sardinha “para três” (que chegava de Matosinhos na Linha do Douro até  a estação do Juncal, e depois era transportada à canastra e vendida de porta em porta) (... e os ovos que se vendiam para comprar a "sardinha para três");
  • o Sável e a Lampreia do rio Douro (que as barragens "mataram") (comia-se o sável pela Quaresma,  quando a Igreja proibia o consumo de carne... aos pobres);
  •  as "Serviçadas” como a vindima, a malha do centeio, a desfolhada do milho, a espadelada do linho, a matança do porco, etc., em que os familiares e os vizinhos se ajudavam, uns aos outros;
  • "Ir às Sortes" (à junta médica militar, e ficar apto ou apto para a tropa); (era também um a "ritual de passagem para os "machos", e o início do "home leaving"; quando se regressava, é para para o jovem adulto a começar a governar a sua vida, deixar a casa dos pais, ir para o Porto trabalhar na África, ou para o Brasil, e mais tarde para França, Luxemburgo, Suiça...na construção civil;
  • "na casa deste home quem não Trabalha não come";
  • começava.se a Trabalhar muito cedo (“ o trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco”; "na casa deste home, quem não trabalha não come; e na casa desta mulher, come-se tudo o que ela fizer"):
  •  as “Tunas rurais do Marão” (indispensáveis nos "bailes mandados") (uma rabeca, um violão, uma viola, um cavaquinho, unas ferrinhos, uma voz) ;
  • “Varapau” como símbolo da masculinidade (mas também de violência) (a ponto de ter sido proibido na via pública, nas festas, nas romarias e nos bailes, sendo o seu cumprimento fiscalizado pela GNR):
  • a Venda, o estabelecimento comercial que era mercearia, tasca, casa de comidas (para os de fora), cabine pública de telefone, caixa de correio, palco de mexericos, boatos e notícias, etc. (a da Candoz, ficava no Alto,na estrada real Porto-Régua,   a 3 km de distância por caminho de carro de bois, que agora é estrada municipal e nos leva à albufeira da barragem do Carrapatelo); 
  • o Verde (ou Bazulaque) (é ou era um prato típico da Páscoa, na altura em que se matava o anho; feito com  colaça, o coração, o fígado e rins);.
  • a Vinha de bordadura e de enforcado (e na sua grande maioria, videiras de tinto… jaquê, um híbrido americano de  há muito proibido mas sempre tolerado; de fraca graduação e pior qualidade, o “jaquê” chegava a maio já era intragável; de resto, nas vindimas toda a uva podre ia “para o tinto”; e não havia vinho verde branco, o que se fazia era “para o padre”; e muito do que ia para o "ultramar", a tropa, que tinha poder de compra, era vinho branco leve, de 9 / 10 graus, enviado para os armazéns do Porto e de Vila Nova de Gaia, e depois gaseificado e rotulado como "vinho verde branco");
  • o Vinho verde branco, feito de bica aberta, e que era só para o padre e para a missa (hoje é um dos senhores "embaixadores de Portugal");
  • o Vinho verde tinto, o tal "berdinho", carrascão, bebido da malga de barro vidrado ou da “caneca de porcelana”;
  • a Virgindade (feminina) antes do casamento (e ai da rapariga que fosse "rejeitada" pelo rapaz...); ou tivesse a desgraça de ser "mãe solteira";
  • ... e quando a gente (a nossa geração) nasceu, por volta de 1945, no fim da II Guerra Mundial, ainda morriam 120 crianças em cada mil nados-vivos.

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Nota do editor LG:

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27280: Manuscrito(s) (Luís Graça) (274): Vindimas, ainda são o que eram ? - Em Candoz, sim, no essencial - II (e última) Parte

 

Foto nº 19 > Quinta de Candoz > Vindimas >  11 e 19 de setembro de 2025 > Uvas da casta Trajadura
(para saber algo mais sobre as castas brancas do vinho verde, ver aqui este sítio)... Candoz pertence à subregião de Amarante, em que predominamo Pedernã / Arinto, Azal, Avesso e Trajadura...

Foto nº 20 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Videira (jovem) carregada de uvas da casta Pedernã  (ou Arinto).


Foto nº 21 > Quinta de Candoz > Vindimas 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Azal (original das b-subregiões de Amarante, Basto, Baião e Sousa)

Foto nº 22 > Quinta de Candoz > Vindimas >  11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Avesso  (típica sa subregião de Baiáo, aqui ao lado,a 500 metros, em passando a linha do camainho de ferro do Douro).


Foto nº 23 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Alvarinho (típica da subregião de Monção e Melgaço)


Foto nº 24 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Loureiro (cultivada principalmente na zona norte-litoral da Região Demarcada dos Vinhos Verdes: subregiões de Lima, Cávado, Ave)


Foto nº 25 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Loureiro:  é pela folha que se conhece a casta... Loureiro e das demais. (Eu ainda tenho que ver a etiqueta, que o nosso "engenheiro" fixa nas videiras é para os vindimadores não se fazerem a devida seleção...)


