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segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27110: A nossa guerra em números (30): 17 milhões de portugueses perderam a nacionalidade com a descolonização e a independência dos antigos territórios do "ultramar português" em África


Portugal e os seus antigos territórios ultramarinos, em África. Infografia: Wikipedia (com a devida vénia).


1. A África portuguesa (Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique), em 1974/1975, na altura da descolonização e da(s) independência(s), teria cerca de 17,7 milhões de habitantes. Na sua grande maioria eram populações locais ("indígenas", como se diza até 1961).

Com a abolição do Estatuto do Indígena em 1961, todos os habitantes desses territórios passaram a ser, legalmente, cidadãos portugueses.

A distribuição da população por cada território era a seguinte em 1975 (números aproximados):
  • Moçambique: 9,54 milhões de habitantes;
  • Angola: 6,89 milhões de habitantes;
  • Guiné-Bissau: 656 mil habitantes (estimativa);
  • Cabo Verde: 296 mil habitantes;
  • São Tomé e Príncipe:  82 mil habitantes.

2. Com a descolonização e a independência dos antigos territórios ultramarinos portugueses, quantos habitantes perderam a nacionalidade portuguesa, como o nosso camarada cabo-verdiano Carlos Filipe Gonçalves, que ficou com passaporte da Guiné-Bissau ? Ou o nosso amigo Cherno Baldé ? E quantos a conservaram como os nossos camaradas António Rosinha e Patrício Ribeiro, "retornados" de Angola ?

A ausência de registos demográficos precisos e discriminados nas ex-colónias torna muito difícil, senão mesmo impossível,  a apresentação de um número exato. Temos, por isso, de nos socorrer da análise da legislação da época e dos dados populacionais disponíveis.

O Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho, que  estabeleceu os critérios para a conservação da nacionalidade portuguesa para os residentes nos territórios ultramarinos que alcançaram a independência ( Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique)  é base que nos permitiu responder à pergunta que acima formulámos.

Esse diploma legal, na sua essência, não retirou a nacionalidade de forma indiscriminada, mas impôs condições que, na prática, excluíram uma vasta parcela da população que até então era considerada portuguesa.

O Decreto-Lei n.º 308-A/75 estabeleceu que a regra geral seria a aquisição da nacionalidade do novo país, e a manutenção da portuguesa seria a exceção. Como tal, a esmagadora maioria destes novos cidadãos angolanos, moçambicanos, etc., deixou de ter a nacionalidade portuguesa.

Estamos a falar de cerca de 17 milhões.

Com o processo de descolonização, iniciado logo em 1974, na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, um número muito significativo de indivíduos vai  perder a nacionalidade portuguesa. 

3. Quem manteve a nacionalidade portuguesa?  E quem a perdeu ?

De acordo com o supracitado Decreto-Lei, conservavam a nacionalidade portuguesa os indivíduos que, à data da independência:

  • tivessem nascido em Portugal continental ou nas ilhas adjacentes (Madeira e Açores);
  • fossem nascidos nas ex-colónias de pai ou mãe nascidos em Portugal continental ou ilhas;
  • fossem nascidos em território ultramarino e domiciliados em Portugal continental ou ilhas há mais de cinco anos antes de 25 de abril de 1974;
  • a mulher e os filhos menores dos indivíduos nas situações acima.

Quem perdeu a nacionalidade? 
Principalmente os indivíduos que não preenchiam os requisitos acima. Em traços gerais:
  • indivíduos nascidos nas colónias de pais também nascidos nas colónias, sem ascendência direta de portugueses europeus, como o nosso amigo Cherno Baldé, guineense (era  situação de uma grande parte da população local que, sob o regime do "indigenato", só revogado em 1961, tinha um estatuto de cidadania limitado, mas que com a sua abolição adquiriu a nacionalidade portuguesa);
  • mestiços e brancos nascidos nas colónias cujos laços com a metrópole não se enquadravam nas estritas alíneas da lei

A maior parte dos habitantes desses países perdeu automaticamente a nacionalidade portuguesa, exceto:
  • pessoas nascidas na então "metrópole" ou “continente” português ou com fortes laços residenciais e/ou familiares com Portugal continental, mesmo residindo nas colónias;
  • aqueles nascidos nas colónias, mas que tinham vínculos diretos (parentes portugueses de sangue) com Portugal, ou que solicitaram oficialmente a manutenção da nacionalidade portuguesa dentro dos prazos determinados.
A nacionalidade portuguesa passou a ser basicamente definida pelo critério de ascendência ("jus sanguinis", o direito de sangue) e não mais pelo de local de nascimento ("jus soli", o direito de solo ou "chão").

4. De modo geral, apenas uma pequena fração da população local das ex-colónias manteve a nacionalidade portuguesa após a independência.

Um indicador da dimensão das mudança operadas na demografia dos novos países africanos de expressão oficial portuguesa, foi o número de "retornados": cidadãos que se mudaram para Portugal (e outros destinos, como o Brasil e a África do Sul) após a independência. Este número ronda os 500 mil / 600 mil. 

Os "retornados" (designação nem sempre correta, porque parte deles já tinham nascido em Angola, Moçambique, etc.) são, na sua esmagadora maioria, aqueles que conservaram a nacionalidade portuguesa, enquadrando-se nos critérios da lei (ter nascido em Portugal ou ser filho de portugueses nascidos em Portugal).

Estima-se que cerca de 60% destes "retornados" haviam, de facto, nascido em Portugal.
 
Na altura da descolonização (1974/75), a população de origem europeia, na sua maioria portugueses,  em Angola e Moçambique, era significativa, mas estava longe de chegar  a 1 milhão no conjunto dos dois territórios.

Os números mais citados (com base em censos coloniais e estimativas do Ministério do Ultramar e depois do MFA) são:

(i) Angola (1974) :

  • população total: cerca de 5,6 milhões;
  • população de origem europeia (quase toda de nacionalidade portuguesa): c. 335 mil / 350 mil.

Estava concentrada sobretudo em Luanda, Benguela, Lobito e no planalto central (hoje,Huambo, Lubango).

(ii) Moçambique (1974):
  • população total: cerca de 8 milhões
  • população de origem europeia: c. 200 mil / 250 mil.

Concentração urbana em Lourenço Marques (Maputo), Beira e Nampula.

Total Angola + Moçambique: e
ntre 535 mil / 600 mil  europeus.

Se incluirmos Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, o total de residentes de nacionalidade portuguesa nos cinco territórios rondaria os  620 mil / 650 mil.
 
O Decreto-Lei n.º 308-A/75 estabeleceu que a regra geral seria a aquisição da nacionalidade do novo país, e a manutenção da portuguesa seria a exceção. Como tal, a esmagadora maioria destes novos cidadãos angolanos, moçambicanos, etc., deixou de ter a nacionalidade portuguesa. Foram c. de 17 milhões.
 

5. Resumindo:
Dos 17,7 milhões de pessoas, aproximadamente, que viviam nas colónias africanas portuguesas em 1974/75, a quase totalidade perdeu a nacionalidade portuguesa com a independência dos novos países. Entre 500 a 600 mil pessoas conservaram a nacionalidade portuguesa, tendo na sua maioria migrado para Portugal (e outros destinos) como “retornados”. Estamos a falar de colonos, funcionários públicos, civis e militares, e alguns "mestiços". A proporção da população africana das ex-colónias que manteve a cidadania portuguesa foi residual e restrita a casos de descendência direta ou residência em Portugal antes da independência. Portanto, a perda da nacionalidade portuguesa afetou praticamente toda a população local das novas nações, à exceção das pessoas que conseguiram comprovar laços especialmente próximos com Portugal continental ou realizaram processos legais específicos para manutenção dessa nacionalidade.
 
