1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Camaradas,
O texto vidas reflete o que é, quase na sua essência, a nossa existência ao cimo deste globo terrestre como antigos combatentes, como é este o caso, de uma guerra na Guiné que deixou marcas em cada um de nós, sendo o futuro uma eventual incógnita.
Eu, 72 anos na altura, cai ao sair do meu carro desamparado de que resultou uma outra malazenga, para além de um AVC que muito me apoquentou, dado que tive de ser hospitalizado, sucedendo que neste momento encontro-me numa fase de recuperação.
Esta é uma passagem pelo meu livro “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ BISSAU 1973/1974”, Edições Colibri, Lisboa, que incide afinal o que é na presença no planeta Terra.
O mundo é pequeno e as nossas recordações gigantescas
Vidas
Assumindo a minha condição de exímio septuagenário, sou, de quando em vez, embalado imaginariamente ao colo da minha saudosa mãe por um sentimento nostálgico onde as luzes da ribalta transcende o hino das emoções e nos conduzem, quiçá inadvertidamente, a vidas sentidas dos tempos de tropa e da guerra.
Tempos em que nós, miúdos e de caras joviais, dávamos um pontapé nas estrelas, sendo que nesse exorcismo irreal deixávamos um sinal claro que o nosso futuro passava irremediavelmente pelo dia da chamada do futuro mancebo para engrossar as fileiras do exército português.
Porém, uma certeza não invadia as nossas almas: a guerra no Ultramar. Ou seja, um cenário gigantesco que ditava como encenação provável uma comissão militar em território de além-mar. Mas, existiam também nuances que acarretavam preocupações acrescidas a rapazes que viviam anos de uma efervescente juvenilidade. O futuro, sempre imensurável, sugeria um sonho que nos fazia sorrir. A guerra era coisa distante. Parecia.
Todavia, escondido no nosso ego lá permanecia uma faixa negra onde se lia: segue em via rápida uma encomenda que transporta a tão conhecida frase “carne para canhão”!... Ainda assim, a utopia transmitia um similar de odores onde esperança falava mais alto. “Vou à guerra, mas regressarei um dia são e salvo ao meu rincão sagrado. Não quero medalhas, mas exijo apenas um simples reconhecimento pelos momentos de padecimento sofrido. Ponto final”.
E muitos regressaram isentos de malazengas contraídas nos campos de batalha. Outros, infelizmente, chegaram tendo à sua espera uma secção de militares do quartel mais próximo da sua residência que honrava o defunto com uma rajada de G3. Depois seguia-se o discurso que ornamentava o fúnebre momento, frisando o oficial de serviço o heroísmo do camarada agora já cadáver. Bolas, que pudica mensagem de voz!
A tropa apresentou-se, creio certamente, para todos nós como uma universidade da vida na qual recolhemos informações que nos levaria a efetivos doutores de uma licenciatura concluída num mar de aventuras e que coabitava com o desenrolar das nossas vidas. A tropa foi, e afirmo obstinadamente, uma inquestionável experiência que muito nos ensinou.
Lembro o dia 10 de outubro de 1972 quando dei entrada como mancebo no CISME, em Tavira. Depois veio Lamego, Operações Especiais/Ranger. O dia 4 de janeiro de 1973 traçou-me um novo destino. Abençoado pela Serra das Meadas, a bíblia dos futuros rangers, tornei-me um exemplar militar e adquiri louros para uma especialidade que me fez crescer na sua plenitude. Seguiu-se a Guiné e Gabu recebeu-me com “pompa e circunstância”.
Recordo o dia que ousei desafiar calendas escondidas e obrigatoriamente parti para uma comissão militar na Guiné. Num outro lado, África esperava-me e o solo guineense “abençoou” a minha chegada. Constatei de imediato que o bafo causado pela aquela terra vermelha me aconselhava cuidados atempados.
Cuidados que, posteriormente, disparariam em todas as direções. O dia-a-dia em Gabu evidenciava novas aventuras. Aventuras que coincidiam com patrulhamentos, proteções às colunas, quartel e pista de aviação, com visitas permanentes a tabancas, operações, saídas constantes para o adensado mato, enfim, um rol de procedimentos comuns imputados a um operacional em tempo de guerra.
Evoco outros momentos em que o clima de África contemplava as nossas vidas. O paludismo, que me visitou por três vezes, derrubou-me, mas levantou-me. Foi uma espécie de ataque de morteiro sem recuo onde a versão primária levou o debilitado combatente a exercitar a sua já usada condição de ranger.
E é neste permanente propagandear de vidas preenchidas em território guineense, que me ocorrem situações em que o facilitar permitia o desenvolvimento de momentos caóticos. Alguns fatídicos.
Jovens militares que acreditaram na sorte. Vidas que, inconscientemente, se perderam, tão-só pelo simples facto de não premeditavam o futuro imediato. Facilitavam. Depois vinha a desgraça.
50 anos depois…
Um infortúnio que 50 anos depois eis que o “rebentamento de uma mina antipessoal” me atirou para o leite do hospital de Beja. Fémur fraturado e que originou uma intervenção cirúrgica urgente, tendo sido necessário levar “material suplementar”, ou seja, um “espigão” que vai do colo do fémur ao joelho pelo interior do referido osso, bem com parafusos para suportar o equilíbrio do membro inferior direito, aquele que ficou meio funcional após o meu AVC, um mal que já leva 17 anos de existência. Abraço camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
4 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24723: (Ex)citações (425): Ainda a propósito do Jornal Voz de Bissau, a atividade Política em Bissau no pós 25 de Abril (Victor Costa, ex-Fur Mil)
1 comentário:
Caro José Saúde, julgo que a foto é já depois de seres operado, e irás a caminho de casa. Ainda bem que já estás "de pé".
Espero que brevemente recuperes a tua antiga autonomia e possa voltar à condução do teu carro que muita falta te fará. Cuidao ao sair dele para não voltares a cair no "precipício".
Para ti o meu abraço.
Carlos Vinhal
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