
31 - OS GRANDES AZARES
O primeiro foi no dia 11/07/69 que vitimou o capitão Bernardo, por ter pisado uma mina antipessoal, que lhe amputou uma perna e ferimentos graves na outra. De salientar o extraordinário trabalho feito pelo furriel enfermeiro António Bettencourt, que sem luz e precário material de socorro consegui evitar males maiores.
O segundo foi no dia 24/07/69, numa coluna de reabastecimento a S. João. Houve o rebentamento de uma mina anti pessoal reforçada com TNT, causando a morte dos soldados Adelino Santos e Pedroso de Almeida e ferimentos no furriel Oliveira Miranda. Os falecidos eram cunhados pois tinham casado com duas irmãs.
O terceiro foi no dia 04/08/69, no rebentamento de uma mina antipessoal reforçada com trotil, que provocou a morte ao soldado António Ventinhas e em que eu fiquei ferido, assunto a que faço referência mais adiante.
O quarto foi no dia 17/11/69. Numa coluna a S. João para ir buscar cimento para construir abrigos à superfície, a camioneta mercedes acionou uma mina anticarro, que a projetou para o lado esquerdo da picada, de encontro a uma árvore, a três metros de distância do rebentamento, tendo ficado parcialmente destruída. Muitos dos sacos rebentaram provocando uma enorme nuvem de pó, prejudicando o socorro aos feridos, por falta de visão. Morreu o 1.º Cabo José Lomba e o soldado António Couto e provocou ferimentos graves em seis, um dele o furriel Barriga Vieira que sofreu fratura de costelas e de duas vértebras. Lamentável e incrédula atitude, teve um major do Serviço de Material que de deslocou de Bissau, no dia seguinte ao rebebtamento, propositadamente para vistoriar e fotografar a viatura danificada. Como ela ainda estava coberta de pó de cimento, o major queria dar uma sanção disciplinar ao Furriel Valente, pelo facto da viatura não estar ainda “devidamente lavada”, sem se importar que a maioria da malta nem banho tinha tomado, ocupada na prestação de auxílio e evacuação dos mortos e feridos. Esta atitude confirmava a tese de que o governo preocupava-se mais com uma perda material do que com uma ou mais perdas humanas. Depois, durante as poucas horas de permanência no quartel foi tratado com total indeferência por parte de todos e creio que até foi sozinho e a pé para a pista de aviação.
Em toda a comissão tivemos cinco mortos e onze feridos, alguns com gravidade.
32 - INSENSATEZ
Foi o que aconteceu quando o Furriel Azevedo, tocando o seu acordeão foi com alguns soldados, até próximo do cruzamento de Nova Sintra, estrada que liga Nova Sintra, Tite, S. João e Jabadá, local muito perigoso dado ser propício a emboscadas. Felizmente nada de mau aconteceu
33 - O RONCO
Ronco é a palavra utilizada para designar um feito relevante.
O pessoal andava cansado e saturado de ir para Bissassema efetuar segurança à margem do rio Geba defronte a Bissau. O PAIGC já tinha o míssil terra- terra e havia a informação de que estaria previsto atacar Bissau do lado de Bissassema. O capitão Loureiro entendia que era preciso fazer algo mais e mais produtivo. Sabendo onde atuar resolveu efetuar uma operação para atacar e anular um posto avançado do IN.
Ao meio da tarde de determinado dia chamou os alferes e furriéis e disse que precisava de trinta voluntários, suficientemente armados para efetuar uma operação relâmpago e de surpresa. Não foi difícil constituir o grupo. Saíram de madrugada e chegaram ao destino ao nascer do dia. O objetivo foi totalmente alcançado, com a destruição do acampamento, provocando baixas ao IN e a captura de armamento e diverso equipamento. Sabem qual foi o prémio que o capitão teve por este ronco? Não vão adivinhar. Foi preso porque não pediu ao comando do Batalhão autorização para efetuar a ação. No dia seguinte, um helicóptero com a Polícia Militar foi prendê-lo e levá-lo para Bissau. Uma vez mais ficamos sem capitão
34 - CASO DO FURRIEL MOREIRA
O José Moreira era furriel do 4.º Pelotão e um bom operacional. Padecia de úlceras no estômago e comer ração de combate era certo e sabido que ficava incapacitado. O seu pelotão foi destacado para Fulacunda, a fim de participar numa operação a nível de batalhão, com a previsão de durar três dias. Sabendo ele que ao segundo dia teriam de o ir buscar, em virtude de ter de se alimentar com a ração de combate, foi à messe de oficiais falar com o capitão médico, pedindo para que fosse dispensado da operação e fundamentou o seu pedido. O médico praticamente não o ouviu e disse que ele o que tinha era medo de ir para o mato. O Moreira sem dizer nada virou costas e foi ao quarto buscar a G3, colocando-a sobre uns bidões cheios de terra que serviam de proteção. O médico estava à porta da messe, sentado numa cadeira de baloiço, feita das aduelas dos barris e a beber o seu wishy. O Moreira disparou três tiros. Um deles entrou numa cox,a fraturando o fémur e que ainda lhe esfacelou o pénis. Foram os dois para Bissau, o médico para o hospital e o Moreira para a prisão. Mais tarde veio para a prisão militar da Trafaria e o médico para o Hospital Militar Principal, na Estrela em Lisboa.
O capitão Bernardo, ferido em 11/07/69, também andava em tratamentos naquele hospital. Foi visitar os dois com a intenção de promover um encontro entre eles. Esse encontro foi realizado e ao que se sabe ter-se-ão perdoado um ao outro, mas continuou preso. Foi libertado após o 25 de abril sem ter sido julgado.
O rapaz resolveu casar e ao tratar da papelada foi verificado que o seu caso não estava encerrado. Foi novamente preso e a aguardar julgamento. Como era de Guimarães, foi transferido para o Porto, ficando na Casa de Reclusão, à rua de S. Brás no Porto. Na altura eu trabalhava no centro da cidade do Porto e tinha duas horas para almoçar, o que possibilitava lá ir visitá-lo uma vez por semana. Ajudei-o naquilo que era possível. O Luís Martinho ex-alferes da nossa companhia, trabalhava comigo na Tranquilidade na secção de contencioso. Conhecia vários advogados e conseguiu contratar um que o foi defender no julgamento, o que veio a acontecer. Realizado este, voltou a ser libertado e o rapaz provavelmente lá casou
35 - CHUVEIRO DO ABRIGO DE MORTEIROS
Habitualmente tomava banho neste chuveiro. Um dia após o duche, coloquei a toalha à cintura para ir para o meu abrigo vestir-me. Nesse momento começa uma flagelação. Só tive tempo de saltar para dentro do abrigo do morteiro, completamente nu, pois a toalha caíra ao chão. Era época das chuvas e como o abrigo estava enterrado no solo, talvez com um metro de profundidade, a água dava pelos joelhos. De imediato chegou o apontador e outro militar para ripostar ao fogo. A minha missão foi de municiador. Quando uma granada saía, o chamado prato onde assentava a base do tubo do morteiro, levantava e ao baixar salpicava água enlameada, até para fora do abrigo. Escusado será dizer que fiquei da cor do chocolate.
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Nota do editor
Último post da série de 29 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26743: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (9): Messe de sargentos; O Correio; A Enfermagem; As Transmissões e A Ferrugem