Perderam a nacionalidade portuguesa automaticamente os que nasceram nos territórios coloniais (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe) e que não declararam a vontade de manter a nacionalidade portuguesa e não se enquadravam nas exceções 

As exceções que lhes permitiam conservar a nacionalidade portuguesa incluíam:
  • pessoas nascidas em Portugal e residentes nos territórios até abril de 1974;
  • pessoas nascidas nos territórios coloniais, mas que tivessem a residência prolongada em Portugal;
  • descendentes até terceiro grau (pais, avós, bisavós) nascidos em Portugal;
  • cônjuges e filhos menores de titulares com esses direitos.

Ficam de fora desta análise os restantes territórios do antigo império colonial português, situados na Ásia: Goa, Damão e Diu; Macau; e Timor Leste.

(Pesquisa LG + assistente de IA - Gemini, ChatGPT, Perplexity) (Revisão / fixação de texto: LG)

__________________

Nota do editor LG:

domingo, 10 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27108: Consultório Militar do José Martins (89): Os antigos combatentes não deviam ser esquecidos, mesmo tendo perdido a nacionalidade portuguesa como eu (Carlos Filipe Gonçalves, Cabo Verde)



1. Mensagem do Carlos Filipe Gonçalves (nosso antigo camarada de armas, que acaba de perder, este fim de semama, a sua filha mais velha, Dúnia Gonçalves, de 49 anos de idade) (*):

Data - segunda, 28/07, 13:30

Assunto -  Cartão de Antigo Combatente (**)

Caro, Luis,

Recebi ontem este email sobre as dificuldades do nosso Zeca Macedo em obter o cartão de combatente. O mesmo aconteceu comigo. 

Sobre a questão, da nacionalidade dele, não sei nada, mas, como ele regressou da Guiné para Portugal, deve ter continuado com a nacionalidade portuguesa. Curiosidade: ele, é de família da Ilha do Fogo…, uma parte substancial dos imigrantes de origem cabo-verdiana, nos Estados Unidos, são das Ilhas do Fogo e Brava ou descendentes de gentes dessas ilhas! Eis porque foi para lá.

Quanto a mim, o drama é outro… em 1974 fiquei na Guiné, o meu primeiro passaporte foi da Guiné-Bissau, para eu poder viajar para Cabo Verde, para fazer a reportagem da Proclamação do Estado em 5 de Julho de 1975! 

Depois de regressar definitivamente a Cabo Verde em agosto de 1975, dizia-se que, tanto faz, um passaporte da Guiné, ou de Cabo Verde…, coisas da Unidade Guiné-Verde!!!

O meu, o da Guiné, era válido por 4 anos, logo não foi possível trocar/renovar de imediato…. Utilizei esse passaporte, quando viajei como repórter com o Presidente Aristides Pereira a Angola, para os festejos do 1.º Aniversário em 11 de novembro de 1976; depois, em 1977, viajei em julho para assistir ao Festival de Cinema de Moscovo…. 

Só obtive um passaporte cabo-verdiano, quando fui em março de 1980 estudar em França!!! Pudera, já estava caducado!!! Conclusão, perdi a nacionalidade portuguesa!

Assim, pergunto, como militar que serviu na Guiné, será que poderei ter algum benefício? 

Preenchi o tal formulário que circulou pela internet, nunca tive qualquer resposta. O único benefício que tive até hoje, foi na contagem do tempo de serviço, na função pública de Cabo Verde. Consegui a contagem do tempo de tropa, 4 anos e 3 meses, no chamado ex-PU, em Portugal… a minha tia, Orlanda Ferreira, foi lá, deu o meu nome e o meu n.º 800 049/71 e passaram logo a certidão que tenho aqui. Este 4 anos e tal da Guiné, foram incluídos no total do meu tempo de serviço na Função Pública, como jornalista.

Outro drama, perdi, os documentos da passagem à disponibilidade, em Bissau, Guiné…, porque, a minha, saída da Guiné foi rocambolesca, deixei lá tudo!!! Conto isso no livro sobre a tropa na Guiné…. Pronto, consegui sair de fininho…. Felizmente! Olha, sou reformado, tenho uma pensão de mais de mil euros da Função Publica de Cabo Verde, pagos pelo Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). 

Não tenho, portanto, nada tenho a reclamar, salvo, a discriminação e burocracia, se por acaso pretender viajar para Portugal…, obter um visto, é um problema bicudo. Acho que os antigos combatentes, não deviam ser esquecidos e ter esse tratamento. Por isso, deixei de pensar em passar ou ir a Portugal… quando viajo para o estrangeiro, prefiro  sair, via Dakar, Senegal…

Caro, companheiro, arranjei hoje um tempinho para escrever, pois tenho estado completamente envolvido com os problemas da doença da minha filha, que sofre de um câncer de mama, dos mais agressivos. Está de novo internada, logo, a minha vida agora, é no hospital. Tenho tido o apoio do meu irmão, médico oncologista, que vive aí, trabalha no Hospital S. Francisco Xavier. Ele foi em 1973 e nunca mais voltou, bem como o meu pai… esta história, conto no livro que te enviei, sobre a Rádio Barlavento.

Por esse motivo, a doença da minha filha, vou-me atrasar, no envio das partes do livro, sobre a Guiné, depois do 10 de Setembro de 1974 a Agosto de 1975, quando regressei a Cabo Verde. Sinceras desculpas, apelo à tua compreensão…

Vida e Saúde para todos nós. Forte abraço

Carlos Filipe Gonçalves
Jornalista Aposentado, ex-Furriel Miliciano

2. Na ausência do Zé Martins, que foi "a banhos" e fechou o seu "consultório militar", npo mês deagotso,  o nosso asistente de IA, o "Sabe-Tudo",  responde à tua pergunta:

2.1 Sou cabo-verdiano. Sou antigo combatente das Forças Armadas Portugueses, na guerra colonial (Guiné-Bissau, 1973/74). Perdi a nacionalidade portuguesa. Posso recuperá-la ? E ter o cartão de antigo combatente ?

Resposta do ChatGPT:

Recuperar a Nacionalidade Portuguesa

Sim, é possível recuperar a nacionalidade portuguesa, dependendo da forma como a perdeste:

Se nunca adquiriste outra nacionalidade estrangeira após a perda da portuguesa (situação menos frequente, mas legalmente prevista), podes requerer naturalização com dispensa de residência e sem necessidade de prova de língua portuguesa (Vd. Guia da Nacionalidadejustiça.gov.pt).

Se perdeste a nacionalidade ao adquirires outra nacionalidade estrangeira, há possibilidade de reaquisição, mediante declaração de vontade perante as autoridades, sem necessidade de residência em Portugal (Vd. Governo de Portugalconsuladoportugalsp.org.brvcportugalpoa).

Requisitos gerais:

(i) ser maior ou emancipado legalmente;

(ii) não ter condenações criminais com pena de prisão de 3 anos ou mais;

(iii) apresentar documentos como certidão de nascimento, certidão de registo criminal e comprovativos de que não adquiriste outra nacionalidade, conforme o caso ( Guia da Nacionalidadejustiça.gov.pt ).

Os requerimentos podem ser apresentados nos consulados portugueses, conservatórias ou online (com mandatário, como advogado ou solicitador) (Guia da NacionalidadeGoverno de Portugaljustiça.gov.pt).

