sábado, 25 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20592: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXXIV: Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos, maj art (Quelimane, Moçambique, 1931 - Pelundo / Jolmete, Guiné, 1970)






1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia). (*)

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à esquerda], membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972 ]

2. Sobre a tragédia do Chão Manjaco (em que foram barbaramente assassinados pelo PAIGC, em Jolmete, em 20 de abril de 1970, três oficiais superiores, um alferes miliciano, dois condutores de jipe e um tradutor, nativos, todos desarmados), temos dezenas de referências no nosso blogue. Ver em especial:

Três majores
Major Magalhães Osório
Major Passos Ramos
Major Pereira da Silva
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Guiné 61/74 - P20591: Os nossos seres, saberes e lazeres (374): A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
A viagem de 1977 encetou uma relação afetiva, criou um lugar pleno de vínculos, rapidamente ir a Bruxelas significava trabalho aprazível e aventura. Ao princípio, eu estava confinado aos guias, entrava no Turismo para saber das exposições e espetáculos. Depois a sociedade digital alterou o acesso às informações, fizeram-se amizades. E convém ter sempre sorte, esta aqui nunca me abandonou.
Uma vez, aqui desembarquei ao princípio da tarde, deixei a trouxa numa albergaria e às dez para as seis encaminhei-me para a bilheteira da Ópera de Bruxelas, dentro de minutos começava "Tristão e Isolda", de Richard Wagner. A senhora lamentava-se, espetáculo esgotadíssimo, eu choraminguei, inadmissível, vir com o propósito de ir à Ópera, ainda por cima com dois cantores fabulosos, sair de mãos vazias. A senhora suspirava, havia uma hipótese que não recomendava, lá junto ao teto havia uns lugarejos com uma vista a pique, o som magnífico, mas era preciso ter cuidado com as vertigens, custava dez euros.
Paguei imediatamente, subi as escadas a correr, foram seis horas de delírio, o pior é que à meia-noite estava tudo fechado, era uma fome abrasadora, tudo se resolveu numa lojeca que vendia bananas e bolachas. Deitei-me com o estômago minimamente aconchegado, aquela récita tinha sido o maior manjar que Bruxelas me podia ter oferecido.
A sorte favorece os audazes.

Um abraço do
Mário


A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (2)

Beja Santos

O arrebatamento por Bruxelas data da primeira visita, em 1977. Guardei durante anos o caderno dos contactos estabelecidos, o nome de quem me recebeu na então Direção-Geral de Informação e me estabeleceu a série de contactos que se prolongaram durante oito dias úteis, de manhã até ao fim da tarde. Era um caderno onde se resumiam todas as visitas, os nomes das pessoas com quem contactava, a síntese das atividades, tudo o que importava ponderar para uma futura institucionalização da política dos consumidores. O caderno dessa viagem desapareceu, a maior parte dos nomes esvaiu-se, só se guarda referência das pessoas com quem durante anos sucessivos se manteve o contacto profissional. O que assalta à mente, de chofre, foi a impressão do Berlaymont, cheguei cedo, e antes de avançar para a receção mirei o edifício de diferentes ângulos, era impressionante, nunca vira tal estrutura metálica, tinha-se a sensação que o edifício estava pronto a levantar voo. Mais tarde, o edifício da Comissão Europeia encerrou para obras ciclópicas, arrancaram-lhe todo o amianto, deve ter ficado mais caro do que se o tivessem construído de novo, mas a maioria das vozes recusou a sua demolição, era o edifício-ícone que simbolizava o sonho criador de uma Europa de paz, como veio a acontecer. Depois de um encontro agradável mas formal, e com a promessa de que nos havíamos de rever na véspera do meu regresso a Lisboa, saí para a rua, tinha uma hora de avanço para o primeiro encontro, percorri uma avenida com o nome de rua, metia uma certa impressão naquela mistura caótica de novo com velho, embrenhei-me em ruas laterais, voltei, no fim de cada quarteirão a olhar para o fundo e depois em sentido contrário, na direção do Parque Real. Se é verdade que a Rue de la Loi não tem beleza nenhuma, guardo saudades de a ter percorrido nos alvores da manhã, por vezes altamente preocupado com discussões ou debates em que iria participar, aqui ou acolá, naquele tempo ainda não se podia falar num bairro europeu, era tudo disperso, passava-se ali o dia enterrado, e ao fim do dia esperava-nos um trânsito tumultuoso. Conheci a Rue de la Loi com sol e neve, chuva inclemente e dias primaveris. Ficou na minha vida como uma recordação inesquecível.

Edifício Berlaymont atual.

Rue de la Loi no poente e sem chuva.

A Igreja de Nossa Senhora da Capela, onde está sepultado Pieter Bruegel, o Velho, que habitava neste bairro castiço de Marolles, tem imponência exterior, gosto muito daquela altaneira torre sineira que aponta na direção da Rue Claes, ao fundo está a Feira da Ladra de Bruxelas, minha paragem obrigatória. Não conheci esta Place du Jeu de Balle na primeira visita, quando regressava, nos dias úteis, ao fim da tarde, percorria as ruas do centro histórico em todas as direções, a primeira grande descoberta foram as livrarias de livros usados, uma delas, perto da Ópera, estava aberta até às dez da noite, ali me entretive antes de regressar ao meu pequeno hotel.

Église Notre Dame de la Chapelle, Marolles.

