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sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25059: Casos: a verdade sobre... (39): "Canquelifá era o seu nome" - Uma batalha de há 50 anos (José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, 1972/74) - Parte II: o abate do último Fiat G-91 R/4, em 31/1/1974, a recuperação do piloto, ten pilav Victor Manuel Castro Gil



Crachá da CCAÇ 3545, "Os Abutres" (Canquelifá e Dunane, 1972/74

(coretsia do José Peixoto)


1. Continuação da narrativa do José Peixoto com as sua memórias sobre  a Canquelifá do seu tempo (*) 

(i)  foi 1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74);

(ii) vive no concelho de  Vila Nova de Famalicão;

(iii) ele é  membro da Tabanca Grande nº 731, entrado em 30/10/2016.

 Deixou-nos um relato memorialistico, dramático, dos últimos tempos da sua comissão,  de 12/13 páginas, que foi escrevendo ao longo dos anos, e que intitulou "Arauto da Verdade".

O texto, extenso, foi publicado na íntegra (poste P16656). Estamos agora a republicá-lo, em postes  por episódios, e cruzá-lo com outros postes que temos publicado sobre Canquelifá, com referênica à situação militar que se agravou, naquele aquartelamento e povoação do nordeste da Guiné, região de Gabu, a partir de agosto de 1973.




Esperamos, entretanto, poder voltar a ter notícias do José Peixoto (foto acima): 
não  tem página  no Facebook, mas disse-nos que era inspector reformado 
da CP - Caminhos de Ferro de Portugal (desde 2013), vivia nos arredores 
de Vila Nova de Famalicão, era casado, 
tinha dois filhos formados em engenharia. (*)


"Canquelifá era o seu nome" - Parte II:  o abate do Fiat G-91 R/4, em 31/1/1974,  e a recuperação do piloto, ten pilav Castro Gil

por José Peixoto


(...) Ao longo de todo o blogue da guerra na Guiné (belíssimo trabalho realizado), não posso deixar de referir, relativamente aos acontecimentos de Canquelifá, 1972/74, que há efetivamente uma descrição quase real das situações, mesmo tendo em conta que uma grande parte dessas afirmações são feitas por pessoas que ouviram falar ou estiveram perto.  Apenas algumas datas não são muito coincidentes.

No entanto outras,  sim,  marcaram na realidade a nossa mente. Tal como o dia 31 de janeiro de 1974, em que depois de um início de tarde de fortes bombardeamentos a Canquelifá, foi pedido o apoio aéreo a Bissau, tendo  chegado cerca das 17h30 a denominada parelha dos Fiats G-91.

Após o contacto com os pilotos via rádio pelo nosso saudoso capitão Peixinho Cristo, e lhes ter transmitido as coordenadas pretendidas, retiradas do mapa da área de íi“Pachisse” (mapa que se encontrava sempre estendido em cima da mesa do abrigo de transmissões nas alturas de crise), a fim de ser feito o respetivo tiro.

Iniciada a picagem pela primeira aeronave, verificou-se que o objetivo tinha sido alcançado. Para além de se ouvir o rebentamento da bomba, assistiu-se a olho nu ao retomar da altitude da referida aeronave e consequente progressão.

De salientar que esta manobra, um tanto quanto acrobática, se me é permitido esta classificação, estava a ser levada ao8 cabo a uma distância compreendida entre abrigo de transmissões e o local da operação, na ordem de 1,5 a 2,0 km, mais precisamente junto a Sinchã Jidé


Infografi: José Peixoto (2016)   


Eu encontrava-me ao cimo do abrigo de transmissões, acompanhado de 3 ou 4 camaradas também pertencentes aquela arma, a testemunhar o desenrolar dos acontecimentos.

A segunda aeronave aproximou-se do local da coordenada pedida, um pouco mais a norte, (entenda-se mais para a direita, lado do Senegal em relação àóleo  primeira) iniciando a manobra de picagem, não mais sendo vista.

Quem teve a oportunidade de testemunhar no local, deve recordar com certeza, não só o barulho ensurdecedor da explosão, tal como as chamas vivas, à mistura com o fumo negro que pairou durante vário tempo nos céus entre Canquelifá e Sinchã Jidé, tendo como causa a explosão da aeronave (Fiat G91).

Com efeito, de imediato foi comunicado por mim, o que acabara de ser constatado, ao capitão Peixinho Cristo, que se encontrava ao fundo no posto de transmissões a acompanhar as comunicações do momento, estando estas a serem difundidas em canal aberto com outras entidades. 

Este, na posse dos elementos do alfabeto fonético atribuído oficialmente aos intervenientes da operação aérea, chegados em mensagem, e já utilizados aquando da transmissão das coordenadas pretendidas, ou seja de onde provinham as flagelações do PAIGC, efetuou vários chamados via rádio. Em procedimento, não me recordo as letras atribuídas, como será evidente, no entanto a título de exemplo, como é óbvio o diálogo entre o capitão e os pilotos:

Capitão:

− Aqui maior de SIERRA / GOLFE, chama maior de ALFA / BRAVO, escuto!

Piloto:

 − Afirmativo, aqui maior de ALFA BRAVO, escuto!

Realizadas várias chamadas sem obter qualquer resposta (…). Surge o contacto (informação) do piloto da primeira aeronave que já se encontrava a sobrevoar noutra área mais afastada com destino a Bissau!..

− Aqui maior de ????

− Info: maior de ???? foi atingido míssil; conseguiu ejetar-se.

Nada mais transpareceu sobre este dramático acontecimento para além de volvidos que foram alguns minutos, foi recebido uma mensagem do Comando-Chefe de Bissau a corroborar esta afirmação: que a aeronave Fiat G.91 tinha sido atingida por um míssil e que o piloto, Tenente Castro Gil, se tinha ejetado. (#)

A referida mensagem chegou a Canquelifá classificada de “Zulo”, ou seja, grau de urgência máximo em despacho, classificação no exército ao tempo.


Dia 1 de Fevereiro de 1974 

Pelas 06h00 da manhã, aterram na pista de Canquelifá cerca de 8 ou 10 hélis de transporte, trazendo um número indeterminado de tropas (creio paraquedistas e outros) assim como mais 2 helicanhões armados com canhão MG 20mm,  de bala explosiva.

A sua intrusão no interior da mata foi imediata no sentido Sinchã Jidé e Copá. A intenção era localizar o piloto então ejetado naquela aérea no dia anterior (31 de janeiro) de quem nada se sabia.

A progressão no terreno era acompanhada pelos dois helicanhões que não tinham regressado a Nova Lamego, ficando para o efeito.

A transmissão entre a tropa no terreno e o referido apoio aéreo era feito em canal aberto, quero dizer, era audível toda a comunicação entre os intervenientes, no nosso posto de rádio em Canquelifá. 

Cerca das 15h00, uma chamada para a tropa em progressão de um dos pilotos disse:

− Ao descer um pouco mais o héli junto à copa da árvore que se encontra no trajeto à vossa frente, pareceu-me ver algo de estranho!.. Tenham cuidado.

Com esta chamada de atenção do piloto, a tropa acabou por detetar um veículo abandonado, tratando-se de uma ambulância de origem Russa.

Alertado o Comando-Chefe, foi dada ordem a Nova Lamego para fazer seguir para o local pessoal helitransportado,  especializado em minas e armadilhas, com a intenção de analisarem se a mesma estaria armadilhada.

Dado que nada se confirmou sobre a suspeição, foi recebida ordem para seguir com a mesma para Copá
O trajeto foi complicadíssimo, apesar do apoio simultâneo dos hélis na informação da picada a ser seguida, pois poderia haver eventual obstrução da mesma, mais à frente, relativo à densidade de árvores, evitando assim o retroceder do itinerário.

Tudo foi levado a cabo com o maior rigor, sabedoria e abnegação, chegando-se a Copá já altas horas da noite sem qualquer incidente ou acidente.

Mas, o mais importante de todo este desenrolar de cenário de guerra crua ainda não acabou.

