quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20584: Antropologia (36): As insígnias de autoridade dos Felupe e Marcos no Chão Felupe, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2019, com mais um trabalho da Dra. Lúcia Bayanobre o Cão Felupe:

2. Mensagem da Dra. Lúcia Bayan dirigida ao Mário Beja Santos:

Boa tarde caro amigo, 
Envio mais 2 pequenos textos sobre os felupe. Um sobre os símbolos de autoridade dos chefes tradicionais e outro sobre uns marcos existentes na estrada que liga Tenhate a Sucujaque. Penso que serão marcos geodésicos, mas não tenho a certeza. 

Abraço, 
Lúcia


As insígnias de autoridade dos Felupe

Por Lúcia Bayan

Os Felupe utilizam diversos adereços como insígnias ou símbolo de autoridade. Apesar de baseada na religião, a autoridade estende-se aos diversos domínios da sociedade: político, legislativo, jurídico, social, económico, educação, ambiente, etc.

Por exemplo, a maternidade tem um santuário (bakìn-abu), que partilha o mesmo nome (Erungñun ei). As parteiras e auxiliares são mulheres que aprenderam a sua profissão através de uma iniciação religiosa, que é também uma escola profissional. Assim preparadas, estas mulheres têm autoridade profissional sobre a maternidade e religiosa sobre o santuário.

Estas iniciações/escolas são estruturas complexas, com hierarquias internas, especializadas em campos específicos, em que detêm a autoridade. Estratégias para impedir a concentração da autoridade e a desigualdade social! Todas as estruturas iniciáticas têm as suas próprias insígnias, que identificam a pertença, mas também a sua estrutura hierárquica, sendo chapéus, camisas, bastões, colares e pulseiras alguns dos adereços mais escolhidos. Destes, o mais comum é o barrete, gorro, kufi ou chéchia usado por todos os homens que têm uma iniciação (amangñen-au). A maioria pode escolher o formato e a cor que mais gostar, excepto vermelho, cor reservada para os titulares das iniciações principais.

 Foto 1

 Foto 2

Foto 3

Nas mulheres o gorro é substituído por uma cabaça

A camisa comprida vermelha e o banco debaixo do braço (Foto 1) identificam os chefes das duas organizações iniciáticas mais importantes: uma dedicada à gestão territorial e presente em todas as tabancas, a outra à regulação religiosa e presente apenas em Hassuka, a capital religiosa constituída por cinco tabancas: Sucujaque, Tenhate, Basseor e Caroai na Guiné-Bissau e Kahème, no Senegal. O chefe desta organização iniciática tem o título de Ây, o chefe da primeira Aramb-âu. Estes são os normalmente denominados régulos.

A vassoura é usada por estes e pelo chefe da estrutura iniciática responsável pelo fanado masculino (rito de passagem de jovem a adulto), também presente em todas as tabancas. O chefe desta estrutura, denominado Areng-au, também usa a chéchia vermelha, mas não pode usar a camisa vermelha, nem tem o banco.

O bastão de madeira é reservado ao Aramb-âu e ao Areng-au. O bastão de metal é pertença de alguns elementos da organização iniciática Hulang-ahu, responsável por diversas áreas, como saúde, economia, registo de nascença e fiscalização/certificação das cerimónias. Neste caso, a identificação da área de actuação é feita através de colares com 1 ou mais búzios. Por exemplo, na Foto 2 há um indivíduo com um colar com um búzio. A posição do búzio indica a sua área: o bico para a direita é um Amumhm-au, se fosse para a esquerda seria um Ankurenh-au.

Lúcia Bayan,
11/01/2020

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Que marcos são estes?

Na ponta noroeste da Guiné Bissau, em pleno chão Felupe, existe uma estrada, com cerca de 14 km de extensão, que liga Cassolol ao porto de Budjedjete, onde a população, para as suas idas ao Senegal, em especial Kabrousse, apanha a canoa para atravessar o rio com o mesmo nome. Esta é uma estrada de terra, por vezes plana e lisa, outras vezes irregular e “com dois andares”, que atravessa floresta, campos agrícolas, bolanhas secas ou com água, de acordo com a época do ano, e também as tabancas Caroai, Basseor, Tenhate e Sucujaque.
Entre as tabancas Sucujaque e Tenhate (Foto 1), a estrada, com uma extensão de cerca de 2,5 Km, é muito bonita, ladeada de floresta, como se de um parque ou jardim se tratasse (Foto 2).

 Foto 1

Foto 2

Nesta estrada existem dois marcos de pedra que não sei identificar. Serão marcos geodésicos? Delimitações da administração colonial? Militares? Propriedade de terrenos?
Um dos marcos, que nomeei Marco 1, está situado junto à estrada, a 12° 20’ 48,27’’ N e 16° 38’ 32,01’’W (valores recolhidos por mim no local), e tem inscrições em três dos seus lados. Na face virada para a estrada está inscrito “M C O G”, na face traseira “1951”, numa das faces laterais encontra-se inscrito “L N 2 0” e “R” e nada na outra (Fig.3).
O Marco 2, situado a 12° 20’ 48,56’’ N e 16° 38’ 11,09’’ W, está também muito perto da estrada, mas escondido no mato e, apesar de idêntico ao primeiro, não tem qualquer inscrição (Foto 4), provavelmente devido ao desgaste do tempo.

 Foto 3 - Marco 1

Foto 4 - Marco 2

Para os felupes são marcos deixados pelos portugueses. Uns dizem que por militares, outros pela administração colonial, mas não sabem o seu significado. Não encontro nenhuma referência relevante de algum acontecimento em 1951. Na carta geográfica, resultante da Missão Geo-Hidrográfica da Guiné, efectuada em 1953, consigo identificar nesta estrada apenas um vértice geodésico secundário (Foto 1).
Talvez seja o Marco 1, aquele que ainda tem inscrições. Mas e o outro marco? Seria também um marco geodésico anterior ou um inicialmente mal colocado e depois destruído? Ou uma outra demarcação?
Para encontrar a resposta apelo ajuda aos leitores deste blog.

Lúcia Bayan,
11/01/2020
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20560: Antropologia (35): Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Um vértice (ou Marco) geodésico é um sinal que indica uma posição cartográfica exacta e que forma parte de uma rede de triângulos com outros vértices ..

Aqui na "Metrópole" os marcos geodésicos são normalmente troncos de cone e em Angola, eram troncos de pirâmede em geral.

Normalmente todos com alturas de mais de metro e meio em locais altos e se possível intervisíveis com outros vértices directamente, caso contrário usando torres metálicas centradas sobre esses marcos.

Também nas minhas andanças guinenses, junto de um canal, (que já nao me consigo recordar aonde)encontrei um marco de cimento igual aos das fotos.

Não é possível que esses marcos da foto e o tal que eu também encontrei há mais de 25 anos, pertencessem a uma rede geodésica principal.

Para mim, foram marcos coordenados por oficiais da marinha, em levantamentos geográficos parciais, para posterior ligação a uma futura rede geodésica.

Nem compreendo para que outra coisa serviria construir uns marcos com fundações tão frágeis.

Era muito caro e muito custoso fazer cartografia na Guiné, havia a MGA, Missão Geográfica de Angola, mas aí, terra muito rica, eram enormes marcos para toda a vida.

Guiné, cuitada!

Lúcia Bayan disse...

Muito obrigada pela sua explicação.
Lúcia Bayan