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sexta-feira, 28 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22230: Casos: a verdade sobre... (25): a vida e a morte do maj inf graduado Jaime Frederico Mariz (1936-1973): "sei muito poucas coisas do meu pai" (Frederico Rezende)


Jaime Frederico Mariz Alves Martins (Oeiras, 8/1/1936 - Guiné, 6/4/1973).


1. Mensagem de Frederico Resende, filho do nosso infortunado camarada major de infantaria graduado Jaime Frederico Mariz
 
Date: segunda, 24/05/2021 à(s) 09:27
Subject: Maj Infª Grad Jaime Mariz
 

Caro Sr Luís Graça, bom dia

 A minha filha Maria deu-me ontem conta da existência deste blogue.

O meu nome é Frederico (como o meu pai) Rezende (apelido que uso de minha mãe ). Sou filho do Maj Jaime Mariz.

Gostaria que, se não se importar, me enviasse informações sobre a sua vida e morte. Eu e minha mãe que entretanto já morreu, nunca soubemos exactamente o que se passou. Apenas que o avião tinha sido atingido e que não foram encontrados destroços.

A minha mãe foi à Suiça contactar a Cruz Vermelha e na altura a PIDE teve conhecimento e fez-lhe a vida num inferno. Desta forma contactou o PAIGC que confirmou que tinha abatido o avião.

Mas de concreto nunca soubemos muito mais.

Fico a aguardar.

ObrigadoCumprimentos

Frederico Rezende

2. Resposta do editor Luís Graça:

Caro Frederico:

O nosso blogue tem pelo menos 7 referências ao seu querido pai e nosso infortunado camarada. Não o conheci pessoalmente, estive na Guiné em 1969/71, mas quem com ele lidou, escreveu que era "pessoa de fino trato, aberto, civilizado, camarada". Pode ver aqui as referências que temos sobre o então comandante do COP 3 (*):
 
Se mo permitir, vou publicar a sua mensagem, na expetativa de poderem aparecer mais testemunhos sobre o senhor seu pai e as circunstâncias que antecederam aquele voo fatídico. Tudo indica que a avioneta DO 27, no percurso Guidaje-Bigene, em 6 de abril de 1973, terá sido abatida por um míssil Strela. E os restos mortais do seu pai nunca terão sido encontrados. 

Oxalá possamos escalarecer algumas das suas dúvidas  (**). Disponha do nosso blogue. Se tiver fotos e outras recordações do seu pai, e se as quiser publicar no nosso blogue, esteja à vontade. De resto, como gostamos de dizer, "os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são"... Este é um blogue exclusivamente de partilha de memórias e de afectos dos bravos que estiveram na Guiné, entre 1961 e 1974, dos 3 ramos das Forças Arnadas,

Um alfabravo (ABraço), Luís Graça, editor

3. Resposta do Frederico Rezende, com data de 27 do corrente:

Caro Sr Luís Graça:

Muito obrigado pela sua resposta que muito me sensibilizou.

Peço-lhe então o favor de publicar a minha mensagem e de me ir dando novidades caso as haja.

Sei muito poucas coisas sobre o meu pai. Sei que fez o curso de Lamego, sei que fez alguns cursos de contra-informação na África do Sul e das comissões que ele fez. Sei que foi Cmdt da PSP em Lisboa e pouco mais.

Caso seja possível mais informações ficaria muito agradecido.

Fico a aguardar. Bem haja
Frederico Rezende

4. Elementos para uma nota biográfica do major inf grad Jaime Frederico Mariz (Oeiras, 1936-Guiné, 1973), recolhidos  no nosso blogue (*)

Jaime Frederico Mariz Alves Martins:

(i) nasceu em Oeiras, em 8 de janeiro de 1936;

(ii) entrou para a Escola do Exército (antecessora da Academia Militar) em 16 de outubro de 1954, com 18 anos;  era o nº 400 do Corpo de Alunos;

(iii) fez três comissões de serviço no ultramar: em Moçambique, com  o posto de tenente (setembro de 1961 / fevereiro de 1964); em Timor, como capitão (abril de 1965 / maio de 1967); de novo em Moçambique, como capitão (setembro de 1968/setembro de 1970);

(iv) morte em combate no TO da Guiné, em 6 de abril de 1973;

(v) circunstâncias da morte: tendo embarcado num DO-27 em Guidaje com destino a Bissau, no decurso de uma missão de evacuação (TEV), o avião foi abatido por um míssil Strela, na região de Sambuiá, no norte da Guiné, entre Guidaje e Bigene; não foram encontrados vestígios do aparelho nas buscas posteriores quer terrestres quer aéreas; foi um dia fatídico para a FAP pois o PAIGC, em cerca de três horas, abateu 3 aviões e falhou o ataque a outros dois; o aparelho, DO-27 3470 era pilotado pelo fur pil Fernando António de Carvalho Ferreira; o major Jaime Frederico Mariz, cmdt do COP 3, aproveitou uma "boleia", pretendendo ficar em Bigene

(vi) segndo pesquisa efetuada pelo nosso coeditor Jorge Araújo, a aeronave da FAP, DO 27 3470, foi localizada submersa (algures na região norte da Guiné) tendo sido fotografada pelo médico holandês Roel Coutinho (vd. poste P18702)



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > D 09 > Portuguese plane wreck in Northern liberated areas > Guinea-Bissau > Airplane wing number with Coutinho watching [Asa do avião,  DO-27, com o nº 3470, e o Coutinho a observar] 

(vii) No seu Diário da Guiné, o ex-alf mil António Graça de Abreu (CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar. 1972/74), descreve o major Jaime Frederico Mariz nestes termos:  (...) "o major Jaime Mariz que conhecia muito bem, desempenhou durante algum tempo as funções de 2º. Comandante do Batalhão 3863, de Canchungo (Teixeira Pinto). Almoçámos e jantámos muitas vezes juntos na messe de Teixeira Pinto. Era pessoa de fino trato, aberto, civilizado, camarada. " (...) (Em nota de rodaté: "O corpo do major Jaime Mariz jamais foi encontrado, nem sequer foi possível fazer-lhe um funeral digno" (Mansoa, 7 de abril de 1973) (vd. poste P3826).

________

Notas do editor:

(*) Vd.  os 7 postes com o descritior "Jaime Frederico Mariz (maj)":


25 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21391: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLIV: Jaime Frederico Mariz Alves Martins, maj grad inf (Oeiras, 1936 - Guidaje, 1973)

2 de junho de  2018 > Guiné 61/74 - P18702: (D)o outro lado do combate (31): Os dois aviões DO-27-A1, da FAP, nºs 3333 e 3470, abatidos em 6 de abril de 1973... Fotos do médico holandês Roel Coutinho (Jorge Araújo)

24 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13031: 10º aniversário do nosso blogue (22): Quando os senhores coronéis da censura censuravam notícias com declarações de Spínola e a escalada da guerra no CTIG, incluindo a queda do DO 27 em que pareceu, entre outros, o major Jaime Frederico Mariz, comandante do COP 3, em 7/4/1973 (António Duarte, leitor do blogue)

29 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

(**) Último poste da série > 20 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22215: Casos: a verdade sobre... (24): o roubo de 200 cartas (ou mapas) do Serviço Cartográfico do Exército, atribuido às Brigadas Revolucionárias, em dezembro de 1972: o seu impacto no CTIG (Luís Graça / C. Martins / António J. Pereira da Costa)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21741: (Ex)citações (383): Jaime Frederico Mariz Alves Martins, Major Graduado Infantaria, vítima mortal por derrube de aeronave em 6 de Abril de 1973, na Região de Sambuiá (António Carlos Morais Silva, Cor Art Ref)

1. Mensagem datada de 4 de Janeiro de 2021, do nosso camarada António Carlos Morais Silva, Cor Art Ref, professor da Academia Militar e membro da nossa Tabanca Grande (no CTIG foi instrutor da 1.ª CComandos em Fá Mandinga, Adjunto do COP 6 em Mansabá e Comandante da CCAÇ 2796 em Gadamael, entre 1970 e 1972), a propósito de um comentário de Carlos Pereira, ex-Fur Mil IOI, deixado no Poste P21391[1]:

Meu caro Vinhal

Em regra sou muito cuidadoso naquilo que escrevo e muito em especial neste melindroso assunto dos Mortos em Combate que resolvi publicar.

