Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 3 de abril de 2024
Guiné 61/74 - P25333: (De) Caras (204): É-se um Soncó para toda a vida (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Pode demorar mais de meio século, mas os Soncó encontram-se, é mais do que uma questão de sangue, foi a intensidade das ligações que as circunstâncias proporcionaram, ainda hoje me interrogo o que teria Mamadu Soaré Soncó visto em mim, que confiança eu lhe merecia, para me ter suplicado vezes sem conta que queria vir comigo para Portugal, queria estudar, se eu tinha ajudado os meninos a ter escola em Missirá, ele queria ir mais longe. Não foi possível satisfazer o pedido de Mamadu, mas ele sabia que numa outra ocasião nos encontraríamos, como aconteceu num domingo de março de 2024. São as imagens deste encontro e as do que antecede que deposito nas vossas mãos.
Um abraço do
Mário
É-se um Soncó para toda a vida
Mário Beja Santos
Toca o telefone, sem demora Abudu Soncó anuncia que Mamadu chegou a Portugal, perguntei que Mamadu, pois, o Soncó, aquele a quem davas aulas, que queria vir contigo para Portugal, em 1970. Veio muito doente, assim que nos telefonámos perguntou por ti, tem urgência em ver-te. Mora na Damaia. Negociámos a data, almoço num domingo de março, e vejo chegar o casal acompanhado de Abudu. Sentados à mesa (os doentes crónicos não estão sujeitos às regras do Ramadão), lembrámos muita coisa, fiquei informado de que Mamadu é um diabético em estado grave, com elevado colesterol a pedir medidas severas, está a fazer uma bateria de exames. Quando lhe ofereci os meus livros, lembrei aquele episódio que está registado no nosso blogue e que aparece no segundo volume do meu Diário da Guiné. Mamadu apareceu-me em Bambadinca, que queria falar comigo, terá sido na primeira semana de julho de 1970. Que queria vir comigo para Portugal, que eu sabia que ele era afeiçoado aos estudos, não me deixaria mal, era só uma questão de pedir licença no barco para vir comigo, estamos a falar de um jovem que teria entre 12 a 13 anos. Enterneceu-me tudo quanto me estava a dizer. Talvez fosse possível eu trazer um filho de um ano, inteiramente impossível trazer um jovem numa embarcação exclusiva de militares, Mamadu não se rendeu, disse-me categoricamente que ficava na minha companhia e esperava que eu reconsiderasse, pedisse ao comandante do barco para vir comigo. E à cautela apresentava-se todas as noites naquele quarto de quatro camas, e dormia num colchão que trazia, a meus pés, os meus camaradas alferes da CCAÇ 12, ao princípio ficaram atónitos com a intrusão, depois habituaram-se à presença do Mamadu, que saía logo de manhã da camarata e só regressava à noite. E não quero reproduzir o que foi a nossa despedida, momentos antes da coluna me levar ao Xime, uma despedida lancinante, ele, mortificado, viu-me partir só com promessas, que nunca foram cumpridas. É assim o destino, mais meio século depois um Soncó procura alguém a quem o régulo do Cuor, quando partia em novembro de 1969 para Bambadinca me pediu para jurar que nunca esqueceria os Soncó. Mal ou bem, cumpri ou estou a cumprir. E que no Cuor, os Soncó não me esqueçam como eu não os esquecerei até que a luz se apague na minha vida.
Estou de braço dado com a Djassió Soncó, à minha direita está o marido, Quebá Soncó, um dos irmãos do régulo do Cuor, o meu guia, o nosso relacionamento nem sempre é dos mais felizes, mas na verdade ele conhece o regulado a palmo, mesmo quando denota temor é de uma lealdade sem mácula. Depois da independência, apareceu morto no cárcere em Bafatá. São os pais de Mamadu Soaré Soncó, que conheci em menino, a quem dei efemeramente aulas de português, o resto é para contar depois. O que tem de especial esta imagem? Há a convicção geral dos civis que se incorporam nesta coluna dita de abastecimento que vamos para Bambadinca. A Djassió aperaltou-se para ir visitar família. Os picadores receberam a incumbência de picar bem até Canturé, depois viram à direita, pela estrada que liga Jugudul- Porto Gole-Enxalé-Missirá-Gambiel-Bafatá, uma via que está interdita há anos. Pois hoje, vamos até ao Enxalé, depois de montar segurança em Mato de Cão. Consigo neste momento ver o ar de pânico da Djassió quando viram em Canturé e lhe digo que hoje vai visitar a família no Enxalé… Como aconteceu. No regresso, a malta do PAIGC em Madina não deixou de se manifestar contra, lançou umas morteiradas à distância, rimos a bom rir, mas a malta do PAIGC apareceu dias depois e flagelou Missirá, felizmente com poucas consequências.