Era na Rue Royale que a Organização Europeia de Consumidores tinha a sua sede. Fui muito bem recebido e, imagine-se, encontrei lá Teresa Santa Clara Gomes, que ali fazia voluntariado. Acredite o leitor ou não, aquela igreja ao fundo sempre a conheci fechada. Em 1996, numa das minhas deambulações, entrei numa loja de tapetes orientais, havia para ali promoções a sério, comprei um tapete nepalês que transportei ao ombro, pesadíssimo, hoje é impensável, nem entrava no avião. Não vou deter-me nas compras que fiz ao longo destas décadas. Numa visita de trabalho à Organização Europeia das Famílias, no Bairro d’Ixelles, na Rue Dublin, encontrei uma loja em liquidações, fui atraído por uma porcelana de Meissen, a senhora pediu-me um balúrdio, agradeci, depois a senhora entrou em confidências, estava semiarruinada com um filho toxicodependente, olhei para um quadro que tenho hoje à entrada da minha casa, um grande quadro a giz com uma floresta emaranhada e uma luz ao fundo numa casinha de campo, uma moldura talhada à mão, uma beleza. Comprei ao preço de chuva, vi-me na rua com cerca de dez quilos de madeira, um volume enorme. Ainda hoje estou para saber como entrei num avião da TAP com este volume descomunal.

Rue Royale.

Em 1987, estava eu já em estreita colaboração com a Confederação Europeia dos Sindicatos, organizou-se em Veneza uma conferência sobre normalização. Para minha surpresa, havia interpretação para português, já nessa altura coisa rara. Foi aí que começou a minha amizade com Nelly Alter, fazia interpretação em sete línguas. Sempre que estava em Bruxelas e passava por lá, exigia que a visitasse, a contrapartida eram livros em português, de preferência romances acabadinhos de sair. Vivia então na Avenue Georges Petre, na Comuna de Saint-Josse. Quando perguntei à Nelly como lá chegar, ela respondeu que devia sair na Place Madou. Fui inúmeras vezes jantar com a minha amiga, e quando tive oportunidade de fazer fins de semana, sempre que ela podia, damos belíssimos passeios. A Nelly vive em Namur, de vez em quando bato-lhe à porta, recebe-me com uma alegria esfusiante.

Place Madou.

Nas propostas turísticas para aquele primeiro fim de semana, a escritora Fernando Botelho sugerira-me a Casa de Erasmo, cheguei lá de autocarro, é um edifício encantador e depois da visita passeei e entrei numa espantosa beguina, as beguinas eram casas que recebiam viúvas ou senhoras com algumas posses, desde a Idade Média, com as suas casinhas e uma vida coletiva a preceito. Muitas vezes as beguinas eram enriquecidas com doações, ficaram autênticos museus. Espero voltar ao assunto, a partir de então andei sempre à procura de beguinas por onde quer que passeasse.

La Maison d’Érasme, Anderlecht, Bruxelas.

De autocarro, segui de Anderlecht, que é já na periferia de Bruxelas para uma visita que acalentava desde que organizara o eventual programa de lazer: o Museu Victor Horta, na Rue Americaine, na Comuna de Saint-Gilles. Devoto que sou da Arte Nova, Victor Horta é um dos arquitetos que mais admiro, Horta não se limitava a desenhar edifícios, concebia as artes decorativas desde a iluminação ao mobiliário, cuidava de todos os pormenores das escadarias, por exemplo. Passei aqui uma tarde admirável. Com a dispersão dos passeios, imagine-se, só lá voltei de novo, décadas depois, e continuei muito impressionado.

Musée Victor Horta.

Esta rua, sem beleza nenhuma, alberga um edifício da Comissão onde diariamente se realizam inúmeras reuniões, é possível olhar para um painel e encontrar todos os temas desde agricultura e pescas, passando pela ajuda humanitária até transportes e comunicações. Aqui vim muitas vezes, quer como funcionário público quer como militante associativo. Nunca esqueci uma reunião convocada pelos Serviços da Comissão, tinha a ver com a revisão da legislação da publicidade enganosa. Ia a reunião a meio e apareceu uma senhora que se identificou como representante da Grécia, tinha vindo para uma reunião sobre cosméticos, mas tinham-lhe pedido para aparecer por ali, tomar notas do que se dizia para transmitir aos competentes serviços. Disse isto com uma candura enorme, sorriu para toda a gente, não lhe ouvimos uma palavra mais…

Rue Froissart.

O Boulevard Anspach é um dos eixos principais do centro da cidade, terá sido majestoso até ao fim da II Guerra Mundial, depois a grande burguesia abandonou o centro, quem aqui reside são essencialmente imigrantes. Desde a primeira visita passou a ser um itinerário obrigatório por causa dos alfarrabistas, havia lá muitos até ao fim do século. Desapareceu um café onde se bebia um saborosíssimo chocolate, é do domínio público que os belgas estão na primeira linha da chocolataria.

Boulevard Anspach.

É só para saberem que passei aqui muito tempo e que gostaria de continuar a visitar este local onde é possível encontrar desde binóculos a caixas de costura, álbuns de viagens, livros e tudo quanto a imaginação oferece. Uma vez comprei aqui um álbum com fotografias de alguém que entrou em Vilar Formoso e visitou Lisboa em 1952, estava lá uma fotografia do Rossio que é uma joia. Gostava que este álbum ficasse numa instituição certa, mas não sei qual.

Place du Jeu de Balle, uma das Feiras da Ladra da minha vida.

Despeço-me com uma confissão. Não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que entro neste museu, este é o quadro que visito em primeiro lugar, é de uma beleza intemporal, não encontro palavras. Parece ser uma paisagem mediterrânica e a primeira vez que o olhei andei à procura do Ícaro, lá está ele em grande mergulho, perante a indiferença de quem está a arar a terra e do pastor que contempla os céus. Aquele veleiro parece uma caravela portuguesa e os tons turquesa do mar são surpreendentes. Só depois de estar aqui quase em oração é que vou visitar outros génios das Belas-Artes. Este é um dos quadros da minha vida.