1 - Escrevi na ficha biográfica publicada, o constante do Relatório da Acção e despacho do SJD/QG/CTIG que anexo:



2 - Referi o abate por Strela conforme consta na FAP no documento seguinte (extracto):

Fará o favor de informar o ex-Fur Mil Carlos Pereira deste conjunto de documentação que pode ser consultada no Arquivo Histórico-Militar e na Biblioteca do EMFA/Alfragide.

Abraço e muita saúde
Morais Silva

____________

Notas do editor:

[1] - Vd. poste de 25 de Setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21391: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLIV: Jaime Frederico Mariz Alves Martins, maj grad inf (Oeiras, 1936 - Guidaje, 1973)

Último poste da série de 31 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21719: (Ex)citações (382): Tavira, CISMI, por quem nenhum de nós morreu de amores... (João Candeias da Silva / Carlos Silva / Luís Graça)

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21391: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLIV: Jaime Frederico Mariz Alves Martins, maj grad inf (Oeiras, 1936 - Guidaje, 1973)

  






Cor inf ref Morais da Silva


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual acima], membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972 ]

Sobre o major graduado de Infantaria  Jaime Mariz, temos várias referências no nosso blogue.

sábado, 2 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18702: (D)o outro lado do combate (31): Os dois aviões DO-27-A1, da FAP, nºs 3333 e 3470, abatidos em 6 de abril de 1973... Fotos do médico holandês Roel Coutinho (Jorge Araújo)



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974).



GUINÉ > (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > OS DOIS AVIÕES DORNIER, DO 27-A1,  ABATIDOS POR MÍSSEIS SAM 7 STRELA EM 6 DE ABRIL DE 1973  NA FRENTE NORTE




1. INTRODUÇÃO

Durante o XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande, realizado no passado dia 5 de Maio em Monte Real, tive a oportunidade de conversar com os nossos ilustres aviadores da FAP, e camaradas, Miguel Pessoa e António Martins de Matos a propósito dos acidentes da aviação militar durante a guerra na Guiné e, de entre estes, sobre os dois Dornier - DO 27-A1, com as matrículas FAP 3333 e FAP 3470, abatidos em 6 de Abril de 1973, na região Norte do território, pelo grupo de artilharia antiaérea do PAIGC, do cmdt Manuel dos Santos, 'Manecas', com recurso a mísseis Sam 7 Strela.

No aprofundamento desta temática,  apresentei-lhes um conjunto de imagens recolhidas na Net pertencentes à colecção de fotos do médico holandês Roel Coutinho que cooperou, nos anos de 1973 e 1974, com o PAIGC, tendo prestado apoio clínico aos guerrilheiros na Região Norte, tanto em bases no interior do território como no hospital em Ziguinchor, no Senegal.

E as imagens apresentadas tinham a ver com aqueles dois Dornier abatidos. No final, concluímos que sobre estes dois casos não se conhecem registos fotográficos dos "acidentes" pelo que é credível estarmos perante "imagens únicas",  gravadas pela câmara do clínico holandês.

De acordo com a decisão tomada pelo doutor Roel Coutinho [hoje reputado médico microbiologista, epidemiologista e professor universitário jubilado] de autorizar o uso das suas imagens para qualquer finalidade, desde que a sua autoria seja devidamente atribuída, conforme consta na caixa abaixo, decidi partilhá-las convosco como provas históricas, e "memórias", gravadas durante a nossa presença no CTIGuiné.



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > G05 > Ziguinchor, Senegal > Infirmary ambulance stuck in the mud [Ambulância atolada na picada; Roel Coutinho, o médico e fotógrafo holandês, junto à viatura, do lado do condutor]

[Foto da série  Roel Coutinho Guinea-Bissau & Senegal Photographs (1973 - 1974) Fonte: Wikimedia Commons, com a devida vénia].





2. OS AVIÕES DORNIER - DO 27-A EM 6 DE ABRIL DE 1973

Foram dois os aviões abatidos no dia 6 de Abril de 1973 - "DO 27-A1, matrícula «FAP 3333» e DO 27-A1, matrícula «FAP 3470».

Segundo informações recolhidas no blogue Acidentes da Aviação Militar, no poste de 28 de novembro de 2016, "Dornier DO 27, o "DO 3333" cai em Guidaje, tendo falecido o piloto furriel Fernando António Carvalho Ferreira e mais três ocupantes [vidé caixa abaixo].

De acordo com o referido por Nuno Mira Vaz, coronel de cavalaria na reserva, no seu livro "Guiné -1968 e 1973 – Soldados uma vez, sempre soldados!" (Tribuna da História-Edição de Livros e Revistas, 2003, p.60), "este avião nunca mais foi visto".




Será que a imagem abaixo é a do DO 27-A1 3333 [submerso],  desaparecido,  que foi captada pela câmara do doutor Roel Coutinho? É possível.

Fonte: Wikimedia Commons, com a devida vénia].


Quanto ao outro "DO 3470", e de acordo com a mesma fonte anterior, este é perdido em Talicó, tendo falecido o piloto furriel João Manuel Baltazar da Silva e mais dois tripulantes [vidé caixa abaixo].

Ainda, segundo Nuno Mira Vaz, este refere no livro acima citado, p. 60,  que "um DO-27 pilotado pelo furriel Baltazar da Silva partiu de Bissalanca para uma missão de apoio a um sector de batalhão a norte do rio Cacheu. Numa das movimentações, transportando um médico e um sargento de Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao destino. […] O DO-27 desaparecido acabou por ser localizado algures no mato, entre Bigene e Guidaje. Transportado de imediato para o local, em helicópteros, um pelotão de paraquedistas limitou-se a constatar a morte de quatro [três?] ocupantes".



Eis algumas imagens do DO 27-A1, matrícula FAP 3470,  caído entre Bigene e Guidage, como é referido na literatura consultada, obtidas pela câmara do doutor Roel Coutinho, que se encontra ao centro da foto acima reproduzida [Foto nº D09]

Mais fotos do DO 27-A1, FAP 3470, abatido pelo PAIGC, por uma míssil SA - 7, Strela, em 6 de abril de 1973.













 Foto, a seguir,  do DO 27-A1 3430, cruzando os céus da Guiné… como exemplo.



O Dornier DO 27 é um avião monomotor, asa alta, trem de aterragem convencional fixo com a capacidade de transportar seis passageiros ou o equivalente em carga. [Fonte; Blogue Últimas curiosidades > 19 de março de 2012 >  Guerra Colonial - O Dornier DO 27 na Guerra do Ultramar, com a devida vénia...]

