quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24925: Notas de leitura (1645): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte V: O colonialismo republicano, em oposição ao salazarismo, que se assumia sem complexos, e que de certo modo antecipava as tendências reformistas que levaram, em 1951, à revogação do Acto Colonial de 1930

Angola > "A Exma. Esposa  do Coronel Félix montada num búfalo-pacaça, que, minutos antes, ela própria abatera a tiro de rifle"  (Joaquim António da Silva Félix era ofcial do exército, coronel, industrial, agricuktir e publicista, dono da fazenda Glória.)

Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 8, janeiro e março de 1934, pág. 35.

Ilha da Madeira, vista geral do Funchal e da sua baía... "Fotografia  gentilmente cedida pela Casa da Madeira, Lisboa" (A Madeira também foi lugar de desterro... até aos anos 30.)

Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 8, janeiro e março de 1934, pág. 46.



Fonte: Boletim da SociedadeLuso-Africana do Rio de Janeiro, nº 10-11, agosto - dezembro de 1934, pág- 1984


1. O investigador brasileiro Marcelo, F. M. Assunção que fez uma tese de doutoramento sobre os 20 boletins da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, publicados ao longo década de 1930 (1931-1939), coincidindo com o triunfo da Ditadura Militar e do Estado Novo em Portugal, faz questão de sublinhar que, apesar do  seu "racismo culturalista", (...) "os republicanos na oposição ao salazarismo detinham uma visão mais progressista das relações entre metrópole e colônias do que a que existia na institucionalidade dos anos 30",  e anteciparam de algum modo  o "reformismo que ganhou força nos 50, com a revogação do Ato Colonial e as reformas estatuarias (mais vocabulares do que práticas) no contexto do pós-guerra e das guerras coloniais".  Recorde-se que com  a revisão constitucional de 1951 as colónias passaram a chamar-ser "províncias ultramarinas"... Mas o trabalho forçado só foi abolido por Adriano Moreira em 1961...

Enfim, um trabalho académico que merece uma leitura mais atenta e demorada, e não apenas a correr e em diagonal:


"(...) CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma tese não pode ser considerada o esgotamento do objeto e de suas múltiplas determinações, pois os problemas e respostas que levantamos são limitados por nossos recortes temporais e teórico-metodológicos. 

Como afirmamos em nossa introdução, o estudo do Boletim constitui apenas uma parte de um projeto maior de análise do colonialismo no seio das relações culturais luso-afro-brasileiras por meio de periódicos. A despeito dos limites dessa pesquisa, que serão adereçados posteriormente em uma pesquisa mais global, podemos destacar algumas especificidades sobre a relação entre o colonialismo e a produção de periódicos. 

O projeto colonial da Sociedade Luso Africana do Rio de Janeiro e de seus sócio correspondentes representa, apesar de suas diversas particularidades, um projeto mais amplo de dominação simbólica e material das colônias que na prática não se distancia tanto do projeto colonial salazarista.

As vertentes mais “humanistas” do colonialismo na prática não abdicavam da coerção e da integração forçada das populações nativas ao sistema colonial. As diferenças, como já reiteramos diversas vezes, não apagaram o projeto global de dominação e expropriação/coerção das diversas etnias. 

Entretanto, a modernização capitalista tão almejada pela intelligentsia republicana da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, em oposição ao modelo de austeridade e centralismo salazarista, diferenciavam-se em alguns termos, inclusive em seus instrumentos de análise do “outro” colonizado.  

A antropologia de viés cultural era muito mais dominante nessa intelligentsia do que uma antropologia mainstream de cunho biológico (a Escola do Porto). Por isso, não era arbitrária a presença de antropólogos e etnólogos brasileiros já críticos aos modelos racialistas de cunho biológico nas publicações do Boletim, invertendo o sinal negativo da presença do negro na cultura brasileira, e afirmando também a importância lusitana para o processo de “democratização racial” no Brasil.

A cultura imperial republicana, salazarista ou monárquica, era unânime na defesa da manutenção da presença do Império no ultramar. Colonizar e civilizar faziam parte de uma suposta essência portuguesa. Portugal, para esses intelectuais, precisava se “alimentar” continuadamente de “gentes exóticas” para realizar a sua essência, a “antropofagia lusitana”, como já disse um arguto antropólogo (THOMAZ, 2002: 144) (...)

Todavia, a suposta assimilação do exótico, tão explícita no ideário panlusitano, dava-se em um sentido “hierárquico” entre um “nós” lusitano da metrópole culturalmente superior e um “outro” que deveria chegar ou foi levado à “civilização”. A valorização do “mestiço”, cabo-verdiano ou brasileiro, no Boletim, não se dava exclusivamente porque a cultura negra começava a ser vista como um contributo para a sociedade lusitana, mas porque, na percepção destes intelectuais, os nativos foram culturalmente “civilizados” segundo os parâmetros europeus.

O racismo culturalista desta intelligentsia era, portanto, hierárquico, e o lusitano, uma espécie de “ser vocacionado” para o “sacrifício” da colonização.

A despeito disso, os republicanos na oposição ao salazarismo detinham uma visão mais progressista das relações entre metrópole e colônias do que a que existia na institucionalidade dos anos 30. Foram de certa forma uma vanguarda 'avant la lettre' do reformismo que ganhou força nos 50, com a revogação do Ato Colonial e as reformas estatuarias (mais vocabulares do que práticas) no contexto do pós-guerra e das guerras coloniais. 

