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sexta-feira, 1 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25229: Notas de leitura (1671): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Fevereiro de 2024:

Queridos amigos,
Queridos amigos, não é a primeira vez que se refere no blogue a Operação Vulcano, escritores oriundos da Força Aérea a ela fizeram referência, temos aqui o relato pormenorizado das atividades desenvolvidas a partir de 6 de março de 1969, dentro desta saga de atividades que visavam destruir os sistemas antiaéreos do PAIGC no Quitafine. Aqui se conta o que aconteceu, os autores não escondem que havia poucas informações concretas sobre o dispositivo militar do PAIGC na Península do Quitafine, ora as antiaéreas tinham proliferado, Spínola, contrariando o desenho da operação feito pelo Coronel Diogo Neto reduziu a metade o contingente de paraquedistas, e depois veio a surpresa, o PAIGC defendeu-se fortemente, imobilizou a força paraquedista, danificou dois aviões. Houve que abortar a Operação Vulcano, pelo adiante teremos notícias de como continuou, aprendida que fora a experiência amarga.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (14)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 4: “A pedra angular”


Os autores estão a analisar as alterações introduzidas pelo novo Comandante-chefe, António de Spínola, no tocante às atividades da Força Aérea. Reconhecia-se que era prioritário fazer calar o sistema antiaéreo do PAIGC, com prioridade para o existente na área de Cassebeche.

À semelhança de operações anteriores, envolvendo paraquedistas, desenhou-se uma operação envolvendo um bombardeamento aéreo inicial, a que se seguia um ataque helitransportado. O ataque inicial foi cometido aos Fiat, procurava-se suprimir as posições antiaéreas conhecidas ou suspeitas. O comandante da Zona Aérea e da Base Aérea 12, Coronel Manuel Diogo Neto, recordou: “Era opinião de alguns pilotos experientes que se fosse possível destruir a ZPU, imediatamente a defesa do PAIGC no local entraria em colapso, o que facilitaria a ação dos paraquedistas.” O projeto deste plano previa duas companhias de paraquedistas helitransportadas que seriam postas no solo a Norte e a Sul da área-alvo. A sua missão era de destruir os posicionamentos do PAIGC, apoiados por um posto de comando DO-27, dois helicanhões, quatro T-6 e os Fiat reabastecidos e rearmados. Estes meios, T-6 e PCV, ficariam temporariamente baseados em Catió, a 45 quilómetros da zona de ação. Todos os Fiat atribuídos à Zona Aérea, 10 dos 11 Alouette III, e a maioria dos transportes de asa fixa, foram comprometidos para esta operação, bem como a generalidade dos pilotos. Na Operação Vulcano participariam mais de 25 aeronaves e 240 paraquedistas, era o maior esforço combinado de ataque de assalto e aéreo até então feito.

No entanto, o planeamento da Operação Vulcano acabou por ser prejudicado por questões que vieram a complicar a execução e o seu resultado. Havia falta de informações no Comando-Chefe quanto à disposição das forças do PAIGC no Quitafine. A informação disponível era vaga e esporádica, aludindo à presença de diferentes grupos de guerrilha “fortemente armados” na Península. Mesmo assim, Spínola reduziu inexplicavelmente para metade o número de grupos de paraquedistas, considerando que uma só companhia era suficiente, e “nada o convenceu da necessidade de empregar as duas companhias”, recordou Diogo Neto. Mas o pior para a Força Aérea era que os canhões antiaéreos se tinham multiplicado “como cogumelos” nas semanas posteriores à sua identificação.

Agendou-se a Operação Vulcano para 7 de março de 1969, não havia ilusões de que as forças portuguesas se iriam defrontar com forte oposição dos grupos de guerrilha. No dia anterior, 6 de março, 60 paraquedistas voaram em C-47 de Bissalanca para Catió, onde já estavam quatro T-6 que iriam apoiar a operação no dia seguinte. No início de 7 de março, numa sucessão de voos em quatro DO-27, chegaram 40 paraquedistas para a segunda onda de assalto de helicóptero. A primeira onda, composta por 40 paraquedistas, deveria vir diretamente de Bissalanca para o objetivo em 8 Alouette III, logo a seguir ao bombardeamento aéreo inicial. Depois de entregar a primeira onda, os mesmos 8 helicópteros Alouette III deveriam voar para Cabedú e regressar à zona de ação transportando a segunda leva de paraquedistas. A missão de ambas as formações deveriam avançar sobre Cassebeche, completando a destruição dos meios antiaéreos do PAIGC, eliminando quaisquer outras posições da guerrilha, ou outras armas existentes.

A Operação Vulcano começou às 7 horas do dia 7 de março, partiu um DO-27 encarregado de realizar o reconhecimento visual da área-alvo. Após o relatório do piloto sobre as condições atmosféricas, dez Alouette III, incluindo dois helicanhões, descolaram de Bissalanca com 40 paraquedistas. O seu sucesso dependia da capacidade do primeiro ataque suprimir a ameaça da defesa aérea para que as armas antiaéreas do PAIGC não atacassem violentamente os helicópteros. Essa tarefa coube aos 7 Fiat disponíveis, três dos quais descolaram de Bissalanca armados com bombas. Estes três subiram a 8 mil pés para um voo de 8 minutos até Cassebeche, a 120 quilómetros de distância. Contornaram a fronteira com a República da Guiné para atacar do lado do Sol, mas os Fiat encontraram imediatamente fogo das armas defensivas do PAIGC de, pelo menos, 7 posições antiaéreas ativas, compostas por 6 armas antiaéreas DShK de 12,7 mm e um ZPU-4 de 14,5 mm de cano quádruplo. Os pilotos concentraram-se na ZPU e lançaram 12 bombas de 50 kg e 6 bombas de 200 kg contra a posição, com o comandante do Grupo Operacional 1201, Capitão Fernando de Jesus Vasquez a reportar em direto o acontecimento.