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

31MAI2018.

___________________

Nota do editor:

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13031: 10º aniversário do nosso blogue (22): Quando os senhores coronéis da censura censuravam notícias com declarações de Spínola e a escalada da guerra no CTIG, incluindo a queda do DO 27 em que pareceu, entre outros, o major Jaime Frederico Mariz, comandante do COP 3, em 7/4/1973 (António Duarte, leitor do blogue)



Documento gentilmente cedido pelo nosso leitor António Duarte

1. Mensagem do nosso leitor António Duarte (perfeitamente identificado por endereço de email válido)


Cartaz do nosso 10º aniversário, da autoria do
nosso camarada  Miguel Pessoa [], ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca,
1972/74, um dos heróis dos céus da Guiné]
Assunto: recorte do Jornal República, de 18 abril de 1973,  censurado,  sobre militares desaparecidos na Guiné


Caro Carlos Vinhal:

Em primeiro as minhas desculpas por me dirigir assim directamente mas foi o único meio que encontrei depois de ter lido o vosso blogue.

Explico esta minha liberdade:

Dando volta aos meus papéis velhos,  encontrei uma tira de notícia que supostamente deveria ter sido publicada no dia 18 de abril de 1973 no Jornal República mas que foi censurada.

Esta tira de noticia era o meio que os jornalistas apresentavam aos censores para acordo de publicação e ... censura. Esta foi censurada.

Chegou às minhas mãos,  entre outras tiras com outros assuntos,  por oferta de um amigo que fez parte da comissão de extinção da PIDE/DGS e que em 1975 teve acesso a estes documentos.

Nesta volta dos meus papéis, como referia a militares desaparecidos na Guiné, procurei pelos nomes na internet e cheguei ao vosso blogue.

Representa esta tira uma amostra de como os militares e o seu desaparecimento / morte era tratado e escondido do país.

Aqui lha envio para que disponha como quiser e deixo os meus parabéns pelo vosso blogue e do que representa emocionalmente e historicamente.

Um abraço

António Duarte [, leitor identificado]

terça-feira, 5 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10000: (Ex)citações (184): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (1) (José Manuel Pechorro)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Pechorro (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) com data de 1 de Maio de 2012:

Respostas às perguntas formuladas pelo Luís Graça no seu comentário deixado no Poste 9960* (1)

Comentário de Luís Graça

Camarada: 

Talvez nos possas ajudar a compreender melhor certas coisas que por aí aparecem escritas... 
Naturalmente que respondes só ao que quiseres (e puderes..., se bem que a guerra, dizem, já tenha acabado há 38 anos).

Pergunta: Por exemplo, quantos mortos teve a CCAÇ 19? E quantas dessas baixas mortais ocorreram no período de 8 de maio a 8 de junho em que costumamos (alguns...) balizar a batalha de Guidaje?

Resposta: Ficaram enterrados em Guidage 23 corpos, 8 brancos metropolitanos e 15 negros naturais da Guiné. Alguns foram mortos ou ficaram feridos: no quartel, na estrada, ou no ataque a Kumbamory, acabando por morrer no aquartelamento alguns dos feridos.

Os mortos da CCaç 19, foram sete:

Os 5 que ficaram no Cufeu e 2 no quartel, feridos graves do abrigo na madrugada do dia 25 de Maio 73:

- ANTÓNIO DOS SANTOS JERÓNIMO FERNANDES, Fur Mil AP, NM 0948627, CCaç 19
- ANTÓNIO TALIBÓ BAIO, Soldado At NM 82081071, CCaç 19, Morcunda – N. Sra da Graça – Farim.

Pergunta: Porquê só dois mortos no quartel ?

Resposta: Ocupavam as 4 casernas abrigo e os cerca de 5 abrigos que existiam. - Ser uma companhia amadurecida na guerra e habituada a flagelações e ataques ao quartel.

Pergunta: Havia malta da CCAÇ 19, nomeadamente camaradas nossos guineenses, entre os cadáveres espalhados nas imediações da bolanha do Cufeu, quando por lá passaram a 38.ª CCmds e depois a CCP 121/BCP12?

Resposta:

10 de Maio de 1973, Quinta-feira 

01,15 h da manhã, acordados com morteiro 82. Sem consequências.

É organizada uma nova coluna auto com 15 viaturas (a segunda), traz granadas de obus, morteiros, munições, e géneros alimentares. Transporta água para ceder aos soldados que dela precisem, o que não é fácil devido à posição estratégica e rigorosa que cada um ocupa no terreno e que pode ser distante… Este movimento saiu de Binta, ao amanhecer pelas 5,30 h.

Escolta:

2.º Gomb/1.ª CCaç/BCaç 4512 de Nema,
1 GComb da 2.ª CCaç/BCaç 4512 de Jumbémbem,
2 GComb da CCaç 14 de Farim,
1 GComb da CCaç Africana “Eventual” (milícia especial) de Cuntima,
2 GComb da 38.ª de Comandos (2.º e 4.º)
e 1 Sec/Pel Mort 4274.

Foi comandada pelo Cmdt do BCaç 4512,  de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, acompanhados pelo Sr Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos (“Águia”),  comandante do COP 3 e o seu adjunto Sr Fur Mil Infor e Op Inf do Cop3 Carlos Jorge Lopes Marques Pereira (“Lobo”). Bigene ficou sob o comando do Sr. Cap. Jaime Simões da Silva (Cmdt interino por morte do Maj Mariz).

Ao encontro da acção logística e para manter segurança, ao longo da via,  saem de Guidage 4 GCOMB: 1 bi grupo da CCaç 3 e outro da CCaç 19 (Os pelotões dos Alf Mil Leitão e Luciano Diniz). O da CCaç 3 marcha nas bermas, seguindo atrás e executando a picagem da estrada, o da 19 até ao Cufeu. O bigrupo da CCaç 3 progredindo proponha-se fazer a picagem até ao contacto com a coluna!...

Estas colunas (apeadas e auto) avançam ao compasso da lentidão dos “picadores”, podem ser alvo fácil da guerrilha que por vezes está emboscada muito perto, podendo o confronto armado acontecer repentinamente. Os condutores esforçam-se por pisar o rasto do carro da frente. Acontecendo o mesmo com os soldados, pisam onde o da frente pisou… A tensão é grande! As minas no terreno podem não ser detectadas…

Entre o UJEQUE e o CUFEU accionam uma mina anti-pessoal, cerca das 9h40, causando 1 ferido grave e 1 ligeiro.

Pouco depois, na vanguarda a CCç 3, passada a ponte no Cufeu, avista o IN contra o qual investe, encurralando-o na bolanha que corta a estrada; causando baixas prováveis ao adversário. Foi por pouco tempo… São atacados por grupo estimado em 100 turras que passa ao assalto, mostrando boa preparação e fazendo bom uso dos RPG, morteiro 60 e armas ligeiras  (armamento russo).  Elementos das NT afirmam que foram alvejados com canhão sem recuo, o que é provável. Já com escassez de munições não resistem e debandam as nossas forças. Os 2 Cmdts brancos, os Alf Mil At Inf José Soeiro e o José Pacheco, bem tentaram desesperadamente deter o avanço adversário: Notou-se na conversação via-rádio…

Esfarrapados, cansados e abatidos, os militares foram chegando ao quartel de Guidage e a Binta.