La Chute d’Icare, de Bruegel, o Velho, Museu de Belas-Artes e História, Bruxelas.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20570: Os nossos seres, saberes e lazeres (373): A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20590: Parabéns a você (1747): João Alberto Coelho, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20585: Parabéns a você (1746): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73); Francisco Godinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2753 (Guiné, 1970/72) e José Albino, ex-Fur Mil Art do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Guiné, 1969/71)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20589: Notas de leitura (1258): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (42) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Agosto de 2019:

Queridos amigos,
Entrou-se numa fase tranquila no BCAV 490, o bardo anda disfarçado de polícia militar e não se queixa.
Alguém que acompanha o blogue, que foi alferes em Moçambique, veio à estacada falar do seu irmão, um furriel miliciano do BCAV 490, louvado e condecorado. Impossível não acolher tão oportuna e benfazeja intervenção, oxalá que apareçam mais.
Põe-se termo às intervenções de Dutra Faria, o primeiro dos jornalistas que veio até à Guiné (uma série a que se podem juntar nomes como os de Amândio César, Horácio Caio e José Manuel Pintasilgo, série essa que culminará com um conjunto de reportagens de Avelino Rodrigues com uma polémica entrevista a Spínola onde se aflora a autodeterminação, pasme-se). E na linha do contraditório, dá-se a palavra a alguém que virá a ter reputação mundial como escritor e investigador dos movimentos revolucionários, Gérard Chaliand, que entre maio e junho de 1966 acompanhou Amílcar Cabral e outros dirigentes do PAIGC na região do Morés.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (42)

Beja Santos

“Continuamos a trabalhar
a missão desempenhámos.
Acabámos de rondar,
à Amura regressámos.

A placa contornando,
vemos as pernas às mocinhas.
Vão-se dando umas voltinhas
pela rua das montras passando,
à esquerda do sinaleiro voltando,
segue-se na rua à beira-mar.
Vêm-se os namoricos a gozar
nos bancos do jardim
e, com esta vidinha assim,
continuamos a trabalhar.

Voltando pelo mesmo lugar,
tomamos a rua do Hospital
e antes do quartel-general
tornamos à esquerda a voltar.
Aos Bombeiros vamos passar
e as duas gémeas miramos.
Ao Alto-Crim chegamos
e seguimos até à Flor do Minho.
E nas tabancas por outro caminho
a missão desempenhamos.

Passando ao Alto-Crim, novamente,
perto do Capitão se vai torcer
e as estudantes vamos ver
ao avançar prudentemente
à esquerda da rua em frente.
Vê-se a Milú a passear.
Ouve-se o Concha a tocar
com sua amabilidade
e correndo o resto da cidade
acabamos de rondar.

Temos que incomodar a rapaziada,
mandando apertar os botões
e manda-se desarregaçar os calções
e andar de farda asseada.
A malta às vezes é tarada,
e com eles nos chateamos
alguns malandrecos encontramos
que só obedecem a bastão
e levando-os ao nosso Capitão
à Amura regressamos.”

********************

O bardo prossegue a cantilena do quotidiano com roupagem de polícia militar, patrulham Bissau e não esquecem os namoricos. Aqui se faz um desvio e profundo. Acontece que quem acompanha o bardo escreve com regularidade num jornal de Tomar, com lastro de pergaminhos, O Templário. A propósito de uma recensão sobre Tomar e os seus tesouros, um leitor interveio com várias sugestões, Tomar não é só cidade, há tesouros pelas redondezas como Alviobeira, Asseiceira, S. Pedro da Beberriqueira, Bezelga, Carregueiros, Casais, Junceira, Madalena, Olalhas, Paialvo, Pedreira, Sabacheira e Serra, toca de inventariar tais tesouros de tais localidades. E depois de se apresentar como alferes miliciano de Cavalaria em Moçambique, onde permaneceu de outubro de 1972 a janeiro de 1974, na região de Cahora Bassa e de fevereiro a outubro de 1974 na Beira, lembrou que um seu irmão fora furriel miliciano de Cavalaria do BCAV 490. E deu pormenores, desta maneira:  
“Aqui vai a foto da Cruz de Guerra de 3.ª Classe com que o (então) Fur. Mil. Cav. António Augusto Pimenta Henriques Simões da CCav 488 do BCav 490 foi agraciado (entregue nas cerimónias do 10 de Junho em Tomar) pelos feitos em combate, designadamente em S. Nicolau na Ilha do Como - Guiné na Operação Tridente.
Irei fotografar o louvor do CMDT de Batalhão TCor Cav Fernando Cavaleiro que deu origem à condecoração e tempestivamente enviar-lho-ei.”


Mais tarde chegou o seguinte mail:

“Aqui vai a foto de um quadro com os louvores do meu irmão António Augusto Pimenta Henriques Simoes da CCava 488 BCav 490.”



E por fim o seguinte mail:
“Como prometi aqui remeto quatro fotos do meu irmão António Augusto Pimenta Henriques Simões (Fur. Mil. Cav. da CCav 488/BCav 490) em operações na Guiné 1963.1965.”





Um agradecimento profundo a João Manuel Pimenta Henriques Simões pelas cativantes lembranças que nos ofereceu sobre o seu irmão.
E voltamos a Dutra Faria e ao conjunto de textos intitulados “Na Guiné Portuguesa junto da Cortina-de-Ferro” que foram dados à estampa no jornal “Diário da Manhã”, inequivocamente ligado à ideologia do Estado Novo. O diretor da ANI – Agência de Notícias de Informação aproveita a oportunidade para referir movimentos rivais do PAIGC e não lhe escapou o despotismo de Sékou Touré e entrevista inclusivamente um fugitivo ao regime que se abrigou na colónia portuguesa. Deplora que uma boa parte dos portugueses não perceba que Portugal está em guerra contra o seu inimigo de estimação, o comunismo. Há a guerra, ele está absolutamente convicto que o terrorismo será em pouco tempo pulverizado, a rejeição dos verdadeiros guineenses é inequívoca. A sua reportagem culmina com uma visita a Bor, um asilo que tem funcionamento primoroso:
“Em Bor, os rapazes permanecem até aos sete ou oito anos, idade em que transitam, com largo pranto dos garotos e muitas lágrimas, também, nos olhos das Irmãs para outro asilo; as raparigas, porém, ficam até se casarem – ou até aos vinte e um anos, se acaso não se casam antes dessa idade. Aqui aprendem a ler e a escrever, a cozinhar e a costurar, a ter uma casa bem arrumada e a cuidar dos filhos que lhes hão de nascer um dia. Nas horas vagas, bordam, e das suas mãos saem então maravilhas só comparáveis aos bordados da Madeira e dos Açores.”