Cartão de Antigo Combatente

Como ex-combatente mobilizado na Guiné-Bissau em 1973/74, tens direito ao Cartão de Antigo Combatente, um documento gratuito, emitido pela Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) (Vd.  Governo de PortugalMinistério da Defesa=.

Passos para o obter:

requerer a contagem do tempo de serviço militar (essencial para a emissão do cartão) através do Balcão Único da Defesa (Ministério da Defesa);

se o cartão não chega automaticamente, basta atualizar/confirmar os teus dados pessoais via formulário no portal da Defesa Nacional (Governo de Portugal).

Benefícios associados incluem: isenções no SNS, transporte intermodal gratuito, entrada gratuita em museus, preferências habitacionais, insígnia, honras fúnebres, entre outros (ePortugalMinistério da Defesa).

Resumo > Situação  | Ação Recomendável 

(i) Recuperar nacionalidade

 Avalia se houve outra nacionalidade adquirida. Prepara documentos e requer no consulado, conservatória ou com ajuda profissional.

(ii) Obter Cartão de Antigo Combatente  

Requer a contagem de serviço no Balcão Único da Defesa e atualiza os dados para receber o cartão, se necessário.

2.2. Um cidadão cabo-verdiano, anteriormente português (antes da independência de Cabo Verde, pode ter a dupla nacionalidade, cabo-verdiana e portuguesa?

 Sim, em muitos casos pode.
 
Quando Cabo Verde se tornou independente de Portugal, em 5 de julho de 1975, as regras de nacionalidade passaram a seguir o que estava previsto na Lei da Nacionalidade Portuguesa da época.

Os casos mais comuns são:
  • cidadãos nascidos em Cabo Verde antes da independência: eam automaticamente considerados cidadãos portugueses (pois Cabo Verde era território português);
  • após a independência, passaram a ser cabo-verdianos por atribuição automática
A nacionalidade portuguesa podia ser mantida se tivessem ligação efetiva a Portugal (residência, família, registo civil em Portugal, etc.) ou se a tivessem declarado formalmente.


~



Dupla nacionalidade: 
Portugal e Cabo Verde permitem dupla nacionalidade.

Quem manteve a nacionalidade portuguesa após 1975, ou a readquiriu depois (através de pedido administrativo), pode ter as duas nacionalidades legalmente.

Readquirir nacionalidade portuguesa

Mesmo que a nacionalidade portuguesa tenha sido perdida na altura da independência, hoje é possível readquiri-la ao abrigo da lei atual, muitas vezes de forma simplificada para ex-cidadãos portugueses e seus descendentes.

 Resumo: Se o cidadão cabo-verdiano era português antes de 1975, pode ter dupla nacionalidade:  se manteve a portuguesa na altura ou se a readquiriu mais tarde.

(Pesquisa: IA / LG | Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor LG: 

(*) Vd. poste de 9 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27104: In Memoriam (558): Dúnia Ivone Ramos Gonçalves (1976-2025), filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, CefInt / QG / CTIG, Bissau, 1973/74): o funeral é amanhã, às16h00, no Cemitério da Várzea, Praia, Cabo Verde

terça-feira, 22 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27044: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (58): O racismo em Portugal... onde ninguém sabe se os seus antepassados foram escravos ou esclavagistas...


1. Mensagem do nosso camarada António Rosinha (foto à esquerda, em Pombal, 2007, por ocasião do II Encontro Nacional da Tabanca Grande; foi fur mil, ainda do tempo da farada "amarela", em Angola, 1961/62; topógrafo em Angola, para onde foi adolescente, africanista de alma e coração, regressou a Portugal em novembro de 1974, emigrou para o Brasil da ditadura militar (que vigorou de 1964 a 1985), e mais tarde para a Guiné-Bissau do partido único, onde trabalhou, de 1978 a 1993,  na empresa TECNIL, ao tempo do Luís Cabral e do 'Nino' Vieira, "camaradas", "heróis da liberdade da pátria",  que ele conheceu bem no poder; entrou para o nosso blogue,  em 29/11/2006, é um histórico da Tabanca Grande; é autor da série "Caderno de Notas de Um Mais Velho"; tem cerca de 150 referências no blogue).


Data - 17 de julho de 2025 14:13
Assunto - Os internautas e o racismo (em) "português"

Entre verdades, mentiras e fantasias, parece um fenómeno ver tanta gente a analisar, esmiuçar e excomungar os últimos 610 anos da história de Portugal, 1415-2025.

Já se misturam as viagens dos Descobrimentos com as colonizações e escravidões, e no caso dos brasileiros e brasileiras, que descobriram a terra de origem de Cabral há apenas poucos anos, estranham imenso o comportamento do "portuga" que conheciam há séculos na sua rua vendendo cachaça no botequim da esquina, comparando com o comportamento dos portugas que vieram encontrar em Lisboa e arredores.

"Brasileiro, vai prá tua terra"

São historiadores, antropólogos, filósofos, poetas, políticos, gente de todas as latitudes e longitudes, mas principalmente o que vai do Minho a Timor, e de Goa a Mato Grosso do Sul, mas principalmente na ex-capital do império, onde parece que veio reunir-se pelo menos um representante de todos aqueles cantos do mundo.

São facebook, blogs, youtube,  jornais... e coisas que não pratico, tudo emite opinião sobre o assunto mencionado, o característico, ou incaracterístico racismo dos portugueses.

E depois entra o colonialismo e a escrividão africana, que foi a mais infernal aos olhos de hoje..

E aparecem os queixosos como se fossem eles sofrer o que sofreram os seus quinquavós, sem terem a certeza se este foi o escravo ou o do chicote, e outros o contrário, a pedirem perdão pelo seus antepassados esclavagistas, sem saberem se eles foram escravos ou esclavagistas.

Tem gente surpreendida, pois verifica que, ao fim de séculos, não sabe de que lado ficar, se do lado do que foi colonizado, se do lado do que foi colonizador, que sendo fruto dos dois, (no Brasil agora chamam-se de pardos) pois ficou entre um e o outro, sem saber para onde se virar.

E subentende-se automaticamente que o principal culpado da sua existência é quem???

Daí, até tem virtude um bom apartheid, onde se evitava uma futura hierarquia. Matizada, em que fica muita gente baralhada, com o resultado final do fenómeno da mestiçagem, ao qual pertence.

Mas, de facto, o português, racista ou não, ou incaracteristicamente racista, deu e dá azo a muitas queixas, ao querer isentar-se de culpas que lhe são atribuídas pelos colonialismos que fez, ou não fez e devia ter feito.

É preciso desmascarar o racismo português, dizem alguns, "o meu pai era português, mas tinha criados e lavadeira e não os mandava à escola".

Mas a autoflagelação de alguns portugueses "que teremos que devolver às antigas colónias aquilo que trouxemos de lá", só me faz vir à ideia que termos que fazer uma grande cerimónia para entregar a Moçambique o grande Eusébio, criando uma vaga na igreja de Santa Engrácia.

Como retornado tento não fazer humor com este assunto, mas é difícil resistir.

Não serão vítimas de bullying, de todos os lados, os heróis do mar?

Quando joga a seleção nacional, verificamos sempre se há alguém que não soletra o hino nacional.E verificamos se não fica corado, quando o faz.

Um autor (Paulo Varela Gomes) ficcionou um inglès de olhos azuis e loiro e outro inglês sem olhos azuis nem loiro, em viagem a Goa,

Um tinha tratamento à inglesa, o outro insistentemente com tratamento um pouco menos, e tinha que provar que não era português.

