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terça-feira, 21 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20884: (De)Caras (155): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte IV: Versões contraditórias sobre o "resto da história" deste português, de quem o ex-alf mil médico José Pratas (, BCAV 3864, Pirada, 1971/73) disse que foi "porventura o branco mais africano que conheci"


Guiné > Região de Gabu > Pirada > c. 1973/74 > "Na casa do célebre senhor Mário Soares. Acompanhando-o quatro alferes milicianos e um capitão miliciano". Um dos alferes era Manuel Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323, Pirada, 1973/74, membro da nossa Tabanca Grande desde 17/10/2012. (,. o segundo, do aldo esquerdo).  Do anfitrião (o primeiro, a contar da direita) sabe-se que gostava de (e sabia)  bem receber, qualquer que fosse as suas motivações.

Foto (e legenda): © Manuel Valente Fernandes (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mário Soares, o comerciante de Pirada, de seu nome completo Mário Rodrigues Soares,  terá sido uma das personagens mais intrigantes (e poderosas) da pequena comunidade portugueses, civil, que  ficou na Guiné, no tempo da guerra  (1971/74)

Já aqui recolhemos o testemunho do ex-alf mil Carlos Geraldo, da CART 676 (Bissau, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66), a primeira companhia a ficar aquartelada em Pirada (, a partir de 15 de outubro de 1964), O nosso saudoso camarada Carlos Geraldo (Lisboa, 1941 - Viana do Castelo, 2012) foi visita da sua casa até ao fim da comissão (em abril de 1966) (*)

Mas há mais referências, no nosso blogue, a este homem de quem não sabemos exatamente o runo que seguiu a sua vida, depois da independência da Guiné.Bissau. Temos, pelo menos, duas versões contraditórias: a da historiadora Maria José Tistar, e a do ex.alf mil médico José Pratas. Vamos fazer referência a cada uma delas.


2. A historiadora Maria José Tíscar, no seu livro "A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Colibri, 2017, pp. 191/192), revela a identidade de dois comerciantes portugueses, que terão sido "informadores da PIDE", um deles o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro, que alguns de nós conhecemos em Bambadinca.

Já aqui publicamos a sua história, que não vamos repetir (**)

 Das conversas da autora com o antigo inspetor Fragoso Allas, vem à baila um outro nome , o do Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal. 

Contrariamente ao Rendeiro, que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS, o  Mário Soares ficou na Guiné independente mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975, segundo a investigadora Maria José Tíscar. 

Há também aqui uma divergência quanto ao nome: António Mário Soares ou Rodrigo Mário Soares (como o chamava o nosso Carlos Geraldes) ?


3. Outra versão é a  do José Manuel de Almeida Ferreira Pratas, que entre o final de 1971 e fins de 1973 prestou serviço militar no CTIG,  como alferes miliciano médico, tendo sido colocado inicialmente em Pirada,  sede do BCAV 3864 (**)

É autor do livro "Senhor médico, nosso alferes: Guiné, os anos de guerra" (Lisboa, By the Book, 2014), de que o Beja Santos fez uma recensão, e de cujo poste reproduzimos os seguintes excertos:

(...) "Vemo-lo em primeiro lugar em Pirada, o que dá motivo para exaltar os seus colaboradores que não tinham mãos a medir para atender aos doentes daquele ponto do Leste onde diariamente chegavam senegaleses. Discreteia sobre as doenças tropicais, fala da sua própria doença, das suas relações litigiosas com oficiais superiores, um capitão execrável e capelães que pairavam sobre a realidade.

"Em Pirada, tinha um agente da PIDE na vizinhança, bom para seviciar e intimidar, o Carvalho, substituído pelo senhor Pereira que tinha farroncas mas com as flagelações termia como varas verdes.

"Também em Pirada vivia Mário Soares, com quem Pratas conviveu, pode aperceber-se como o Soares intermediava entre o PAIGC e as autoridades portuguesas, houve encontros secretos à mesa da sua sala de jantar ou no respaldo das cadeiras de lona. Tinha acesso privilegiado às informações da PIDE, ascendente junto das redes de informadores locais, geria com astúcia o assédio e a adulação das autoridades locais. Reflete sobre o drama deste protagonista entre dois campos em confronto: 

“O tempo corria em seu desfavor, porque a guerra no terreno se perdia em cada dia que passava e era facilmente previsível a derrota da teimosia de Lisboa. No seu relacionamento com a tropa, este europeu, porventura o branco mais africano que conheci, só a muito custo conseguia refrear os impulsos beligerantes das chefias militares, sedentas de ação, indisponíveis, por dever de ofício, para tolerar diplomacias paralelas de que muitas vezes é feita uma guerra de guerrilha”.