Foto nº 26 > Quinta de Candoz > Vindimas 11 e 19 de setembro de 2025 > Um luxo de uvas, que foi para a Aveleda, em Penafiel...Impecáveis, sem um bago podre ou seco... Deram 13,8 graus de álcool provável... Não adianta: a Alveleda só paga melhor até 11,5º...  Mas ajudamos a empresa a ser talvez a melhor da Região Demarcada dos Vinhos Verdes. Devíamos ter pelo menos direito ukm "like", na página do Facebook da Aveleda, somos uma das formiguinhas que trabalham para eles...


Foto nº 27 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 de setembro de 2025 > Os jovens tiram férias para vir às nossas vindimas...Claro, eles são o futuro. E estão-nos a dar cartas, aos mais velhos... Sempre foi assim em Candoz: as gerações, e já são oito, desde 1820,  cada geração traz o seu "valor acrescentado", a sua marca de inovação, o seu paradigma de mudança...

Foto nº 28 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Está na hora do almoço...

Foto nº 29 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Apesar do trator, há muito trabalho braçal... E sobretudo muito boa interajuda, cumplicidade, boa disposição... É isso que é a magia das vindimas nas terras do Zé do Telhado... (O fantasma dele ainda vagueia por aqui à noite,)

Foto nº 30 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Uma pausa para retemperar forças e beber a "bejeca"... (Super Bock, no Norte, passe a publicidade; cada "tribo" tem direito à sua idiossincrasia; só eu é que sou plural: tanto bebo do branco como do tinto, da Sagres ou da Superbock...

Foto nº 31 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Já têm sido, nas vindimas, muito mais à mesa... Desta vez só foram 18, pelos pratos que eu contei... A uma sexta feira, dia útil da semana, nem todos os "citadinos" podem comparecer à chamada...ou simplesmente fazer o gosto ao dedo... Eu, por  exemplo, não cortei um cacho  de uvas (minto, cortei alguns)... O meu papel foi o do fotógrafo, que é mais confortável. Mas alguém tem de se "sacrificar" e deixar registos para a posteridade, escrever as histórias,  as memórias, os afetos...


Foto nº 32 > Quinta de Candoz > Vindimas 11 e 19 de setembro de 2025 > O tacho desta vez foram... "tripas à moda do Porto"...A "chef" Alice esteve á frente do departamento dos "Comes & Bebes" durante as vindimas....Comida apropriada para os trabalhadores da vinha... Um prato tripeiro (e patriótico) por excelências... Oxalá, Enxalé, Inshallah, a gente apanhasse disto no "rancho" na Guiné... Tínhamos ganho a guerra, naqueles anos, só a comer esparguete com cavala, ou bianda com bianda... e a beber "água de Lisboa" (quer dizer, do Beato)...

Foto nº  33 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >   No fim do dia está toda a gente cansada que nem dá tempo para dar um mergulho na piscina...

Fotos (e legendas): © Luís Graça 2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Muitos de nós aprendemos a apreciar o vinho verde (branco) só na Guiné...Muitas das marcas de referência, que ainda hoje existem e têm sucesso no mercado  (interno e externa), dos vinhos verdes, foi lá que as conhecemos: Aveleda, Casal Garcia, Gatão, Gazela, Lagosta, Três Marias, Campelo, Casal Mendes, incluindo o "príncipe dos alvarinhos", que era então o "Palácio da Brejoeira". Poucos bebiam "Mateus Rosé"... (Passe a publicidade!...). Também se bebia Dão. A TAP fazia uma boa promoção do Mateus e do Dão.  Não me lembro de ver Verde a bordo avião da TAP, quando fui e vim de férias (ainda não tinha o prestígio que tem hoje à mesa dos apreciadores)...

Eu sempre desconfiei que a Região Demarcada dos Vinhos Verdes (numa época em que ainda  se produzia 90% de tinto e 10% de branco) tinha que ir à minha terra, ao Oeste  (Lourinhã, Torres Vedras, Bombarral, Cadaval...) buscar um "reforço" de vinho leve (ainda não se falava em vinho leve): eram brancos com baixo teor alcoólico que, levados em camiões-cisterna,  abasteciam os armazéns do Norte... 

A Lourinhã, por exemplo, sempre produziu ao  longo dos últimos dois séculos bons vinhos para "queimar" (produzir aguardente vínica para o vinho do Porto...). E não é por acaso que, com toda a justiça, é Região Demarcada da Aguardente Vínica da Lourinhã. 