Fico por aqui, para não me esticar demais.

Cumprimentos

Antº Rosinha

____________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 16 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26590: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (57): O "15 de Março de 1961": quem ganhou, quem perdeu ? Quem ficou na pior, previsivelmente, foram mesmo duas ou três gerações de angolanos.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26199: Recortes de imprensa (140): "Navio doado por Portugal, batizado "Centenário de Amílcar Cabral", veio facilitar a ligação entre Bissau e o arquipélago dos Bijagós



Fotograma de vídeo da RTP África > Notícias >14 out, 2024, 15:57 > "Navio 'Centenário de Amílcar Cabral' doado por Portugal facilita a ligação entre Bissau e Bijagós" (com a devida vénia...)


1.  Com a devida vénia, transcreve-se parcialmente uma peça da Lusa, constante do portal RTP Madeira > Política 12 out, 2024, 21:03


Pronto a zarpar navio oferecido por Portugal às populações da Guiné-Bissau


O navio oferecido por Portugal à Guiné-Bissau foi hoje batizado (...).

O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, Nuno Sampaio, entregou ao Presidente da República da Guiné-Bissau a chave da nova embarcação batizada com o nome “Centenário de Amilcar Cabral”, em homenagem ao líder histórico guineense.

O chefe de Estado agradeceu ao Governo português mais esta “demonstração clara da excelência das relações” entre os dois países e a concretização de um projeto que nasceu há dois anos e que ainda aguardará mais alguns dias para chegar a alto mar.

A perspetiva do Governo guineense, exposta na cerimónia de batismo pelo ministro dos Transportes, Marciano Silva Barbeiro, é de que as viagens entre Bissau e as ilhas comecem ainda durante o mês de outubro.(**)

O Governo português investiu mais de 2,5 milhões de euros na reparação e adaptação da embarcação com capacidade para transportar 340 passageiros e uma grua de carga de cinco toneladas, como explicou o secretário de Estado português.

O investimento foi suportado pelo Fundo Ambiental de Portugal e contou com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a colaboração de outros parceiros internacionais, segundo o governante.

O novo navio irá evitar o recurso a pirogas e canoas, o meio de transporte marítimo mais usado pelas populações das ilhas Bijagós, e “permitir mais segurança”, assim como servirá o turismo, a deslocação de doentes ou o transporte de máquinas para a agricultura, disse ainda.

Nas águas do rio Geba, este navio “irá cimentar as condições de desenvolvimento da Guiné-Bissau”, considerou o governante português, salientando que permite a recolha de passageiros mesmo na ausência de cais, com uma lancha para embarque e desembarque de passageiros.

O ministro dos Transportes da Guiné-Bissau, Marciano Silva Barbeiro, realçou a necessidade da construção de pontões flutuantes em Bissau, Bolama e Bubaque e que o Governo guineense já solicitou apoio à União Europeia para este fim.

Para conseguir uma tarifa mais baixa para as populações, o governante guineense defende que uma parceria público-privada para assegurar o serviço. (...)

 O Presidente da República da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, anunciou que, além do novo navio, o país irá receber “nos próximos meses, 21 autocarros de Portugal”.

O chefe de Estado entende que a Guiné-Bissau irá precisar “de uma empresa gestora competente” e de indústria naval face aos novos avanços no sistema de mobilidade.(...)
 
Sissoco Embaló não tem dúvidas de que o dia de hoje “é um passo para vencer o isolamento entre a parte insular e continental” do país com 88 ilhas, 20 das quais habitadas, e cerca de dois milhões de habitantes.

O secretário de Estado português, Nuno Sampaio, assegurou “sempre apoio de Portugal à Guiné-Bissau” e anunciou que, em breve, vai ser assinado uma acordo para o desenvolvimento do das ilhas Bijagós

Portugal e a Guiné-Bissau têm um Programa Estratégico de Cooperação (PEC) em execução entre 2021 e 2025, que prevê um investimento de cerca de 60 milhões de euros no país da África Ocidental.


Lusa

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24702: Recortes de Imprensa (139): Jornal "Voz da Guiné" (9): Reprodução das 3.ª e 4.ª páginas do número especial de 10 de Setembro de 1974 (Abílio Magro)

(**) Vd. poste 26 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26197: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (43): Passeio à ilha de Orango Grande, com passagem por Bubaque - Parte I

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26065: Notas de leitura (1736): Regresso a um clássico da historiografia guineense: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
As considerações finais desta obra de referência que é a investigação de Maria Luísa Esteves sobre a questão do Casamansa são verdades com punhos. A França foi extremamente hábil em apoderar-se do Casamansa, as autoridades portuguesas depositavam pouco interesse na região, revelaram-se ingénuas, não cuidavam de enviar para a região administradores hábeis e foi assim, contrariando os interesses das populações, que se foram apoderando do comércio da região. Ao tempo, deram-se outras adversidades, relevo a falta de recursos financeiros, a desvalorização da mancarra e fundamentalmente o cataclismo que foi a guerra do Forreá, guerra sanguinolenta entre fulas-forros e fulas-pretos, desmantelou-se quase completamente a presença de explorações agrícolas no rio grande de Buba, o que também levou o comércio no rio Nuno a ficar valorizado. Outra grande habilidade dos franceses, como destaca Maria Luísa Esteves, foi terem visto aprovada uma convenção que impediu a nossa presença no Futa Djalon, este tornou-se um protetorado francês. Com esta delimitação de fronteiras feitas a réguas e esquadro suscitaram-se conflitos gravíssimos, a potência mais forte ficou sempre na mão de cima. E o resultado sai nas palavras da autora: "A França soube assegurar para si uma fronteira fácil de guardar sob o ponto de vista fiscal e, com o intuito de conseguir um maior desenvolvimento do baixo Casamansa, procurou salvaguardar a rede de vias navegáveis." E lembrarmo-nos nós dos alertas sucessivos que Honório Pereira Barreto dirigia ao governador de Cabo Verde e até Lisboa...

Um abraço do
Mário



Regresso a um clássico da historiografia guineense:
A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (3)


Mário Beja Santos

No repositório das obras admiráveis, de leitura obrigatória para melhor compreender a historiografia luso-guineense, avulta o impressionante trabalho de Maria Luísa Esteves, A Questão do Casamansa e a Delimitação das Fronteiras da Guiné, edição conjunta do Instituto de Investigação Científica e Tropical e do INEP, 1998. Trata-se de uma revisitação, o anseio de um novo olhar sobre tão importante narrativa, isto depois de ter lido e aqui comentado o texto do tenente da Armada Real, Cunha Oliveira, que coordenou em 1888, do lado português, a comissão mista que procurou resolver questões encrencadas na delimitação das fronteiras, tudo produto de quem assinou a convenção luso-francesa de 12 de maio de 1886 não fazer a menor ideia das delicadezas da topografia da região.