"E veio a independência e mais problemas para Mário Rodrigues Soares: 

“Poucos dias depois seria preso e enviado para Bissau. Ter-lhe-á valido a intervenção de Alpoim Calvão, que intercedendo a tempo junto do novo dono do Palácio do Governo, o terá arredado da mira das armas de um pelotão de fuzilamento. Deportado, chegou a Lisboa com a roupa suja que ainda trazia vestida, para ser detido de imediato no aeroporto da Portela pelo COPCON e arbitrariamente preso em Caxias sem culpa formada. Libertado sem julgamento, ultrapassou tranquilo todas as prepotências e perdoou com indiferença aos mandantes e funcionários do PREC”. (...) (***)

Não sabemos depois o resto da história de vida do Mário Soares... Vou tentar contactar o nosso camarada José Pratas, médico, gastrenterologista, que prestou funções no SNS, e hoje aposentado, e que privou com o nosso homem, tal como outro alf mil médico,o  Manuel Valente Fernandes, ex-alf mil médico do BCAV 8323 (Pirada, 1973/74). Falaremos dele e do seu conhecimento do Mário Soaresm num próximo postes. (Acrescente-se, a título de inconfidência, que o dr. Manuel Valente Fernandes foi aluno do nosso editor Luís Graça, no curso de especialização em medicina do trahalho, da ENSP / NOVA).
_____________

16 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20861: (De)Caras (126): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal ? Um "agente duplo" ? - Parte II (Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)

15 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20858: (De)Caras (125): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal ? Um "agente duplo" ? - Parte I (Depoimentos do embaixador Nunes Barata, e do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)

(**) Vd. poste de 3 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17929: (D)o outro lado do combate (16): O Rodrigo Rendeiro, depois de regressar a Bissau, terá fornecido preciosas informações à FAP , permitindo a localização (e bombardeamento) das bases do PAIGC em Morés e Dandum, segundo Maria José Tístar, autora de "A PIDE no Xadrez Africano: conversas com o inspetor Fragoso Allas", Lisboa, Colibri, 2017 (pp. 191/192)

(***) Vd. poste de 30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14476: Convívios (663): Encontro do BCAV 3864, dia 23 de Maio de 2015 em Leiria (Vânia Santos/Vitor Santos)

1. A filha do nosso Camarada Vitor Santos, BCAV 3864, solicitou-nos a publicação do seguinte convite para a festa do convívio anual:

Boa noite,

Caro Luís Graça,

Sou filha de um ex-combatente na Guiné, Vitor Santos - BCAV 3864, e gostaria de saber se é possível divulgar através do blogue o encontro organizado por ele em Leiria.

Encontro em Leiria de Ex-combatentes da Guerra do Ultramar - Guiné B. CAV. 3864, a realizar dia 23 de Maio.

Telemóvel de contacto 912 246 267

Aguardarei por uma resposta.

Atentamente,
Vânia Santos
___________ 
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

15 DE ABRIL DE 2015 > Guiné 63/74 - P14475: Convívios (662): Almoço do pessoal e familias da CCAÇ 2315 (Bula, Binar, Mansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69), dia 2 de Maio de 2015 em Cantanhede (Manuel Moreira de Castro)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8334: Tabanca Grande (289): António Luiz Figueiredo, ex-Fur Mil TRMS TSF (Pirada, Teixeira Pinto e Bissau, 1972/74)

1. Mensagem de António Luiz Figueiredo*, ex-Fur Mil TRMS TSF, Pirada, Teixeira Pinto e Bissau, 1972/74, com data de 25 de Maio de 2011:

Olá Carlos Vinhal
Peço desculpa pela demora, mas creio que reuni os requisitos primários para poder integrar a família TABANCA GRANDE.
Espero ter conseguido.

Estarei ao dispor para fornecer outro tipo de dados.
Este blogue é fantástico.