E a reportagem termina com um certo desconcerto:
“Ao sair pergunto à Irmã Rosa se os terroristas alguma vez as ameaçaram ou importunaram.
A resposta é encantadora:
- Porque haviam de fazê-lo? Nós educamos-lhes aqui as filhas…
Só Deus sabe, efectivamente, quantos dos indígenas que vemos pelos campos, debruçados para a terra a cavar, não trocam, à noite, a enxada pela pistola-metralhadora – ou, ao menos, não têm na palhota, bem escondido, o distintivo do PAIGC. Mas, se os pais ainda podem ser suspeitos, os maridos das raparigas que saem de Bor já são todos – e em grande parte graças à benéfica influência que sobre eles exercem as mulheres – portugueses dos melhores. E assim também combatem o terrorismo – à sua maneira – as seis boas freirinhas da Missão-Asilo de Bor”.

Findo este texto apologético de Dutra Faria, procura-se um contraditório, a viagem que Gérard Chaliand fez à Guiné entre maio e junho de 1966, é um dos primeiros brancos que acompanha Amílcar Cabral, atravessam a fronteira senegalesa, embrenham-se pelo mato, de piroga chegam a terra firme que os conduz ao Oio. Gérard Chaliand não esqueceu esta viagem e mais tarde no seu primeiro livro de memórias “La Pointe du Couteau”, Robert Laffont, 2011, revelará o entusiasmo que tal incursão lhe provocou, ficou marcado pela personalidade do líder do PAIGC. O seu livro “Lutte armée en Afrique” foi editado na Livraria François Maspero em 1967.
Investigador de reputação mundial em movimentos revolucionários, Chaliand começa por dizer que a luta armada mais consequente do continente africano era a que se desenrolava na Guiné, e menciona um comunicado do PAIGC, emitido em Conacri em 9 de maio de 1966, acerca da viagem em que Chaliand acompanhou Cabral. Tratou-se de uma itinerância pelo Norte, Cabral e a sua comitiva visitaram escolas, dispensários, bases de guerrilha e unidades das forças revolucionárias. O líder do PAIGC era acompanhado por Osvaldo Vieira e Francisco Mendes bem como por um responsável do MPLA e pelo jornalista e escritor francês Gérard Chaliand. Uma visita em que se percorreu Djagali, Maké e toda a base do Morés. Segue-se a narrativa da incursão.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 17 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20567: Notas de leitura (1256): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (41) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20577: Notas de leitura (1257): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20588: Manuscrito(s) (Luís Graça) (177): Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, o último africanista - Parte II


Guiné > Algures > s/d > Manel Djoquin, com o seu icónico velho Ford, de matrícula G-804, a sua caçadeira e um dos seus ajudantes locais... (Dizem que um deles terá sido o Kumba Yalá, quando jovem... Nasceu em Bula, em 1953 e morreu em Bissau, em 2014, aos 61 anos; foi presidente da república, entre 2000 e 2003).

Foto (e legenda: © Lucinda Aranha (2014) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A vovó Nené


A Julinha


Cabo Verde > Santiago > Praia > s/d > c. 1930 > Manuel Joaquim dos Prazeres éra um apaixonado por carros e corridas de carros.. E tinha, em sociedade, uma oficina de reparação de automóveis, a Auto Colonial, na Rua Sá da Bandeira (vd. pág. 29)


Guiné > s/l > s/ d (c. 1950 > O Manuel Djqoquim, numa das suas poses "cinematográficas" (v. pág. 80)

Fotos e legendas (2016): página do Facebook, Lucinda Aranha Antunes - Andanças na Escrita (Com a devida vénia...).


1. Notas de leitura:

Lucinda Aranha - O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim. Alcochete: Alfarroba, 2018, 165 pp.

A autora chama "romance" ao seu livro de memórias da família (*)...Na realidade, é um conjunto de histórias de vida, à volta da figura do "africanista" Manel Djoquim, e das "matriarcas" da família, a Julinha, sua segunda esposa, e a "vovó Nené", a ama das filhas e depois cozinheira, vinda da Praia, Santiago, para a casa de Lisboa, onde viveu mais de 60 anos, perfeitamente adotada e integrada na família (cap 1, pp. 9 e ss.; e cap 5, pp. 58 e ss.).

Esclareceu-nos a autora, Lucinda Aranha, a mais nova das filhas do Nequinhas e da Julinha, já nascida em Lisboa: "Efetivamente nunca fui à Guiné ou a Cabo Verde. Para mim,  embora o livro gire à volta do Manel Djoquim, é um livro de mulheres onde dominam as 2 matriarcas. Este trio constitui as 3 personagens mais importantes." (*)

Na contracapa pode ler-se:

"A busca de uma vida melhor. O encontro com a aventura e o desconhecido. A liberdade de uma nova terra. Os encontros e os desencontros de uma vida amorosa"...

Na Guiné andava sempre armado...
Era uma inveterado caçador (pág. 71)
Esta nossa amiga, que nunca viajou, fisicando falando, até Cabo Verde e à Guiné-Bissau, acabou por
escrever um livro que é também uma "hino de amor" àquelas duas terras por onde andou, viveu, amou, trabalhou o seu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres (1901-1977). E um "hino de amor" aos seus pais, aos amigos dos seus pais, às suas manas, à sua ama, escrito de resto com delicadeza e inteligência emocional para não ferir suscetibilidades, até porque há muitas pessoas vivas: as irmãs, os amigos, os seus descendentes... Daí a autora chamar "romance" a este livro.