Uma das posições DShK foi destruída, a parte mais difícil parecia estar feita. Como nenhuma outra atividade antiaérea fora detetada imediatamente após os ataques iniciais, o comandante da Zona Aérea concluiu erradamente que todas as atividades de defesa do PAIGC estavam suprimidas, e transmitiu essa avaliação ao PCV. Dois minutos depois, os Fiat completaram o ataque, os paraquedistas iniciaram a sua missão, protegidos por um DO armado com um foguete e dois helicanhões. Os primeiros paraquedistas pisaram o solo pelas 9h da manhã e iniciaram a sua marcha em direção às posições do PAIGC, a pouco mais de 1 km de distância. Pelas 9h16, deu-se o segundo ataque, um par de Fiat carregado de bombas como os três Alouette III anteriores começaram a atacar o ninho de defesa aérea em Cassebeche, identificando uma sétima posição antiaérea. Quatro minutos depois, a segunda leva de paraquedistas pisou solo e partiu em direção à área do objetivo, foi recebida pelos disparos de armas ligeiras. Pelas 9h27, uma terceira formação constituída por dois Fiat atingiu os lugares de defesa antiaérea à volta de Cassebeche, silenciando uma segunda DShK. Por esta altura, os paraquedistas estavam a ser atingidos por RPG e espingardas metralhadoras; o DO-27, onde funcionava o PCV, informou que havia três posições antiaéreas ativas, uma das quais atingiu a DO numa asa. Estava visto que o PAIGC recuperara do choque dos ataques iniciais, o que deixou Diogo Neto “apreensivo”.

A não eliminação de toda a capacidade aérea do PAIGC impediu que os T-6 e os helicanhões apoiassem os paraquedistas, pelo receio de que devido à sua baixa velocidade acabassem por ser inutilmente massacrados. Até os Fiat estavam em risco, na sua quarta missão dessa manhã, foram recebidos com o fogo das armas de 12,7 mm, o que danificou um dos aviões. Nessas condições, não era possível alcançar os objetivos definidos, uma vez que tudo pressupunha um avanço sem resistência significativa. O General Nico recordou mais tarde que havia uma preocupação crescente que as forças portuguesas ficassem encurraladas numa posição que estava rapidamente em deterioração. A reserva de 25 paraquedistas ficou comprometida, dado que a operação terrestre estava paralisada, enquanto três Fiat chegaram ao local para um quinto ataque contra as posições antiaéreas, trazendo desta vez foguetes e metralhadoras, mas pelo menos dois dos locais das armas do PAIGC permaneciam ativos. Os paraquedistas envolvidos foram atingidos por um intenso fogo inimigo quando estavam a 500 metros do seu objetivo. Foi chamado um outro par de Fiat com o fim de suprimir as defesas do PAIGC e liquidar a persistente ameaça antiaérea, mas um segundo avião a jato foi atingido e danificado pelo fogo de uma antiaérea de 12,7 mm, teve de regressar a Bissalanca e fazer uma aterragem de emergência.

Recordou Diogo Neto que estavam reduzidos a 5 Fiat, havia que considerar a probabilidade de novas perdas, mas também percebeu logo que sem apoio aéreo a recuperação das forças terrestres ficava seriamente comprometida. Pelas 13h30, as três colunas de paraquedistas tinham-se reunido após um sétimo ataque de Fiat contra as antiaéreas, estavam agora a ser flageladas pelo fogo do PAIGC. Pouco depois, apareceram outros três Fiat e lançaram napalm sobre a posição DShK. O ataque falhou, pelo menos três antiaéreas mantinham-se ativas enquanto os paraquedistas continuavam a ser sujeitos a um pesado fogo. Com a ameaça daquele sistema antiaéreo não suprimido, com o elemento terrestre imobilizado e dois Fiats fora da operação, Diogo Neto ordenou prudentemente a retirada de todos os elementos da Zona Aérea, incluindo os paraquedistas, e assim ficou abortada a operação.

Vista aérea de Gadamael na Península do Quitafine. A aldeia e destacamento estavam perto do ataque dos Fiat contra as ZPU do PAIGC, isto em janeiro de 1969 (Arquivo da Defesa Nacional)
Durante a Operação Vulcano (março de 1969), empregaram-se todos os Fiat contra as posições antiaéreas do PAIGC no Sul da Guiné (Coleção José Nico)
Quadro descritivo da Operação Vulcano (Matthew M. Hurley)
Coronel Diogo Neto, comandante da Zona Aérea durante a Operação Vulcano (Arquivo da Defesa Nacional)
Capitão Alberto Cruz, um dos pilotos dos Fiat que participaram na Operação Vulcano (Coleção Alberto Cruz)

(continua)
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Notas do editor:

Post anterior de 23 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25204: Notas de leitura (1669): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (13) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25216: Notas de leitura (1670): "A Cidade Que Tudo Devorou", por Amadú Dafé; Nimba Edições, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24618: Notas de leitura (1612): Guiné, Operação Irã (maio de 1965) e Operação Hermínia (março de 1966), no fascículo 2 de "As Grandes Operações da Guerra Colonial", textos de Manuel Catarino; edição Presselivre, Imprensa Livre S.A. (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
É meritório, há que o reconhecer, a divulgação em fascículos, com acesso ao grande público, e numa linguagem acessível, de acontecimentos relevantes como foram grandes operações da guerra colonial. Quando me atirei à tarefa de estudar com um pouco de minúcia os acontecimentos que antecederam a chamada luta armada e depois a luta armada propriamente dita, entre 1963 e 1965, isto num projeto editorial que teve como base a história do BCAV  490 feita por um poeta popular, e assim chegámos os dois à feitura do livro "Nunca Digas Adeus às Armas", Húmus Edições, 2020, detetei que a generalidade da historiografia sobre a guerra da Guiné passa como gato pelas brasas pelos aspetos fulcrais tanto da atividade operacional desenvolvida no período como no contexto dessa luta armada, os dois comandantes-chefes, e nomeadamente Arnaldo Schulz, lançaram as bases da ação psicológica, da formação de milícias e companhias de Caçadores, projetos de desenvolvimento e algo mais que merecia o respeito e consideração por quem estuda a guerra.

Mas o mantra é muito superior à realidade e quem escreve que a guerra se agravou entre 1963 e 1968 e mais adiante dirá que a partir de 1970 a guerra nunca mais deixou de se agravar não dá pelas injustiças que profere, uma delas até é cometida com tiros no pé, como esta "Operação Irã", de maio de 1965, e esta "Operação Hermínia", de março de 1966, que desdizem cabalmente de que não se respondia taco a taco, enfrentando o inimigo. Bem curiosamente, há agora quem escreva que mesmo no período da governação Spínola a tropa dos aquartelamentos limitava-se a andar ali à volta, quem verdadeiramente tinha atividade operacional eram as tropas especiais, outro mantra, falando por mim, não me ofende quem quer, na chamada zona libertada do Cuor eu percorria quatro quintos a qualquer hora do dia e se a mais não me afoitava era por não dispor de recursos, com aquelas operações de tabancas em autodefesa fui sendo sangrado de várias secções de pelotões de milícia, em vão protestei. Mas isso é uma história que a historiografia nem se preocupa em estudar, a precariedade dos meios.