Um abraço
Luiz Figueiredo


GUINÉ - 1972-1974

António Luiz Silva Figueiredo - Fur Mil TSF

Em Abril de 1972 lá fui eu até à Guiné.
Divisas novas e reluzentes de oiro sobre os ombros, transmitiam coragem e jactância suficientes para desvanecerem a ansiedade de quem vai pisar um palco de guerra. Sim, era um mistério que se avolumava.

Como seria “viver” num clima de guerra? Como seria África? Como seria a Guiné? Mas não havia medo. Somente a doutrina do patriotismo alertava a minha mente. Era preciso continuar Portugal.

Embarquei no Figo Maduro num avião militar, que julgo ter sido um DC-6. Barulhento e com muita tremideira. Grandes afundanços nos poços de ar que nos tiravam o fôlego.
Ao fim de algumas horas aterrava na Ilha do Sal em Cabo Verde. Pela primeira vez sorvia o éter africano. Gostei. E para refrescar lá foi uma “bejeca” S. Jorge.
Ao fim de uma horita retomámos a rota para a Guiné. E aí o calor matava. De tal modo que quase não dei pelos “pios” com que os velhos camaradas “residentes” nos brindaram à chegada. A praxe estava instituída. Compreendia-se.

Aí estava Bissalanca ao fim de uma tarde abafada, com um pôr-do-sol magnífico. No momento em que pisei o solo africano pedi a bênção dos Céus. Simplesmente inebriante.

Um autocarro levou-nos até à cidade de Bissau, ao Agrupamento de Transmissões.

No dia seguinte apresentei-me ao Comandante de Companhia. Com um sorriso profundamente arrogante, o capitão disse-me que eu ia substituír o furriel que tinha cessado a comissão de serviço, num local que era uma autêntica colónia de férias: Pirada.

 Localização de Pirada, no Norte da Guiné, junto à fronteira com o Senegal

Aquilo não me dizia nada. Ele ficou a olhar para mim de sorriso cínico até às orelhas. Parecia um cow-boy, de pistola no coldre e cinturão descaído. Estava de oficial-de-dia. Os meus camaradas mais velhos quando souberam, pintaram a manta: Pirada era um potencial alvo do inimigo. Um dos piores locais da Guiné, lá bem juntinho ao marco 69, na fronteira com o Senegal.

Após uma ou duas semanas de estágio, um avião Nordatlas levou-me até Pirada. Não me pareceu tão mau como diziam. Pista de aviação, quartel com instalações recentes, razoável messe e muitas tabancas na periferia. O posto de rádio do STM que eu ia chefiar era um autêntico “bunker”.

A minha especialidade era TSF. Sabia umas “coisas” do código Morse, essa bela linguagem de traços e pontos, mas a trabalhar com a chave era um autêntico “pato-bravo”. Em contrapartida tinha quatro radiotelegrafistas que operavam com saber, destreza e dedicação. Eram fantásticos. Eu zelava pela operacionalidade dos equipamentos, pela manutenção das instalações e pelo bem-estar dos meus subordinados. E tudo correu bem.

Depressa estabeleci amizades no seio do batalhão ali sediado, que era o BCAV 3864, próximo do fim de comissão.

Até que havia de chegar o dia do meu “baptismo” de guerra.

Por vezes, depois do jantar, eu e mais dois camaradas, íamos até às tabancas e conversávamos com a população. Se esta estivesse recolhida, era um sinal de perigo e regressávamos ao quartel. Eram cavaqueiras agradáveis.

Numa noite calma de junho, sem indícios de perigo para nós e para a população, estalou o verniz.

Cerca das 22 horas ouvimos um rebentamento. Em simultâneo, bolas de fogo começaram a passar por cima das nossas cabeças em direcção ao quartel. Perdi de vista os meus camaradas. Também deixei de ver os africanos. Ouvi alguém dizer para me deitar no chão. Estava indeciso: deitar-me no chão ou fugir para o quartel? Alguns nativos rastejavam a meu lado.

O bombardeamento acelerava. Ouvia vozes, masculinas e femininas, a dizerem: “furriel deixa-te estar deitado”. O gado berrava. Algumas tabancas começaram a arder e um clarão iluminava o aldeamento.

Pensava muito nos meus pais e nas minhas irmãs e julgava que não mais os voltaria a ver. Tentei levantar-me mas logo senti mãos que me obrigavam a permanecer deitado. As portas do Inferno estavam escancaradas. Era aterrador.