Desviei-me um pouco do principal raciocínio que originou a referida operação, que era encontrar o piloto desaparecido no dia anterior, apenas com a intenção de seguir uma cronologia dos acontecimentos.

O facto é que,  enquanto as tropas no terreno se ocupavam em levar a sua operação a bom porto, foi por mim rececionada, cerca das 16h00, quando me encontrava no meu turno de operador de serviço, uma chamada através do AVP-1, na posse da Milícia Africana, que fazia parte do destacamento de Dunane, a seguinte informação: 

Após o OK, foi transmitido: 

 − Está aqui pessoal branco.

Ainda tentei questionar, mas é facto que se encontrava junto o capitão Cristo, pedindo-me para lhe passar o rádio, fazia questão ser ele a entender-se.

Com toda a sua perspicácia de líder de guerra, logo lançou a pergunta:

− O pessoal branco tem boné?...

 −Sim.

 
− Ele que fale ai ao rádio.

 
− Ele não fala, já vai na bicicleta para Piche.

Terminada a transmissão, de imediato foi dado conhecimento ao Comando a Nova Lamego (CAOP2), tendo sido decidido que um dos helicanhões que se encontrava a dar apoio na outra frente às tropas envolvidas naquele momento com a retirada da ambulância, fosse a Dunane confirmar ou não a notícia difundida pelo Milícia.

Confirmado pelo piloto de que se tratava efetivamente do camarada, tentou recolhê-lo em plena picada, pois este já seguia em direção à sede de Batalhão, o BCÇ 3883 (Piche), fazendo-se transportar numa bicicleta, acompanhado de um africano que se posicionava na sua frente, compreenda-se sentado no quadro da bicicleta pertença do mesmo.

De seguida, este piloto, contente por encontrar o seu camarada vivo, passou a informação ao piloto que operava junto às tropas em progressão, confirmando-lhe que era o piloto Castro Gil. Repartindo desta forma o contentamento, deram os dois início a uma canção que presumo ser algum hino de então, da Força Aérea: 

− Oh santa miraculosa, tirai-nos desta merda!!!

Não tive a oportunidade de memorizar o restante da letra, pois ouviu-se logo uma voz poderosa mais parecida com voz de comando (que o era) dizendo:

−  Aqui maior de ?? ??  
− não havendo mais continuidade do diálogo entre os pilotos. 

Posteriormente veio-se a saber, que o piloto Castro Gil, após se ter ejetado, passou toda a noite em cima de uma árvore, e ao nascer do dia passava por ali um Africano de bicicleta, tendo- lhe pedido boleia, o que logo acedeu.

Uma saca de laranjas fazia parte da sua bagagem que também repartiu com o seu novo companheiro de viagem.

Quando da chegada à sede do Batalhão (Piche), depois de uma autêntica odisseia que já durava há vinte e quatro horas, pediu ao então Comandante do Batalhão, tenente-coronel Dantas, a importância de 1000 pesos, entregando-os como recompensa do transporte e partilha das laranjas, ao Africano. (**)

Do assunto nada mais ouvi falar. No entanto as flagelações a Canquelifá continuaram, sem ter havido qualquer apoio aéreo.

Estávamos no mês de fevereiro 1974, que foi marcado por ataques diários.

A intenção de todos os operacionais em abandonar o aquartelamento, cada dia que passava ganhava mais consistência.


Março 1974 - Continuação dos ataques a partir do dia 5 com alguns interregnos.

Dia 17 de março de 1974 - Início das flagelações às 14h00, com incidência de tiro sobretudo para o lado da “Mata Sagrada”.

Cerca das 15h30, destruído o abrigo 12, e morte do Furriel Rosa ao ser atingido pelos estilhaços de uma granada de morteiro 120 mm que rebentou na copa de uma árvore junto ao referido abrigo, quando este se encontrava à porta do mesmo. Desconheço se foi esta mesma granada, ou outra, que provocou a destruição do abrigo.

O furriel Rosa foi trazido do local para a Enfermaria, num Unimog, tendo-lhe sido ministrados os primeiros socorros, e ermanecido em cima de uma maca até à chegada do meio aéreo que aterrou em espaço aberto, mesmo junto à Enfermaria, sendo então evacuado para Bissau. 

(Continua)

(#) Piloto: Ten pilav. Victor Manuel FernandeCastro Gil |  Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5437" (Esq. 121, BA 12, Bissalanca | Data_ 31 de janeiro de 1974 | Causa: abate por SAM-7 Grail.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25057: Casos: a verdade sobre... (38): "Canquelifá era o seu nome" - Uma batalha de há 50 anos (José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, 1972/74) - Parte I : os ataques do início de janeiro de 1974 e a morte do fur mil op esp Luís Filipe Soares

(**) Há uma outra versão deste episódio, escrita pelo Fernando Moreira, ex-fur mil trns inf, CCS/BCAÇ 3883 (Piche, 1972/74). Orignalmente publicada no Facebook, está disponível no Blogue Especialists da Base Aérea 12, Guiné 65/74 > domingo, 3 de fevereiro de 2013 > VOO 2688 – 31 Jan. 1974 - Míssil abate avião; eu "estava" lá.

O Fernando Moreira, que era nosso amigo do Facebook,morreu há dois anos, em 12 de dezembro de 2021.Ver aqui a sua página : natural de Mirandela, andou nos Liceus de Bragança e Vila Real, bem como na Escola Agrícola de Coimbra; viva em Vila Real.

Ficámos também a saber que o nosso camarada da FAP, então já com o posto de cap pilav,  Vitor Manuel Fernandes Castro Gil, veio a falecer, em 5 de janeiro de 1979, aos 28 anos na BA 5, Monte Real, num acidente com um T-33. Teria nascido, pois, em 1951.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23735: Efemérides (373): Há exactamente 54 anos que embarquei para a Guiné (23.10.68 – 23.10.2022) (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 23 de Outubro de 2022, dia em que se completam 54 anos que embarcou para a Guiné no navio Uíge:


Há exactamente 54 anos que embarquei para a Guiné

23.10.68 – 23.10.2022

Tudo começou muito antes

A Inspecção Militar a que todos os mancebos eram sujeitos, era o princípio da vida militar e era feita na sede do concelho de residência dos referidos, no ano em que se faziam vinte anos. Eu, porque tinha nascido e morado sempre em Alcanena, foi na minha terra que fui inspeccionado juntamente com os outros quarenta e nove. Logo de manhã fomos para o Salão Nobre do edifício da Câmara Municipal, portas fechadas e janelas corridas, mandaram-nos despir e deram-nos um papel onde um soldado apontou o nosso peso e a nossa altura. Todos nus, com um papel na mão.

No Gabinete do Presidente da Câmara estavam os médicos militares que nos inspeccionavam, um a um, muito à pressa e lá nos davam a notícia que estávamos “apurados” para todo o serviço militar. É certo que um ficou “esperado”, porque era baixo e gordo e outros dois ficaram “livres” sem se saber porquê.

Quando nos íamos vestindo, o tal soldado que nos tinha pesado e medido vendia-nos uma fita verde e vermelha, com um alfinete, para colocarmos na lapela do casaco, a dizer que estávamos apurados. Os que ficavam livres, tinham direito a uma fita branca.

Nesse dia, apesar de tudo foi dia de festa. Houve jantarada do grupo e depois baile até de madrugada. Era assim.

Depois foi só aguardar que os editais nos chamassem para a vida militar. A minha sorte mandou-me para a Escola Prática de Cavalaria em Santarém, no dia 10 de Outubro de 1967. Era uma segunda-feira e tudo era novo para aqueles trezentos e sessenta recrutas do Curso de Sargentos Milicianos. A maioria, onde eu estava incluído, só entrou depois do almoço e depois de ter sido dado mais um toque no cabelo, e lá entrámos. Logo de seguida fomos receber o fardamento, deram-nos um número – eu era o 2060/67 – indicaram-nos a caserna e o nosso número lá estava numa cama. Nada de enganar.