A convecção luso-francesa de 12 de maio de 1886 não contemplou os espaços verdadeiramente ocupados pelas diferentes etnias, houve para ali trabalho de régua que irá suscitar uma permanente atmosfera de conflitos que irão exigir missões das comissões luso-francesas e ajustamentos que pareciam ter ficado resolvidos ainda no tempo da monarquia que, pasme-se, se prolongaram até à década de 1930. Evitando uma penosa listagem desses conflitos, dir-se-á que eles ocorreram logo nas fronteiras luso-francesas, tendo diferentes protagonistas e lugares: o régulo de Firdu, no Casamansa, Mussá Moló, súbdito francês, invadiu territórios pertencentes ao distrito de Geba, fez destruições, atacou depois em Farim, será questão que se prolongará por anos; haverá conflitos entre fulas e mandingas e uma oficial francês em terras de Pachisse; um antigo chefe nalu, prisioneiro dos portugueses, depois de libertado fixou-se em território francês, teremos a seguir um contencioso diplomático, o comandante francês de Kandiafará atravessou a fronteira e intimidou populações, veio-se a apurar que foram chefes gentílicos da Guiné portuguesa que chamaram o oficial francês.

Temos uma missão em 1900 que se prendeu com o reconhecimento por parte dos dois países sobre a imprecisa delimitação da colónia, cujas fronteiras continuavam abertas e sujeitas a contingências que punham em perigo o domínio territorial e a respetiva influência política. É neste período que começaram a ser colocados marcos, logo na fronteira sul. Fora nomeado como encarregado da delimitação de certos trechos da fronteira o 2.º tenente da Armada, Oliveira Muzanty. O ponto de partidas das operações foi a ponta Cagete, que se revelou impraticável. Lisboa apoiava a ideia dos legados fazerem concessões recíprocas de território, obviamente que tinham de ser sancionados, ou não, os respetivos comissários. Nova missão reuniu-se em janeiro de 1901, demarcou-se a parte Sul e Sueste da fronteira entre a ponta Cagete e Dandum, os trabalhos foram interrompidos por um surto de febre amarela. Vai ter lugar nova comissão, entre 1902 e 1903. As dificuldades subsistem, basta ler o parecer da Direção-Geral do Ultramar:
“Pôr de parte a convenção de limites de 1886 dando largas concessões e poderes aos comissários não parece prudente mormente quando se sabe que na região leste da província o governo francês pode levantar dificuldades ao traçado da linha indicativa do meridiano limítrofe, visto a população do régulo principal da região ficar na esfera portuguesa; o que a França não podia supor e não verá com bons olhos. Destas circunstâncias não parece conveniente aumentar os poderes dos nossos delegados mesmo quando estão em harmonia com os dados dos comissários franceses.”

Seja como for, lança-se a proposta de trocas de território de igual superfície, no caso de interesses políticos a salvaguardar, ou para obter uma linha natural de fronteira, sempre que haja aprovação pelos respetivos governos. Temos depois uma nova missão em 1904 e 1905, a operação da colocação de marcos e pilares teve sérias dificuldades, haverá hostilidade de algumas populações, o que vai exigir a presença de efetivos militares. Só em janeiro de 1906 é que se deu por aprovada a fronteira norte.

Analisando as vicissitudes destas missões, observa a autora:
“Se atentarmos ao resultado final conseguido, não podemos deixar de considerar que se não foi favorável também não envergonhou os esforços do gabinete de Lisboa, em período politicamente instável, assoberbado por questões internas e jogando forças com uma nação poderosa e cheia de ambições colonialistas. Muito já estava perdido quando o problema se levantou, e milagre se faria se os diplomatas africanistas tivessem conseguido reaver o que há muito fora usurpado.”

Em tempo de considerações finais sobre este dossiê da questão do Casamansa, atenda-se à natureza das observações da autora:
“Os indígenas do Casamansa sempre foram afeiçoados aos portugueses e viam com relutância a presença de outros europeus, não sendo raro pedirem a sua interferência nos seus conflitos com os franceses. O plano gizado pela França englobava também o rio Nuno e era bem vasto. Para o conseguir realizar serviu-se de exploradores que souberam preparar o caminho para os seus compatriotas. Estudavam as regiões, procurando conhecer qual o seu interesse, e, enquanto intrigavam e indispunham os indígenas contra os portugueses, faziam propaganda a favor da sua pátria. Era uma política de aliciamento a que não eram estranhos os negociantes que habilmente sabiam desviar para as zonas que lhes interessavam o comércio sertanejo.
O governo português não soube ou não pôde responder a este repto. E a decadência da Guiné cada vez se acentua mais com a instalação dos franceses em Carabane e em Selho.
Não eram só os negociantes franceses os culpados da estagnação da vida económica nacional e da diminuição das receitas. Outros fatores contribuíram também: desvalorização da mancarra nos mercados europeus, fretes onerosos sobre as mercadorias e falta de recursos financeiros, pois os capitalistas não acreditavam nas possibilidades da colónia.
A abolição da escravatura agravou ainda mais a situação. Portugal ao ajudar os fulas-pretos ao sair da escravidão, concitou contra si o ódio dos que os dominavam, os fulas-forros. As lutas tribais que se seguiram prejudicaram enormemente a agricultura e desviaram o comércio do sertão das rotas comerciais, fazendo-o afluir às feitorias francesas. A França soube assegurar para si uma fronteira fácil de guardar sob o ponto de vista fiscal e, com o intuito de conseguir um maior desenvolvimento do baixo Casamansa, procurou salvaguardar a rede de vias navegáveis.
Com a posse dos rios Casamansa e Nuno e dominando a região Futa Djalon, os franceses absorveram toda a vida comercial.
As duas Guinés, a francesa e a portuguesa, foram criadas sem terem em conta, muitas vezes, não só os limites naturais como as realidades étnicas, sociais e económicas existentes. Só mais tarde, quando já não era possível emendar os erros cometidos, se verificou que os povos com história e cultura comuns foram separados e entregues a países diferentes sem respeito pelo seu passado. Não era para admirar que assim tivesse acontecido quando as negociações de fizeram longe dos locais a delimitar por pessoas mal informadas sobre a história dos povos e sem conhecimentos suficientes de geografia e utilizando cartas topográficas pouco rigorosas.”


O marco 173 está situado em Chão Baiote, junto à tabanca Kassu, na praia de um dos muitos cursos de água da Baixa Casamansa. A linha de fronteira atravessa Kassu, deixando um bairro na Guiné-Bissau e outro no Senegal. O marco está instalado num espaço aberto, apenas frequentado por vacas que, para fugirem às moscas, buscam as zonas perto de água. Imagens de Lúcia Bayan, já publicadas no blogue, com a devida vénia.
Casamansa, a imagem do atrito
Imagem da ilha de Goreia, junto a Dacar
Imagem de pesca no rio Casamansa
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Nota do editor

Último post da série de 14 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26044: Notas de leitura (1735): Regresso a um clássico da historiografia guineense: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26018: Notas de leitura (1733): Regresso a um clássico da historiografia guineense: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Depois do relato surpreendente do tenente da Armada Real que andou em 1888 na delimitação de fronteiras, pareceu-me necessário voltar à questão do Casamansa, um dos efeitos mais dolorosos provocados pela ambição francesa, ignorantes e obtusos quanto à delicada questão dos povos ali residentes, forçados a entrar num espaço para eles inaceitável. E, como é público e notório, a questão perdura e perdurará. A investigadora Maria Luísa Esteves é mestra na organização do seu trabalho, enquadra de forma simples e incisiva a questão do Casamansa na perspetiva histórica da presença portuguesa, a parte da situação económica, continuamente desfavorável para Portugal, agravada pela presença dos Filipes, pelo analfabetismo político naquela monarquia constitucional em que Alexandre Herculano teve que desancar uma besta quadrada. Creio que o leitor ganhará mais elementos através desta visão de conjunto que este clássico da historiografia oferece, traz mais luz àqueles acontecimentos que o tenente da Armada Real Cunha Oliveira descreveu num relatório sem precedentes, agravado pelo seu desgosto em constatar a indiferença dos políticos portugueses pela Guiné, levado nas conclusões a conclamar: ou se desenvolve a Guiné ou então entreguem-na à França.

