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domingo, 4 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23587: (Ex)citações (414): Um "presente envenenado": a minha transferência da CCAÇ 1621 para a CCAÇ 6, em 1/7/1967, em substituição do alferes miliciano acusado de roubar o arroz às "mulheres do mato" (Hugo Moura Ferreira)



Nota de 11 de julho de 1967, da 1ª Rep/QG/CTIG, com a ordem de transferência do alf mil Hugo Fernando Moura Ferreira, da CCAÇ 1621 para a CCAÇ 6.

Foto ( e legenda): © Hugo Moura Ferreira (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de hoje, às 9h36,  do nosso amigo e camarada, um histórico da Tabanca Grande (de que é membro desde 22/12/2005), Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil CCAÇ 1621, Cufar, CCAÇ 6, Bedanda, e 1º Rep/QG/CTIG, Bissau, 1966/68:

Assunto  - "Panteras à Solta" e outras coisas

Olá, Luís Graça.

Desejo que as melhoras estejam a ser constantes e sentidas!

Já comecei a ler o livro "Panteras à Solta", de Manuel nrdezo, pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel TRindade, ed. autor, 201o, 399 pp.) que me está a entusiasmar. 

Há coisas que desconhecia e outras de que apenas ouvi falar nelas de forma superficial, mas algumas conheço-as bem. Nomeadamente aquela em que tu mencionas no P23565 (*):

"... quando um dos seus alferes milicianos, feito com um comerciante local, roubou arroz às mulheres do mato. Foi exemplarmente punido com 3 dias de prisão simples, expulso da companhia e transferido para Catió" (...).

Ora, eu acabei pro ser um interveniente directo, nessa hist´roia, como te comprovo com o documento anexo. O facto é que,  devido à ocorrência, fui eu que acabei por ser colocado na CCaç 6, quando a minha CCaç 1621 foi transferida de Cufar para o Cachil.

No fundo, analizando bem a situação, o prevaricador que era o Alf  Mil______________ [omite-se o nome, por razões óbvias, LG] acabou por sair beneficiado, pois deixou de integrar uma unidade altamente operacional, para integrar uma de quadrícula "vulgar de Lineu" que por essa razão viu a sua comissão reduzida em 4 meses. 

Como deves saber, as Companhias formadas na Metrópole tinham uma comissão de 18 a 20 meses e os militares das Companhias da Guarnição Territorial, que ali eram colocados em rendição individual, "abichavam" 24 meses.

Foi isso que me aconteceu a mim, que não tinha sido castigado e acabei por sê-lo. porque a minha CCaç 1621, regressou em Agosto/1968 e eu acabei por embarcar em Novembro.

E a recordação leva-me à altura em que recebi a carta que te envio em anexo. Toda a malta, me veio dar os parabéns, por ter sido escolhido entre tantos alferes pertencentes ao Batalhão de Catió, que eu, sabendo a fama operacional que a CCaç 6 tinha, sempre fui respondendo com um "Xiça".

E lá fui... E não me arrependo, pois fiquei "agarrado" àquela terra e àquela gente precisamente por esse facto. Tal nunca teria sucedido se eu me tivesse mantido na minha Companhia de origem.

Mas quando fui, tomei uma posição que me levou a apresentar-me ao Major Monteny, Chefe da Rep. do Pessoal, do QG, colocando-lhe a questão da injustiça da situação. Felizmente ele compreendeu e aceitou o meu pedido(!) de que, quando a CCaç 1621 fosse para Bissau a aguardar embarque, eu também seria transferido para a capital, deixando Bedanda.

Isso veio a verificar-se. Eles no QG cumpriram o prometido.

Mas (há sempre um mas!) quando me apresentei no Quartel General, foi em má altura. Como o AlferesTesoureiro, da Chefia da Contabilidade, tinha ficado "cacimbado" e evacuado para Lisboa, a vaga estava ali mesmo à minha espera. Agora, imagina um atirador, sem formação contabilística, económica ou financeira, a ocupar o lugar do Tesoureiro do QG, para toda a Guiné.

Aqui tenho que fazer justiça a dois camaradas que muito me apoiaram. Foram o Alf Verde e o Alf Oliveira (filho dos donos das máquinas de costura Oliva, de São João da Madeira). Ao ponto de passarem a última noite, antes do meu embarque, na pesquisa de um erro de contas de 20 centavos, para eu poder passar o serviço e as contas em condições e ser autorizado a regressar. Não os esquecerei!