No final do Ramadão de 1968, Missirá a jogar com uma equipa de Bambadinca, juntaram-se voluntários do Pel Caç Nat 52, do Pelotão de Milícias n.º 101 e dois civis. Com que saudade olho para a direita e vejo o furriel Casanova, o soldado Ieró Djaló, que me arranjou uma embrulhada na Operação Anda Cá, em 22 de fevereiro de 1969, quando deixou fugir um prisioneiro; à minha esquerda está o Teixeira das Transmissões e depois o Barbosa, segue-se um jovem que esqueci o nome, tenho de perguntar ao Abdul, ele guarda uma memória de elefante. Mas de pé, mesmo à ponta esquerda, aquele jovem chama-se Mamadu Soaré Soncó.
Em pleno Ramadão, comprei 14 metros de tecido e mandei fazer a minha fatiota com um lindo bordado, manga di ronco! E fez-se uma fotografia, a braço o régulo Malã Soncó, um verdadeiro príncipe, na plena aceção da palavra, temos novamente Quebá Soncó e depois o chefe da tabanca, Mussá Mané, este dava-me cabo da cabeça com os pedidos insistentes para fazer colunas para suprir as faltas de arroz. E eu todos os dias percorria aquelas terras férteis que a guerra as tornara infecundas…
Fotografia tirada no vestíbulo da minha casa, abraço Mamadu Soaré Soncó, já lá vão mais de 50 anos, a Sónia Intchasso, quem diria que é sexagenária, guarda um olhar doce e veio visitar-me formosa e segura, e depois o Abdu Soncó, um irmão que Deus me deu, vive aqui desde 1996, estou sempre a pedir-lhe que se naturalize, os seus problemas do foro cardiovascular não lhe permitem voltar à Pátria, cheguei àquela idade em que nos inquietamos muito pela sorte daqueles que amamos profundamente.
Exigência de Mamadu, traja de branco, é sinal que foi a Meca, é fotografia que ele quer mandar para o Cuor e arredores, o Branco de Missirá está vivo e apresenta-se.
Sónia Intchassó na varanda onde almoçámos, em todo o seu esplendor, veja-se a etiqueta e o modo natural como estende as suas mãos, as Mandingas gostam de caprichar.
Outra exigência de Mamadu, sei lá o que lhe passou pela cabeça, sei lá quem o ajudou a arranjar esta foto, trouxe este pano de pente e mandou bordar o meu nome e pôr fotografia. Fiquei a gaguejar, agradeci muito, o Mamadu impôs a fotografia, para que conste, para que se veja no Cuor.
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Nota do editor
Último post da série de 15 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25174: (De) Caras (203): Nota solta (José João Domingos, ex-Fur Mil At Inf)
quinta-feira, 25 de maio de 2023
Guiné 61/74 - P24339: Tugas, pocos pero locos: algumas das nossas operações temerárias (2): Op Gavião (Madina / Belel, 4-6 de abril de 1968): 300 homens desbaratados pelas abelhas, armas extraviadas, um cadáver abandonado, um homem perdido, etc.