Um abraço do
Mário



Guiné, Operação Irã (maio de 1965) e Operação Hermínia (março de 1966)

Mário Beja Santos

A série "As Grandes Operações da Guerra Colonial", surgida na década de 2010, vendia-se nas papelarias e quiosques sob a forma de fascículos, os textos pertencem a Manuel Catarino, edição Presselivre, Imprensa Livre S.A. Este fascículo 2 é uma reedição, é uma miscelânea onde para além destas duas operações a que nos iremos referir juntar-se-ão outras informações, acrescendo a descrição da Operação Tridente, acontecimentos que envolveram paraquedistas em Guilege ou que viveram dificuldades no decurso de uma operação em Cassebeche. O valor do texto é muito discutível. Dizer que a Operação Irã é uma investida das tropas portuguesas no Morés onde nunca elas se tinham aventurado é desconhecer inteiramente de operações no Morés em 1963 e 1964. Sim, o Morés era uma região de mata densa, aí se sediavam pequenas bases móveis, improvisadas infraestruturas, importantes depósitos de material. E o texto lança logo o mantra de que tudo foi agravamento do conflito desde janeiro de 1963 até 1968, é o velho e estafado refrão de que os Altos Comandos anteriores a Spínola andaram aos bonés e revelaram-se incapazes de travar a progressão da guerrilha.

Quem lê a resenha das campanhas de África, no que tange à Guiné, e é este período, ficará seguramente atónito com o texto das diretivas de comando e as ordens de batalha dos dois comandantes-chefes anteriores a Spínola, e sobretudo ao conjunto de operações efetuadas, ao seu desenlace, e à sinceridade posta nos quadros de situação, é uma linguagem que não deixa margem a equívocos de que era inteiramente possível fazer melhor com os meios disponíveis. O autor dá uma no cravo e outra na ferradura, sempre que pode deslustra quer Louro de Sousa quer Schulz e chega a dizer enormidades como:
“Schulz era um militar clássico e, como seria de esperar, respondeu classicamente à manobra do PAIGC”. O que desdiz completamente o que Schulz escreveu para os chefes de Estado-Maior General das Forças Armadas, o mesmo é dizer que chegou ao conhecimento do governo. Louro de Sousa apanhou a fase da implantação do PAIGC, tinha efetivos humildes, o sistema de informações era mais do que precário, a operação de investida no Sul tinha sido estrategicamente calculada, revelou-se fulminante, passou-se para o outro lado do Corubal, foi-se consolidando na região do Morés. Havia que prontamente responder apoiando as populações que se revelavam afetas à soberania portuguesa e à atividade operacional que foi contínua, apareceram as milícias, as tabancas em autodefesa, as tropas especiais.

A Operação Irã ocorreu em maio de 1965, foi um golpe de mão à base do PAIGC de Iracunda. Lê-se no relatório: “A CART nº 730 saiu de Bissorã em 2 de maio e no dia seguinte montou uma rede de emboscadas em proteção à CART nº 566 que executou o ataque à base central do Morés. Pelas 5h50 de 3 de maio vinte elementos vindos do Morés caíram na zona de morte, interrogado um prisioneiro deu informações sobre a base de Iracunda para onde a CART n.º 730 logo seguiu. Esta unidade seguiu prontamente para Iracunda e capturaram material, havia aqui uma escola, a CART n.º 730 sofreu duas fortes ações de fogo sem consequências”. Depois o autor escreve outro êxito, o do BCAÇ 2879, em agosto de 1969, segue-se um texto sobre os Diabólicos, o grupo de Comandos que executou a primeira ação helitransportada na Guiné, a Operação Hermínia, que ocorreu em março de 1966. O objetivo era tomar de assalto uma base de guerrilha em Jabadá. Nesta altura havia melhores meios, já tinham chegado os helicópteros Alouette III, já existiam quatro grupos de Comandos, os Diabólicos (comandados pelo alferes Virgínio Briote), os Vampiros (comandados pelo alferes António Pereira Vilaça), os Centuriões (comandados pelo alferes Luís Almeida Rainha) e os Apaches (comandados pelo alferes António Neves da Silva).
Narra o autor que a operação se iniciou à uma da tarde de 6 de março de 1966, seis helicópteros descolaram de Bissalanca em direção ao objetivo, não mais de 20 minutos de voo, a formação de seis helicópteros dividiu-se, três largaram os atacantes nas moranças a norte, enquanto os outros três foram lançados nas moranças mais a Sul. A operação durou cerca de três horas e meia, perdeu a vida o soldado António Alves Maria da Silva. O PAIGC teve baixas, fizeram-se oito prisioneiros, foram destruídos meios de abastecimento. Seguidamente Manuel Catarino descreve o aparecimento dos Comandos na Guiné, dá-nos uma tábua cronológica do país e a guerra do ano 1962, e entra-se na reedição da Operação Tridente, minuciosamente descrita, é mencionada a Operação Grifo, que decorreu em 28 de abril de 1966 e em que foi morto o capitão Tinoco de Faria que ia à frente de um pelotão de paraquedistas que saiu do aquartelamento de Mejo com a missão de montar emboscadas no corredor de Guilege. Haverá depois a descrição da Operação Ciclone II, que aconteceu no dia 25 de fevereiro de 1968, o Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12 executou uma ação no Cantanhez.

Em vagas sucessivas de helicópteros, os paraquedistas foram lançados nas bolanhas de Cafal e Cafine, e tomaram de assalto as bases do PAIGC depois de combates encarniçados. Os paraquedistas sofreram cinco feridos, três com gravidade, aniquilaram um bi-grupo e aprisionaram 19 homens. O texto sobre a Operação Ciclone II é igualmente detalhado, segue-se depois um texto sobre Spínola na Guiné, os seus primeiros textos enviados para Lisboa dizendo que as tropas portuguesas estavam à beira da derrota, o autor menciona as alterações estratégicas e termina o texto com uma frase mirabolante, contrariando tudo o que disse anteriormente: “A partir de 1970, a situação militar nunca mais deixou de piorar”.