O livro tem 13 capítulos e 169 pp, onde o crioulo se mistura, saborosamente, com o português. Mas todas as falas ou expressões em crioulo têm tradução, em nota de rodapé, como a fala da vovó Nené (Maria Mendes, no romance): "C'uzas di vida, sima Deus crê. Mim nasci lá lundji, badia di pé ratchado e vem vivi e ve morri cum sinhóra e sus filhu fèmia em Lisboa" ["Coisas da vida, como Deus quer. Nasci longe, vadia de pé rachado e vim viver e morrer com a senhora e as filhas em Lisboa".] (p. 58).

Falando do feitiço de África, tudo começou, por Cabo Verde, onde Manel Djoquim, chega, em 1922, instalando-se na Praia onde começa por trabalhar, como mecânico, na Central Elétrica. Em 1930, casa-se com Tonha, "filha da terra" (pág. 33)., de quem tem duas filhas e um rapaz. 

A alfacinha Julinha, 11 anos mais nova, , aparecerá mais tarde, na viragem dos anos 30 (pp. 45 e ss.). Desta relação,  nascem, na Praia, duas irmãs da Lucinda... Em 1944, a família ruma até Bolama, onde nasceu uma terceira filha... Em 46, a Julinha e as filhas, mais a ama cabo-verdiana,  regressam a Lisboa, onde nasceu  a Lucinda.

Nascido em Lisboa, em 1901, em plena "belle époque" (, que só o era para uma minoria privilegiada da alta nobreza e da burguesia em ascensão...), Manuel Joaquim terá visto em África uma tripla oportunidade para a sua vida... Na época, África estava longe de ser um "destino comum" para os portugueses que procuravam uma "vida melhor", longe da  metrópole, e dos tempos difícdeis do pós-guerra, mas também a "aventura" e o "desconhecido", a par da "liberdade" e dos "amores".. O Brasil era então,  de longe, o grande destino da emigração portuguesa.

Território português durante séculos, povoado por escravos e por europeus,  Cabo Verde não foi, mesmo assim, objeto de grandes memórias escritas por parte das gentes metropolitanas que naquelas ilhas se fixaram ou lá viveram durante uns largos tempos. Daí também o interesse adicional deste livro, com apontamentos e fotos interessantes sobre o quotidiano da vida na Praia, onde o Manel Djoquim viveu, mais de duas décadas,  entre 1922 e 1944. (1922 é uma data aproxiamda, em rigor a autora não sabe o ano exato em que o pai se ficou na Praia.)

Mais sorte terá tido, nesse aspeto,  o Mindelo, na ilha de São Vicente, cidade aberta,  cosmopolita, e que teve sobretudo o privilégio de ter, durante décadas, o Foto Melo, um estúdio fotográfico que atravessou um século (1890-1992), tendo documentado praticamente toda a vida (política, militar, económica, social, cultural...), a demografia e  a geografia  da ilha...

"O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", dado à estampa em 2018, parece-nos ser, de algum modo, um desenvolvimento do livro anterior da autora, "No reino das orelhas de burro" (Lisboa, Colibri, 2012, 106 pp.), baseado também nas estórias  de homens e bichos que povoaram a sua infância (***)...

Na obra, agora em apreço, a autora baseou-se numa exaustiva pesquisa documental (escrita e fotográfica), recorrendo ao arquivo da família mas também e sobretudo às suas recordações de infância, adolescência e juventude  (o pai morreu quando ela estaria já  à beira dos 30), bem como a entrevistas a familiares e amigos do pai e da família, do tempo de Cabo Verde e da Guiné. Pai que é uma personalidade complexa e contraditória, conservador, puritano, moralista, mas também anticlerical, aventureiro, inimigo das corridas de touros e do fado,  e em termos político-ideológicos um admirador de Salazar tanto quanto de Amílcar Cabral...

A autora consultou igualmente a escasssa imprensa local, dessa época, "O Eco de Cabo Verde" (, com início em 1933) e o "Arauto", primeiro semanário e depois diário, que se publicou em Bissau, de 1943 a 1968. Teve, também, verdade se diga, uma boa ajuda dos nosso blogue e dos nossos camaradas e amigos que ainda conheceram o Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, durante a guerra... pelo menos até 1970/71... (A PIDE/DGS e as autoridades militares acabaram por impedi-lo de deambular livremente pelo  mato, com a sua carriplana, alegando razões de segurança; e isso foi "o princípio do fim": em 1973 tem um AVC,  já em Lisboa, e morre quatro anos depois, precisamenre em 25 de dezembro de 1977.)

A "morabeza" cabo-verdiana  está muito bem retratada no capítulo II ("Na cidade da Praia" (pp. 28-44).  Há ali personagens (amigos da tertúlia do Manuel Djoquim) que mereceriam um outro deenvolvimento num romance de maior fôlego: são homens (, não entram aqui mulheres...) das relações de amizade e convívio do futuro homem do cinema...(que, de resto, coneça aqui,  na Praia, a sua carreira de empresário de cinema, prosseguida depois , em 1944, em  Bolama,  onde se fixa, a convite da Associação dos Bombeiros locais, para dar sessões de cinema ao livre, com documentários sobre a II Guerra Mundial). (**).

"Além de mecânico da Central [Elétrica], de dar uma mãozinha na Marconi, fizera-se sócio da oficina-garagem do Pires [, a Auto Colonial,], abrira uma casa de comércio, dessas que vendem um pouco de tudo, dedicara-se à projecção de filmes.

"Ademais lucrava com a comodidade de a Central ficar  perto do cinema, o Teatro Africano, rebatizado  Cineteatro Virgínio Vitorino pelo Estado Novo, que desconfiara do nome primitivo, censurando as veleidades autonomistas africanas.

"A sala  era-lhe subalugada pela Cãmara, que administrava também a luz. Morava então na rua  Serpa Pinto, mesmo junto ao cinema e à Central, numa casa com quintal, árvores e fruta-pão e bananeiras e muito espaço para a criançada que ia nascendo e para os cães e os gatos de que gostava de se rodear.  A casa comercial e a oficina ficavam na rua Sá da Bandeira, a rua mais larga da cidade"  (pág. 23).