Cracá do Pel Caç Nat 52 (1966/1974), "Os Gaviões". Divisa: "Matar ou morrer"
Operação Gavião (Madina / Belel, 4-6 de Abril de 1968)
1. Todos os anos, pela época seca, de preferência entre março e abril, o comando do batalhão sediado em Bambadinca, Sector L1, zona leste, região de Bafatá, mandava uma força de cerca de 300 homens à procura do acampamento IN do Enxalé, algures na península de Madina / Belel, mesmo já no limite do Sector, a sudeste da base de Sara. Por aqui o IN e a população sob o seu controlo viviam com relativa tranquilidade, só sendo importunados por alguma incursão de tropas helitransportadas ou pelos bombardeamentos da FAP. A ida a Madina / Belel era quase sempre azarada: em geral as NT levavam prisioneiros que serviam de guias, e que procuravam ludibriar as NT, "perdendo-se" propositadamente ou tentando inclusive a fuga (como aconteceu, por exemplo, na Op Anda Cá, 22 e 23 de fevereiro de 1968) (*),
Todos os anos aconteciam erros de planeamento, guias que se perdiam, itinerários mal escolhidos, PCV (antes da época do Strela...) que denunciavam a presença das NT, falhas no abastecimento de água, progressão para o objectivo a horas proibidas, confusão de (ou chegada tardia aos objetivos), flagelações do IN, tabancas abandonadas e queimadas, casos de exaustão, insolação e desidratação, indisciplina de fogo, ataques de abelhas, debandada geral, perda de armas e muniçóes, e até de homens, regresso dramático ao Enxalé com viaturas a sair até São Belchior para transportar os mais "desgraçados", tentatativa de recuperação, no dia seguinte, do material perdidos… e, claro, relatórios por vezes fantasiosos, pouco rigorosos, etc....
Em 1968 (Op Gavião), aconteceram também estas coisas, próprias de uma guerra de contraguerrilha, num terreno inóspito para muitas das tropas portuguesas... É também caso para dizer, "tugas pocos pero locos" (**).
2. Op Gavião: Desenrolar da acção
Iniciada no dia 4 de abril de 1968, às 18h00, com a duração de 3 dias, tinha como finalidade excutar uma acção ofensiva na mata de Belel, começando por um golpe de mão ao acampamento IN do Enxalé.
Forças ( c. 300 homens) que tomaram parte na operação:
(i) Cmdt: 2º cmdt BART 1904;
(ii) Destacamento A: CART 2338 a 4 Gr Com + Pel Caç Nat 52;
(iii) Destacamento B: CART 2339, a 4 Gr Comb + Pel Caç Nat 53
Entretanto, o PCV infornou o Destacamento A que o objetivo destruído era o objectivo do Dest B e deu ordens para reiniciar o regresso para o local previsto onde se devia emboscar durante a acção do Dest B, o que foi cumprido,
Ao chegar ao local previsto, encontrou-se com o outro Dest, que já tinha destruído o objetivo deste Dest (B), e acabava de sofrer um ataque de abelhas que tinha provocado uma grande desorganziação.
Foi reiniciado o movimento com algumas paragens motivadas por flagelações do IN, com armas automáticas, e mais dois ataques de abelhas na margem do Rio Gandurandim, o que provocou nova desorganização nos Destacamentos.
Professor Luís Graça:
Chamo-me Armando Fernandes, fui alf mil cav, comandei o Pel Rec do BART 1904 que esteve sedeado em Bambadinca, de Janeiro a Setembro de 1968. Durante todo o ano de 1967 o Batalhão esteve sedeado em Santa Luzia, Bissau, onde rendeu, em Janeiro de 67, o BCAÇ 1876.
Entrei ontem, pela 1ª vez, no seu blogue e chamou-me a atenção o nome de uma operação referido em P2817 (***), Operação Gavião.
Sobre essa operação consta da história do BART 1904, pags. 43/45 (edição não canónica em meu poder) que o fur mil Zacarias Saiegh nela participou, o que está em desacordo com uma resposta do doutor Beja Santos registada em P2817. Parece, também, que relativamente à entrada em Belel há discrepância entre o registado na história do BART e o afirmado no mesmo poste. Onde estará a verdade?
Em anexo envio cópia das páginas que referi.
Apresento os meus cumprimentos, Armando Fernandes
4. Comentário do editor L.G.:
Na altura agradeci ao camarada Armando Fernandes, dizendo-lhe que ia divulgar a sua versão (que era a versão do BART 1904) (****) e dar conhecimentos aos camaradas que tinham escrito sobre a Op Gavião (Mário Beja Santos, do Pel Caç Nat 52, e Torcato Mendonça e Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, estes dois últimos participantes da Op Gavião) (*****).
O ex-alf mil Torcato Mendonça e o ex-fur mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), esses, infelizmente, já náo estão entre nós...