Pensei: o inimigo entrou no aldeamento e não tarda nada apanha-me à mão. Então, num impulso tresloucado ergui-me e comecei a correr a toda a velocidade para o quartel. Se contasse para os jogos olímpicos, estaria depois no pódio com uma medalha de ouro ao peito. As bolas de fogo sobrevoavam a minha cabeça. Comecei então a ouvir o nosso obus a argumentar. Na porta de armas não ouvi nem vi nenhuma sentinela. Se ela dissesse: quem vem lá, pare. Eu não teria ouvido nada, pois o barulho era ensurdecedor. E poderia ter sido baleado. Atirei-me para a guarita da sentinela em êxtase. A respiração estava descontrolada. Alguém me levou para o posto médico, quase a desfalecer. E comecei a ressuscitar.

Os obuses calaram o inimigo. Eu estava todo arranhado, mas vivo. E assim foi o meu baptismo.

Em agosto levei com a segunda dose, mas mais uma vez os deuses estiveram do nosso lado.

Em novembro vim de férias. Não voltei a Pirada. Fui deslocado para Teixeira Pinto.

Em agosto vim de férias. E fiquei em Bissau até maio de 1974. Sou militar no activo durante o 25 de abril. O meu substituto chegou a Bissau de cabeleira farta e cravo na lapela. Viva Portugal.


2. Comentário de CV:

Caro Luiz Figueiredo, bem aparecido de novo na Tabanca. Já por cá passaste duas vezes, mas à terceira resolveste juntar-te à tertúlia. Fizeste bem, porque tens cá um pequeno grupo de camaradas das TSF, sendo o mais antigo, ou pelo menos um dos mais antigos, o Hélder Sousa. Se mais não for, só por isto já te sentirás em família.

Tinha eu poucos de dias de Guiné, conheci na Messe de Sargentos de Mansoa um camarada que tinha vindo de Pirada. Isto em 1970. Nunca na minha vida voltei a ver alguém tão apanhado do clima como ele. Porque não mais me esqueci desse camarada, quando me falam de Pirada imagino logo o pior.

Terás muito que contar já que estiveste em três locais diferentes. Tendo cada um as suas particularidades quanto a guerra e condições de serviço, ficas desde já convidado a escrever as memórias que retens desses locais. Hás-de ter aí por casa umas fotos guardadas que julgavas não servirem para nada a não ser para tu as veres de vez em quando. É chegada a hora de elas serem famosas. Digitaliza-as e manda-as para nós as publicarmos.

Não quero terminar sem antes te deixar um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores que esperam te sintas bem entre nós.

Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

20 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7968: O Nosso Livro de Visitas (108): Luiz Figueiredo, Fur Mil TSF, Pirada, Teixeira Pinto e Bissau, 1972/74
e
10 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8077: O Nosso Livro de Visitas (111): António Luiz Figueiredo procura saber notícias do pessoal que com ele conviveu na sua comissão

Vd. último poste da série de 26 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8328: Tabanca Grande (288): Apresenta-se o José Manuel Carvalho, Fur Mil Trms da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá, 1974

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3445: Tabanca Grande (96): Ten Cor Art José Francisco Robalo Borrego, ex-1.º Cabo do Gr Art 7 e Furriel QP do 9.º PELART (1970/72)

Ten Cor José Francisco Robalo Borrego, que pertenceu, como 1.º Cabo, ao Grupo de Artilharia n.º 7, de Bissau e, como Furriel do QP, ao 9.º Pel Art, Bajocunda (Guiné 1970/72)


1. Mensagem com data de 10 de Novembro de 2008, do Ten Cor José Francisco Robalo Borrego

Caros companheiros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote

Assunto: O Bom Humor em Tempos de Guerra

Em primeiro lugar as minhas felicitações pela criação do blogue colectivo, o qual permite comunicarmos as nossas histórias passadas, há muitos anos, mas que se encontram bem arquivadas e conservadas nas nossas memórias.