Mais atrás, a CCaç 19 não vai em auxílio da 3. Separados em consequência do accionamento da mina. Aguarda emboscada e montando segurança que a coluna chegue até eles.

Acaba por receber ordem de retirada, a marcha forçada, para Guidage, mas foi tarde… Emboscados na beira da estrada, avistam o IN e hesitam se seriam os da CCaç 3… Deu-se um contacto muito forte, com grupo de cerca de 70 a 100 elementos (?).  Sofreu 3 embates. Separados pela estrada. O último foi o mais violento, tendo os guerrilheiros avançando a descoberto, em terreno não favorável, procurando envolver-se com as NT para fugir ao bombardeamento da FAP, que procurava oportunidade para actuar, dificultada pela dispersão dos militares da CCAÇ 3, fugidos e perdidos na mata. Os nossos,  executando tiros de precisão,  alguns (principalmente os que morreram, pois acabaram envolvidos…) não aguentam o forte potencial de fogo adverso (morteiro 60, RPG e armas ligeiras) e dispersam, com baixas: 5 baixas africanos, que ficaram no terreno; 7 feridos graves e 16 ligeiros.

Os 5 mortos:

- Abdulai Mané, de Barro/ Bigene/ Farim,  1.º Cabo At, NM 820863/71, CCaç19/Cart 3521, enterrado em Guidaje;
- Jacom Turé, de Samba Condé/N.Sra. da Graça/Farim, Sold At, NM 82084271;
- Mamudu Lamine Sanhá, de Perim/ N.Sra. Fátima/ Catió, Sold Aux Enf, NM 82120372;
- Sadjó Sadjó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, Sold At, NM 82080371;
- Suleimane Dabó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, 1.º Cabo At, NM 82080471.

Obs: - Segundo o Braima Djaura, Soldado Condutor Auto, escondido, observou com o Soldado Mecânico Auto Ridel, após ter sido morto, o Mamudu Lamine Sanhá foi degolado e a cabeça colocada em cima de um tronco de árvore…

13 de Junho de 1973, terça-feira

A pedido dos Soldados da CCAç 19 e considerando não haver perigo o Maj Inf Carlos A.W. C. Campos ordenou o levantamento dos corpos dos 5 camaradas deixados para trás no Cufeu, foi um momento de grande emoção e foram dignamente enterrados junto das campas dos outros soldados anteriormente sepultados...

O 1.º Cabo Comando Amílcar Mendes,  da 38.ª CCmds, numa postagem no sítio da Internet do Luís Graça,  afirma que os 2 GComb da 38.ª C.Cmds enterraram 2 corpos que alegam pertencer à 19. Poderá tratar-se de 2 baixas do IN...

O PAIGC não se apercebeu da entrada em Guidage, ontem, vindos via corta mato, da zona de Samoge onde montavam patrulhamento e segurança, dos 2 GComb da CCaç 3 e pagou caro este facto, pensou estar a enfrentar apenas os 2 GComb da CCaç 19…

O IN retirou também, fortemente combalido: 10 a 12 a mortos que sofreu, e nove feridos. Segundo várias fontes de informação LERPOU o seu comandante (Solo Danfá?). Ao abandonarem a zona terão levado alguns dos seus mortos. Sentindo o aproximar da coluna fugiram também.

Viveram os contactos o 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Janeiro e o Soldado Trms Inf Carlos Alberto Valentão, este chegou esgotado ao aquartelamento. A aviação não acorreu rapidamente. Temos que ser compreensivos, a distância… Mas a nossa impaciência, leva-nos provavelmente a sair da realidade operacional… Foi requisitada para ajudar a CCaç 3 e acabou a tentar intervir, nos confrontos com a CCaç 19…


Cadáveres de soldados africanos da CCAÇ 19, abandonados no campo de batalha. 

Foto ©: Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando/38.ª CComandos. Com a devida vénia


Soldado atingido numa perna amparado

Foto ©: http://tantasvidas.blog.pt/2006/4/ do ex-Alf Mil Comando V.Briote) Com a devida vénia.

Entretanto a coluna de auxílio progrediu com andamento acelerado, sempre que possível. Pelas 14h05, entre o GENICÓ e CUFEU accionou mina anti-pessoal de que resultou 1 ferido grave e 3 ligeiros. Contornou abatizes, ao longo do percurso. Num fornilho, situado perto da ponte no CUFEU, sofreu um morto: o Soldado At NM 06471572 Manuel Maria Rodrigues Geraldes, da 2.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, de Vale Algoso, Vimioso …

Chegados os militares, do bi-grupo da CCaç 19 que sofreu os confrontos na estrada, a guarnição ficou abalada, alguns chegaram em estado de choque e em pânico, que se pegou a outros que estavam no aquartelamento… As minhas tentativas em tentar acalmar e dizer que o auxílio acabaria por chegar, não davam resultado…

Na CCaç 19 nota-se a falta de um Comandante do Quadro, um oficial miliciano não é a mesma coisa.

Valeu, em parte, a calma do Fur Mil do SIM António Hermínio Camilo Sequeira que procurou conter a quebra dos restantes. Tomou a iniciativa de entrar em contacto com o Comando-Chefe, expondo a situação e pedindo o auxílio de Tropa Especial, de preferência pára-quedistas. A emoção aumentou, entretanto, com o choro das mulheres pelos mortos, em conjunto na tabanca.

Muitos não crêem que seja possível à coluna auto passar no CUFEU. A falta de esperança levou alguns a levantar a hipótese do abandono do posto fronteiriço, seguindo a corta mato para Farim, durante a noite. Se tal se concretizasse, teria sido um “suicídio” ou passaríamos por um pesadelo.

No meu entender não estávamos em condições de fazer uma marcha destas, com um efectivo pouco numeroso, para transportar os feridos e proteger a população, na mata. Os observadores do IN, davam pelo acontecido e possivelmente o PAIGC caía-nos em cima…

Em virtude destas atitudes, queimei toda a correspondência, parte do arquivo e o material cripto que estava a aguardar a destruição (algum que guardava para trazer para a metrópole, por me parecer interessante…). Envolvi o dinheiro que dispunha em plástico e alguns apontamentos sobre os acontecimentos de Guidage… enchi os bolsos de munições, preparando-me para seguir atrás deles, caso se concretizasse! Temia que a coisa fosse repentina…

É ordenada a separação auto e o avanço veloz, ao bigrupo da 38.ª CComandos, para Guidage. Ao atingir a povoação esta imagina tratar-se de viaturas dos turras e foi mais um sobressalto!..

É o primeiro grupo da coluna auto a atingir GUIDAGE e a quebrar o cerco, através da estrada!

Foi com muita alegria que os vimos entrar e a esperança voltar aos nossos espíritos.


Viatura a entrar em Guidage.

Foto ©: Adquirida ao 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro Alentejano

Estes comandos brancos estão equipados com material capturado ao PAIGC. Na estrada e na berma avistaram alguns dos nossos mortos e do PAIGC, não os levantaram por suporem serem do IN, ou estarem armadilhados…

Integrado na 38.ª, vinha um ex-companheiro e amigo de adolescência, de alcunha “Cachucho”, da Ribeira de Santarém. (Tomei conhecimento que outro companheiro de infância e do Cachucho, o Joaquim, também faz parte mas não veio por estar doente…).