Aprendemos, assim, a formar para o jantar. O refeitório era do outro lado da parada, no primeiro andar. E lá jantámos tendo-nos sido dito que às nove horas tínhamos uma palestra no mesmo refeitório para aprendermos o que era a tropa. Claro que ninguém faltou. Todos presentes para aprender onde estávamos metidos. O porta-voz foi o Comandante do meu Esquadrão, o Tenente Sentieiro que em palavras simples nos elucidou perfeitamente onde estávamos e o que o futuro nos reservava. Dessa palestra há passagens que ficaram na memória e que hoje aqui merecem ser recordadas. Por exemplo: “Essa coisa onde estão a deitar a cinza dos cigarros e as beatas, agora é um cinzeiro, mas amanhã de manhã é uma chávena de vista alegre para beberem o café com leite e à hora do almoço é um copo de cristal por onde vão beber o vinho ou a água”. Afinal aquilo era só um púcaro de alumínio… Outra dessa noite com alguma piada, mas sem graça nenhuma, foi quando o orador nos disse que só poderíamos sair para a rua quando soubéssemos todos os postos da hierarquia militar e bem assim os que mereciam ser cumprimentados militarmente – com continência – para evitar que fossemos bater pala ao porteiro do Hotel Abidis que tinha uma farda que parecia um marechal. E assim foi.

No outro dia foi o princípio. Aprendemos a marchar, aprendemos a rebolar nas barreiras, a saltar ao galho, a fazer a ponte interrompida, saltar a vala, rastejar, subir ao pórtico e lá fazermos alguma manobras, saltar das camionetas a não sei quantos à hora, devidamente enrolados, e sempre a marchar.

As barreiras, antes da recruta acabar, foram proibidas. Não por causa de alguns braços partidos e outros pequenos ferimentos, mas porque as fardas estavam a desfazer-se.

O tiro era treinado, de dia e de noite, na Carreira de Tiro fora do quartel com todo o tipo de arma desde a pistola até às várias metralhadoras pesadas.

As instruções nocturnas eram normalmente às terças e quintas-feiras e duravam até depois da uma da manhã, quando não era até mais tarde. Íamos para as Ómnias, lá para as margens do Tejo, para o Monte do Zé Morto, para o caminho de Rio Maior e na semana de campo fomos para lá da Chamusca, sempre a pé e com a carga toda às costas, incluindo a Mauser e o Capacete na cabeça. Nessa semana nem uma tenda pôde ser montada, apesar de irmos carregados com todos os apetrechos. Parece que o “inimigo” estaria ali por perto. Ordens são ordens. Esta semana de campo foi depois da tragédia das cheias, inundações e morte de centenas de pessoas na zona de Vila Franca, Alenquer, Loures e Odivelas. Só para nos centrarmos no tempo.

Depois de tudo isto, lá chegou o dia do Juramento de Bandeira e logo a seguir ficámos a saber que a maioria do pessoal, daqueles dois Esquadrões de Instrução, tinha chumbado e passado para o Contingente Geral. Dos trezentos e sessenta, foram só duzentos e um que chumbaram. E mais tarde, já na Guiné, é que vim a saber de fonte segura a razão de tanto chumbo. Foi o Comandante daquele Grupo de Esquadrões de Santarém, que também estava na Guiné e, infelizmente, lá morreu no acidente do helicóptero que caiu e onde iam também alguns Deputados da Assembleia Nacional que estavam de visita à Guiné que morreram também, que me disse que tinha havido um erro na classificação das pautas de tiro, que dependiam da Direcção da Arma de Infantaria a quem podiam pedir a revisão das mesmas. Mas como éramos de Cavalaria, ficou assim.

Não vale a pena continuar a falar, agora da especialidade, nem do resto do tempo até ao embarque. Mas passei pelo RTM no Porto onde tirei a especialidade, fui depois para o BT, na Graça, em Lisboa, a seguir para o QG em Tomar, depois de mobilizado voltei ao BT, e logo de seguida fui para o 15 em Tomar, que foi a minha Unidade Mobilizadora e na véspera do embarque fui passar a noite aquele hotel estrelado que era o Depósito Geral de Adidos.

É verdade. Parece que foi ontem e já lá vão CINQUENTA anos desde o dia do embarque para a Guiné, mas está tudo bem guardado na memória.

Depois de uma noite muito mal dormida nos Adidos, na Calçada da Ajuda, logo de manhã lá estava ataviado a preceito para embarcar para a guerra.

Dois dias antes, ainda no RI 15 em Tomar, a minha Unidade Mobilizadora, soube que ia para o BCaç 1911 que nunca vi e que parece que veio no barco onde fui, apanhei uma boleia com um senhor da minha terra que lá foi buscar o filho, para também embarcar para a guerra, salvo erro era para Angola. Lá fomos os três no Volkswagen 1300 do senhor, a caminho dos Adidos em Lisboa. Almoçámos, já não me lembro onde, e lá chegámos à capital do Império e aos Adidos.

Entrámos os dois pela porta de armas, cada um foi para o seu sítio, mas no dia seguinte deixei de o ver. Afinal ficou cá. Não chegou a embarcar. Tinha as suas mazelas certamente.

No dia do embarque, no dia 23 de Outubro de 1968, como disse, logo de manhã lá estava fardado como deve ser, de saco às costas com os meus pertences. Foi só esperar que as camionetas começassem a chegar para levar toda aquela malta de rendição individual para o cais de Alcântara. Éramos cerca de sessenta, tudo de cabeça baixa, sem saber para onde ia.

Quando chegamos ao Cais, o grosso dos expedicionários já estava devidamente formado; era o Batalhão de Caçadores 2856, também do RI 15 de Tomar, constituído por quatro Companhias, mais um Pelotão de Polícia Militar que ia para Cabo Verde e ainda outras Unidade mais pequenas, género Pelotões de Canhão Sem Recuo, Pelotões de Apoio Directo, etc.

Nós ficámos livres da formatura e, certamente por isso, fomos dos primeiros a embarcar. Ao cimo das escadas lá estavam as senhoras do MNF – Movimento Nacional Feminino a darem um maço de cigarros "Porto", um isqueiro e uns aerogramas a cada um. Também por lá se viam uns senhores de chapéu e de sobretudo, que alguns mais vividos diziam serem da PIDE.

O Uíge atracado à espera, com a tropa formada, depois de um General ter passado revista às forças ao som de uma Banda Militar, depois dos discursos da ordem, lá começaram a embarcar, sempre com a Banda a tocar marchas militares.

Os nossos familiares estavam do outro lado das barreiras e muitos nas varandas da Gare, com os lenços brancos nas mãos e as lágrimas nos olhos.

Os lenços brancos a acenar eram mais do que muitos. Da minha parte lá estavam os meus pais e os meus tios que moravam em Lisboa. Sabia mais ou menos onde eles estavam posicionados porque tínhamos combinado antecipadamente. A amurada do barco do lado do Cais estava repleta de militares o que provocava um relativo adornar do navio.

Entretanto, cerca do meio-dia, as máquinas do navio começam a fazer mais barulho e a silvar. Vêem-se já os rebocadores que o há-de ajudar a largar e a ganhar o rumo da Barra do Tejo. Foram momentos difíceis de descrever. Adivinhávamos facilmente que os familiares no Cais choravam. Alguns até gritavam e ouvia-se bem apesar da distância ser cada vez maior. Mas ouvia-se.
Navio Uíge em Bissau
Foto: Torcato Mendonça

A bordo também havia lágrimas em muitos olhos. O barco ganha rumo, a ponte "Salazar", era assim que se chamava a que hoje se chama "25 de Abril", começa a ficar cada vez mais perto, até que passámos por baixo dela. Dali até à Barra e depois ao mar alto parece que foi um momento.

Mal ou bem lá fomos encaminhados para os nossos aposentos, para largarmos o nosso saco e para tomarmos conhecimento dos nossos beliches. A esmagadora maioria, onde eu estava incluído, viajou nos porões que noutras viagens transportavam tudo e mais alguma coisa. O cheiro era horroroso. As camas eram mesmo tipo beliche, mas em madeira de pinho, com colchões de palha e uma manta da tropa em cima. A estrutura das mesmas, porque em madeira, estava já cheia de dedicatórias de toda a ordem que se possa imaginar, fruto de outras viagens de idas e de regressos.