Numa terra assolada por secas cíclicas, a fuga à fome, à morte e à pobreza fazia-se muitas vezes emigrando para a Guiné e também para São Tomé e Príncipe. Para os cabo-verdianos,  a vida na Guiné era-lhes mais fácil, "ou não fossem mais estudados,o que lhes garantia bons cargos, posições de chefia" (p.33).

Este e outros temas eram pretexto para a cavaqueira, tal como a chegada á ilha de  exilados políticos, quer ainda no tempo da República como depois durante a Ditadura Militar e o Estado Novo: o coronel  Fernando Freiria ou o médico militar Carlos Almeida, são dois exemplos citados.

Também teve eco, naquela tertúlia,  a "grande escandaleira [que] foi o ataque ao crioulo e aos mulatos no 1º Congresso de Antropologia Colonial realizado no Porto, em setembro de 34. O dr. Luís Chaves, conservador do Museu Etnológico, cheio de zelo ariano, defendendeu que os mestiços eram seres inferiores, degenerados, incapazes de produzir obras literárias" (p. 37)... Com isso, amesquinhavam-se grandes escritores crioulos como o Fausto Duarte, autor do romance "Auá", que ganhara justamente o 1º prémio do 1º Concurso de Literatura Colonial, e em defesa do qual veio a terreiro o Juvenal Cabral, pai do Amílcar Cabral, nas páginas de "O Eco de Cabo Verde".

Depois de 1936, há outro motivo de conversa,  a abertura  da "colónia penal" do Tarrafal, na ilha de Santiago  (p. 41). E, e ainda antes de (e durante)  a guerra, as histórias dos alemães que, apesar da neutralidade do governo de Salazar, não se coibiam de ir a terra, desembarcados dos submarinos que patrulhavam o Atlântico, quer ´para se reabastecerem quer para fazerem jogatanas de futebol com a miudagem... (pp. 41/42).

Mas o acontecimento mais marcante desta época, pelo insólito, foi a passagem do zepelim, em 1934...

No livro "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim" (Alcochete: Alfarroba, 2018),
Lucinda Aranha faz referência a este memorável evento nos termos seguintes termos:

" (...) mas nada os fez [ao Manel Djoquim e amigos de tertúlia]  dar tanto à língua como o espetácul nunca visto do zepelim que, na manhã de 12 de junho de 34, pairou sonre o céu  da Praia, em espera de um passageiro alemão que resolveu ìr às comprars de sedas e outros artigos japoneses na casa Serbam. Foi um embascamento que os fez abandonar casa e trabalho " (...) (pág. 34)

Recorde-se que o zepelim era um grande dirigível, rígido,com carcaça metálica, de tecnologia e fábrico alemães, usado para travessias do Atlântico na década de 1930.


Cabo Verde> Ilha de São Vicente > Mindelo >  S/ d > A foto ilustra a passagem dum zepelim mas não tem datas.  Foto do álbum de Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, natural de Vale da Pinta, Cartaxo, ex-1º Cabo n.º 816/42/5 da 4ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria do  R.I. 5,  despois integrado no RI 23... A foto tem a data de 18 de Outubro de 1943 e na legenda refere ser 'recordação de S. Vicente'. O original é "foto Melo". (****)

Foto (e legenda): © Hélder Sousa (2009). Todo os direitos reservados. [Edição e Legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

É uma raridade esta foto: ao que parece, dataria de 1937, ano e que o Mindelo foi sobrevoado por um dirigível que pretendia abrir uma carreira entre a Europa e o Novo Mundo, o LZ 129 Hindenburg, de fabrico alemão, origulho do regime hitleriano:

(...) Reza a História, que o dito aparelho, uma das grandes apostas à época para o transporte de passageiros, adoptando os mesmos tipos de luxos dos grandes 'Paquetes Transatlânticos' que estabeleciam as ligações entre os três continentes, Europa, África e Américas, fez só uma viagem ligando os dois continentes. Partiu da Velha Europa para o Novo Mundo - o continente Americano, tendo passado sobre Cabo Verde.

"Mindelo ficou na sua rota e Tuta [Guilherme Melo] registou esse momento, único! O aparelho passou sobre a Ilha de São Vicente, tendo largado três sacos de 'Mala Postal' - a forma complicada como se dizia correio - e teve um fim trágico ao aterrar em Lakehurst nos USA [, em 6 de Maio de 1937].

"Para os arquivos, fica mais esta imagem, só possível em Mindelo, pelo manancial de informação que corria na ilha, por causa dos cruzamentos dos cabos submarinos do Telégrafo Inglês e da Italcable (Italianos) e do seu movimentado Porto, também à época local de passagem obrigatória para os barcos que cruzavam o Atlântico Sul" (...)". 
Fonte: sítio Mindel Na Coraçon

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 14 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20558: Manuscrito(s) (Luís Graça) (176): Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, o último africanista - Parte I

(**) Vd. postes de 10 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14238: Fotos à procura de ... uma legenda (51): Manuel Joaquim dos Prazeres, empresário de cinema e caçador, Cabo Verde (1929/1943) e depois Guiné (1943/73)... Fotos da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, com amigos (Lucinda Aranha)

(***) Vd. poste de 15 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12991: Tabanca Grande (433): Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim dos Prazeres que viveu em Cabo Verde e na Guiné entre os anos 30 e 1972, e que era empresário de cinema ambulante

(****) Vd. poste de 9 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20587: Agenda Cultural (724): Palestra sobre a Op Mar Verde (22/11/1970) pelo escritor António José dos Santos Silva: Palacete Viscondes de Balsemão, Pr Carlos Alberto, 71, Porto... Sábado, 1 de fevereiro de 2020, às 14h30

Capa do Livro de Banda Desenhada de A. Vassalo (*)


C O N V I T E

DISSERTAÇÃO SOBRE A OPERAÇÃO "MAR VERDE"


Cartaz oficial do evento


Capa do livro do António José dos Santos Silva, "CIOE: DA GUERRA DO ULTRAMAR AOS DIAS DE HOJE" (Lisboa: Nova Arrancada, 2002 173 pp.)