Notas de L. G.:
(*) Vd. poste de 23 de fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desaosa operação a Madina/Belel
(**) Último poste da série > 21 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24330: Tugas, pocos pero locos: algumas das nossas operações temerárias (1): Op Tigre Vadio, 30 de março a 1 de abril de 1970, sector L1, Península de Madina / Belel, zona leste, sector L1 (Bambadinca)
(***) Vd. poste de 7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2817: Blogoterapia (51): O Alentejo do Casadinho e do Cascalheira, o Tura Baldé, a Op Gavião... (Torcato Mendonça / Beja Santos)
(****) Vd. poste de 11 de maio de 2008 > Guiné 63/74: P2833: Op Gavião (Belel, 4-6 de Abril de 1968) (Armando Fernandes, Pel Rec CCS / BART 1904, Bissau e Bambadinca, 1966/68)
(*****) Vd. ppostes de:
9 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2823: Dando a mão à palmatória (11): Operação Gavião, 5 de Abril de 1968, com as CART 2338 e 2339 (Torcato Mendonça / Beja Santos)
2 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9303: Memórias do Carlos Marques dos Santos (Mansambo, CART 2339, 1968/69) (1): Op Gavião: Abril de 1968, antes o fogo do IN que o ataque das abelhas
sábado, 16 de abril de 2011
Guiné 63/74 - P8112: A minha CCAÇ 12 (17): 14 e 15 de Fevereiro de 1970: Op Bodião Decidido, com a CCAÇ 2404 (Mansambo) e a CART 2413 (Xitole) em Satecuta, na margem diireita do Rio Corubal: morto um guerrilheiro e apreendido um RPG2
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > Meados de 1970 > Três furriéis da CCAÇ 12 (Em primeiro, plano António Branquinho, do lado direito; em segundo lado, da direita para a esquerdaTony Levezinho e Arlindo Roda), mais o Fur Mil Enf José Alberto Coelho, +em primeiro plano, à esquerda, por ocasião de uma coluna logística Bambadinca- Xitole... Os quatros posaram para a fotografia junto do memorial aos mortos da CART 2413 (Xitole, 1968/70), uma companhia com quem a CCAÇ 12 fez diversas operações no seu sector, entre elas, a Op Bodião Decididio, a seguir descrita. Esta subunidade, que será substituída pela CCART 2716 (1970/72), teve 4 mortos, a saber (e de acordo com a lápide constante da imagem acima):
(i) Sold At Manuel de Sousa Branco, natural de Areosa, Rio Tinto, Godomar, CART 2413/BCAÇ 2852, morto em combate, 25/10/1968. Os restos mortais estão no cemitério da sua Freguesia Natal (segundo a completíssima lista publicada pelo portal Utramar Terraweb, relativa aos mortos da guerra do Ultramar do concelho de Gondomar; acrescente-se: não só a mais completa como a mais fiável da lista dos mortos da guerra do ultramar, disponível na Internet);
(ii) Sold At Joaquim Gomes Dias Vale de Ossos, natural de Fradelos, Vila Nova de Famalicão, morto por afogamento em 7/11/1968. Está sepultaddo no cemitério da sua Freguesia Natal (Fonte: Portal Ultramar Terraweb);
(iv) Sold At Mário Ferreira de Azevedo, nascido em Cavadas, V ermoim, Maia, falecido também por doença, em 22/12/1969, e sepultado no cemitério concelhio (Fonte: Portal Ultramar Terraweb).
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CCAÇ 2404 (1968/70) > Finais de 1969 ou princípios de 1970 > Aspecto geral do aquartelamento... Esta foi outra subunidade com a qual a CCAÇ 12 também fez várias operações, como a Op Bodião Decidido, abaixo relatada. Como fez com a sua antecedente, a CART 2339 (1968/69), que construiu de raiz este aquartelamento.
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CCAÇ 2404 (1968/70) > Finais de 1969 ou princípios de 1970 > Descarregamento de sacos de uma viatura GMC... Todas as colunas logísticas aos aquartelamentos a sul de Bambadinca e a norte do Rio Corubal (Mansambo, Xitole e Saltinho) paravam obrigatoriamente aqui... Daqui também partiram diversas operações, com a CCAÇ 12, tanto no subsector de Mansambo como no do Xitole.