Já no mar alto fomos para a primeira refeição, o almoço, numa sala grande, a sala de jantar do barco, e a comida era aquela que nos quiseram dar, porque os orçamentos naquela altura já eram apertados, mas ninguém se queixou.

Depois foram cinco dias a ver-se só mar e céu, tudo azul, e de vez em quando uns peixes voadores a acompanhar o Uígee por vezes até golfinhos como que a desejarem-nos boa viagem. Raras vezes avistámos outros barcos, mas sempre ao longe. Passámos relativamente perto das Canárias. Disseram-nos que, como aquilo era um Transporte de Tropas, estávamos a ser a ser acompanhados por um submarino. Já era a psicossocial a funcionar.

No convés havia uma espécie de um bar onde se vendia cerveja e Coca-Cola, sendo esta uma novidade autêntica uma vez que na Metrópole a mesma ainda era proibida. A cerveja era holandesa. Eram garrafas de meio litro, verdes, que nós nunca tínhamos visto. Claro que com estes estimulantes a viagem e o tempo parece que custavam muito menos a passar.

Nos porões, logo no primeiro dia, foram montadas bancas para a batota, neste caso a lerpa, e os profissionais dessa jogatina lá assentaram arraiais e foram depenando os mais desprevenidos, que era a esmagadora maioria.

E assim chegámos a Bissau no dia 28, ao final do dia, tendo o barco ficado ao largo e o pessoal desembarcado para barcaças que de imediato tinham rodeado o navio por todos os lados.

A todos os companheiros, camaradas e amigos que vão sobrevivendo e que há 53 anos viajaram comigo no Uíge, um grande abraço e votos de muita saúde.

Carlos Pinheiro
23 de Outubro de 2022

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23611: Efemérides (372): No dia 21 de Abril 2021 fez 58 anos que os 1.º e 2.º Pelotões da CCAÇ 414 estiveram em sérios apuros na Ilha do Como (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enf)

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22667: Convívios (920): XI Encontro dos "Ilustres TSF", levado a efeito no passado dia 20 de Outubro em Lisboa (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS)

Lisboa, 20 de Outubro > XI Encontro dos Ilustres TSF > Foto de família > Sentados: Marques, Miguel, Martinho, Cruz e Eduardo. De pé: Lã e Hélder


1. Em mensagem de 26 de Outubro de 2021, o nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), dá.nos conta do XI Encontro dos Ilustres TSF levado a efeito no passado dia 20.

XI ENCONTRO DOS “ILUSTRES TSF”

Caros amigos

Nestes tempos mais recentes fomos surpreendidos pelo falecimento inesperado de pessoas com que interagimos aqui no nosso Blogue: foi o Torcato Mendonça, foi o Zé Dinis, foi o Victor Barata. Já outros também nos deixaram, mas referi estes por serem os mais próximos e também porque com eles tive um relacionamento mais aprofundado.

Para contrariar sentimentos negativos e/ou angustiantes derivados desses funestos eventos, e depois de ultrapassados diversos obstáculos, 7 dos elementos a que me costumo referir como sendo os “Ilustres TSF” conseguiram promover um Encontro, o XI Encontro, no passado dia 20.

Esse Encontro ocorreu em Lisboa, num restaurante na Avenida Almirante Reis e depois dele ainda houve tempo para uma visita pedonal, desde o Martim Moniz, passando pela “Manteigaria Silva” para apreciar (e obter) “o melhor bacalhau do mundo”, percorrendo depois alguns locais da Baixa Pombalina, utilizando os chamados “elevadores de Lisboa” até ao Miradouro do Chão de Loureiro, descendo à Mouraria e percorrendo a Rua do Capelão. Visita a locais históricos e de cunho cultural. Já várias vezes, quando dou notícia destes eventos deste Grupo, costumo também escrever que “um dia”, falarei de todos e cada um do “Ilustres TSF”. Não é hoje, não é aqui.

Por hoje apenas deixo nota deste XI Encontro, do gosto e alegria manifestados pelos participantes, das dificuldades e esforços que foram necessários efetuar para que fosse uma realidade. Os “Ilustres” foram 15. Neste Encontro estiveram 7, aqueles que conseguiram resolver os obstáculos com que agora quase todos nos deparamos: responsabilidades e ocupações familiares, problemas de saúde, com consultas médicas, intervenções cirúrgicas, problemas com maior ou menos gravidade.

Na foto ilustrativa que envio temos então, em baixo e da esquerda para a direita, Fernando Marques, de Alhandra a viver em Lisboa e que foi um dos dois dos “Ilustres” que não foi mobilizado, Mário Miguel, de Barcelos que esteve em Moçambique, Manuel Martinho, de Vila das Aves, que esteve na Guiné, Fernando Cruz, do Porto, que esteve em Moçambique e Eduardo Pinto, de Viseu a viver em Lisboa, que esteve na Guiné. Em cima, pela mesma ordem, Carlos Lã, de Faro, que esteve em Angola e Hélder Sousa que vive em Setúbal e esteve na Guiné.

Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22649: Convívios (919): Convívio do pessoal da 35.ª C. Comandos, dia 27 de Novembro de 2021, em Ançã, Coimbra (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil CMD)

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21560: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (17): Recordação/Homenagem de reconhecimento a Guedes Barbosa

Antigo Quartel do Regimento de Transmissões - Porto
Foto retirada da página http://zala.fotosblogue.com/129565/Codigo-de-Morse/, com a devida vénia


1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 16 de Novembro de 2020:

Caros amigos,

Como já faz tempo que não envio colaboração, aqui vai uma coisa "ligeira", que penso pode ser colocada na minha série "Histórias em tempo de guerra".

Em parte talvez sirva para amenizar um pouco a agressividade verbal (escrita) que tem aparecido mais recentemente aqui no Blogue.

Por outra parte entendo ser um assunto, o da reconhecimento da faceta humana e solidária por parte de alguns homens do Quadro que connosco se cruzaram e de homenagem aos seu comportamento.~

Será talvez dar corpo à minha faceta de "conciliador-mor" mas não me sinto mal com isso.

Como de costume isto está "fraco" de imagens que possam ajudar a enquadrar o texto e amenizar a sua leitura mas tenho ideia que no Post que cito há por lá uma imagem da parada do Quartel. Não tenho nenhuma foto de quem estou a recordar e mesmo minhas também são raras.

Envio duas fotos de há 3 anos desse Quartel do RTm, a da entrada actual que pouco difere da do meu tempo e onde se vê um pouco do interior da parada com várias viaturas e uma do Edifício do Comando, bastante degradado e uma outra foto pessoal, mais recente, tirada na Feira do Livro de Lisboa o ano passado, aquando da apresentação do livro do Zé Ferreira.

Saudações
Hélder Sousa



Recordação/Homenagem de reconhecimento a Guedes Barbosa

Caros amigos

Vou fazer referência a um “Homem do Quadro” que me marcou e que considero necessário e importante dar aqui testemunho disso e porquê.

Há por norma alguma “animosidade” contra esses homens (haverá algumas razões, com certeza) mas também já apareceram referências a Oficiais e elementos da classe de Sargentos do Quadro que não desmereceram a qualidade de nossos camaradas.

Portanto, o “porquê” destas linhas poderão verificar no final e esclareço também que da pessoa em causa não tenho notícias já faz bastante tempo, ignoro se é viva (e espero que sim), nem falei com ele recentemente de modo a obter anuência para o que vou escrever.