Mas foram 4 meses interessantes. A minha Mulher, com quem tinha casado 2 meses antes de embarcar para a Guiné, depois de 8 anos de namoro, com quem não tinha podido gozar a Lua de Mel, dado que estava no IAO, quando formei companhia, em Abrantes, no RI2, acabou por ir viver comigo esses 4 meses. E acompanhou-a o meu filho mais velho, que nasceu precisamente em Julho/67, coincidindo com a minha mudança da CCaç 1621, para a CCaç 6. 


Guiné > Região de > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68) > s/d > Coluna de Sangonhá para Cacine> Foto disponibilizada por pessoal da CCAÇ 1621, por ocasião do  convívio de Junho de 2006).

Foto  (e legenda): © Hugo Moura Ferreira (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(...) Tenho outras questões que aqui vou focar, embora de forma sucinta.

1ª - Curiosidade;

Quando os alunos da Academia Militar terminavam os cursos, vulgarmente eram destacados, por 1 ano, para as Companhias, a fim de fazerem o Tirocínio. Foi o que aconteceu ao Cap Gastão Silva, que criou o "Sete do Cantanhez". Esteve comigo, uns anos antes, como Alf do quadro, na Ccaç 6. Tal como ele passou um outro Alf que já está na reserva como Cor., era o Alf Paninho Souto.

2ª - Curiosidade;

No meu tempo, apenas um ou dois meses, após a saída do Cap Aurélio Trindade, que eu não conheci, já não havia destacamento na povoação comercial.

À entrada da povoação existia, sim,  uma casa junto à Ultramarina, do Saldanha, onde dormiam 2 ou 3 Alferes. Já não me lembro. Eu sei que dormia ali!

3ª - Curiosidade:

Quanto à questão das Panteras 'versus' Onças, não sei exatamente o que se passou e levou o Cap Renato Vieira de Sousa (que sucedeu ao Aurélio Manuel Trindade) a proceder a essa alteração, mas irei tentar saber junto dele e depois informarei.

Por hoje aqui me fico, enviando um Abraço amigo! (**)

Hugo Moura Ferreira.
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23565: Notas de leitura (1481): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte III: O Tala Djaló, cmdt do Pel Mil 143 e depois fur grad 'comando' da 1ª CCmds Africana, que virá a ser fuziladdo em Conacri, na sequência da Op Mar Verde

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P376: Tabanca Grande: Hugo Moura Ferreira, ex-Alf Mil da CCAÇ 1621 (Cufar); CCAÇ 6 (Bedanda) (1966/68)

1. Começo por me apresentar informando-o que também estive na Guiné (Cufar - CCAÇ 1621 e Bedanda - CCAÇ 6) como Alf Mil de Infantaria, entre Novembro de 1966 e Novembro de 1968.

Naturalmente que, como todos aqueles que por ali passaram (pelo menos grande parte deles), fiquei "apanhado" e tenho uma certa "paranóia" por aquelas terras e aquelas gentes. Digo mesmo que, se é que existe vida para além da morte, certamente em outra encarnação terei sido africano e guineense, pois que, tendo vivido também alguns anos em Angola, as saudades daquele pequeno país são muito maiores.

Ainda não tive a oportunidade de voltar lá, mas acalento a esperança de nos anos mais próximos vir a concretizar essa ambição. Até porque alguns antigos soldados africanos do meu Grupo, em Bedanda, têm insistido para que os visite.

Depois desta pequena apresentação, passo então aos pontos que lhe queria transmitir.

Como estou aposentado do MNE [Ministério dos Negócios Estrangeiros], tenho agora mais algum tempo para me dedicar ao que gosto.

Assim, como "navego" muito na Net, procurando também assuntos relacionados com a Guiné, descobri o seu Blog, que está fenomenal e pelo qual gostaria de o felicitar, de que é pena esteja muito dirigido a zonas em que eu não estive e datas diferentes das minhas. Mas, à parte tudo isso, o que ali encontro, incluindo os links, me dá uma satisfação indescritível e me provoca uma tal nostalgia que se transforma em prazer masoquista.

Como verifiquei que apresenta algumas cartas topográficas da Guiné de uma colecção, de que o Engº Humberto Reis que verifiquei ter completa, de que eu apenas tenho 67 cartas, e que me acompanharam sempre, desde que embarquei para a Guiné, em 1966, pensei que talvez fosse interessante entre todos conseguirmos digitalizá-las e introduzir a totalidade da colecção no site. Não me importarei de despender o tempo necessário para tal, visto que, como disse atrás, estou aposentado.