Lê-se no sítio da  Aguardente DOC  Lourinhá: (...) "As vinhas cultivadas nesta região têm a predominância de castas brancas. Pela sua exposição e solos permitem que as suas uvas deem uma vinificação de baixo teor alcoólico e elevada acidez, obtendo-se a partir desse vinho destilado uma aguardente de grande qualidade. Devido a esta qualidade excecional, esta aguardente foi utilizada pelos produtores do vinho do porto há cerca de duzentos e dez anos" (...)

Ora quem fazia "vinho do Porto", também fazia "vinho verde"... Era só preciso haver "mercado", dizem os economistas... (Aliás, ainda hoje é assim: quem náo tem uvas, compra aos espanhóis...).

Ainda me lembro de ter feito uma reportagem, para o jornal "Alvorada",  sobre a Adega Cooperativa da Lourinhã, em 1966, em plena azáfama das vindimas... Cito de cor, mas naquele tempo, eles deviam receber umas 7 mil toneladas de uvas... O vinho aqui era abundante e barato. De tal modo que arrancaram as vinhas todas, com o fim do mercado de África. (Todas, é um exagero: ainda há as suficientes, de castas rigorosamente definidas, que dão excecionais aguardentes, produzidas e envelhecidas na Adega Cooperativa da Lourinhã e na Quinta do Rol, os únicos dois produtores do mundo desta Aguardente DOC Lourinhá, que estão fartos de ganhar prémios.).

A África Portuguesa (Angola, Moçambique, Guiné), com centenas de milhares de consumidores, entre civis e militares,  eram um grande mercado cativo para os nossos vinhos.

O vinho era um bem de consumo identitário para os portugueses, nascidos num país em que o vinho marcava presença à mesa e no altar (!), uma fonte, além disso, de sociabilidade e de ligação à terra de origem. Claro que as empresas  exportadoras tinham aqui uma oportunidade de ouro.

Misturados, loteados, gaseificados,  e com rótulo de verde, geladinhos, estes vinhos de lote passavam muito bem por "vinho verde", a 4 mil, 8 mil, 12 mil quilómetros de distância... 

Os oficiais e sargentos do quadro permanente, e os milicianos tinham patacão, os colonos de África ainda mais, e a sede era terrível naquele clima medonho... 

Por falta de literacia (como diríamos hoje)  nesta matéria, o  consumidor de vinhos  em África (militar ou colono) não questionava a origem do produto nem a qualidade:  o paladar fresco e gaseificado convencia qualquer um, num clima como aquele, tropical... E, depois, o frio e o gás escondem os defeitos de qualquer vinho. Em qualquer parte dou mundo.

Estas práticas, ilegais,  que o laxismo e a incompetência dos organismos públicos de regulação e fiscalização do sector deixavam passar, cá  e lá, na metrópole e no ultramar, acabaram por trazer muito  má fama ao vinho verde branco: durante anos, será associado a vinho “fraco” ou “de segunda”... Para não dizer a martelo".

"Bons tempos", o do vinho branco verde de 2ª, para o branco de 2ª!... A guerra sempre trouxe, em toda a parte, a corrupção económica... O Estado Novo não foi exceção..., embora o cinismo dos seus saudosistas insista na narrativa do regime impoluto e austero como o do seu  chefe, sempre trancado no Palácio de Belém, longe das tentações e frivolidades do mundo.

Só muito mais tarde comecei a perceber a diferença entre um "vinho branco leve" da Estremadura, de 8/9 graus, gaseificado,  e um nobre "vinho branco verde", DOC... 

Eu sabia lá, camaradas e amigos, com que castas se fazia este vinho único no mundo!... Os segredos do cultivo da vinha,  do enxerto e da poda à "poda verde", sem esquecer a prevenção e o tratamento do míldio, do oídio, do "black rot" (ou "podridão negra"), até à apanha das uvas e da sua vinificação... 

Ainda hoje não sei, confesso... Vou aprendendo alguma coisa com os "trabalhadores da vinha", na Quinta de Candoz... Para vergonha minha, nem podar sei... Preguiça mental: em 50 anos tinha obrigação de saber...

De facto, poucos de nós, os lisboetas, os do Sul, conheciam a Região Demarcada dos Vinhos Verdes (que já existia desde finais da monarquia, em  1908, de resto  uma das mais  antigas da Europa). 

Mas foi preciso esperar por uma nova geração de produtores que profissionalizou o "negócio", por uma autêntica revolução de tecnologias mas também de mentalidades, sem esquecer o aparecimento de uma competente e talentosa  geração de jovens enólogos, mas também o papel fundamental da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), na regulação e fiscalização do setor, etc .... 

Hoje fazer vinho é uma arte e uma ciência.. E, claro, um negócio. No nosso caso, também é paixão, utopia,  devoção, amor, resiliência, experimentação, gozo... 
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 29 de setembro de 2025> Guiné 61/74 - P27266: Manuscrito(s) (Luís Graça) (273): Vindimas, ainda são o que eram ? - Em Candoz, sim, no essencial - Parte I