Após a Recruta básica no Batalhão de Caçadores n.º 6 em Castelo Branco (Julho-Setembro de 1968), quis o destino que a minha Especialidade fosse Artilheiro de Campanha 10,5 e não Atirador de Infantaria, ou seja, estive na Guiné entre Julho de 1970 e Outubro de 1972, tendo lá chegado a bordo do paquete Alfredo da Silva, como 1.º Cabo Apontador de Campanha 10,5 (obus de Artilharia) e, graças a Deus, a minha actividade operacional não foi muito arriscada, quer nas colunas que tive de realizar, quer nos poucos ataques que sofri nos aquartelamentos onde estive colocado. Para tudo é preciso sorte!

A minha unidade era o Grupo de Artilharia n.º 7, de Guarnição Normal, estacionado em Bissau (Santa Luzia), perto do QG/CTIG e do Batalhão de Intendência. O Gr Art n.º 7, em 1970, tinha vinte e tal pelotões de obuses 10.5, 11.4 e 14 disseminados pelo TO da Guiné, actuando sobre as linhas de infiltração do IN e de reacção rápida aos ataques sobre os nossos aquartelamentos.

Após a minha promoção a Furriel do QP de Artilharia (Janeiro de 1972), marchei para o Sector do BCAV 3864 (1971/73) (Pirada) com destino ao 9.º PELART (Bajocunda), ficando adido à CCAV 3462 do referido Batalhão.

Foi lá que conheci o meu amigo João José Coelho Teixeira Lopes, Fur Mil, Comandante de uma Secção do 9.º PELART, sendo hoje um distinto médico.

Em Bajocunda tenho uma história engraçada, que passo a descrever.

Soldado Herodes

Quando me apresentei no Pelotão, verifiquei que fazia parte do efectivo um cão chamado Herodes criado pelos soldados, presumo, amarelo e branco. Não se sabendo bem porquê, o bicho ausentou-se durante três ou quatro dias e quando regressou à base, vinha todo sujo, num estado lastimável. Como era considerado soldado havia que proceder ao levantamento do respectivo processo disciplinar por ausência ilegítima. Vai daí, peguei numa folha de trinta e cinco linhas e na qualidade de graduado mais antigo redigi a punição que foram, salvo erro, cinco dias de prisão, tendo em conta o bom comportamento anterior.

Como o referido soldado não sabia ler nem escrever, colocou a pata sobre o papel, depois de molhada, através de uma almofada de carimbo azul que pedi emprestada na Secretaria da Companhia. Como a punição era mesmo para cumprir o Herodes ficou preso junto ao nosso abrigo.

Ao segundo dia de privação da liberdade o aquartelamento foi atacado e, como não houve tempo de o soltar, o desgraçado gania de medo com o barulho dos rebentamentos. No fim das hostilidades, foi libertado, porque tivemos compaixão dele. O Herodes, assim que se apanhou solto, fugiu para debaixo das camas e esteve lá uns dois dias que nem comer queria! Coitado, não merecia tanto castigo, teve azar!...

Ainda dentro do Sector do BCAV 3864, o 9.º PELART foi transferido para Paunca, em Abril ou Maio de 1972, onde se encontrava a CÇAC 11, constituída por elementos africanos, à excepção dos graduados e das praças especialistas que eram todos europeus.

O meu companheiro de pelotão e de tabanca era o já aludido, anteriormente, Fur Mil Teixeira Lopes que me dizia:
- Ainda te hei-de ver em primeiro-ministro - isto pelo facto de eu estudar muito nas horas vagas, o que muito ajudava a passar o tempo, aliás, posso dizer que comecei os meus estudos na Guiné, já que até aí não tinha tido possibilidades na vida.

“Enquanto se Luta, Constrói-se” era uma das máximas do general António de Spínola.

Nesta localidade, passaram-se duas histórias que o meu companheiro, Teixeira Lopes, pode confirmar.

Primeira História ou Galináceo, espécie em perigo de extinção

Existiam muitas galinhas, embora de pequeno porte, e como a nossa alimentação não era muito famosa, resolvi apanhar umas aves, com a cumplicidade do Teixeira Lopes, que consistia no seguinte: deitava um carreirinho de arroz em frente à porta da tabanca que se prolongava para o interior da mesma; o animal na boa fé entrava e depois era só encostar a porta pelo interior e a presa não tinha salvação.

Como o efectivo das galinhas começou a diminuir fomos avisados pelo nosso Comandante de Pelotão, Alferes Mendes, que já havia queixas da população e o melhor era deixarmos as galinhas em paz, assim fizemos em nome do bom senso e da boa vizinhança e também porque já andávamos com imensa azia de tanto churrasco, preparado por um soldado do Posto Rádio!