Um abraço do
Mário



Regresso a um clássico da historiografia guineense:
A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (1)


Mário Beja Santos

No repositório das obras admiráveis, de leitura obrigatória para melhor compreender a historiografia luso-guineense, avulta o impressionante trabalho de Maria Luísa Esteves, A Questão do Casamansa e a Delimitação das Fronteiras da Guiné, edição conjunta do Instituto de Investigação Científica e Tropical e do INEP, 1998. Trata-se de uma revisitação, o anseio de um novo olhar sobre tão importante narrativa, isto depois de ter lido e aqui comentado o texto do tenente da Armada Real, Cunha Oliveira, que coordenou em 1888, do lado português, a comissão mista que procurou resolver questões encrencadas na delimitação das fronteiras, tudo produto de quem assinou a convenção luso-francesa de 12 de maio de 1886 não fazer a menor ideia das delicadezas da topografia da região.

Atenda-se ao que escrevem a investigadora e Carlos Cardoso, este então a presidir o INEP:
“Ontem, objeto de disputa entre as potências de então, principalmente entre Portugal e a França, e hoje motivo de reivindicações por parte das populações que o habitam, este território, que perfaz 28,350 km2, ou seja, 1/7 do Senegal, denominado Casamansa, continua a despertar a atenção a historiadores e homens políticos. Com efeito, devido ás suas características naturais esta região cedo foi objeto de preocupação por parte daqueles que queriam ‘descobrir’ África.”

Parece-me também útil relevar da nota prévia: “Portugal e a França, até 1830, tiveram uma posição definida na Guiné. A partir dessa data, a influência francesa acentua-se lentamente após a fundação de uma feitoria no rio Casamansa (…) Para fazer uma descrição tanto quanto possível do Casamansa e da sua importância através dos tempos, fomos buscar elementos aos autores do século XV, XVI e XVII, que se lhe referem, como Luís de Cadamosto, Valentim Fernandes, André Álvares de Almada, André Donelha e Francisco Lemos Coelho.”

A autora observa que o grande mentor da defesa dos direitos portugueses ao Casamansa foi o visconde de Santarém, cuja obra Memoria sobre a prioridade dos descobrimentos Portuguezes na Costa d’África occidental; para servir de illustração à chronica da Conquista de Guiné por Azurara se tornou a base histórica de toda a discussão diplomática. Depois da convenção de 12 de maio de 1886, o que parecia simples e resolvido levou a contendas sucessivas, notas diplomáticas azedas, era difícil saber o que rigorosamente pertencia a cada país. Uma tentativa de ultrapassar o impasse, os dois países aprovaram a constituição de uma comissão mista que se deslocou à Guiné em 1888 (conhecemos o conteúdo desta atividade através do artigo-memorial de Cunha Oliveira, detalhadamente referido aqui no blogue), havia a intenção de marcar as áreas de influência de cada uma das partes. Surgiram obstáculos e divergências, como se observou acima, tudo fora feito pelos negociadores sem ter havido previamente o levantamento topográfico dos locais a delimitar para, sempre que possível, se respeitarem as divisões naturais. Os impasses sucediam-se, organizaram-se missões que 1900 a 1905 se irão ocupar da balizagem das fronteiras, procedendo ao reconhecimento de certos rios, à troca de territórios, à colocação de pilares. Por muito que o leitor se surpreenda, a demarcação da fronteira luso-francesa da Guiné só se pode considerar definitivamente concluída depois dos trabalhos de 1930 e 1931.

Postos estes prolegómenos, a autora procede esquematicamente a dados da presença portuguesa na Guiné: provavelmente quem aqui chegou em primeiro lugar terá sido Álvaro Fernandes, em 1446, segue-se Luís de Cadamosto na segunda viagem à Guiné, em 1456; meio século adiante, no manuscrito de Valentim Fernandes, há uma descrição minuciosa do Casamansa; em 1594, mais notícias se vêm juntar e desta vez dadas pelo capitão André Álvares de Almada numa outra obra fundamental, Tratado Breve dos Rios de Guiné (capítulo VIII ‘Que trata do reino do Casamança e do que nele há’).

Chegados ao século XVII, deparam-se-nos três manuscritos de indiscutível importância – um de 1625, Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde, outro de 1669, Descripção da Costa da Guiné desde Cabo Verde até à Serra Leoa, com todas as ilhas e rios que os brancos assistentes nella navegão, e o último de 1684, Discripção da Costa da Guiné e Situação de Todos os Portos e Rios Della, e Roteyro Para se poderem Navegar todos seus Rios (associado aos nomes de André Donelha e Francisco Lemos Coelho).

Depois da Restauração, o capitão-mor de Cacheu, Gonçalo de Gamboa de Aiala, fortificou Ziguinchor, este vai ser o único porto digno desse nome, até ao século XIX. Apesar do panorama desanimador do movimento comercial no início do século XIX, as relações dos naturais com o presídio eram boas devido à influência da família Carvalho Alvarenga, aparentada com o régulo de Ziguinchor. Alguns portugueses procuravam alertar os responsáveis e demonstrar que a perda da presença portuguesa na região seria uma catástrofe para o país, pois “aquelle rio exporta o dobro do que exportam os outros pontos juntos” e é o “maior rio d’Africa Portugueza”.

Depois desta contextualização, a autora expõe a situação económica da Guiné através dos séculos, como aqui se resume. Expedições de Cid de Sousa (1453), Cadamosto (1455) chega ao Geba; Diogo Gomes terá precedido em 1454 Cadamosto. Recorda-se a capitania em Arguim e como D. Afonso V arrendara os “trautos da Guiné” a Fernão Gomes. É também recordado que o comércio da Guiné estava eivado de grandes defeitos: por um lado, o controlo exercido pela administração régia; por outro lado, a indisciplina dos particulares que se entregavam à atividade mercantil da forma mais arbitrária, e com perda de réditos para a Fazenda.

A presença lusa na Guiné limita-se ao princípio ao litoral e às margens dos grandes rios. Era nestes pontos, quase isolados entre si, que se exercia a influência portuguesa. Em fins do século XVIII não havia uma ocupação efetiva na Guiné. Os franceses estabelecem companhias de comércio em África e, para justificarem a sua presença, inventam a lenda das viagens dos normandos à Guiné no século XIV.

A Companhia de Cacheu formou-se em 1675, de que a Fazenda Real era acionista, ficava com o exclusivo da navegação e comércio da Guiné. Mas era tarde, a derrota da Invencível Armada, em 1588, lançou definitivamente a Inglaterra a caminho da costa da Guiné – vai aparecer a feitoria da Gâmbia, berço da futura colónia inglesa.

Em 1677, os franceses conquistaram aos holandeses a ilha de Goreia e assim começou verdadeiramente a ocupação militar do Senegal. Só pelo Tratado de Versalhes, de 3 de setembro de 1783, a França fica senhora sem mais contestações da região compreendida entre o Cabo Branco e a Gâmbia, enquanto esta e a Serra Leoa pertenciam à Inglaterra. A nossa presença sempre em deterioração. Arguim caiu em poder dos holandeses no tempo dos Filipes, em 1638. Ali tinham permanecidos os portugueses durante séculos, datando de 1461 a ordem de D. Afonso V para se edificar um castelo na ilha.