Trata-se de Guedes Barbosa. Ao tempo que o conheci, no então RTm (Regimento de Transmissões), no Porto, chefiava a Secretaria e, embora sem qualquer certeza agora, julgo que era 2.º Sargento. Este Homem era um militar de carreira, do Quadro, um “chico” como dizíamos, mas era dotado de grande sentido humanista e também de humor.
Entrada do então Regimento de Transmissões do Porto

Ora bem, antes do episódio que agora recordo, ocorrido aí em finais de Julho de 1970, devo dizer que estava nesse Quartel em funções de formação de futuros Oeradores de Morse e que por circunstâncias várias estava a chefiar um Pelotão de instruendos, tal como vários dos meus camaradas de Curso, aqueles a quem por hábito costumo designar por “Ilustres TSF”. Por via disso, dessas funções, era corrente ter que tratar de assuntos vários na Secretaria e, naturalmente, interagir com o senhor Sargento Guedes Barbosa.

Então, esperando que não me chamem muitos nomes por agora “puxar a brasa à minha sardinha” (o amigo Branquinho perdoará este meu “falar sobre o meu umbigo”), sempre vos digo que arranjei maneira de termos (os “Cabos Milicianos” que estávamos de “instrutores”) uma semana de férias, quando isso normalmente não teria sido possível.

E como foi? Ora bem, por aqueles tempos faltavam “Aspirantes” e, como disse acima, nós, os “Ilustres” é que estavam a comandar os Pelotões de Instrução. Algures no Regulamento (RDM) eu li que “quem estivesse a desempenhar funções normalmente cometidas a um 'superior', por um período igual ou superior a 3 meses, tinha direito a 1 semana de licença".

Na posse desta informação (não sei precisar se cheguei lá de “motu próprio” ou foi “soprada” por alguém), a verdade é que fui com isso ao Guedes Barbosa, argumentei, reconheceu que tinha razão (estava no RDM….) mas que isso não era habitual, e que seria difícil acontecer mas que, no entanto, ia apresentar a situação ao Senhor Comandante e que, caso houvesse deferimento, não poderíamos ir todos ao mesmo tempo.

Não era habitual acontecer mas aconteceu! Essa minha semana de férias, inédita volto a dizer, ocorreu de 24 ou 25 de Agosto a 1 de Setembro quando regressei e fiquei logo de “Sargento de Dia”.

Nesse dia, 1 de Setembro de 1970, ocorreu então em “encontro imediato” com um personagem sinistro que havia no Quartel, um tal Capitão Carneiro (a quem chamavam “cobra cuspideira” porque quando vociferava – ele raramente “falava” – enchia o interlocutor de perdigotos”) mas isso é outra história, mais comprida, e já a contei aqui no Blogue, no poste P10341, de 6 de Setembro de 2012, intitulado “Abuso de poder”.

Desse “encontro” resultou uma ameaça do tal sinistro personagem de me “embrulhar” numa participação. Acontece que, por sua vez, houve quem me aconselhasse a “fazer queixa” dele, já que o desaforo foi exercido contra um militar em funções, com imensas testemunhas desde o Oficial de Dia aos instruendos de 5 Pelotões que estavam formados à porta do Refeitório.

Por coincidência, no rescaldo dessa refeição foi dado conhecimento da minha mobilização para a Guiné, juntamente com mais alguns.

Quem foi então que me ajudou? Claro, o Sargento Guedes Barbosa! Em primeiro lugar pelo tal conselho de “fazer queixa” (fazer “participações” não era nossa prerrogativa) e depois por ter demovido o tal Capitão de avançar com a participação “porque o rapaz acabava de ser mobilizado para a Guiné e já chegava de “castigo”). 

Ao mesmo tempo, junto de mim também influenciou considerando que devia desistir então, em simultâneo, da “queixa”, pois embora tivesse razão e tudo para ganhar o pleito, o processo ia-se arrastar e nunca mais me despacharia da tropa.

Mas acabou aqui o meu relacionamento com o Guedes Barbosa? Não!

Também ele acabou por ir parar à Guiné e aí já me recordo de ser 1.º Sargento. Por essa época, estando eu a desempenhar funções no “Centro de Escuta”, o 1.º Guedes Barbosa vivia numa moradia ali ao lado e cruzámo-nos várias vezes, trocando impressões. Numa ocasião queixei-me de dores no estômago e não é que o “nosso 1.º” se afadigou em arranjar e fazer um chazinho para o estômago? Pois é, caí em graça e já se sabe que “mais vale cair em graça que ser engraçado”.

Terminou? Não!

Alguns anos mais tarde, não sei agora precisar mas estimo que no início da década de 80, eu e o Nelson Batalha, acompanhados das respetivas “consortes”, metemo-nos ao caminho desde Setúbal para ir visitar um camarada nosso, o Manuel Martinho que julgo por essa altura ainda habitar em S. Martinho do Campo.

No caminho passámos no Porto, fomos até à Arca d’Água, chegámos à porta de armas do Quartel das Transmissões e pedimos para falar com o “senhor 1.º Sargento Guedes Barbosa”. Nessa altura, já não sei se o sentinela, se o “sargento de dia” que entretanto apareceu, retorquiram: “1.º Sargento não, nosso Capitão Guedes Barbosa” e informaram que ele se encontrava num edifício que ficava no interior logo que se saía da parada para o lado das salas de instrução, que bem conhecíamos.

Com a devida autorização fomos até lá. Ficámos à entrada do portão do edifício, uma espécie de armazém de material, em perfeita contra-luz para quem estava no interior em penumbra e dissemos em uníssono “meu Capitão,  dá licença”? De imediato ele volta-se para nós e diz: “Olha o Batalha e o Bigodes”!

Foi comovente, pois passados aí uns 10 anos foi capaz de nos reconhecer num ápice. Não sei mais nada dele, espero que esteja bem, mas guardo boas e gratas recordações.

Abraços
Hélder S.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13249: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (16): A Carta de Condução

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20986: Efemérides (326): Foi há 48 anos: fui gravemente ferido no decurso da Op Dargor, evacuado para o HM 241, em Bissau, e depois para Lisboa, o HMP (José Maria Pinela, ex-1º cabo trms, CCS/BCAV 3846, Ingoré, 1971/73), hoje DFA


Guiné > Bissau > HM 241 > c. maio/ junho de 1972 > Gravemente ferido em combate, em 14/5/1972, o José Maria Pinela esteve aqui internado dois meses, sendo sendo evacuado para o HMP, em Lisboa donde teve alva em 6/4/1973. É hoje DFA (Deficiente das Forças Armadas).

Fotos (e legenda): © José Maria Pinela (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. José Maria Pinela (DFA), ex-1.º cabo trms, CCS/BCAV 3846 (Ingoré, 1971/73), membro nº 685 da Tabanca Grande (desde 4 de maio de 2015) (*)

(i) assentou praça em Elvas,  BC 8, na 3.ª Companhia de Instrução do 3.º Turno de 1970, onde fez a recruta;

(ii) em Lisboa, no BC 5, fez a especialidade de Transmissões de Infantaria:

(iii) seguiu para Portalegre, BC 1, onde permaneceu até à mobilização  ("por sinal no dia dos meus 22 anos, 16 de Fevereiro");

(iv) daqui partiu para Estremoz, BC 3, a fim de formar Batalhão;

(v) foi colocado na  CCS / BCAV 3846, como 1.º  cabo trms;

(vi) a madrugada do dia 3 de Abril de 1971, o batalhão seguiu para  a Lisboa,  embarcando no T/T  Angra do Heroísmo, com destino à Guiné:

(vii) chegada a Bissau no dia 9 de abril de 1971;

(viii) depois de um mês no Cumeré, para a IAO, partiram  para a nossa zona operacional, duas companhias para o Ingoré, incluindo a CCS, outra para São Domingos e outra para Susana-Varela;

"Decorreu o resto do ano de 1971 conforme se pôde, até que entrou o ano de 1972 que começou mal como o ano anterior. A 14 de maio caímos numa emboscada, onde fui ferido e evacuado de helicóptero para o HM 241, em Bissau, onde permaneci durante cerca de dois meses, e de onde acabei por ser evacuado por via aérea para o Hospital Militar, Anexo em Campolide, de onde saí como DFA, no dia 6 de Abril de 1973, dado como incapaz para todo o serviço militar e apto parcialmente para o trabalho".