Voltamos agora a uma área específica, o Quitafine, onde o PAIGC implantara metralhadoras antiaéreas de quatro canos – as ZPU-4. Foi num voo de reconhecimento sobre este ponto do Cantanhez que se descobriu este potencial antiaéreo e logo foi dada a missão ao Batalhão de Caçadores Paraquedistas 12 para destruir o ninho de metralhadoras antiaéreas – a Operação Vulcano. Tudo começou na tarde de 7 de março de 1969, duas companhias de paraquedistas prepararam-se para atacar as posições do PAIGC em Cassebeche. Os grupos do PAIGC deram resistência e forçaram à retirada dos paras, estes tiveram que abandonar o local, depois de combater denodadamente. Mais tarde, a Força Aérea Portuguesa pulverizou estes ninhos de metralhadoras antiaéreas.

No termo deste n.º 2 de "As Grandes Operações da Guerra Colonial", faz-se uma síntese dos acontecimentos da guerra na Guiné, o desempenho de Spínola, é referida a máquina de propaganda que o cercava, fala-se na tentativa de reviravolta logo em 1968, o esforço de Spínola para negociar com Senghor e a recusa de Caetano e o papel desempenhado pelo livro que abalou o regime, "Portugal e o Futuro".

Militares num dos rios da Guiné no decurso de uma operação. Imagem extraída do blogue Capeia Arraiana, com a devida vénia
Lanchas de fiscalização "Daneb" e "Canópus" em proteção ao desembarque na ilha de Como. Imagem do livro AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos de Matos Gomes. Guerra Colonial. Edição: Editorial Notícias, abril de 2000
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Nota do editor

Último post da série de 1 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24608: Notas de leitura (1611): "Cabo Verde, Abolição da Escravatura, Subsídios Para o Estudo", por João Lopes Filho; Spleen Edições, 2006 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19668: José Matos: A guerra das antiaéreas na Guiné (1965/1970) (artigo original publicado na Revista Militar, nº 2601, outubro de 2018)



Um caça Fiat G.91 R/4 dos “Tigres" da Guiné. Crédito: Paulo Alegria


1. Mensagem de José Matos, com data de 31 de março p.p.:

Olá, Luís

Vinha pedir-te mais uma vez para divulgares no blogue um artigo dos meus, que julgo que os leitores vão gostar.


Ab, José Matos.


A GUERRA DAS ANTIAÉREAS NA GUINÉ (1965/1970)

Por José Matos


[Publicado originalmente na Revista Militar, nº 2601, outubro de 2018; cortesia do autor e e do editor]




José Matos [, foto à direita]: Investigador independente em História Militar, tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular em revistas europeias de aviação militar e de temas navais. Colaborou no livro “A Força Aérea no Fim do Império” (Âncora Editora, 2018)]. É membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo mais de 3 dezenas referências no nosso blogue]


No início da guerra na Guiné, em 1963, a fraca ameaça antiaérea permitiu que a Força Aérea Portuguesa (FAP) atuasse livremente em todo o espectro de missões aéreas, sem oposição digna de registo. 

Nessa altura, os guerrilheiros do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) atacavam os aviões portugueses com tudo o que tinham à mão, desde armas ligeiras até lança foguetes RPG 2. A falta de armamento antiaéreo específico era um dos grandes problemas da guerrilha e a situação só começaria a mudar ligeiramente em 1964, com a chegada das primeiras metralhadoras pesadas Degtyarev de 12,7 mm. 

Duas armas destas foram capturadas pelas tropas portuguesas nesse ano [1]. Na mesma altura, a guerrilha também usa uma arma mais leve, a metralhadora SG43 Goryunov de 7,62 mm, montada num suporte móvel, que pode ser usada como arma antiaérea [2], Esta arma tinha um alcance eficaz de 1000 metros na horizontal e 500 metros na vertical e uma cadência de tiro de 600 a 700 tiros por minuto sendo alimentada por uma fita de 250 cartuchos. [3]

No entanto, durante o primeiro ano da guerra, o PAIGC não consegue infligir nenhuma perda à FAP. Todas as perdas que a Força Aérea sofre na Guiné no período 1962/63 são devidas a acidentes ou então a outras causas não relacionadas com fogo antiaéreo. 

Porém, em janeiro de 1964, durante a “Operação Tridente”, na ilha do Como, um T-6 pilotado pelo Alferes Santos Pité é atingido por fogo de terra e despenha-se. Durante esta operação, outros seis aviões são atingidos por fogo da guerrilha, mas sem grandes consequências. Os combatentes do PAIGC mostram-se, no entanto, cada vez mais aguerridos contra a aviação portuguesa. Basta dizer que, nos primeiros noves meses de 1964, são atingidos 44 aviões por fogo inimigo, embora sem consequências e só por duas vezes se observam vestígios possíveis de munições de 12,7 mm. [4] 

Porém, é no litoral sul da Guiné, que a aviação portuguesa vai encontrar a sua maior ameaça na forma de um sistema de defesa antiaérea preparado para defender as chamadas “zonas libertadas”.


Os primeiros ataques à antiaérea do PAIGC

A Força Aérea apercebe-se do problema em finais de 1965 e, rapidamente, o Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG) lança uma operação de ataque para eliminar a ameaça. Em dezembro de 1965, são mobilizados vários meios aéreos para a execução da Operação Resgate. Dois aviões de patrulhamento marítimo P2V5 Neptune vindos da ilha do Sal juntam-se, em Bissalanca, na Base Aérea n.º 12 (BA12), a um C-47 Dakota adaptado para bombardeamentos nocturnos, doze T-6G, um Dornier Do-27 e a um Alouette III [5].


A operação começa na noite de 17 de dezembro, com o sobrevoo das posições da guerrilha na zona de Cafine pelo C-47 e o lançamento de granadas iluminantes. A guerrilha responde de imediato com fogo antiaéreo, sendo então bombardeada pelos P2V5 equipados com bombas de 750 libras (325 kg). Os bombardeamentos continuam ao longo da noite em mais 3 vagas de ataque e prolongam-se na noite de 19 de dezembro, embora aí já sem resposta da guerrilha, tendo a operação terminado a 20 de dezembro [6]

Embora a reacção antiaérea tenha sido significativa, há apenas a registar, durante a operação, dois impactos em dois T-6G e um impacto num P2V5, em ambos os casos sem consequências [7]. No entanto, a operação terrestre que deveria complementar esta ofensiva aérea (“Operação Safari”) corre mal. A operação é lançada nos primeiros dias de janeiro de 1966, com forças do Exército apoiadas por pára-quedistas e fuzileiros, na zona de Cafine, onde a Força Aérea tinha actuado antes. Porém, as forças portuguesas são repelidas pela guerrilha, que se mostra bem implantada nessa zona [8]. 