Caras Amigas e Caros Amigos!

Nos 50 Anos (1970-2020) da Invasão da Guiné-Conacri, pelas Forças Armadas Portuguesas, o GRUPO VIRIATOS e ANTÓNIO JOSÉ DOS SANTOS SILVA têm a honra de os CONVIDAR para a Dissertação em cima anunciada. 

Entrada Livre. 

Como em casos similares,  não existem cadeiras que sejam previamente sujeitas a qualquer tipo de marcação.

Melhores Cumprimentos.

GRUPO VIRIATOS
ANTÓNIO JOSÉ DOS SANTOS SILVA (**)
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Notas do editor

(*) O [António M.] Vassalo Miranda, nascido em Vila Franca de Xira, em 1941,  tem seis referências no nosso blogue: foi furriel mil 'comando', participou na Op Tridente, é um veterano da Guiné, c. 1963/65. Passou também por Angola. Como civil, viveu algum tempo em Moçambique, na Rodésia (hoje Zimbábuè) e na República Sul-Africana. É amigo do Virgínio Briote, do João Parreira, do Mário Dias... E é grande criador de banda desenhada  infelizmente com problemas de saúde ocular.  Infelizmente, também, não faz (ainda) parte da  nossa Tabanca Grande.

(**) Último poste da série de 22 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20583: Agenda cultural (723): Exposição de fotografia do nosso camarada Renato Monteiro, "Festas de N. Sra. da Troia", sábado, 25 de janeiro, 16h00, em Setúbal, no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS)

Guiné 61/74 - P20586: Facebok...ando (56): As minhas 10 efemérides (Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GA 7, Bissau, maio de 1969 /maio de 1971)


Oeiras > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > Tabanca da Linha > 16 de janeiro de 2020 > C. Caria e Domingos Robalo... Seguramente falando de artilharia... E ambos são beirões.

Foto: ©  Manuel Resende  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71; foi comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda (1969/70); nasceu em Castelo Branco, trabalhou na Lisnave, vive em Almada; tem 25 eferências no nosso blogue.  


Texto publicado na página do Facebook da Magnífica Tabanca da Linha (grupo fechado) em 18 do corrente:

Olá,  camaradas. Uma vez mais estive presente no convívio trimestral de "A Magnifica Tabanca da Linha", em que foi comemorado o 10 º aniversário da sua criação. Como sou "periquito" nestas andanças, conheço poucos de vós, mas com o tempo lá chegarei. Ainda estou no meu 3º convívio e espero continuar.

Mas hoje, estou aqui a escrever para referir efemérides cinquentenárias ocorridas no período da minha comissão na Guiné (Maio de 1969 a Maio de 1971, na Bataria de Campanha nº 1, mais tarde GA7.)

Então, aqui vão as efemérides:

(i) em Fevereiro de 1970, morre em combate, em Catió,  o sargento de artilharia Issa Jau, do recrutamento local:

(ii) em Abril de 1970, deixo Fulacunda, onde Comandava o 22º Pel Art , com rumo a Bissau (BAC 1,  comandada pelo cap art M.Soares) para ser integrado na "Sala de Operações e Informações", participar nas Operações do TO que envolvessem Artilharia e continuar as acções de Instrução com as Escolas de Recruta para artilheiros;

(iii) em 20 de Abril de 1970, são assassinados os Majores; Passos Ramos, Pereira da Silva, Magalhães Osório e o Alferes Mosca. Participei no "Funeral Armas" (cemitério de Bissau) para o qual a minha unidade, BAC 1, tinha sido nomeada pelo Comandante Chefe;

(iv) em Maio de 1970, venho de férias, "à Metrópole", para contrair matrimónio;

(v) em Junho de 1970, chegam à BAC 1, 12 Alferes e 28 Furriéis, para reforço do pessoal de artilharia e libertar Alferes e Sargentos de vários pelotões de morteiros, que temporariamente serviram na artilharia depois de terem recebido a instrução necessária para reforçarem diversos pelotões de artilharia por todo o TO;

(vi) em Julho de 1970, a BAC 1, passa a GA7 com formação em parada, a que foi dado o nome do sargento Issa Jau, com a presença do General Spínola;

(vi) em 25 de Julho de 1970, morrem em acidente de helicóptero, com queda no rio Mansoa em deslocação para Bissau, 4 deputados à Assembleia Nacional; um desses Deputados tinha sido voluntário nesta delegação a fim de visitar o filho que era meu camarada na artilharia, colocado em Catió. Infelizmente não se viram.(Pinto Bull, de origem Guineense e Pinto Leite, pai do meu camarada.)

(vii) em 27 de Julho, na Metrópole, falecia Salazar;

(viii) em Julho de 1970, o Homem dava um "grande passo" ao pousar na Lua, pela primeira vez;

(ix) em 22 de Novembro de 1970, tem inicio a Operação "Mar Verde", comandada pelo Comandante Alpoim Calvão.

(x) em Dezembro é levado a efeito o reforço da Anti Aérea como protecção de um eventual ataque aéreo, como retaliação à Operação " Mar Verde". Cap Lourenço e Evaristo integram a minha Unidade, BAC1/GA7.

Foi um ano recheado de acontecimentos que nos ficam na memória. Cada uma destas efemérides têm desenvolvimento que o tempo foi apagando.

Abraço aos Camaradas,

Domingos Robalo
Furriel Miliciano Art (nº 192618/68)

[revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]

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Guiné 61/74 - P20585: Parabéns a você (1746): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73); Francisco Godinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2753 (Guiné, 1970/72) e José Albino, ex-Fur Mil Art do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Guiné, 1969/71)



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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20582: Parabéns a você (1745): Rogério Freire, ex-Alf Mil Art MA da CART 1525 (Guiné, 1965/67) e Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Os Diabólicos (Guiné, 1965/67)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20584: Antropologia (36): As insígnias de autoridade dos Felupe e Marcos no Chão Felupe, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2019, com mais um trabalho da Dra. Lúcia Bayanobre o Cão Felupe:

2. Mensagem da Dra. Lúcia Bayan dirigida ao Mário Beja Santos:

Boa tarde caro amigo, 
Envio mais 2 pequenos textos sobre os felupe. Um sobre os símbolos de autoridade dos chefes tradicionais e outro sobre uns marcos existentes na estrada que liga Tenhate a Sucujaque. Penso que serão marcos geodésicos, mas não tenho a certeza. 