Chegaram com uma viatura com o pneu rebentado por uma mina, um ferido grave decepado de um pé ao saltar da viatura e num Unimog que estacionou ao lado da antena do Posto de Rádio e próximo deste, com um morto envolvido num poncho.

Por volta das 18h, somos flagelados com morteiro 82, durou 10 minutos. Atingida a enfermaria que se encontrava a abarrotar de feridos. Não houve baixas. De realçar que as granadas alcançaram vários edifícios.

Pouco depois chegou a coluna, dando entrada para regozijo de todos, tropas e civis. Tendo havido gritos e vivas de contentamento. Foi uma festa-relâmpago.

O Ten Cor Cav António Correia de Campos (foto à direita), com um revólver à cintura, de galões, botas dos fuzos e bengala na mão, fez o percurso quase todo a pé.

No Posto de Comando, na presença dos oficiais, declarou que era ele que comandava o aquartelamento!

O Cmdt da coluna, do Batalhão de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, deitaram-se no dormitório do pessoal de transmissões, anexo ao Posto de Rádio, debaixo de chapa de zinco.

Um soldado condutor da Companhia de Transportes, de nome Dinis, é natural de Santarém. Saíu de Bissau para Farim e foi parar a Guidage… Foi meu colega na JOC. Passada a surpresa do encontro, perguntou-me onde poderia deitar-se em “sossego”? Disse-lhe que na minha cama não podia ser, pois estava no Centro Cripto. Indiquei-lhe o paiol, poderia deitar-se entre as caixas (cunhetes) de munições; tinha placa e paredes muito grossas em betão armado… mas rindo não ligou, dizendo que poderia ir pelos ares, talvez pensando que brincava… Eu falava a sério! Dormiu no banco da Berliett, na parada: Durante a flagelação das 22h40, cansadíssimo nem deu pelos rebentamentos, só acordando de manhã.

A CCaç 3 tem 6 homens desaparecidos: Os 2 alferes brancos José Manuel Levy da Silva Soeiro e o José Manuel Nogueira Pacheco; um 1.º cabo e 3 praças africanas negras.

A certa hora da noite um soldado da CCaç 19 atravessou a luz exterior e o arame farpado. Afirmou que foi apanhado pelos turras que o mandaram embora, depois de despido e completamente nú!… Não será um elemento do IN infiltrado nas nossas tropas? Não consigo lembrar o seu nome.

A escuridão é completa, para se andar é quase às apalpadelas…

Perto das 22h30 o Alf Mil Atir Inf José Manuel Levy da Silva Soeiro, da CCaç 3 contacta via rádio que se encontra perto do quartel do lado de Quelhato. Informa que grupo IN se aproximou e montou base de artilharia e se preparava para flagelar Guidage… Cerca das 22h40 somos atacados e reagimos bem. O Alferes da CCaç 3 observador e camuflado na mata em contacto com o Ten Cor Cav Correia de Campos, que veio para fora do posto de comando com o rádio na mão demonstrando coragem, foram dirigindo o fogo da nossa artilharia para cima deles… Embora com muita dificuldade de comunicação em virtude estarem muito perto do IN e ao que parece com pilhas fracas ou sem antenas, que se soltaram, devido às correrias por entre o matagal… Parte do nosso fogo passou por cima dos guerrilheiros.

(Continua)
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)

Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9991: (Ex)citações (183): Comparandos os dois G, Guidaje e Guileje... (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Pechorro* (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) com data de 29 de Abril de 2012:

Olá, uma boa tarde a todos,

Acabo de ler o poste P9823 referente à mensagem do amigo Carlos Jorge Marques Pereira, Ex-Fur Mil IOI / COP 3, Bigene / Guidage 72-74, conhecido entre o pessoal de Transmissões de Guidaje e Cop 3 por “Lobo”. Assim como li o poste P9751: FAP na guerra da Guiné, do também amigo António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, actualmente Ten Gen Ref).

O ex-Ten Pilav António Martins de Matos participou no desenrolar do assédio do PAIGC a Guidaje, alargando eu ao período de 6 de Abril a 29 de Maio de 1973. Não digo que esteve presente em todas as idas da FAP à zona operacional, não disponho de dados que o confirme…


Foto aérea, de SW, de Guidaje - 1971 numa altura em que o reordenamento já estava pronto. À direita, em primeiro plano, a Tabanca Nova. Para lá da pista de aviação é a bolanha e a parte acastanhada clara, é terreno a subir, do Senegal.

Foto gentilmente cedida por Cap. Carlos Ricardo - CMDT da CCAÇ 3 ao Blogue SPM0018, de JMF Dias Fur Mil SAM - Guidage / Binta). Com a devida vénia. 



Guidaje, Junho de 1972 > Eu, 1.º Cabo Op. Cripto, com o Protocolo, livro de registo das Mensagens. Pé em cima de pedaço de pedra “calcária” que uma granada de morteiro 82 despedaçou. Atrás, um dos bidões de combustível, que estavam espalhados pelo quartel, vislumbrando-se ainda, a cerca de 4 metros, o cabo de sustentação da antena do Posto de Transmissões.



A FAP EM GUIDAJE

A FA esteve presente, além de outros, nos momentos críticos e decisivos na batalha de Guidaje, apesar do alto risco: 

- No dia 6 de Abril, são alvejadas com mísseis Strela cinco aeronaves, tendo sido abatidas duas, um DO 27 e um T-6G. Morreram: dois Majores (1 Maj Pilav e 1 Maj Inf), dois Fur Pil, um Alf Mil médico, um 1.º Sarg da CCaç 19, um 1.º Cabo Enf e um ferido mandinga nativo de Guidaj. Oito mortos num só dia.

O ataque com armas ligeiras pelas 07h45 revelou-se ser um chamariz para o IN alvejar os nossos aviões. Apesar de logo no início se temer a forte possibilidade de ser atingida,  a FA acorreu com 3 DO 27, 2 Fiat G-91 e 2 T-6G.

Nos dias 8, 9, 10, 16, 19, 23, 28 e 29 de Maio de 73. Onde actuou ou tentou ajudar, no Quartel, na estrada, nas colunas auto e apeadas, em Cumbamory. Mantendo uma avioneta no ar, servindo de apoio às NT no terreno. Tendo provocado baixas numerosas ao PAIGC no dia 8 de Maio em Guidaje e no dia 19 no Cufeu.

A seguir ao abate dos nossos aviões e às baixas sofridas, a Força Aérea não ia a Guidaje, ficou quase se diria inoperacional, houve feridos que morreram e lá ficaram enterrados.

Os soldados não compreendiam esta ausência e apesar de tentar dizer que era compreensível, até eles arranjarem uma solução, respondiam com a cabeça quente…

No dia 11 de Maio 73 ouve uma tentativa de “insubordinação” dos dois Pelotões da 38.ª CCmds, evacuarem num Unimog o seu camarada 1.º Cabo Filipe, decepado de um pé por mina, no dia 10 entre o Ujeque e Guidaje. Foi com dificuldade que o Ten Cor Correia Campos os conteve…

No dia 16 de Maio apareceram 2 Hélis, onde foi o Gen Spínola e evacuou os feridos graves.