O BCAV 3846 regressou à metrópole a 13 de março de 1973. O pessoal tem vindo a realizar o seu convívio anual.


Guiné > Região de Cacheu > Carta de Sedengal > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Sedengal, Ingoré e mata de Canchungo, junto à fronteira do Senegal, entre os marcos 143 w 139.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


2. Para relembra esta fatídica efeméride, o 14 de maio de 1972, o camarada Pinela publicou, na página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça as quatro fotos acima reproduzidas,  mais a seguinte mensagem:

Olá,  camaradas de armas, ex-combatentes da Guiné! Bom dia a todos.

Faz hoje precisamente 48 anos, 14 de maio de 1972, começo do dia às 3 horas da manhã em Ingoré, operação Dargor, destino mata do Canchungo entre os marcos de fronteira norte 139-143, cerca das 8 da manhã primeira emboscada, onde eu fui atingido de imediato, era um alvo a abater logo de início, posto rádio Racal às costas, AVP 1 ao pescoço e todo o material que nos equipava. 

Aí começa toda a odisseia até à chegada dos Fiat G-91, do heli canhão e do heli de evacuação que me levou até HM241, em Bissau.

Aí chegado, fui recebido por uma equipa extraordinária que me salvou a vida, e não só, também alguns membros!

Sobrevivi até hoje felizmente, já outros não tiveram a mesma sorte e por lá perderam a vida ou partes do corpo! Para nada!!!

Aqui ficam algumas fotos desse domingo, 14-05-1972.(**)
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domingo, 12 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20851: Efemérides (322): O meu domingo de Páscoa de 1968 (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG)

Ressurreição de Cristo - Rafael


1. Em mensagem de hoje, dia 12 de Abril de 2020, o nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), lembra o seu dia de Páscoa de 1968.


O Domingo de Páscoa de 1968

Já estava na tropa desde Outubro de 67 quando no dia 10 daquele mês assentei praça na EPC em Santarém, de má memória, onde chumbei no CSM e mais 200 camaradas – sim chumbámos 201 em 360 - tendo passado para o Contingente Geral e no início do ano de 68 sido transferido para o RTM no Porto onde tirei a especialidade de Operador de Mensagens bem como a Escola de Cabos.

Mal acabada a especialidade, fui transferido para o BT na Graça em Lisboa, mas rapidamente colocado a prestar serviço na Delegação do STM – Serviço de Telecomunicações Militares – no Quartel General da 2.ª Região Militar, em Tomar.

Estava desarranchado, dormia num quarto com mais dois camaradas em três divãs separados, em casa do Cabo RD Almeida, como também ali dormiam noutros quartos mais camaradas de armas. Aquilo não era bem um quartel, mas principalmente de manhã, apesar de não haver toque de alvorada, todos nos movimentávamos bem e depressa.

Comia no Restaurante Diamante Verde, na Rua dos Arcos, por trás do Quartel General. Acho que o desarranchamento eram 500$. Do quarto pagava 120$ e do Restaurante pagava 500$. Mas como “matava” alguns serviços de camaradas que se podiam safar e pagar, a coisa compunha-se.

Todos estes serviços de “matança” eram “coordenados” pelo Sargento, chefe do Posto do STM.
O STM era nas águas furtadas do QG onde, para além do Centro de Mensagens (a minha especialidade), existiam a Central de Teleimpressores com contacto com o Batalhão de Telegrafistas em Lisboa e com o QG do Campo Militar de Santa Margarida, bem como com os outros Quartéis Generais do País e, claro, o Posto de Rádio, em grafia, que comunicava com as mesmas entidades.

Existia ali ainda um aparelho do tempo da 2.ª Grande Guerra, um fac-simile da altura, marca Siemens, que todos os dias era posto à prova com uma transmissão de exploração para o BT e a devida resposta. Aquilo era mesmo antigo. A técnica era baseada num cilindro onde se acoplava o documento a transmitir e ia rodando, depois de se fazer a ligação telefónica para transmitir o documento. Usava um tinteiro e um sistema com um aparo que ia impressionando o papel conforme a imagem do documento. Claro que por vezes borrava-se a pintura… mas aquilo tinha que ser posto à prova todos os dias como mandavam as normas.

No 1.º andar, para além dos Gabinetes do Brigadeiro Comandante da Região Militar e do Coronel Chefe do Estado-Maior e outras repartições, havia o Centro de Cripto onde, nós quando recebíamos alguma mensagem classificada, íamos ao postigo daquele Centro entregar a mesma por protocolo e eles, depois de fazerem a passagem a cifra, vinham ao postigo do nosso Posto entregá-la para ser encaminhada e transmitida para o ou os destinatários. Era assim o dia a dia.

No Rés do Chão, para além dos serviços do quartel General e as instalações da PM, havia a Central Telefónica do QG, com uma Central Civil e outra Militar que eram operadas por telefonistas do STM. Era dali que de vez em quando, sem grandes abusos, conseguíamos fazer uma ou outra chamada para casa, para dar notícias, ou para algum dos nossos vizinhos que tivesse telefone porque naquela altura esses aparelhos eram raros.

Era assim a vida dentro daquelas quatro paredes. Falta dizer que no Rés-do-Chão, virado para uma pequena parada interna, havia a Cantina muito frequentada por todo o pessoal do QG, do STM e da PM que ali estava instalada.

A comida no Restaurante não podia ser muita nem nós podíamos ser exigentes dado o preço que se pagava. Mas comia-se sempre uma boa sopa, um prato de peixe ou de carne, pouco abundante para se manter a linha, um jarrinho de vinho e algumas vezes uma peça de fruta.

Ora, no Domingo de Páscoa de 1968, estava de serviço e lá fui almoçar. A senhora D. Rosa avisou-me que havia rancho melhorado. De facto, veio uma canjinha de galinha apetitosa e depois arroz com frango corado no forno. O arroz estava muito bom, mas o frango ou a galinha vinha aleijado. Só havia patas e pescoços… pelo que perguntei se ela tinha ido comprar o frango ao Entroncamento que nessa altura estava na sua grande época dos fenómenos. Ainda bem que fiz aquela pergunta pelo que a senhora sempre me arranjou uns bocados de carne para ajudar a empurrar o arroz.

Coisas da tropa, neste caso passadas fora do Quartel, mas mesmo ali ao lado.

Boa Páscoa para todos os amigos e, já agora cuidem-se e não façam aventuras porque a Pandemia está bem viva, anda por aí cheia de força, a fazer a vida negra a uma população indefesa. Por isso temos que nos resguardar em casa, nada de visitas, nada de cumprimentos mesmo que ocasionais, porque todo o cuidado é pouco. Mas temos que ter esperança e esperar melhores dias porque depois da tempestade vem sempre a bonança. Esperamos que desta vez também seja assim. Mas, entretanto, toca a recolher em casa.

Um abraço colectivo para todos os amigos.

Carlos Pinheiro
12.04.2020
Domingo de Páscoa caseiro…
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20812: Efemérides (321): No dia 4 de Abril de 1970, saiu a CCAV 2721 do cais de Alcântara em direcção a Bissau (Paulo Salgado)

sexta-feira, 27 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20782: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (32): O tempo de serviço militar passado em Lisboa (Hélder V. Sousa, ex-Fur Mil TSF)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de hoje, 25 de Março de 2020:

Caros amigos e camaradas, saúde!

Espero que consigam manter a física e a mental, pois temos que vencer esta provação com a mesma determinação com que se viveram "tempos anteriores".
Com serenidade e sem bravatas, pois já vi pela net um camarada Guiné a "argumentar" que tinha estado na Guiné, que tinha "bebido água da bolanha" e que por tal não tinha medo nenhum desse tal COVID-19 e que por isso achava mal que se adiassem almoços.

Como tinha prometido, envio então um texto relativo à minha segunda fase da incorporação militar, a correspondente ao 2.º Ciclo do CSM, ocorrido em 1969 (da última semana de Setembro à segunda de Janeiro do ano seguinte) no então BT, em Lisboa.