Fotos: © Arlindo T. Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Mapa do Xime (1961) > Escala 1/50000 > Detalhes, a posição relativa de Satecuta, na margem direita do Rio Corubal, parte do triângulo Galo Corubal - Seco Braima - Satecuta... A leste, a estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho e o destacamento da Ponte dos Fulas (que era guarnecido, em Fevereiro de 1970, por forças da CART 2413, do Xitole). A verde, as posições das NT (fora da imagem: Mansambo, a norte; Xitole, a sul).
A. Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça
(8) Fevereiro de 1970
(82) Fevereiro de 1970 > Op Bodião Decidido: uma operação com sucesso na área de Satecuta
Foi realizada em 14 e 15 de Fevereiro de 1970 para uma batida à área de Satecuta até ao Rio Corubal, por forças da CCAÇ 2404 (Mansambo), CART 2413 (Xitole) (**) e CCAÇ 12 (1º, 2º e 4º Gr Comb), constituindo respectivamente os Destacamentos A, B e C, num total de mais de 200 homens (7 Grupos de combate).
Recorde-se que a CCAÇ 12, constituída por soldados africanos e quadros e especialistas metropolitanos - estes de rendição individual- , era uma unidade de intervenção, sediada em Bambadinca, às ordens do BCAÇ 2852, até Maio ou Junho de de 1970, e depois do BART 2917, até ao final da comissão dos quadros e e especialistas metropolitanos, em Fevereiro de 1971).
Tratou-se de um patrulhamento ofensivo com emboscadas nas regiões de (Vd. mapa do Xime):
(i) Mansambo, Culobó, (Xime 4H6-46), Seco Braima, Culobó, (Xime 4H6-46),
(ii) Xitole, Ponte dos Fulas, Satecuta, Bissau Novo, Benate, Ponte dos Fulas, Xitole…
Um ano atrás, por ocasião do planeamento da Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969), o comando do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) descrevia assim a situação do IN na área de Galo Corubal - Sactecuta - Seco Braima:
"(...) Galo Corubal – Localização (1455 1145 D4 ou E4), no fundo do palmar e a cerca de 300 m do Rio Corubal. O acesso tem sido feito pelo Norte do Rio Pulon desde a estrada Xitole-Mansambo, mas as NT têm-se perdido por vezes. O acesso, atrvés do Rio Pulon, próximo da foz, por Seco Braima, pode ser feito na época seca. Efectivos e armamento: Considerados poucos, mas com MP, ML, Mort LGRFog.
"Satecuta – Localização (1455 1145 D2 ou E2 ou F2), a oeste de Seco Braima. Acesso idêntic o ao de Galo Corubal. Em meados de 67, apresentava grande actividade IN. O acampamento foi detsruído em Maio de 68, baixando a actividade IN. Efectivos: ignoram-se mas parecem dispor de MP, ML, Mort LGRFog." (...)
De acordo com o plano estabelecido para a Op Bodião Decidido, os 3 Dest saíram de Mansambo e Xitole às 5h00 do dia D 14 de Fevereiro de 1970]), percorrendo a estrada Xitole-Mansambo até ao ponto de encontro, que atingiram cerca de 3 horas depois (área de Culôbo, a sul da Ponte do Rio Jagarajá).
Para saírem àquela hora de Mansambo, os 3 Gr de Comb da CCAÇ já se tinham deslocado umas largas horas antes, de Bambadinca para Mansambo. Tal significou que alguém teve de picar a estrada e montar segurança na ZA da CCAÇ 2404. Nessa noite (de 13 para 14), obviamente ninguém dormiu. Tal como não dormiu na noite seguinte… Soldados e quadros da CCAÇ 12 eram um bando de noctívagos e sonâmbulos (tendo passado muitos milhares de horas em emboscadas nocturnas ou em vigília, antes de partir para o mato, às 4 da madrugada)… Estávamos então em plena estação seca…
Após uma rápida reunião dos Comandantes dos Dest, iniciou-se a progressão a corta-mato, em direcção à região Xime 4B5-58, onde fizeram paragem para descanso e almoço, entre as 12h00 e as 16h00. Pelas 17h00 do dia 14. o local foi atingido o local escolhido para pernoita e montagem de emboscadas nocturnas (em Xime 4A8-48).