O próprio Do-27 que fazia de PCV (Posto de Comando Volante) é atingido pelo fogo dos guerrilheiros, ficando ferido o oficial que estava a bordo. No rescaldo da operação, o comando militar em Bissau reconhece que os meios existentes na Guiné não são suficientes para controlar o Cantanhez e que o PAIGC domina a região [9]. Mesmo assim, a Força Aérea desenvolve, em março desse ano, mais uma operação no Cantanhez (Operação Mercúrio), aproveitando a ausência de fogo antiaéreo [10]. Durante o resto do ano, o objectivo de grande parte das operações continuará a ser o litoral sul da Guiné, tanto a zona do Cantanhez e Quitafine, como os corredores de abastecimento, sendo o de Guileje o mais importante.



A chegada dos Fiat


Em meados de 1966, a BA12 recebe um reforço importante: os primeiros jactos Fiat G.91 R/4 [. Com a chegada do pequeno caça italiano, a Força Aérea Portuguesa (FAP) na Guiné passa a dispor de um novo meio de combate capaz de actuar rapidamente em qualquer parte da colónia. Além disso, os novos caças, devido à rapidez e ao poder de fogo, podem actuar mais eficazmente contra posições antiaéreas da guerrilha, reduzindo assim a ameaça antiaérea. Os novos jactos são recebidos com grande entusiasmo pelas chefias militares.


São atribuídos oito jactos Fiat à BA12 (números de série 5401-4, 5406-7 e 5417-8) e nomeados os respectivos pilotos e, no começo de maio de 1966, os G.91 5402 e 5406 fazem o primeiro voo de teste na Guiné. No entanto, serão precisos sete meses até o oitavo avião (5418) ficar pronto para voar, o que acontece em novembro desse ano. 

Os primeiros sobressalentes chegam a Bissalanca apenas a 30 de agosto, sendo o seu fluxo tão fraco que o G.91 5406 tem de ser canibalizado em benefício dos outros aviões. Mesmo assim, os primeiros Fiat aptos a voar têm já o tempo limite de inspecção da cadeira Martin-Baker expirado e enfrentam também a falta de porta-bombas e de lançadores de foguetes, assim como um baixo quantitativo de bombas no paiol da base, o que restringe a actividade dos aviões praticamente ao metralhamento.


Figura 1 – Um caça Fiat G.91 R/4 dos “Tigres” da Guiné.
Crédito: Paulo Alegria


A actividade operacional dos G.91 na Guiné é assim fortemente limitada por uma série de problemas de ordem logística e também de armamento[12]. Apesar destes problemas, os jactos começam imediatamente a ser empregues em missões ofensivas, sendo a “Operação Estoque”, a primeira onde participam activamente. Esta operação começa a 9 de agosto, no Quitafine, com bombardeamentos nocturnos usando o C-47 adaptado e prossegue, durante o dia, com os Fiat a atacarem posições antiaéreas. 

Nessa altura, a guerrilha tinha já ao serviço a ZPU-4 de 14,5 mm e dois Fiat são atingidos no dia 11 de agosto. A operação continua no dia 12 de agosto com mais bombardeamento nocturno pelo C-47, acabando nesse dia[13].


Outra zona que continua a preocupar o Quartel-general em Bissau é o Cantanhez, onde o PAIGC continua activo, atacando a navegação no rio Cumbijã, entre Cafine e Cadique. Para acabar com esses ataques, a Força Aérea lança mais uma operação na zona, a “Operação Valquíria”[14]. Esta operação foi desencadeada a partir de 19 de dezembro de 1966 e envolveu o C-47 (6155) em operações nocturnas, além dos Fiat e dos T-6, em bombardeamentos diurnos. A operação durou dois dias e duas noites, tendo a aviação envolvida efectuado 25 missões e 74 horas de voo[15].

Desta forma, ao longo de 1966, a zona de maior empenhamento da FAP é, sem dúvida, o sul da Guiné com operações na ilha do Como, Cantanhez e Quitafine. Destas três zonas, o Quitafine era onde a guerrilha estava mais fortemente implantada e oferecia maior resistência à acção da Força Aérea[16].



A 12 de janeiro de 1967, o Comando da ZACVG muda de mãos. O Coronel Krus de Abecasis termina a sua comissão e é substituído pelo Coronel Rui da Costa Cesário. O novo comandante segue a política do seu antecessor, apostando em operações de curta duração com recurso à aviação e a forças especiais (pára-quedistas).



Figura 2 – Foto de reconhecimento aéreo tirada pelo Fiat G.91 na “Operação Barracuda”. As marcas no solo são os covis de alojamento dos cunhetes da arma antiaérea.
Crédito: Arquivo da Defesa Nacional - ADN/F2/102/326/11



Neste âmbito, podemos destacar a “Operação Barracuda”, em fevereiro de 1967, na zona envolvente da mata Gã Formoso, executada por forças pára-quedistas com o apoio da aviação. A zona em questão era usada pela guerrilha para atacar aeronaves em aproximação a Bissalanca, o que afectava a utilização do espaço aéreo pela aviação portuguesa[17].




Figura 3 – Uma metralhadora antiaérea Degtyarev de 12,7 mm capturada durante a “Operação Barracuda”, em 1967.
Crédito: Arquivo da Defesa Nacional - ADN/F2/102/326/11


Para resolver o problema, a ZACVG lança uma operação de heli-assalto às posições da guerrilha. Esta operação é antecedida por voos de reconhecimento efectuados pelo Fiat G.91 a baixa altitude, que permitem identificar a posição da arma antiaérea usada pelos guerrilheiros junto a uma pequena tabanca. Neste caso, as fotos realizadas pelos aviões são tão pormenorizadas que chegam ao ponto de exibir as marcas do apoio do tripé da arma no solo, bem como os covis de alojamento dos cunhetes da antiaérea (ver figura 2). 

Com as posições antiaéreas devidamente identificadas é então desencadeada uma forte ofensiva aérea com aviões Fiat e T-6G de forma a paralisar a reacção antiaérea (AA), permitindo depois o assalto dos pára-quedistas[18]. O ataque mobilizou seis Fiat G.91, onze T-6G, sete helicópteros Alouette III e um avião ligeiro Do-27. Nas fotos estavam referenciadas duas posições com antiaéreas que são atacadas directamente pelos Fiat, enquanto os T-6 atacam as áreas adjacentes à mata com o objectivo de destruir as instalações de apoio aos guerrilheiros. A operação é bem-sucedida, provocando a fuga dos guerrilheiros e a captura de algum armamento ligeiro, além de uma metralhadora pesada instalada nas margens do rio Geba[19]. 