Quanto a fotos, lamento desiludir, se por acaso pensou que eu poderia contribuir, mas nesta fase é-me de todo impossível, visto que as muitas que eu tirei quando por lá andei, acabaram por ficar em Angola, Henrique de Carvalho (hoje Saurimo), destruídas por terem sido apanhadas em fogo cruzado entre os militares da FNLA e do MPLA quando ambos os movimentos, em Setembro de 1974, procuravam ao controle de toda a área da Diamang, na Lunda. Foi um grande erro, de que procuro não me culpar, tê-las levado comigo, mas... "como o que não tem remédio..."

Tenho esperança de que durante o próximo ano de 2006 possa vir a conseguir algumas dos meus camaradas da CCAÇ 1621 que, ao fim de todos estes anos consegui, depois de muitas tentativas, vir a saber que sistematicamente se encontram em almoços de confraternização, que eu desconhecia (98% do pessoal era do Minho e Trás-os-Montes), e também durante o 10 de Junho, durante as cerimónias junto ao Monumento aos nossos mortos, em Pedrouços. Eu mesmo vou lá todos os anos, mas até hoje ainda não tinha encontrado nenhum dos estiveram comigo. Claro... mudam as feições... e os cabelos de cor.

Mas como estou a tentar contactar todos o que me seja possível, mesmo os da CCAÇ 6 que, sendo uma companhia de africanos (guarnição normal), apenas tinha alguns naturais da Metrópole, andando a fazer pesquisas, tanto no Arquivo Histórico Militar, como nas Unidades, pode ser que venha a conseguir algo que possa servir como achega para o Blogue-Fora-Nada ou para algum dos "sites" relacionados. Você decidirá.

Bem e para terminar esta já longa mensagem, vou apenas juntar duas fotos minhas, uma de 1968, tirada em Bissau, e outra mais recente como complemento à minha introdução/apresentação, inicial visto que também tive o prazer de o conhecer, através do seu site pessoal.

Com os melhores cumprimentos, ficarei a aguardar qualquer resposta que entenda, no seguimento do que acima lhe expus.

2. Caro (se me permite?!) Dr. Luis Graça.

Afinal, contrariando o que na mensagem anterior disse, parece que não tinha razão quanto a não haver nada acerca dos locais por onde passei. E tenho que dar a mão à palmatória.

São 2h30 [do dia 21 de Dezembro] e, como sempre, no silêncio da noite, por vezes acendem-se as luzinhas... metaforicamente falando. E não é que fui encontrar, através do Google, uma referência que me levou ao seu blogue com o endereço do Gabu onde vim a encontrar o meu amigo, que não vejo há muito tempo, mas que sei ter deixado a vida militar, por ter sido atingido pela deflagração de uma mina e ter ficado com deficiência auditiva, já como Capitão e a comandar a CCAÇ 6, em Bedanda, por alturas de 1973?

Pois mas a "graça" disto está no facto de em 1968 (talvez fins de 1967) quando eu estava em Bedanda, nos apareceu por lá, a fim de receber treino operacional e fazer o tirocínio da Academia Militar, o Gastão Silva, ainda como Alferes. E, nós milicianos, a receber ordens dele... Já viram isto... Dum periquito... E esta, hem?!

A curiosidade é que ele depois de 5 anos vai "cair" na mesma companhia, de guarnição normal, a comandá-la como Capitão. Não posso afirmar, mas certamente foi lá encontrar alguns dos que fizeram a guerra com ele ainda como Alferes, porque eu, em 1968, fui encontrar alguns que ali se encontravam desde 1963, e com quem, reconheço aprendi muita coisa, embora tivesse sido lá colocado já com 8 meses de experiência de mato. Estou a lembrar-me do Elmano Francisco Sanó (Fodé), que depois de ter sido premiado com várias Cruzes de Guerra, Prémios Governador, e promoções por distinção a Cabo e a Furriel, entre outros, acabou por vir a falecer vitima de doença.

Bem, mas neste momento já me encontro a divagar. Talvez por ser tarde na noite. Disciplinando-me... Vou retirar-me!

Cumprimentos e até outra oportunidade.
Hugo Moura Ferreira