Repare-se como escassos quilómetros em linha recta, nas matas da Guiné, levavam um dia a percorrer em corta-mato…Quando o sol estava a pique, não havia outro remédio senão procurar a sombra protectora e a fresquidão da orla da mata, circundante de uma bolanha ou lala, até às 4h00 da tarde… Homens e bichos reduziam ao mínimo a sua penosa actividade fisiológica…
Verificou-se, através de vestígios, que o IN tinha reconhecido o trilho utilizado pelas NT durante a Op Navalha Polida , em 2-3 de Janeiro de 1970, na regiãode Seco Braima), embora não tivessem sido detectadas quaisquer minas ou armadilhas. Seco Braima era um dos vértices do temível triângulo (ou península) Galo Corubal - Satecuta - Seco Braima, na margem direita do Rio Corubal (aí justamente onde vai desaguar o Rio Pulom).
Às 4h00 da manhã do dia D + 1 (ou seja, 15 de Fevereiro), os Dest continuaram a progressão até atingirem um trilho muito batido na região Xime 4 F2 – 29. Aí ficou emboscado o Dest B (CCAÇ 2404), reforçado por 1 Gr Comb do Dest C (CCAÇ 12), enquanto os outros Dest seguiram em direcção a Satecuta.
Pelas 7h00, o Dest B (CART 2413) avistou 1 grupo IN de 15/20 elementos, tendo-o deixado aproximar-se. No momento oportuno, e denotando grande disciplina e sangue frio, os homens da frente abriram fogo, causando 1 morto deixado no terreno (um roqueteiro), e feridos prováveis. Houve um gasto mínimo de munições (1 dilagrama e 1 carregador de G-3). Foi apreendido ao IN um RPG-2 (LGFog) e várias granadas.
O IN dispersou imediatamente e flagelou o Dest B quando alguns elementos deste foram à zona de morte a fim de verificar os resultados colhidos.
Os Dest A e C foram também flagelados com fogo de morteiro e armas automáticas, não reagindo para não revelar a sua localização exacta e movimentando-se apenas para conseguir estabelecer ligação com o Dest B.
Uma vez que toda a população e elementos IN da área (península Galo Corubal - Satecuta - Seco Braima) tinham ficado alertados, devido à troca de tiros, as NT após uma batida muito rápida retiraram de forma a evitar quaisquer emboscada de outros grupos IN vindos de Seco Braima ou Galo Corubal.
O ponto de reunião inicial (Culôbo) foi atingido cerca das 10h00 do dia 15 de Fevereiro, regressando depois as NT aos seus aquartelamentos, uns às 11h30 (CART 2413, Xitole) e outros uma hora mais tarde (CCAÇ 2404, Mansambo, juntamente com a CCAÇ 12, que depois seguiu para Bambadinca em coluna auto).
Constatou-se que o IN, depois da Op Navalha Polida, tinha redobrado de vigilância, patrulhando constantemente a região entre Seco Braima e Galo Corubal a avaliar pelos trilhos feitos.
Verificou-se também que por vezes executa tiros à distância na tentativa de localizar as NT e posteriormente montar-lhes embocadas, especialmente no regresso. No presente caso, as NT não tiveram qualquer reacção pelo fogo, o que malogrou as intenções do IN.
Transcrição da Mensagem 676/C COM-CHEFE (REP/OPE): “COM-CHEFE manifesta seu agrado realização Op Bodião Decidido e resultados obtidos”
Em geral, o Com-Chefe só mandava mensagens destas quando havia grande ronco: no mínimo, apreensão de material de guerra, prisioneiros ou mortos IN, confirmados no terreno. Os burocratas da guerra do ar condicionado, em Bissau, sabiam que, por sistema, os operacionais, os do mato, tinham tendência para amplificar e até hiperbolizar os seus feitos heróicos e contabilizar baixas no papel que não tinham qualquer correspondência no terreno… Em suma, todos, do alferes ao tenente coronel, queriam ficar bem na fotografia... Por causa das dúvidas, os pára-quedistas do BCP 12 fotografavam os cadáveres, quando havia tempo e vagar para isso…
(83) Op Leão Nómada: Biro, 24 de Fevereiro
A 24 de Fevereiro de 1970, efectua-se outra operação a nível de Batalhão, a fim de executar um golpe de mão conjugado com emboscadas em linha e batida na área compreendida entre o Rio Samba Uriel, o limite da ZA das CART 2413 e CCAÇ 2404 e estrada Xitole-Mansambo.