Em 2009 estiveram 10 dos 15 reunidos. Em 2012 foram só 6.
Mas depois recuperou-se a dinâmica e nos Encontros seguintes já estivemos sempre 8 ou 9, pese embora os 3 já falecidos e o elemento que vive nos Açores, em São Miguel e o elemento de Elvas que se nega a "alinhar" com estas "novas tecnologias".

Abraços
Hélder Sousa

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O TEMPO DE SERVIÇO MILITAR PASSADO EM LISBOA

Caros amigos
Nestes tempos de “isolamento social” ocorreu-me que já há 6 anos escrevi para uma série a que foi dado o título de “A cidade ou vila que mais amei ou odiei no meu tempo de tropa antes de ser mobilizado para o CTIG”.
Não gostei do título mas lá comecei com as minhas recordações. Esse primeiro artigo foi sobre Santarém (P12815) onde fui incorporado no 3.º Turno de 1969, em 15 de Julho desse ano, para frequentar o 1.º Ciclo do CSM.

Continuo a pensar que o pretendido seria mais como interagíamos com as localidades por onde passámos, com as suas gentes, etc., do que com os episódios da “vida militar” que por lá vivemos. Mas considero que uma coisa e outra estão intimamente relacionadas e é “impossível” não referir ambos os aspectos.
Ora bem, no final da “recruta” saiu-me a especialidade de TSF. Na ocasião não estava a perceber o que seria nem em que é que consistia. De todos os mancebos que então estavam nesse 1.º Ciclo do CSM em Santarém, e seriam cerca de cinco centenas, essa especialidade “saiu” a dois deles.

Deste modo, no final de Setembro, não recordando a data exacta pois não tenho aqui a Caderneta Militar ao alcance, mas foi certamente na última semana desse mês em 1969, lá me apresentei no “Quartel de Sapadores”, o BT, em Lisboa (foto com a entrada com vista do ano passado, 2019, onde já não se vê nem o “BT” do meu tempo nem o “Regimento de Transmissões” que foi a sua designação mais tarde).


É então sobre Lisboa que me deveria pronunciar, como vivi esses tempos do 2.º Ciclo do CSM, de Setembro de 1969 ao início de Janeiro de 1970. Mas também mais semana e meia em Abril de 70 quando voltámos lá para fazer os testes finais e ordenar a classificação e mais tarde ainda, de meados de Setembro ao início de Novembro, como adstrito ao Quartel de Adidos a aguardar transporte para a Guiné, que só foi marcado para 26 de Outubro, embora a saída fosse apenas em 3 de Novembro (episódio que contei no P2438).

Falar sobre Lisboa é fácil, embora possa ser uma conversa comprida. Por isso refiro apenas que, para além de ser a Capital do País e dispor de um conjunto de monumentos, equipamentos, jardins e outras coisas para ver e visitar, era o local onde me movimentava com algum à-vontade já que diariamente fazia o percurso de Vila Franca para Lisboa, onde estudava e onde “crescia” socialmente.
Nesse 2.º Ciclo do CSM já não me lembro ao certo quantos fomos no total, para além de que os TSF eram 15, tenho a ideia que os TPF eram 10 ou 12 e haviam ainda outros que iriam ter outras qualificações.

No período em causa, naturalmente como sucedeu noutros locais, ocorreram episódios ou peripécias interessantes, as quais podem consubstanciar histórias próprias. Uma delas já por aqui relatei (P3981), em que acabei por dar vários aspectos que esse episódio proporcionou.
Mas também podia descrever como passávamos o tempo na caserna tocando e cantando (não fosse o grosso dos TSF oriundos dos conjuntos musicais que havia por esse tempo), fazendo patifarias e partidas aos mais incautos.

Assim, rapidamente, lembro-me de uma manhã de muito frio e de cerrado nevoeiro, em Dezembro de 1969, aquando da alvorada, estávamos a formar na parada do Quartel (foto da parada vista do interior), em frente à porta da caserna (a nossa caserna era a 2.ª porta à esquerda) e fomos informados que o Comandante ia passar revista. Como habitualmente isso não sucedia, havia sempre um ou outro mais dorminhoco que se baldava a essa formação e nós lá íamos suprindo a sua falta com um “pronto” ou “presente” aquando da chamada. Ao tomar conhecimento dessa informação fui rapidamente à caserna avisar o(s) dorminhoco(s) do dia, o Canudo e/ou o Lã, já não recordo bem e disse “é pá, rápido, levantem-se que o Comandante vai passar revista à formatura. Vá, depressa, que está um frio e um nevoeiro do caraças” e tive como resposta “ai tá nevoero? Atão ele na vê e na dá pela minha falta” e acto contínuo puxou mais a roupa para cima da cabeça. Não tenho presente como se fez, mas lá se safaram….



Outro aspecto interessante é que à época também estavam por lá uns Tenentes a fazer tirocínio, o que nos permitiu, com essa contemporaneidade, travar algum (relativo, é claro!) relacionamento o qual, no caso dos que fomos depois contemplados com a Guiné, foi útil, em termos de simpatia, pois um deles era o Comandante do STM e o outro (por acaso eram cunhados) era o Comandante da Companhia de Transmissões.

Também o período em que essa estadia no BT decorreu, coincidiu com o que se designou por “eleições de 69” (em 26 de Outubro desse ano) e, como devem calcular, nunca faltou no BT folhetos de propaganda das listas da Oposição (emblema da CDE). “Alguém” conseguiu que isso fosse possível, apesar das tentativas goradas para o impedir.


Para mim os arredores do Quartel não eram estranhos. Conhecia relativamente bem a Graça, percorri a Av. General Roçadas, a Praça Paiva Couceiro e desta para a esquerda pela Morais Soares até à Praça do Chile ou para a direita até à Parada do Cemitério do Alto de S. João onde tinha ali perto, no Bairro Lopes, um amigo da minha aldeia. Para “tratar de assuntos à civil e do foro civil” ia até uma casa na Rua de Angola (placa toponímica), que ficava perto da morada de um Oficial do Exército, um Major, que chefiava uma corporação policial e que, por tal, tinha sempre um polícia à porta. Calculo que nunca lhes passasse pela cabeça e por isso não davam importância, que o militar que entrava e o civil que saía e depois vice-versa, pudesse não estar “sintonizado” com a política governamental…


Relativamente aos meus camaradas de Curso de TSF, fomos depois paulatinamente autodesignados por “Ilustres TSF” pois se “TSF” há muitos, de facto “Ilustres” só nós mesmos. Sobre eles, todos e cada um, darei conta em artigo próprio, se isso for autorizado.
para ilustrar o texto envio algumas fotos.

Ilustres TSF em Setúbal, 2009 - Martinho, Marques, Fanha, Batalha, Miguel, Lã, Cruz, Camilo, Hélder e Eduardo

Ilustres TSF em Lisboa, 2012 - Marques, Lã, Miguel, Hélder, Cruz e Eduardo

Abraços
Hélder S.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18332: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (31): Abrantes, sede do antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2, mais tarde Escola Prática de Cavalaria (2006) e hoje Regimento de Apoio Militar de Emergência

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19125: 'Então, e depois? Os filhos dos ricos também vão pra fora!'... Todos éramos iguais, mas uns mais do que outros... Crónicas de uma mobilização anunciada (7): as "cunhas" e os TSF...(Hélder Sousa, ex-Fur Mil de Trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72)


Porto > Ribeira > 27 de maio de 2015 > VI Encontro dos "Ilustres TSF" > Em baixo o C. Lã. De pé, da esquerda para a direita: A. Calmeiro (já entretanto falecido), M. Rodrigues, E. Pinto, J. Reis, H. Sousa, M. Martins, F. Cruz, e F. Marques. Faltou o  Nelson Batalha que   já não compareceu por razões de saúde, e que viria a morrer,  entretanto, um ano e meio depois (*)


Foto (e legenda): © Hélder Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem comnplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Hélder Sousa:

[Foto à esquerda: O camarada, amigo, grã-tabanqueiro, colaborador permanente do nosso blogue Hélder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72): desembarcou, em Bissau, do T/T Ambrizete, em rendição individual, em 9 de novembro de 1970, e regressou 2 anos depois, exatamente a 10 de novembro de 1972. Ei-lo aqui, no "Pelicano", em Bissau, é o primeiro da esquerda, de perfil; à direita o Nelson Batalha (1948-2017) e ao centro  o Fernando Roque, que não era TSF mas TPF. A foto é do Hélder Sousa que é, também, o régulo da Tabanca de Setúbal, e tem mais de 140 referências no nosso blogue]


Data: domingo, 21/10/2018 à(s) 02:11
Assunto: As "cunhas"....