Segunda História ou Era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha

Numa bela noite de Abril ou Maio de 72, dois burros da população resolveram lutar e, já de madrugada, o burro perdedor aflito com os ataques do seu adversário fugia num galope acelerado até que encontrou um buraco para se esconder e esse buraco, vejam só, foi a nossa tabanca, cuja porta estava aberta por causa do calor. Depois foi o bom e o bonito para tirar o burro que mais profundamente penetrou na tabanca.

De marcha-atrás era impossível, porque o outro burro mordia-lhe; sair de frente também era difícil, devido à exiguidade do espaço da tabanca para fazer a manobra. Por fim, ao cabo de uma ou duas horas, lá conseguimos resolver a situação. Nessa noite não chateou o IN, mas chatearam os burros!

Finalmente, de 19 de Agosto a 21 de Setembro de 1972, ainda fiz uma perninha na CART 3417, pertencente ao COP 7, onde se encontrava o 29.º PELART em Ganjuará (Península de Gampará) na confluência dos rios Geba e Corubal a norte de Fulacunda, felizmente sem problemas.

Companheiros, presentemente sou Tenente-Coronel do SGE, presto serviço no Ministério da Defesa Nacional e tenciono passar à reserva em 16-11-2008.

Junto duas fotos: 1.º Cabo (Gr Art N.º 7 – Guiné); Ten Cor (actual)

Despeço-me com muita amizade e elevada consideração com abraços a todos os ex-combatentes: Portugueses e Africanos.

Lisboa, 10 de Novembro de 2008
José Francisco Robalo Borrego

2. Resposta enviada ao nosso novo camarada em 12 de Outubro de 2008

Caro camarada:

Na qualidade de relações públicas da Tabanca Grande, estou a responder-te em nome dos editores do Blogue.

É um prazer receber na nossa Tabanca mais um Oficial Superior do Exército, onde contamos já com a colaboração do Cor Ref António Marques Lopes, Ten Cor Rui Alexandrino Ferreira, Cor Ref Hugo Guerra, Cor Pereira da Costa e Cor Ref Coutinho e Lima. Contamos ainda entre os nossos amigos o Cor Cmd Ref Carlos Matos Gomes. Espero não ter cometido a falta grave de esquecer alguém.

Estamos curiosos pelo conteúdo das tuas histórias pois tiveste um percurso militar digno de registo. Na mesma comissão chegaste como 1.º Cabo e saíste como Furriel do QP. Fizeste mais alguma comissão de serviço ou foste salvo pelo 25 de Abril?

Com respeito às nossas normas de conduta, podes consultá-las no lado esquerdo da nossa página assim como aquilo que nós (não) somos

Consideramo-nos camaradas em toda a acepção da palavra e não levamos em conta os postos militares e a posição na sociedade civil. O respeito é a nossa divisa, tanto na discussão das ideias, como na diferença das convicções religiosas, políticas e outras. Assim o tratamento por tu é normal dentro da nossa Caserna.

Caro Robalo Borrego, entra, instala-te e começa a conhecer as pessoas e os cantos da casa.

Agora um apontamento de ordem mais pessoal. A dada altura do teu mail, dizes que fizeste uma perninha na CART 3417. Esta Companhia é-me particularmente familiar, porque foi a minha Companhia (CART 2732) que a acompanhou no IAO, em Mansabá. Por outro lado, há um acontecimento trágico registado no dia 28 de Agosto de 1971, dia em que o CMDT da 3417 que tinha saído sozinha, pisou uma mina AP na zona de Manhau. Foi o meu Pelotão que o foi evacuar ao mato, vindo na minha viatura no regresso ao Quartel sempre assistido pelos enfermeiros. Como a meio da tarde ainda não tinha sido evacuado para o MH 241 por meio aéreo, fizemos uma directa em coluna auto até Bissau, onde o deixámos para tratamento. Nunca mais soube nada desse, na altura, jovem capitão.

Caro camarada, recebe um abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores em particular.

Carlos Vinhal

OBS:-Como brevemente vais passar à situação de Reserva, se mudares de endereço, não te esqueças de nos informar da alteração.
________________

Nota de CV

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390: Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)