No dia 25, a seguir à morte do ferido 1.º Cabo Pára Ap Met G42 Peixoto (de Gião, Vila do Conde) ouvi dizer que houve movimentação de viatura pelos páras para evacuar o seu ferido Melo, mas não resultou…

Mais uma vez o Ten Cor Correia de Campos os convenceu a não deixar o quartel de Guidage (atitude inglória, acabariam com minas, mais feridos e dificilmente chegariam a Binta…)

No dia 28 apareceram 2 Hélis, rente e por entre as árvores. Levaram medicamentos, etc., para evacuar os feridos em estado mais grave.

Fiquei com a sensação que lá foram devido à pressão dos Páras (?). Os soldados afirmavam: se vieram duas vezes, porque não vieram buscar os que morreram?

A FAP, sempre que os chamávamos, aparecia quase na totalidade, nas acções anteriores em Guidaje. Houve vezes, que me pareceu exagerado o seu chamamento, para acções do IN que não justificavam a sua actuação… A proceder em todo o território deste modo, quem beneficiava era o PAIGC, graças ao desgaste do material aéreo e cansaço dos pilotos…

O meu parecer: A actuação da FA foi bastante positiva no decorrer da guerra na Guiné.

Um abraço a todos,
José Pechorro
Ex-1.º Cabo Op Cripto
CCaç 19
Guidage - Guiné
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9888: (Ex)citações (178): Estrutura do campo de minas (António Matos)

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strela, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)



Capa de Diário da Guiné, do nosso Camarada António Graça de Abreu, publicado em 2007, pela Guerra e Paz Editores. O livro foi escrito na Guiné, a partir das notas do seu diário e dos seus aerogramas. Foi alferes miliciano no CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) (*)

1. Mensagem do António Graça de Abreu:

Meu caro Luís: Aqui vai, na volta do correio, os textos do meu Diário que me pediste para publicar. Peço-te que introduzas apenas esta pequena nota:

O Luís Graça pediu-me para publicar no blogue os textos do meu Diário da Guiné referentes àquele período crítico de Abril/Maio de 1973, quando o aparecimento dos mísseis Strella complicou toda a estratégia de guerra na Guiné. É uma prosa datada, pode ter esta ou aquela pequena incorrecção, mas não retiro, nem acrescento uma vírgula ao que escrevi então.


Depois,nos meses a seguir, com a situação mais calma, dou testemunho no meu Diário, até 20 de Abril de 1974, da forma excelente como a Força Aérea continuou a voar por toda a Guiné, desmentindo a tese de que com os Strella "a guerra acabou", houve um "colapso", e a "supremacia" do PAIGC era indesmentível. Esta não é a verdade histórica da guerra na Guiné.

Um forte abraço,
António Graça de Abreu



2. Extracto do Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu (**):

[Fixação do texto e negritos: L.G.]

Mansoa, 29 de Março de 1973

Foi abatido um avião a jacto Fiat G 91, um pequeno bombardeiro, lá para o sul perto de Guileje. O tenente piloto aviador [, Miguel Pessoa,] foi abençoado pelos céus, ejectou-se, saltou de pára-quedas numa zona onde não foi detectado pelo IN, passou a noite no mato e no dia seguinte foi recuperado pelas NT. Está agora em Bissau, em boas condições. (i)

Ontem repetiu-se o incidente, foi abatido outro Fiat G 91. Desta vez, o piloto não teve sorte, o avião desintegrou-se e morreu o tenente-coronel Almeida Brito, o comandante das esquadrilhas de aviões na Guiné.

É uma nova realidade com que temos de contar, o PAIGC já dispõe de mísseis anti-aéreos que são eficazes. Os pilotos estão com medo de voar, quem se quer suicidar? (ii)

Esta manhã esteve cá o furriel piloto Baltazar da Silva, o tal rapaz alto do cabelo encaracolado e muito ruivo, meu conhecido e amigo desde aquela primeira aterragem estranha, alvoroçada em Teixeira Pinto. Trouxe a sua DO, pareceu-me preocupado, assustado. Almoçámos juntos, ele quase não tocou na comida, fixava os olhos em coisa nenhuma. Trouxe-o até ao meu quarto, bebemos um whisky velho, animei-o tanto quanto fui capaz. Regressou a Bissau com a morte na alma.

(i) Trata-se do tenente piloto aviador Miguel Pessoa, que mais tarde haveria de casar com a enfermeira sargento pára-quedista Giselda Antunes (...).

(ii) Sobre a queda dos aviões abatidos pelos mísseis Strella ou Sa 7 do PAIGC ver Nuno Mira Vaz, Guiné 1968-1973, Soldados uma vez, sempre Soldados, Lisboa, Ed. Tribuna da História, 2003, pp. 58-63.

(...)

Mansoa, 7 de Abril de 1973

Uma DO foi atingida pelo mísseis do PAIGC e caiu lá no norte. Morreram o piloto, um mecânico e o major Jaime Mariz que conhecia muito bem, desempenhou durante algum tempo as funções de 2º. Comandante do Batalhão 3863, de Canchungo (Teixeira Pinto). Almoçámos e jantámos muitas vezes juntos na messe de Teixeira Pinto. Era pessoa de fino trato, aberto, civilizado, camarada. (iii)

(iii) O corpo do major Jaime Mariz jamais foi encontrado, nem sequer foi possível fazer-lhe um funeral digno (...).

Mansoa, 8 de Abril de 1973

Outra DO pilotada pelo furriel piloto aviador Baltazar da Silva foi abatida pelo IN quando voava entre Bigene e Guidage. O rapaz morreu, junto com um alferes médico e um sargento. O Baltazar almoçou comigo na semana passada, esteve aqui no meu quarto, desanimado e triste. Escrevi então que ele havia partido para Bissau “com a morte na alma”.

(...)

Mansoa, 30 de Abril de 1973

(...) O movimento normal no nosso Comando decresceu muito. Sem apoio aéreo, sem aviões, não se fazem operações significativas. Se houver mortos ou feridos não temos os helicópteros para os ir buscar ao mato. O coronel [, Rafael Durão, comandante do CAOP1,] também me parece com menos “espírito guerreiro”. Já fez a guerra em Moçambique e em Angola e, apesar de duro e determinado, não advoga a tese do suicídio.

Continuamos à espera que venham atacar Mansoa. Durante as minhas férias flagelaram por duas vezes, sem consequências, os quartéis de Mansabá e Bissorã, aqui na zona. Agora só falta Mansoa “embrulhar”. A ver vamos…
(...)

Mansoa, 19 de Maio de 1973

Há dez dias atrás, por causa de vacas, aproveitei uma boleia e fui até Cutia, a vinte quilómetros daqui, na estrada alcatroada para Mansabá e Farim.

Os balantas, etnia predominantemente na região de Mansoa, não querem vender vacas aos militares portugueses. Em Farim, sessenta quilómetros a norte, os fulas, outra etnia, vendem os animais com facilidade. Como em Mansoa falta carne para a alimentação diária, é preciso recorrer ao que há, neste caso as vacas de Farim. Fez-se uma coluna com quatro unimogs do CAOP e quarenta homens da 38ª. de Comandos para irem lá ao norte buscar as vacas. Como à tarde havia coluna de Cutia para Mansoa, peguei na G 3 e segui com o nosso pessoal.