A acção mostrou também a utilidade dos voos de reconhecimento fotográfico efectuados pelo Fiat que vão ser úteis ao longo da guerra para identificar muitas das posições antiaéreas do PAIGC.


A primeira perda

Pouco dias depois do êxito obtido nesta operação, a Força Aérea perde o primeiro G.91 na Guiné, quando, a 22 de fevereiro, durante um ataque a uma posição antiaérea na região de Gã Pedro, um Fiat (5407) pilotado pelo Major Santos Moreira é atingido por estilhaços de uma das bombas de 200 kg que explode prematuramente. O piloto não consegue ejectar-se imediatamente e tenta regressar à base com o avião danificado, com o apoio do seu asa, o Tenente Egídio Lopes, mas é obrigado a ejectar-se antes de alcançar Bissalanca[20]. 

Nesta altura, é evidente que a principal ameaça aos aviões portugueses é o dispositivo antiaéreo no Cantanhez e no Quitafine, embora a guerrilha tenha também capacidade antiaérea noutras zonas da Guiné. A 28 de maio, por exemplo, um G.91 é atingido na zona de Cafale, a norte de Bissau, por fogo antiaéreo, mas sem grandes consequências. O mesmo acontece a dois T-6, que são alvejados pelas mesmas armas, mas sem consequências[21]. 

No início de agosto, o Capitão Fernando de Jesus Vasquez substitui o Capitão Costa Pereira no Comando da Esquadra 121 (Fiat e T-6) e acumula, também temporariamente, o comando do Grupo Operacional 1201 (GO1201), até à chegada, no final do mês, do Tenente-coronel Costa Gomes.



Os novos comandantes vão concentrar a sua acção na península do Quitafine, na altura classificada como Zona Livre de Intervenção da Força Aérea do Quitafine (ZLIFAQ), pois não existiam operações terrestres na zona, o que permitia a livre acção dos meios aéreos. A 10 de outubro de 1967, um Fiat pilotado pelo Capitão Vasquez é atingido por uma arma de 12,7 mm em Cassumba (Quitafine), quando fazia um passe de metralhamento. O jacto é atingido por dois projécteis, no entanto, consegue voltar à base. A posição AA é então atacada por outros aviões Fiat com bombas de 200 kg e bombas incendiárias, sofrendo o impacto directo das bombas[22].




Falta de caças


A eliminação da ameaça antiaérea no Quitafine torna-se assim uma prioridade para a Força Aérea, que vai empenhar-se fortemente nesse objectivo, nos meses seguintes, embora tenha falta de caças Fiat. 

O problema é apresentado em outubro de 1967, ao Secretariado-Geral da Defesa Nacional, depois de Amílcar Cabral ter dito que o Quitafine era uma região completamente libertada. O ministro da Defesa, o General Gomes de Araújo, considera que o problema tem de ser resolvido pela Força Aérea[23].  A FAP na Guiné defende-se dizendo que prepara frequentemente missões do Fiat para aquela zona, mas que precisa de mais caças para manter uma acção eficiente no Quitafine.

Uma análise da actividade dos G.91, na ZLIFA do Quitafine, de abril a meados de outubro de 1967, mostra uma média de dois a três aviões prontos por dia, afectados diversas vezes, durante esse período, por más condições meteorológicas devido à época das chuvas[24]. Contudo, mesmo com poucos caças prontos, a Força Aérea não desiste e desenvolve um programa de acção compreendendo missões de reconhecimento visual e fotográfico (RVIS e RFOT) da área do Quitafine para localização das posições AA, estudo das melhores rotas de aproximação aos alvos detectados, escolha do armamento a utilizar em função do tipo de ataque e concentração de armas AA, além das missões a desencadear para avaliar as condições dos alvos depois dos ataques e da escolha de áreas de ejecção e recuperação de tripulações[25]. 

Em finais de outubro, os Fiat fazem uma missão RFOT na zona, usando depois a informação recolhida para um ataque com bombas incendiárias contra uma posição AA, que é destruída[26]. Os alvejamentos continuam e, a 24 de novembro, três G.91 atacam outra posição AA em Canefaque (Quitafine) com bombas de 200 kg, conseguindo destruí-la[27]. 

O PAIGC não desiste e continua a tentar impedir o acesso da FAP ao extremo sul da Guiné, o que obriga os Fiat da BA12 a desencadearam uma série de ataques maciços, em janeiro e fevereiro de 1968, que desarticulam o dispositivo AA montado no Quitafine. Os guerrilheiros recuam então para a Guiné-Conakry e é partir daí que atacam aviões envolvidos em operações junto à fronteira.

Um Fiat abatido

No dia 28 de julho, os guerrilheiros conseguem, pela primeira vez, abater um Fiat (5411) usando armas de 12,7 mm. O caça, pilotado pelo comandante do grupo, o Tenente-coronel Costa Gomes, executava uma missão de RFOT na fronteira sul da Guiné para detectar posições AA, quando é atingido pelo fogo antiaéreo, obrigando o piloto a ejectar-se perto do aquartelamento de Gandembel, onde foi recuperado[28]. 

No entanto, apesar deste abate, os SITREPS (relatórios de situação) da ZACVG referem, constantemente, a partir de março de 1968, a ausência de reacção AA na zona do Quitafine. A região passou, então, a ser sobrevoada pelos caças portugueses sem qualquer restrição. Em setembro desse ano, o Comando da Zona Aérea passa para as mãos do Coronel Diogo Neto.


Porém, no final de 1968, em dezembro, a ameaça antiaérea voltaria ao Quitafine, mais concretamente a Cassebeche. De facto, em fins desse ano, é referenciada por uma parelha de Fiat G.91, uma ZPU-4 de 14,5 mm instalada no centro da antiga tabanca de Cassebeche. No entanto, o ataque contra esta posição AA é adiado com o intuito da guerrilha instalar mais meios na zona, para que um ataque futuro fosse mais rentável em termos de destruição e captura de armas, embora os Fiat continuem a actuar noutras zonas, como em Sangonhá, perto da fronteira com a Guiné-Conakry. A 6 de janeiro, uma parelha de caças é alvejada nesta zona por uma arma de 14,5 mm, que dava cobertura a um ataque diurno do PAIGC contra o quartel de Gadamael. 