Caros amigos

Tenho acompanhado as várias publicações do nosso blogue e, dentro destas, esta última série, relacionada com o tema 'Então e depois? Os filhos dos ricos também vão p'ra fora!'... Todos éramos iguais, mas uns mais iguais do que outros... Crónicas de uma mobilização anunciada, que acho interessante e que pode ser tratada com mais ou menos ligeireza e com mais ou menos profundidade. (**)

Porque as escritas (e as leituras das mesmas...) serão mais eficazes se não forem muito extensas, vou tentar abordar o tema pelo prisma de forma "mais ligeira e menos aprofundada".

Cumprir ou não a "comissão de serviço por imposição" era um dilema que se colocava realmente mas não era tema alimentado por largas maiorias.

Havia quem entendesse que era dever defender os "seus" territórios ameaçados pela cobiça internacional. Conheci alguns.

Havia quem quisesse dar corpo à missão que a Pátria lhe impunha. Conheci alguns.

Havia quem pensasse que não deveria ir para África mas... o peso na consciência de "faltar ao dever", o anátema de "cobardia", o não saber quando e como voltar a estar com amigos e família, acabava por ter o peso suficiente para fazerem o "cruzeiro das suas vidas". Conheci bastantes.

Havia ainda quem achasse que sim, porque sim.

E havia também outros....

Nesta amálgama de possibilidades então muitos foram, pobres, remediados e ricos, e alguns, também pobres, remediados e ricos, 'não foram'. Refractaram-se, desertaram, ou ficaram por cá, resguardados...  Poderemos pensar que esses, os de cá, tinham "cunhas". Talvez, acredito que isso possa ter acontecido com muitos mas seguramente não com todos. Conheci alguns.

E então eu? Como foi?

Para mim foi um "percurso normal".  Fui incorporado no CSM em Santarém, na 3ª incorporação de 1969, em plena época de exames, a meio de Julho.

Vi recusado o pedido de dispensa para comparecer a exames na 2ª quinzena e por isso não me parece que tenha tido 'facilidades'.

No ano anterior, no Verão de 1968, com o dinheiro que amealhei na apanha do tomate, aproveitei o "Turismo Estudantil" e fui até Paris, Bruxelas e Londres. Menos "turismo" e mais "prospecção" para uma eventual "retirada da circulação". Quando chegou a incorporação, a opção foi "cumprir".

Fiz uma recruta empenhada, com bom aproveitamento geral, e já vos dei conta num 'post' daquela série "A terra que mais gostei ou odiei" (***),  que tive uma classificação tão boa que me colocou em condições de ser 'convidado' a passar ao COM mas não aceitei porque entretanto saiu a especialidade TSF, que me disseram ser muito boa, e como tal,  perante a quase certeza de poder vir a ser um "COM atirador"...., continuei o meu percurso no CSM.

Como me "saiu" TSF? Não faço ideia!

Os meus pais não tinham dinheiro suficiente para 'comprar' ninguém, não tinham conhecimentos capazes de o fazerem, por isso desconheço realmente como foi. Aliás, nesse Turno, em Santarém, apenas 'saíram' dois TSF, os outros 13 (pois o 2º Ciclo do CSM para TSF comportou 15 elementos) foram de Vendas Novas, Tavira e Caldas da Rainha.

Gosto de pensar que poderá ter sido numa informação que dei de ter construído,  com o meu vizinho do andar de baixo da casa onde vivia,  uma comunicação a partir de duas chaves de "morse" que um primo dele nos arranjou ...

Em Lisboa, no então BT [, Batalhão de Telegrafistas], fiz o 2º Ciclo, após isso fui fazer um estágio para Tancos, na EPE [, Escola Prática de Engenharia].

Findo o estágio houve exames para classificação. Dos 15 fiquei em 7º. Fui para o Porto, para o então RTm dar instrução.

Entretanto as mobilizações dos camaradas do meu Curso estavam a ser conhecidas a 'conta-gotas', pois do final de Abril de 1970 ao final de Agosto, dos 15 apenas tinham partido 6 e nós sabíamos que no dia 3 de Setembro entrariam todos os que estavam a acabar o seu percurso formativo e que assim estariam à nossa frente para 'marcharem'.

Pensava eu, assim, que tendo ainda dois dos meus camaradas à minha frente para serem mobilizados e com o acrescento dos que aí vinham, que a mobilização já não se daria e, caso isso tivesse acontecido, não teria havido "cunha" nenhuma... Mas não foi assim, já que no dia 1 de Setembro, dois dias antes do "reforço" da lista para mobilização, saiu a "rifa" a 7 de nós, do meu Curso, com passaporte para a Guiné.

Na Guiné, dos 7 que para lá foram, 3 arrumaram-se por Bissau.Eu e outros 3 fomos para o "mato". 

Não me parece que aqui tenha funcionado alguma "cunha". Fui para Piche com uma missão específica, que não vem agora aqui ao caso, embora o meu Capitão que chefiava o STM (Serviço de Telecomunicações Militares) onde me incorporei, tivesse garantido antes que nenhum de nós iria chefiar Postos em 'zonas problemáticas' e,  no meu caso concreto, em compensação, como a zona seria 'problemática', quando terminasse a missão iria para zonas mais pacíficas, como Bissau, Bolama, Teixeira Pinto, por exemplo.

Não foi assim! Quando regressei de Piche fui 'requisitado' para a Companhia de Transmissões para integrar o Serviço de Escuta. Esta história já dei conta em 'post' faz muito tempo. (****)

O meu desempenho na "Escuta" poder-se-à dizer que me foi agradável. Não me vou alongar em motivos, poderá ficar para outra ocasião, mas não foi por "cunha", foi bem vivido.

Portanto, quanto a mim, desconhecendo na verdade como me "saiu" TSF, foi um percurso 'limpo, sem cunhas'. 

Conheci "filhos de ricos" que foram mobilizados e que foram para a Guiné. Conheci "filhos de não ricos" que ficaram por cá, alguns talvez com 'cunhas', mas outros nem por isso. Conheci alguns "filhos de patriotas" que procuraram fazer as suas vidas em lugares mais saudáveis do que os difíceis climas africanos. E também outros "meninos de suas mães" que foram para fora.

Por isso digo: "há de tudo"!

Um abraço
Hélder Sousa
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Notas do editor:


(****)  Vd. poste de 12 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5636: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (8): Como fui parar ao Centro de Escuta

Vd. também  poste de 26 de abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1702: A guerra também se ganhava (ou perdia) nas ondas hertzianas (Helder Sousa, Centro de Escuta e de Radiolocalização, Bissau)

Ver ainda poste de 11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18966: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte VIII: Sangue, suor e lágrimas... mas missão cumprida!


Foto nº 52 


Foto nº 54


Foto nº 51


Foto nº 50


Foto nº 53


Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, membro da Tabanca Grande, com o nº 757.


Legendas (de 50 a 54, de um total de 55):

50. Atirei a uma gazela, ainda hoje se deve estar a rir, não lhe acertei!

51. Apanhado em flagrante de Litro (... a beber chá)

52. Tarefa diária obrigatória [, a piagem da estrada]

53. Retrato de família [ou de parte da família...]

54. Missão cumprida! Com o Vitor Simões, à esquerda, e eu a telefonar para... Bucelas!

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18885: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte VII: As chaimites chegam a Bissau em 1971