O marco 173 está situado em Chão Baiote, junto à tabanca Kassu, na praia de um dos muitos cursos de água da Baixa Casamansa. A linha de fronteira atravessa Kassu, deixando um bairro na Guiné-Bissau e outro no Senegal. O marco está instalado num espaço aberto, apenas frequentado por vacas que, para fugirem às moscas, buscam as zonas perto de água. Imagens de Lúcia Bayan, já publicadas no blogue, com a devida vénia.
Casamansa, a imagem do atrito
Imagem da ilha de Goreia, junto a Dacar
Imagem de pesca no rio Casamansa

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 4 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26010: Notas de leitura (1732): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1877 a 1880) (23) (Mário Beja Santos)

domingo, 12 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25511: Timor - Leste. passado e presente (1): terra "abençoada por Deus" e "castigada pelo Diabo em figura de gente" no século passado, os japoneses (1942-1945) e os indonésios e as suas milícias (1975-1999)


1. Os portugueses sabem ainda pouco da história (passada e recente) de Timor-Leste (*). Mas têm, pelo menos,  a ideia de que a luta pela sua independência (do domínio indonésio, 1975-1999) foi marcada pelo genocídio do povo timorense (estimado em 1/3 da população, que seria então da ordem dos 750 mil habitantes).

Na página do AMRT – Arquivo & Museu da Resistência Timorense, há uma base de dados sobre os Combatentes da Libertação Nacional (n=58070), dos quais 13916 foram considerados  "mártires" e os restantes  (44154) "não mártires", identificados todos por nome, foto (os não mártires), município da naturalidade, anos  de dedicação à luta na resistência, e condecoração.

Também sabemos pouco, nós, os portugueses,  sobre a invasão e  ocupação da ilha quer por tropas aliadas (australianas e holandesas) em 17 de dezembro de 1941 quer depois por tropas japonesas, logo a seguir,  em retaliação, dois meses depois, em 20 de fevereiro de 1942.  

 Havia no território um pequena comunidadade portuguesa (escassas três centenas de pessoas),  a maior parte funcionários públicos, civis e militares, e pessoal religioso das missões católicas. 

Os pais e a irmã mais nova do José Afonso ("Zeca" Afonso), cantor e compositor (1929-1987),  acabaram num 'campo de concentração'  improvisado, em Liquiçá,  durante os restantes três anos (1942-1945), tal como os restantes portugueses (uns ficaram em Liquiçá, outros em Maubara).   O pai era magistrado em Dili nessa altura, vindo de Moçambique em 1939, depois de passar por Angola. 

Essa história dramática da família do "Zeca" Afonso (a estudar em Coimbra, durante o período da II Guerra Mundial, juntamente com o irmão mais velho) bem como da população  timorense  (c. 400 mil), todos apanhados de surpresa pelos acontecimentos, está contada no documentário "Rosas de Ermera", de Luís Filipe Rocha (Portugal, 2017) que passou na RTP1 em 2018. 

Terão morrido 90 portugueses e mais de 40 mil timorenses (de Timor Leste) durante a invasão e ocupação japonesas.

Para saber mais, leia-se  também o artigo de Jorge Silva Rocha, da Comissão de História Militar, sobre Prisioneiros em Timor na II Guerra Mundial" : Rocha, J. S. (2019). Prisioneiros portugueses em Timor durante a segunda guerra mundial. In Pedro Aires Oliveira (Ed.), Prisioneiros de guerras: Experiências de cativeiro no século XX. (pp. 217-239). Lisboa: Tinta da China .

É ainda escassa a investigação historiográfica sobre este período da história timorense, até por falta de fontes arquivísticas. As principais fontes ainda são memorialísticas. De qualquer modo, Timor Leste foi o único território portuguêsultramarino,  ou sob administração  portuguesa,  que foi invadido e ocupado por forças estrangeiras  durante a II Guerra Mundial, não obstante a neutralidade de Portugal.




Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 05768.032.08295 | Título: Diário de Lisboa | Número: 6853 | Ano: 21 | Data: Sexta, 19 de Dezembro de 1941 | Directores: Director: Joaquim Manso | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: IMPRENSA (Com a devida vénia...)

Citação:
(1941), "Diário de Lisboa", nº 6853, Ano 21, Sexta, 19 de Dezembro de 1941, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25120 (2024-5-12)




Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares |Pasta: 05768.032.08354 |Título: Diário de Lisboa | Número: 6912 |Ano: 21 | Data: Sexta, 20 de Fevereiro de 1942 | Directores: Director: Joaquim Manso |  Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: IMPRENSA| (Com a devida vénia...)

Citação:
(1942), "Diário de Lisboa", nº 6912, Ano 21, Sexta, 20 de Fevereiro de 1942, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_26731 (2024-5-12)

 

Timor Leste > Dili  > Palácio do Governo  > 2023 > Foto do Jornal Tornado, "on line" (Jornal global para a lusofonia), 23 de junho de 2023 (com a devida vénia) 

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Temos agora, na Tabanca Grande, duas vozes que falam de Timor e, de algum modo, em nome dos timorenses, o nosso mais recente grão-tabanqueiro, nº 886, Rui Chamusco (fundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste) e o João Crisóstomo, líder do LAMETA (Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor Leste)... Com eles dois temos aprendido algo mais sobre Timor-Leste e os timorenses, por quem os portugueses têm mostrado, nas últimas décadas, um especial carinho, amizade e e solidariedade.


2. Timor Leste > História (Excertos)
 
Timor Português 

A porção ocidental da ilha de Timor, com capital em Kupang, pertence hoje à República da Indonésia. A porção oriental, com capital em Díli, pertencia a Portugal desde o século XVI. Quando os primeiros mercadores e missionários portugueses aportaram na ilha de Timor em 1515, encontraram populações organizadas em pequenos estados, reunidos em duas confederações: Servião e Belos, que praticavam religiões animistas. O islamismo, cuja religião predomina na Indonésia atual, não tinha chegado a Timor, e nem o mesmo o budismo que, sobretudo no séc.VIII, imprimiu a sua marca em Java.

No 3º quartel do século XVI chegaram a Timor os primeiros frades dominicanos portugueses, através dos quais se vai desenvolvendo uma progressiva influência religiosa, ao mesmo tempo que se vai estabelecendo a dominação portuguesa. A evolução cultural processou-se em sentido oposto ao que se verificou nas atuais ilhas indonésias de Java, Sumatra e nas costas de Kalimantan e de Sulawesi, onde o islamismo se estendeu cada vez mais.

Em 1651, os holandeses conquistaram Kupang, no extremo oeste da ilha de Timor, e começam a penetrar até a metade de seu território. 

Em 1859, um tratado firmado entre Portugal e Holanda fixa a fronteira entre o Timor Português (atual Timor-Leste) e o Timor Holandês (Timor Ocidental). Em 1945 a Indonésia obteve sua independência, passando o Timor Ocidental a fazer parte de seu território.

Timor na Segunda Guerra Mundial

Durante a Segunda Guerra Mundial, as forças Aliadas (australianos e holandeses), reconhecendo a posição estratégica de Timor, estabeleceram posições no território tendo-se envolvido em duros confrontos com as forças japonesas. Algumas dezenas de milhar de timorenses deram a vida lutando ao lado dos Aliados. 

Em 1945, a Administração Portuguesa foi restaurada em Timor-Leste.

Direito à Autodeterminação

Entre 1945 e junho de 1974, o governo indonésio, em obediência ao Direito Internacional, afirma na ONU e fora dela que não tinha quaisquer reivindicações territoriais sobre Timor Oriental (Leste). 