Abraço, 
Lúcia


As insígnias de autoridade dos Felupe

Por Lúcia Bayan

Os Felupe utilizam diversos adereços como insígnias ou símbolo de autoridade. Apesar de baseada na religião, a autoridade estende-se aos diversos domínios da sociedade: político, legislativo, jurídico, social, económico, educação, ambiente, etc.

Por exemplo, a maternidade tem um santuário (bakìn-abu), que partilha o mesmo nome (Erungñun ei). As parteiras e auxiliares são mulheres que aprenderam a sua profissão através de uma iniciação religiosa, que é também uma escola profissional. Assim preparadas, estas mulheres têm autoridade profissional sobre a maternidade e religiosa sobre o santuário.

Estas iniciações/escolas são estruturas complexas, com hierarquias internas, especializadas em campos específicos, em que detêm a autoridade. Estratégias para impedir a concentração da autoridade e a desigualdade social! Todas as estruturas iniciáticas têm as suas próprias insígnias, que identificam a pertença, mas também a sua estrutura hierárquica, sendo chapéus, camisas, bastões, colares e pulseiras alguns dos adereços mais escolhidos. Destes, o mais comum é o barrete, gorro, kufi ou chéchia usado por todos os homens que têm uma iniciação (amangñen-au). A maioria pode escolher o formato e a cor que mais gostar, excepto vermelho, cor reservada para os titulares das iniciações principais.

 Foto 1

 Foto 2

Foto 3

Nas mulheres o gorro é substituído por uma cabaça

A camisa comprida vermelha e o banco debaixo do braço (Foto 1) identificam os chefes das duas organizações iniciáticas mais importantes: uma dedicada à gestão territorial e presente em todas as tabancas, a outra à regulação religiosa e presente apenas em Hassuka, a capital religiosa constituída por cinco tabancas: Sucujaque, Tenhate, Basseor e Caroai na Guiné-Bissau e Kahème, no Senegal. O chefe desta organização iniciática tem o título de Ây, o chefe da primeira Aramb-âu. Estes são os normalmente denominados régulos.

A vassoura é usada por estes e pelo chefe da estrutura iniciática responsável pelo fanado masculino (rito de passagem de jovem a adulto), também presente em todas as tabancas. O chefe desta estrutura, denominado Areng-au, também usa a chéchia vermelha, mas não pode usar a camisa vermelha, nem tem o banco.

O bastão de madeira é reservado ao Aramb-âu e ao Areng-au. O bastão de metal é pertença de alguns elementos da organização iniciática Hulang-ahu, responsável por diversas áreas, como saúde, economia, registo de nascença e fiscalização/certificação das cerimónias. Neste caso, a identificação da área de actuação é feita através de colares com 1 ou mais búzios. Por exemplo, na Foto 2 há um indivíduo com um colar com um búzio. A posição do búzio indica a sua área: o bico para a direita é um Amumhm-au, se fosse para a esquerda seria um Ankurenh-au.

Lúcia Bayan,
11/01/2020

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Que marcos são estes?

Na ponta noroeste da Guiné Bissau, em pleno chão Felupe, existe uma estrada, com cerca de 14 km de extensão, que liga Cassolol ao porto de Budjedjete, onde a população, para as suas idas ao Senegal, em especial Kabrousse, apanha a canoa para atravessar o rio com o mesmo nome. Esta é uma estrada de terra, por vezes plana e lisa, outras vezes irregular e “com dois andares”, que atravessa floresta, campos agrícolas, bolanhas secas ou com água, de acordo com a época do ano, e também as tabancas Caroai, Basseor, Tenhate e Sucujaque.
Entre as tabancas Sucujaque e Tenhate (Foto 1), a estrada, com uma extensão de cerca de 2,5 Km, é muito bonita, ladeada de floresta, como se de um parque ou jardim se tratasse (Foto 2).

 Foto 1

Foto 2

Nesta estrada existem dois marcos de pedra que não sei identificar. Serão marcos geodésicos? Delimitações da administração colonial? Militares? Propriedade de terrenos?
Um dos marcos, que nomeei Marco 1, está situado junto à estrada, a 12° 20’ 48,27’’ N e 16° 38’ 32,01’’W (valores recolhidos por mim no local), e tem inscrições em três dos seus lados. Na face virada para a estrada está inscrito “M C O G”, na face traseira “1951”, numa das faces laterais encontra-se inscrito “L N 2 0” e “R” e nada na outra (Fig.3).
O Marco 2, situado a 12° 20’ 48,56’’ N e 16° 38’ 11,09’’ W, está também muito perto da estrada, mas escondido no mato e, apesar de idêntico ao primeiro, não tem qualquer inscrição (Foto 4), provavelmente devido ao desgaste do tempo.

 Foto 3 - Marco 1

Foto 4 - Marco 2

Para os felupes são marcos deixados pelos portugueses. Uns dizem que por militares, outros pela administração colonial, mas não sabem o seu significado. Não encontro nenhuma referência relevante de algum acontecimento em 1951. Na carta geográfica, resultante da Missão Geo-Hidrográfica da Guiné, efectuada em 1953, consigo identificar nesta estrada apenas um vértice geodésico secundário (Foto 1).
Talvez seja o Marco 1, aquele que ainda tem inscrições. Mas e o outro marco? Seria também um marco geodésico anterior ou um inicialmente mal colocado e depois destruído? Ou uma outra demarcação?
Para encontrar a resposta apelo ajuda aos leitores deste blog.

Lúcia Bayan,
11/01/2020
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20560: Antropologia (35): Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)