Apesar de toda a sua retórica republicana ser de fato “paradoxal”, foi em decorrência desta onda conservadora que a Sociedade e sua intelligentsia foram perseguidos até a sua completa extinção em 1939, com o último número do Boletim." (#)

(#) Fonte: Considerações finais. In: ASSUNÇÃO, Marcelo, F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017, pp. 276/277.


(Seleção, revisão e fixação de texo, negritos: LG) (com a devidfa vénia...)
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Nota do editor:

Postes anteriores da série: 



4 comentários:

Antº Rosinha disse...

Luís Graça, mas que mina descobriste.

Mas olha que:

O Ato colonial não passou de pôr um freio a essa gente que sonhava com uma Àfrica do Sul, com mineiros e grandes industriais a explorar a exemplo de Cecil Rodes e os boeres "muito ouuuuro"" de uma maneira oposta ao modesto Salazar.

Aí sou salazarista, à Norton de Matos ia ser a maior desgraça, havia muitos velhos colonialistas em Angola que antes de 1961, todos do Norton de Matos, mas depois com a upa viraram o bico ao prego.

Queriam explorar aquelas grandes riquezas livremente, como os sulafricanos faziam.

Na grande lista de colaboradores que mostras, há um nome de um grande amigo de Salazar durante a guerra colonial que era embaixador em Paris, que foi Marcelo Matias

Luis penso que saltaste alguma parte, já vais na V.

Ler tudo é complicado.

Vá la que já há brasileiros, como esse investigador, que não sei é branco, preto ou pardo, como eles se classificavam há 50 anos, que sabem que Portugal tinha mais colónias, porque há 50 anos não sabiam disso.

E dos brancos ainda há uma diversidade enorme que não se comparam com os portugueses, que não somos bem brancos como eles, e que só encontraram o Brasil, porque se perderam no caminho.

E até duvidavam de Cabral, o Pedro, porque do Amílcar nem nunca tinham ouvido falar.

Luis Graça, Vem aí uma, que depois de Adriano Moreira acabou o trabalho forçado.

Na prática, foi sempre a mesma coisa. Por mim falo, que sempre vi em Angola, trabalhadores, chamados os "contratados" o processo era o mesmo, antes e depois de A. Moreira.

Serem forçados ou voluntários, o mais complicado eram os velhos e velhas verem os filhos irem para fora da família.

Olha aquela dos antropófagos lusitanos, porreira:
"Portugal, para esses intelectuais, precisava se “alimentar” continuadamente de “gentes exóticas” para realizar a sua essência, a “antropofagia lusitana”, como já disse um arguto antropólogo (THOMAZ, 2002: 144) (THOMAZ, 2002).

Segundo esse Tomaz, nada enchia a barriga a esses intelectuais.

Salazar concordaria com este antropólogo, que não sei quem seja.

Por agora chega, aproveito para lembrar gente exótica que foi para o Brasil, hoje,daqui onde a bola era quadrada e eramos todos joaquins e manueis:

Abel Ferreira – Palmeiras;
Luís Castro – Botafogo;
Pepa – Cruzeiro;
Renato Paiva — Bahia;
Pedro Caixinha – RB Bragantino;
António Oliveira – Cuiabá;
Armando Evangelista – Goiás,

Seguidores de J. Jesus.

Cumprimentos




Tabanca Grande Luís Graça disse...

Rosinha, não conheço este autor, mas tem 3 referências bibliográficas na tese de doutoramento do nosso Marcelo Assunção:

THOMAZ, Omar Ribeiro. Do saber colonial ao luso-tropicalismo: “Raça” e “Nação” nas primeiras décadas do salazarismo. In: Maio, Marco Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (orgs.). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1996.

_____________________. “O bom povo português”: usos e costumes D’Aquém e D’além Mar. Mana 7 (1): 55-87, 2001.
_____________________. Ecos do Atlântico Sul: Representações sobre o terceiro império. Rio de Janeiro. Editora UFRJ/FAPESP, 2002.

Valdemar Silva disse...

Antº. Rosinha
Realmente é de rir, o Brasil terra de jogadores de futebol que os exporta para todos os cantos do mundo, importa treinadores portugueses que vencem campeonatos nacionais e troféus estrangeiros.

Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Valdemar, como acompanho bastante o Brasil, e ver Jesus a dirigir o Flamengo no Rio e Vitor Pereira o Corinthians em São Paulo, isto é, cada um destes "portugas" suportar fanáticos de vários benficas cada um, seria coisa inconcebível há uns 40 anos atras.

Mas o actual campeão do brasileirão, o Abel Ferreira, o que aguentou mais tempo aquele inferno, os jornalistas já lhe chamaram de tudo, até de "colonizador".

O clube dele é menor que os outros, Palmeiras de adeptos italianos,é um pouco menor que os outros dois, mas complicado na mesma.

Mas este Abel Ferreira vi-o um dia na televisão, revoltado chamar ao vivo cavalgaduras aos jornalistas que o estavam a atacar.

"Vocês têm PALAS nos olhos".

E fez o gesto com as mãos a fazer palas, antolhos, na cara, e como perguntaram o que era palas, explicou que na minha terra, e pareceu-me que falou em Penafiel, usam-se palas nos olhos dos animais para olharem só em frente, vocês também só olham em frente

Pode haver uma explicação muito particular para este inusitado e quase colectivo sucesso destes treinadores lusos, neste país de afrodescendentes.

Mas isso são outros quinhentos, como eles dizem.

Cumprimentos