Ao abrigo da resolução 1514 (XV) de 14 de Dezembro de 1960, Timor-Leste foi considerado pelas Nações Unidas como um Território Não-Autónomo, sob administração portuguesa. 

Desde 1962 até 1973, a Assembleia Geral da ONU aprovou sucessivas resoluções, afirmando o direito à autodeterminação do Timor-Leste, tal como das restantes colónias portuguesas de então. Em Portugal o regime de Salazar (e, depois, de Marcelo Caetano), recusou-se a reconhecer esse direito, afirmando que Timor Oriental era uma província tão portuguesa como qualquer outra de Portugal Continental.

Revolução em Portugal

A Revolução de 25 de Abril de 1974, que restaurou a democracia em Portugal, consagrou o respeito pelo direito à autodeterminação das colónias portuguesas. Visando promover o exercício desse direito, foi criada em Díli a 13 de maio daquele ano a Comissão para a Autodeterminação de Timor. 

O Governo Português autorizou, então, a criação de partidos políticos, surgindo assim três organizações partidárias em Timor Leste: 

  • a UDT (União Democrática Timorense), que preconizava "a integração de Timor numa comunidade de língua portuguesa"; 
  • a ASDT (Associação Social-Democrata Timorense) depois transformada em FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente) , defendia o direito à independência; 
  • e a APODETI (Associação Popular Democrática Timorense), propunha a "integração com autonomia na comunidade Indonésia".

Descolonização de Timor

Em 1975, com a dissolução do império colonial português, aumentaram os movimentos de libertação locais. Em maio de 1975, um projecto das autoridades de Lisboa foi apresentado aos principais partidos Timorenses e, depois de ouvi-los, publicou-se em 11 de julho a lei que previa a nomeação de um Alto Comissário português, e, em outubro do mesmo ano, a eleição de uma Assembleia Popular para definir o seu estatuto político. O diploma previa um período de transição de cerca de três anos.

Desde janeiro de 1975, já estava em marcha um programa local de progressiva descolonização, através de uma Reforma Administrativa, a qual levou à realização de eleições para a administração regional do Conselho de Lautém. 

Os resultados da primeira consulta popular puseram em evidência o reduzido apoio da APODETI, tornando-se óbvio que, por processos democráticos, os Timorenses nunca aceitariam a integração no país vizinho. Muito antes dessas eleições regionais era claro, para qualquer observador independente que visitasse o território, que a esmagadora maioria dos Timorenses recusava totalmente a integração na Indonésia. As diferenças culturais eram uma das principais razões de fundo desta recusa.

Proclamação da Independência

Em 28 de Novembro de 1975 dá-se a Proclamação unilateral da Independência de Timor-Leste pela FRETILIN e pelo primeiro Presidente da República, Xavier do Amaral, assumindo o cargo de Primeiro-Ministro Nicolau Lobato, que viria a ser o primeiro líder da Resistência Armada. Com a proclamação da Independência tem também início a guerra civil.

A Indonésia, a pretexto de proteger os seus cidadãos em território Timorense, invade a parte Leste da ilha e rebaptiza o território de Timor Timur, tornando-a sua 27ª província. Recebeu o apoio tácito do governo norte-americano que via a Fretilin como uma organização de orientação marxista.

Resistência Timorense

Após a ocupação do território pela Indonésia a Resistência Timorense consolida-se progressivamente, inicialmente sob a liderança da FRETILIN. 

Para apoiar as FALINTIL (Forças Armadas de Libertação de Timor-Leste), criadas em 20 de Agosto de 1975, organiza-se a Frente Clandestina ao nível interno, e a Frente Diplomática, ao nível externo. 

Posteriormente, sob a liderança de Xanana Gusmão é implementada a política de Unidade Nacional, unificando os esforços de todos os sectores políticos Timorenses e avançando com a despartidarização das estruturas da Resistência, transformando o CRRN (Conselho Revolucionário de Resistência Nacional) em CNRM (Conselho Nacional de Resistência Maubere), mais tarde transformado em CNRT (Conselho Nacional de Resistência Timorense), que viria a liderar o processo até à independência de Timor-Leste, já sob os auspícios das Nações Unidas. (Para mais informações sobre a Resistência Timorense, consultar o Website do AMRT – Arquivo & Museu da Resistência Timorense.

Aproximadamente 1/3 da população do país, mais de 250 mil pessoas, morreram na guerra

O uso do português foi proibido, e do tétum foi desencorajado pelo Governo pró-indonésio, que realizou violenta censura à imprensa e restringiu o acesso de observadores internacionais ao território até a queda de Suharto em 1998.

Consulta Popular – Sim à Independência

Em 1996 José Ramos-Horta e o bispo de Díli, D. Ximenes Belo receberam o Nobel da Paz pela defesa dos direitos humanos e da independência de Timor-Leste. 

Em 1998, com a queda de Suharto, após o fim do "milagre económico indonésio", B.J.Habibie assumiu a presidência desse país, tendo acabado por concordar com a realização de um referendo onde a população votaria "sim" se quisesse a integração na Indonésia com autonomia, e "não" se preferisse a independência. 

O referendo foi realizado em 30/08/1999 e, com mais de 90% de participação no referendo e 78,5% de votos, o Povo Timorense rejeitou a autonomia proposta pela Indonésia, escolhendo, assim, a independência formal.

Apesar disso, milícias pró-Indonésia continuaram a actuar no território, atacando inclusive a sede da UNAMET (os observadores das Nações Unidas) e provocando a saída do Bispo D. Ximenes Belo para a Austrália, e o asilo de Kay Rala Xanana Gusmão na embaixada inglesa em Jacarta. Os assassinatos, promovidos por milícias anti-independência, armadas por membros do exército indonésio descontentes com o resultado do referendo, continuaram.

Solidariedade Internacional

As imagens despertaram protestos em vários países do mundo junto às embaixadas da Indonésia, norte-americanas e britânicas, e também junto às Nações Unidas, exigindo a rápida intervenção para cessar os assassinatos. 

Em Portugal nunca se viram tantas manifestações populares de norte a sul do país desde o 25 de Abril de 1974. 

Pela primeira vez também a Internet foi utilizada em massa na divulgação de campanhas pró Timor e a favor da rápida intervenção da ONU.

Intervenção das Nações Unidas

Finalmente a 18 de Setembro de 1999 partiu um contingente de "capacetes azuis" das Nações Unidas, uma força militar internacional composta inicialmente de 2500 homens, depois aumentados para 8 mil, incluindo australianos, britânicos, franceses, italianos, malaios, norte-americanos, canadianos e outros, além de brasileiros e argentinos. 

A missão da força de paz, chefiada pelo brasileiro Sérgio Vieira de Mello, era a de desarmar os milicianos e auxiliar no processo de transição e na reconstrução do país.
Restauração da Independência

Em Portugal e em vários outros países organizaram-se campanhas para arrecadar donativos, víveres e livros. Aos poucos a situação foi sendo controlada, com o progressivo desarmamento das milícias e o início da reconstrução de moradias, escolas e do resto da infra-estrutura. 

Xanana Gusmão retornou ao país, assim como outros Timorenses no exílio, inclusive muitos com formação universitária. Foram realizadas eleições para a Assembleia Constituinte que elaborou a actual Constituição de Timor-Leste, que passou a vigorar no dia 20 de maio de 2002, quando foi devolvida a soberania ao país passando este dia a ser assinalado como Dia da Restauração da Independência.

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)