É de notar que neste sector (L1) qualquer operação implicava a afectação de importantes meios humanos: no mínimo, dois destacamentos, 6 grupos de combate, duas ou mais companhias... A desproporção de meios era flagrante: levávamos entre 150 a 250 homens, para andar à caça de 15 a 30 guerrilheiros (menos de um bigrupo)... Esta região tinha sido. um ano antes, palco de uma megaoperação, que mobilizara 1200 homens, entre miliatres e carregadores: Op Lança Afiada, de 8 a 18 de Março de 1969 (vd poste da I Série, de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal).
Das declarações prestadas pelo prisioneiro Festa Na Lona (capturado em 21 de Janeiro, na Ponta do Inglês, no decurso da Op Safira Única), ficou a saber-se que o IN tinha um acampamento na região de Biro, junto à margem direita do Rio Bissari depois da confluência com o Rio Samba Uriel. Os efectivos eram estimados em 30 elementos, divididos em 2 grupos de 15 e dispondo de Mort 60, LGFog e armas automáticas.
A Op Leão Nómada foi realizada por forças da CCAÇ 2404 (Mansambo), a 2 Gr Comb, e da CCAÇ 12 (2º e 4º Gr Comb), formando o Dest A; e ainda pela CART 2413 (Xitole), a 2 Gr Comb reforçados (Dest B).
O prisioneiro Festa Na Lona serviu de guia. No decorrer da acção, quando as NT progrediam na região de Galoiel/Biro, ouviram tiros de reconhecimento e aviso feitos pelo IN.
Encontraram-se trilhos batidos (especialmente o trilho assinalado na carta que conduz à foz do Rio Bissari e daí à região de Galo Corubal, apresentando indícios de ser utilizado por pequenos grupos IN em acções de patrulhamento) e grandes extensões de capim queimado, mas as NT não conseguiram localizar o acampamento IN.
No mínimo temos de reconhecer a coragem e a coerência dos combatentes do PAIGC que, mesmo sob as duras condições (físicas e psicológicas) de cativeiro, eram capazes de nos ludibriar, a nós e aos nossos guias (fulas e mandingas), de modo a pôr a salvo os seus camaradas e a população afecta à guerrilha...Já vimos como, em operação anterior, a Op Boga Destemida, outro prisioneiro, Jomel Nanquitande, balanta, conseguira fugir, debaixo de fogo, algemado e provavelmente ferido (*)... Houve mais casos destes no Sector L1 (já aqui relatados: estou-me a lembrar da Op Anda Cá, na região de Madina/Belel, em 22/23 de Fevereiro de 1969, vd. depoimento de Beja Santos)...
Nunca cheguei a saber qual foi o destino dado ao Festa Na Lona, provavelmente recambiado para a região do Gabu, para ser de novo interrogado e forçado a servir de guia às NT... (Se é que a sua história era verdadeira e consistente, o pertencer a uma unidade do Gabu e estar na região do Xime a passar... férias!).
Menos de ano e meio depois, em Julho de 1971, as NT (incluindo a CCAÇ 12, forças de Mansambo - CART 2714, e do Xitole - CART 2716 ) voltam a Satecuta... A Op Quadrilha Sagaz já aqui foi relatada... De batalhão para batalhão, as operações pareciam ser feitas a papel químico...
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Fontes consultadas:
História da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71. Bambadinca: CCAÇ 12. 1971. Cap. II. pp. 28-29.Policopiado
História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Policopiado
Diário de um Tuga, de Luís Graça. Manuscrito
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Notas do editor:
(*) Vd. último poste da série > 9 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8071: A minha CCAÇ 12 (16): O 1º Cabo Galvão, ferido duas vezes em 9 de Fevereiro de 1970, segunda feira de Carnaval...Uma violenta emboscada em L em Gundagué Beafada, Xime (Op Boga Destemida)
(**) CART 2413: Independente, foi mobilizada pelo RAP 2. Partiu para a Guiné em 11 de Agosto de 1968 e regressou a 18 de Junho de 1970. Esteve em Fá Mandinga e Xitole. Comandantes: Cap Art Raul Alberto Laranjeira Henriques; Cap Inf José Medina Ramos. Por seu turno, a CCAÇ 2404 (Mansambo) fazia parte do BCAÇ 2852.