Provavelmente, os guerrilheiros estariam a fazer um filme de propaganda usando o ataque a Gadamael para ilustrar a acção da guerrilha. Um erro que vão pagar caro. Nesse mesmo dia, quatro Fiat G.91 bombardeiam a posição com bombas de 200 kg e 50 kg, detectando, no decorrer da acção, a presença de dois canhões anticarro de 57 mm junto à arma AA. 

Três dias depois, tropas portuguesas de Gadamael dirigem-se ao local confirmando a destruição da arma antiaérea e danos nos canhões anticarro, além de várias baixas entre os guerrilheiros (16 mortes)[29].Durante os meses seguintes não se volta a verificar qualquer reacção AA da guerrilha, a não ser em março, no Cassebeche, durante a “Operação Vulcano”.




"Operação Vulcano"


Esta operação é desencadeada no início de março envolvendo, além dos meios aéreos da BA12, duas companhias de pára-quedistas, cada uma com cerca de 120 militares, que deviam executar um heli-assalto às posições do PAIGC em Cassebeche. 

No entanto, por opção do Comandante-Chefe, o General Spínola, foi decido empenhar inicialmente apenas uma companhia, comandada pelo Capitão Silva Pinto. Os pára-quedistas seriam transportados para o local da acção em Alouette III, em duas vagas de 40 elementos (5 em cada AL-III) mantendo-se em Catió, na retaguarda, uma reserva de mais 40 pronta a intervir, se necessário[30].

A operação começa a 6 de março, com o transporte dos pára-quedistas em C-47 de Bissalanca para Catió. No dia seguinte, três Fiat G.91 pilotados pelo Coronel Diogo Neto, pelo Capitão Jesus Vasquez e pelo Tenente Cruz, descolam da BA12, logo pela manhã, rumo ao Cassebeche. Um Do-27 armado com foguetes e dois helicópteros Alouette III com canhões de 20 mm também estão no ar para garantirem o apoio de fogo aos “páras”. 

São 11 minutos de voo até os Fiat chegarem aos alvos, onde encontram pelo menos sete posições AA activas, seis metralhadoras de 12,7 mm e uma ZPU-4 de 14,5 mm. O alvo principal é a ZPU que é destruída pelo Capitão Vasquez, sendo também atingida uma das metralhadoras de 12,7 mm. Pouco tempo depois, os helis colocam as duas vagas de pára-quedistas no terreno e uma parelha de Fiat efectua um segundo bombardeamento silenciando mais uma arma de 12,7 mm, no entanto, os pára-quedistas começam a encontrar forte resistência no terreno com metralhadoras pesadas e lança-foguetes RPG 2 e RPG 7. Perante a resistência encontrada, é decidido empenhar a reserva de prontidão em Catió.



Figura 4 – Guerrilheiros do PAIGC com uma arma antiaérea ZPU-4 de 14,5 mm, de origem soviética.
Crédito – Arquivo Amílcar Cabral/Fundação Mário Soares


Durante o resto da manhã, os Fiat efectuam mais alguns ataques às posições AA ainda activas, sendo dois caças atingidos, mas sem consequências de maior. No entanto, dos sete caças disponíveis na BA12, restam agora cinco operacionais. Durante a tarde, mais ataques aéreos são efectuados, o último com bombas incendiárias, tentando neutralizar uma das metralhadoras de 12,7 mm, mas sem êxito. No solo, os pára-quedistas estão encurralados e em sérias dificuldades, devido ao fogo da guerrilha. Os helicópteros armados ficam impotentes perante as baterias antiaéreas do PAIGC. Face à impossibilidade de dominar as posições da guerrilha, sem um grande número de baixas, é decidido retirar os “páras” do terreno, o que acontece ao meio da tarde[31]. No rescaldo da operação, parece que Spínola reconhece o erro de não ter empenhado logo inicialmente as duas companhias de pára-quedistas na operação e Diogo Neto percebe que, no futuro, “em casos semelhantes, o melhor é atacar de imediato com os meios aéreos e só depois comunicar superiormente o facto” [32].

Figura 5 – Metralhadora pesada ZPU-4.

Crédito – Paulo Alegria



No saldo final da operação, há a registar três aviões atingidos (2 Fiat e 1 Do-27), embora tenham sido neutralizadas cinco armas AA (1 ZPU-4 e 4 AA de 12,7 mm) e isto sem nenhuma baixa do lado português. Os Fiat fizeram nove ataques ao longo do dia[33].Quanto aos sete pilotos de G.91, tinham efectuado vinte saídas. O armamento utilizado cifrava-se em 22 bombas de 200 kg, 44 bombas de 50 kg, 4 incendiárias de 350 litros, 48 foguetes FFAR de 2.75 pol. e alguns milhares de munições de 12,7 mm, o que representava um esforço considerável no magro arsenal da BA12[34].

No dia seguinte, a 7 de março, uma parelha de Fiat vai a Cassebeche e efectua um voo RVIS na zona e verifica que os guerrilheiros tinham retirado todas as armas. Mais tarde, foi possível perceber, pela intercepção de várias mensagens do PAIGC, de que as baixas da guerrilha tinham sido de 19 mortos e 32 feridos e que Amílcar Cabral tinha mandado abrir um inquérito para apurar o que se tinha passado “no desastre de Cassebeche”[35]. 


Durante o resto do ano, não se verifica praticamente reacção AA da guerrilha.



Canhões antiaéreos

Os guerrilheiros só voltam a aparecer no Cassebeche em janeiro de 1970, tendo, a 20 de janeiro, flagelado alguns caças Fiat, mas sem consequências. Em resposta, o Comando da Zona Aérea desencadeia a “Operação Cravo Azul”, que elimina as posições AA do PAIGC, no Cassebeche[36]. Ainda nesse ano, registam-se alguns alvejamentos da guerrilha contra os G.91, noutras zonas da Guiné, nomeadamente em março, maio, junho, setembro e novembro, mas nada de significativo. 