Regressei calmamente a Mansoa, depois de mais uns quilómetros a conhecer a mata, o aquartelamento e a aldeia de Cutia, florestas, bolanhas, a terra pobre. Os comandos e os quatro condutores do CAOP seguiram viagem e quando chegaram a Farim havia realidades bem mais duras do que a história da compra e transporte das vacas. Era crítica a situação em Guidage, uns quarenta quilómetros a noroeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal. O aquartelamento estava a ser atacado há dois dias, de quatro em quatro horas, em média. Duas colunas de reabastecimento haviam partido de Farim para Guidage com víveres e munições e foram ambas atacadas na estrada, com mortos e muitos feridos. Tornou-se necessário chamar os aviões Fiats de Bissau, não para bombardearem o IN mas para destruir as Berliets carregadas de víveres e munições, abandonadas pelas NT, evitando assim que caíssem nas mãos dos guerrilheiros.

Os Comandos mais os nossos condutores do CAOP iam buscar vacas, mas nessa altura o mais importante era socorrer Guidage. De emergência, organizou-se nova coluna de Farim para Guidage reforçada com os nossos homens. Foi uma caminhada de morte, havia abutres a rondar os cadáveres dos soldados portugueses abandonados na picada pela coluna anterior, havia minas, uma delas rebentou sob o Unimog da frente, arrancou-lhe uma roda que foi projectada e passou por cima da cabeça do alferes Dias, da 38ª. de Comandos, houve emboscadas e um soldado comando ficou sem um pé e sem três dedos da mão direita. O infeliz foi o Tavares, um rapaz ribatejano do Cartaxo que até conheço bem, pai de dois filhos. Como não se fazem evacuações de helicóptero, levaram-no até Guidage com o coto e a mão amarrados em ligaduras.

Durante dois dias, em Guidage, foram atacados treze vezes, com morteiros e canhão sem recuo. Os guerrilheiros afinaram a pontaria para dentro das valas onde se abrigavam os nossos homens. Lá morreu mais um soldado da 38ª. de Comandos e o soldado condutor auto David Ferreira Viegas, do CAOP 1. Era um dos meus homens, um rapaz baixo, magrinho, tímido, natural de Olhão. Tinha vinte e um anos, fora pescador no Algarve, estava connosco no CAOP desde 3 de Março e na tropa há apenas oito meses.

Não trouxeram o corpo do Viegas para Mansoa, meteram-no na urna e seguiu de barco para Bissau. Tenho sido eu a tratar das coisas dele, fui-lhe mexer na mala e fazer o espólio de todos os seus pertences para enviar à família. Possuía tão pouco, algumas quinquilharias e uma roupita tão pobre! O povo português vai morrendo, o nosso David foi apenas mais um.

Comoveu-me o último aerograma com data de 27 de Abril que lhe foi enviado pela mãe, escrito pela Rosarinho, uma das sobrinhas, porque a mãe é analfabeta. A Elsa Maria, outra sobrinha pequena, como ainda não sabe escrever, mandou contas ao tio David:

1 2 3 4 5 2 1
1 2 3 4 5 2 1
______________
2 4 6 8 0 3 3

A Ana Cristina Viegas Fava, também sobrinha, diz:

“Tio, eu já sei escrever e quando o tio estiver aborrecido escreva para mim que eu lhe respondo, está bem?"

O David Ferreira Viegas contava apenas vinte e um anos. Não vai escrever a mais ninguém.

(...)
____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de ou sobre o António Graça de Abreu e o seu livro:

5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)

27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)

16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1601: Dois anos depois: relembrando os três majores do CAOP 1, assassinados pelo PAIGC em 1970 (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

1 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1807: António Graça de Abreu na Feira do Livro para autografar o seu Diário: Porto, dia 2 de Junho; Lisboa, dia 10

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2414: Notas de leitura (5): Diário da Guiné, de António Graça de Abreu (Virgínio Briote)

(**) Vd. último poste da série FAP > 31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

terça-feira, 17 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 > 1968 > Um DO (Dornier) 27 na pista de aviação (1).

Foto: © José Neto (2005). Direitos reservados.


Guiné > Bissalanca > Restos do motor do DO 27, do Furriel Piloto Aviador Baltazar da Silva ... Esta imagem foi-nos enviada pelo nosso camarada Victor Barata, que vive hoje em Viseu, e que foi especialista de Instrumentos de Bordo, na nossa gloriosa FAP (1969/1974). Esteve na Guiné, de 1971/73, "na linha da frente dos DO 27". Pedi-lhe para me dar mais pormenores sobre este trágico acidente (2). Descobri agora que o Baltazar da Silva conviveu com outro nosso tertuliano, o António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné (2007) (3).


Foto: © Victor Barata (2007). Direitos reservados.

Vitor Barata ainda não teve tempo de satisfazer a minha natural curiosidade acerca deste acidente: onde, quando, em circunstâncias, etc. Curiosamente, acabei por encontrar algumas respostas ao ler o Diário da Guiné, o livro autografado que me foi enviado pelo seu autor, o nosso camarada António Graça de Abreu. O Abreu foi Alferes Miliciano no CAOP1, primeiro em Teixeira Pinto, e depois em Mansoa e em Cufar (1972/74).

O seu livro é um excelente documento, de interesse memorialístico, sobre os tempos (conturbados) que antecederam o fim da guerra: a morte de Amílcar Cabral, a escalada da guerra, a proclamação unilateral da independência, a conspiração dos capitães, o 25 de Abril de 1974, a retirada das NT, etc.

Não vou agora vou fazer uma detalhada recensão crítica do livro do nosso camarada António Graça de Abreu (3). Vou apenas seleccionar alguns dos seus registos diários, em que é referida a Força Aérea Portuguesa, as suas máquinas e os seus homens. Em dois ou três desses registos, a evocada a figura do Furriel Miliciano Aviador Baltazar da Silva cujo DO foi abatido em Abril de 1973, entre Bigene e Guidaje. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.

Teixeira Pinto, 26 de Junho de 1972

(…) Cheguei de manhã, vim de helicóptero (…). O alferes piloto do meu héli sabia que eu era pira, ou seja, periquito (…) e resolveu fazer uma brincadeira com a máquina voadora. Saímos de Bissau com aquela grande casca de alumínio motorizada e barulhenta,a scendendo harmoniosamente no céu. Uns dez minutos depois, sobre o rio Mansoa, o piloto fez subir o helicóptero até quase aos dois mil metros. Logo sde seguida como que o deixou cair (…) a razoável velocidade direitinho às águas do rio. Eu vinha no banco de trás e pensei: Vou morrer. Foram só uma dúzia de segundos, depois o piloto segurou impecavelmente o héli a uns duzentos metros da margem do rio (…). Chegámos e ele divertido, ao ver-me ainda branco como pó de caulino, com as cores do susto e da morte estampadas no rosto.


(…)
Canchungo, 21 de Julho de 1972

O meu dia a dia (…). Por volta das dez, quase todos os dias, chega o DO, a avioneta de Bissau; às vezes vou de jipe à pista, a uns quatrocentos metros daqui, buscar o piloto e os sacos de correio, o particular e o oficial (…).

Capa do Livro Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu. Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007.

Foto: Guerra e Paz Editores, SA (2007) (com a devida vénia...)


Portugueses com asas como os pássaros
 
(…) Canchungo, 1 de Agosto de 1972

(…) São doze os DO que voam no território, umas avionetas Dornier de fabrico alemão robustas e funcionais, mas sujeitas a desgaste tremendo. Às vezes voam às arrecuas, salvo seja.