O único facto relevante é a introdução na Guiné, em finais de junho de 1970, de canhões antiaéreos de 37 mm, que são usados na região de Sare Morso, junto à fronteira da Guiné-Conakry, contra os Fiat, durante a “Operação Pérola Azul”. É então planeado um ataque para a eliminação destes canhões, que são destruídos pelos caças da BA12[37]. Estas armas só voltariam a surgir novamente, na fronteira sul da Guiné, em maio de 1972, alvejando então uma parelha de Fiat na zona da Cacoca, mas sem consequências para os caças[38] 

Num balanço global, podemos ver pelo gráfico da figura 6 que as acções contra aeronaves são expressivas até 1966, registando, a partir daí, um decréscimo significativo até 1970. Daí para a frente, a reacção antiaérea do PAIGC é pouco significativa senão mesmo residual, não estando representada no gráfico. O pico que observamos em 1964 deve-se, em grande parte, à “Operação Tridente”, no arquipélago do Como. Muitas destas acções acontecem no sul da Guiné, onde a guerrilha era mais activa[39].



Figura 6 – Distribuição das acções antiaéreas da guerrilha contra os aviões portugueses.


Em suma, podemos concluir que a eliminação sistemática das armas antiaéreas do PAIGC, durante a guerra das antiaéreas, tornou a guerrilha incapaz de restringir a liberdade de acção dos meios aéreos portugueses, que continuaram a actuar por toda a Guiné, sem grande oposição. Esta impotência perante a aviação portuguesa levaria Amílcar Cabral a procurar uma nova arma antiaérea junto dos soviéticos. Esta nova arma seria o míssil Strela 2-M, que chegaria à Guiné em março de 1973, já depois da morte do líder do PAIGC.

O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional (ADN) as facilidades concedidas para esta investigação. Ao Tenente-general Fernando de Jesus Vasquez, ao Tenente-general José Nico e ao Comandante Egídio Lopes agradece a leitura e comentários. Ao Paulo Alegria as ilustrações para este trabalho. Ainda um agradecimento especial à Fundação Mário Soares pela cedência das fotos do Arquivo de Amílcar Cabral, disponíveis em casacomum.org.

Para efeitos de publicação no blogue, com a devida vénia ao autor, José Matos, e ao editor, a Revista Militar, procedeu-se a revisão e fixação do texto por parte do editor LG]
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Notas de rodapé:

[1] Anexo K do SUPINTREP n.º 35, Repartição de Informações do COMCHEFE/Guiné, Bissau, 20 de abril de 1971, Arquivo da Defesa Nacional ADN F2/SR007/SSR1/61/35.

[2]  Ibidem.

[3]  Nota n.º 79/NI/201.41 da 2ª Repartição do Estado-Maior do Exército, ADN/F2.2/100/393.

[4]  Estudo sobre as Possibilidades e Limitações do Apoio Aéreo na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, setembro de 1964, Espólio do Tenente-general Barbeitos de Sousa, Cx. 183-7, Arquivo Histórico da Força Aérea (AHFA).

[5]  Sitrep nº 352/65 da ZAVERDEGUINE, 19 de dezembro de 1965, ADN/F2/105/347/13.

[6]  Abecassis, Krus José, Bordo de Ataque. Memórias de uma caderneta de voo e um contributo para a História, 2º volume, Coimbra Editora, 1985, pp. 487-494.

[7]  Sitreps n.º 354/65 e 355/65 da ZAVERDEGUINE, de 20 e 21 de dezembro de 1965, ADN/F2/105/347/13.<

[8]  Baêna, Luís Sanches de, Fuzileiros, Factos e Feitos na Guerra de África 1961/1974, Crónica dos Feitos na Guiné, Comissão Cultural da Marinha, Edições Inapa, 2006, pp. 63-64.

[9]  Abecasis, op. cit., pp. 502-507.

[10] Abecasis, op. cit., pp. 518-519.

[11] Abecasis, op. cit., p. 524.

[12] Relatório do Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné para Estado-Maior da Força Aérea, Assunto Actividade Operacional dos G-91, 25 de março de 1967, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico SDFA/AHFA/SEA, Guiné 1964-1974/Fiat, Processo 430.121.

[13] Abecasis, op. cit., pp. 556-562.

[14] Abecasis, op. cit., pp. 608-609.

[15] Abecasis, op. cit., pp. 609-610.

[16] Abecasis, op. cit., p. 611.

[17] Directiva n.º 1/67 do COMZAVERDEGUINE, 3 de fevereiro de 1967, ADN/F2/102/326/11.

[18] Ibidem.

[19] Relatório da “Operação Barracuda” do COMZAVERDEGUINE, 7 de fevereiro de 1967, ADN/F2/102/326/11.

[20] Informação n.º 84 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Acidente com o avião Fiat G-91 n.º 5407 em 22 de fevereiro de 1967, Lisboa, 19 de junho de 1967, SDFA/AH.

[21] Sitrep Circunstanciado nº 4/67 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[22] Sitrep Circunstanciado n.º 23/67 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[23] Ofício n.º 3170/B do Secretariado-Geral da Defesa Nacional para o Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Guiné – Necessidade em aviões, s.d. ADN/F2/92/309/14.

[24] Ofício n.º 2977/C/67 do Comando-Chefe da Guiné para o Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: PAIGC – Amílcar Cabral, 19 de outubro de 1967, ADN/F2/92/309/14.

[25] Informação prestada pelo Tenente-general Jesus Vasquez, em 1 de agosto de 2013.

[26] Sitrep Circunstanciado n.º 26/67 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[27] Sitrep Circunstanciado n.º 31/67 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[28] Sitrep Circunstanciado n.º 31/68 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[29] Sitrep Circunstanciado n.º 01/69 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 8 de janeiro de 1969, ADN/F2/16/90.

[30] Neto, Manuel Diogo, Operação Vulcano, Cassebeche, 7 de Março de 1969, Revista Mais Alto nº 257, Jan/Fev. 1989, p. 16.

[31] Neto op. cit., pp. 16-18.

[32] Neto op. cit., p. 18.

[33] Sitrep Circunstanciado n.º 10/69 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 10 de março de 1969, ADN/F2/16/90.

[34] Neto, op. cit., p. 19.

[35] Neto, op. cit., p. 19.

[36] Sitrep Circunstanciado n.º 04/70 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 26 de janeiro de 1970, ADN/F2/SSR.002/81.

[37] Sitrep Circunstanciado n.º 26/70 e 27/70 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, junho/julho de 1970, ADN/F2/SSR.002/85.

[38] Sitrep Circunstanciado n.º 22/72 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, maio de 1972, ADN/F2/SSR.002/81.

[39] Anexo H do SUPINTREP n.º 35, Repartição de Informações do COMCHEFE/Guiné, Bissau, 20 de abril de 1971, ADN F2/SR007/SSR1/61/35.