Já têm uns anos, avariam-se com facilidade. A semana passada um DO que voava daqui para o Cacheu viu-se obrigado a aterrar de emergência na tira de asfalto da estrada Canchungo-Cacheu, por duas vezes. O que nos safa é o PAIGC não possuir anti-aéreas (há o boato de que as vão ter em breve), mesmo assim alguns DO já levaram tiros, sem consequências.

Gosto dos alferes e dos furriéis pilotos dos hélis e das DO. Estes homens da Força Aérea, quase todos mais novos do que eu, fazem maravilhas com as máquinas voadoras que lhes foram distribuídas. Vou buscá-los à pista, sentamo-nos na mesma mesa para almoçar, vamos até ao bar beber um café ou um copo, falamos da guerra e da paz. Já os vou conhecendo, admiro estes portugueses com asas como os pássaros

(...)

Canchungo, 20 de Dezembro de 1972

[Depois de trinta e cinco dias de férias em Portugal]

Cheguei de helicóptero, viva o luxo! Dá-me gozo viajar nestas loucas máquinas. A sensação de flutuar, oscilar no céu a grande velocidade, é mil vezes melhor do que aqueles voos assépticos e incolores nos aviões grandes tipo Boeing e quejandos. De helicóptero temos a terra, os rios ao alcance da mão e dançamos no céu.

Mas só quando os hélis voam em zona de paz. Hoje vieram porque havia operação na Caboiana (4). Aproveitei a boleia. De tarde, houve contacto NT/IN na zona de guerra. O mesmo héli em que vim voou para a Caboiana, foi buscar dois feridos e acabou atingido com estilhaços de morteiro 82 disparados pelos guerrilheiros. Continuou a voar, aterrou na nossa pista, fomos verificar o estado do Alouette III, e seguiu para Bissau, com o cone de trás da fuselagem cheio de buraquinhos. A enfermeira pára-quedista Celeste (*) que de manhã viajara com o piloto e comigo desde Bissau, e costuma acompanhar as evacuações no mato, apanhou um grande acagaço. O alferes piloto também estava nervoso.


__________

(* ) Dois meses deopois deste incidente, a enfermeira Celeste Pereira, ao correr para uma DO que se preparava para levantar voo a fimd e proceder a evacuação foi morta pela hélice da avioneta que lhe cortou a cabeça, no aeroporto de Bissalanca (Nota de rodapé do autor, p. 64).

Canchungo, 5 de Janeiro de 1973

(…) Hoje ouvi a DO, fui para a pista com o major P., a avioneta sobrevoava Canchungo, mas nunca mais descia, dava voltas e ais voltas por cima do campo de aviação, até que por fim aterrou. Estranhámos bastante. O piloto vinha a suar, era periquito, baixava pela primeira vez em Teixeira Pinto, estivera uns minutos largos a estar a pista. Chama-se Baltazar, é um furriel piloto aviador com um ar castiço, inconfundível, alto magro, os cabelos muito ruços e encaracolados. Pediu desculpa ao meu major pela demora na aterragem.

(...)

Mansoa, 13 de Fevereiro de 1973

A poesia de Manuel Alegre: Mesmo na noite mais triste / Em tempos de servidão,/ Há sempre alguém que resiste, / Há sempre alguém que diz não.

Resistir. Hoje vi os aviões Fiat cruzarem o céu dos poetas, picarem de cima para baixo e largarem 600 quilos de bombas sobre a floresta próxima onde se escondem guerrilheiros, mulheres e crianças, donos do orgulho, da miséria e do medo. E vi depois a mesma gente, mulheres, um menino morto e mais crianças feridas que as nossas tropas foram buscar, a fim de serem transportadas para o hospital de Bissai. E vi um tenente aviador com o remorso de talvez já ter bombardeado e morto gente inocente, e vi um coronel afirmar que, desde 1961, já contactou muita desgraça, isto agora já não lhe bole com nenhum músculo (…).

Regresso a Bissau com a morte na alma
 

Mansoa, 29 de Março de 1973

Foi abatido um avião a jacto Fiat G 91, um pequeno bombardeiro, lá para o sul, perto de e Guileje (…). O tenente piloto aviador [ Miguel Pessoa](…) ejectou-se, saltando de pára-quedas numa zona onde não foi detectado pelo IN (…).

Ontem repetiu-se o o incidente, foi abatido outro Fiat G 91. Desta vez, o piloto não teve sorte, o aião desintegrou-se e morreu o tenente-coronel Almeida Brito, o comandante das esquadrilhas de aviões na Guiné.

É uma nova realidade com que temos de contar, o PAIGC já dispõe de mísseis anti-aéreos que são eficazes. Os pilotos estão com medo de voar, quem se quer suicidar ?Esta manhã esteve cá o furriel piloto Baltazar da Silva, o tal rapaz alto do cabel encaracolado e muito ruivo, meu conhecido e amigo desde aquela primeira aterragem estranha, alvoroçada em Canchungo. Trouxe a sua DO, pareceu-me preocupado, assustado. Almoçámos juntos, ele quase não tocou na comida, fixava os olhos em coisa nenhuma. Trouxe até ao meu quarto, bebemos um whisky velho, animei-o tanto quanto fui capaz. Regressou a Bissau com a morte na alma.


(…)

Mansoa, 7 de Abril de 1973

Uma DO foi atingida pelos mísseis do PAIGC e caiu lá no Norte. Morreram o piloto, um mecânico e o major Jiame Mariz, que conhecia muito bem, desempenhou algum tempo as funções de 2º Comandante do Batalão 3863, de Canchungo (Teixeira Pinto) (…) .

A morte do Baltazar da Silva

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Mansoa, 8 de Abril de 1973

Outra DO pilotada pelo furriel piloto aviador Baltazar da Silva foi abatida pelo IN quando voava entre Bigene e Guidaje. O rapaz morreu, junto com um alferes médico e um sargento  . O Baltazar almoçou comigo na semana passada, esteve aqui no meu quarto desanimado e triste. Escrevi então que ele havia partido para Bissau “ com a morte na alma” 

[Certamente por lapso, não é referido o major de infantaria graduado Jaime Frederico Mariz, cmdt do COP 3, que ia de boleia para Bigene.]

(…)

Bissau, 29 de Abril de 1973 [Depois de dezoito dias de férias em Portugal]

(…) Pelo que já ouvi contar, a aviação está quase paralisada. Os guerrilheiros, moralizados, passam ao ataque. Sem aviões, sem hélis, complica-se a vida de todos nós.

(…)

A tropa anda amedrontada ... 

Mansoa, 8 de Maio de 1973

(…) Aqui os aviões, muito a medo e com a máxima precaução, recomeçaram a voar. Acabou a segurança com que cruzavam os céus da Guiné. Os hélis ainda não vão buscar ninguém directamente ao mato, no caso de haver um contacto e registarem-se feridos. Por tudo isto, e porque todos sabemos que tem morrido muita gente, a tropa anda amedrontada.

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Notas de L.G.:


(1) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 >
Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

(2) Vd. post de 14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1661: Tertúlia: Notícias de Lafões, do Rui Ferreira, do Carlos Santos e da nossa gloriosa FAP (Victor Barata)

(3) Vd. posts de:

5 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

6 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

27 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)


(4) Ao CAOP1, pertenciam entre outras forças especiais a 38ª Companhia de Comandos, de que fazia parte o nosso tertuliano Amílcar Mendes. Há vários posts sobre a actividade operacional da 38ª CCmds, na região de Caboiana:

15 de Novembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana

22 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Cubiana-Churo