Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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sexta-feira, 16 de junho de 2023
Guiné 61/74 - P24403: Notas de leitura (1590): "O Cântico das Costureiras - Crónicas D'Uma Vida Adiada - Guiné 1964 - 1965", por Gonçalo Inocentes; Modocromia Edições, 2020 - As Peregrinações de Gonçalo Inocentes, zombeteiras e resilientes (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2021:
Queridos amigos,
Há dez anos, quando estava a preparar o meu livro sobre a literatura da guerra da Guiné, ainda suponha que a veia literária dos velhos combatentes se pudesse encaminhar pelo leito do romance, o que então parecia afirmar-se categoricamente era a literatura memorial. Parece que o romance secou, a poesia é cada vez menos pródiga , há, é certo, investigação, documentação, apresentação de acervos fotográficos, mas são as memórias que pontificam. E Gonçalo Inocentes aparece num estado de louçania e vivacidade que nos assombra, e toma conta de nós, pois cedo se percebe que aquela poesia não é sobranceira e muito menos destinada a altos voos literários, são dimensões do afeto que pontuam uma alegria de viver, de alguém que se apresenta sem tiques de heroísmo nem apelos à comiseração. Bom será que continue, se mais memórias houver para contar.
Um abraço do
Mário
As Peregrinações de Gonçalo Inocentes, zombeteiras e resilientes
Mário Beja Santos
Já aqui no blogue o Luís Graça entoou loas a este inesperado presente, O Cântico das Costureiras, por Gonçalo Inocentes, Modocromia Edições, 2020. Limito-me a fazer minhas as palavras do orador que me precedeu… e adicionar loas da minha lavra, nestas coisas da recensão é benéfico que os olhares se complementem ou até mesmo se contradigam. Vê-se pela imagem que é homem apaziguado, talvez coloquial e bonacheirão, o seu currículo dá logo para folgar: “Curtiu-se em três guerras, ex-técnico agrícola, ex-combatente, ex-piloto de linha aérea, ex-marinheiro”.
De tanta vivência cinge-se exclusivamente ao que andou a fazer na Guiné, onde a sorte nunca o pôs de lado. Em março de 1964 sabe que tem o destino traçado para a Guiné, caminha para Lisboa e enquanto aguarda transporte anda faceto e manganão, percorre casas de fados e até guardou recordações de uma cuequinha vermelha. Parte de avião e bem consolado, vai em rendição individual. Do Pidjiquiti parte para Bolama e daqui para São João, é a sua nova morada e a sua nova família. Começam as peripécias. Encontra-se com o capitão, está a ser barbeado e tem ao lado uma mulher chinesa, por ali perto está um bidonville tropical, as imagens que publica falam por si e tece laudes a um piloto que muitos de nós conhecemos: o Honório, de nome completo Honório Brito da Costa. Fala-nos do Corão, da sua amizade com a G3, sempre que vem a preceito dá-nos poesia. E tal como anuncia no preâmbulo, recorda a máquina de costura Singer, o seu tiquetaque e a PPSh, vulgo “costureirinha”, tambor de 70 balas e um ritmo de 1000 por minuto, com alcance efetivo de 150 metros.
Movimenta-se com uma mini Minolta, o que lhe deu para registar este acervo de memórias. Lê-se num só fôlego, ninguém espere encontrar um herói ou anti-herói, é de têmpera folgazão, o lado positivo da vida anda quase sempre ao de cima, tira partido da aprendizagem e suas componentes, que podem ser a solidão, o corpo extenuado, o escrever o aerograma (aproveita a oportunidade para nos contar a história do bom funcionamento do Serviço Postal Militar e fala-nos de alguém que se chama Ernesto Tapadas e que esteve por trás de máquina tão eficiente), em vez de jogos de cartas aproveitava os banhos de mar e na Pensão Central, dessa ícone que deu pelo nome de Dona Berta, apareceu-lhe uma empregada grávida no quarto com um propósito muito evidente, interroga-se quanto à tragédia que pode levar uma mulher quase a ser mãe a tal iniciativa. Como não venho aqui contar as façanhas de guerra, descreve o que o meio permite, vive-se numa santa paz ou na mais formidável beligerância: é o caso dos tornados, em atmosfera tropical arrancam telhados, volteiam e rodopiam, destruindo e apavorando, e inopinadamente como aparecem deixam-nos numa serenidade com o caos à volta.
Se nos recorda as minas e fornilhos, logo estrondeia a peripécia das falsas cartas de condução que terão dado a felicidade e o pão a muita gente, e volta à página para nos falar nos guias, alguns de uma lealdade a toda a prova, tendo muitos deles tido um final inglório. Naquele ano de 1964 havia que retomar espaços abandonados, no caso vertente de quem estava em São João havia que provar que as estradas de Quinhará estavam transitáveis, lá foi uma coluna de carros para Nova Sintra, nenhum engenho explodiu no itinerário, mas foram colhidos pelo fogo cerrado em Nova Sintra. No regresso uma viatura derrapou mas vem logo um comentário pícaro a propósito: “Os soldados que seguiam nele (Unimog, que tinha capotado) ficaram por baixo da viatura e sem cuidar da segurança todos acorremos a socorrer. Grande asneira, só não correu pior porque o IN era também muito mau”.
Vai interpolando as suas memórias com poesias a jorros. Chegou a hora de partir para Ponta de Jabadá, dali o PAIGC castigava com fogo quem navegava pelo Geba. Recorda uma flagelação em que uma granada de morteiro 82 ceifou vidas e logo salta para a recordação de António Gladstone Silva Germano, natural da ilha de São Nicolau, que depois da guerra da Guiné andou por Ceca e Meca e Olivais de Santarém até aterrar no aeroporto da Portela onde geria o restaurante. Gonçalo Inocentes vem para contar recordações, elas dispõem-se bem com as imagens ao tempo colhidas, e exalta a figura do médico do destacamento em Jabadá, o Dr. Torcato Adriano Serpa Pinto. E com a maior das naturalidades confessa-se: “Não sei onde fui buscar, mas sempre carreguei uma constante alegria de viver que, se por um lado me engalanou tantos dias, também me acarretou alguns dissabores. Posso dizer que foi a mais bela armadura deste cavaleiro do imprevisível”.
Com a sorte benfazeja, ele que andava junto à CCAÇ 423, em abril de 1965 recebeu ordens de marcha para Bissau e daí para Farim, mas em Bissau disseram-lhe que já não ia para Farim, terminara a sua comissão, afinal já não ia para a CCAV 488. Fala-nos de Vassalo Miranda, um desenhador de BD sempre em cenários de guerra, está mais do que apresentado aqui no blogue. Recorda-nos como se atravessava em João Landim da ilha de Bissau para Mansoa. E vai até São Vicente e ocorre-lhe um poema, isto a propósito de um banho na Guiné, que é muito provavelmente o seu cartão de cidadão: “Sou feliz pois Deus me deu,/ a capacidade de ver,/ mesmo no escuro da vida,/ a beleza a acontecer./ P’ra alimentar a esperança/ De um mundo a renascer”.
E assim regressa, vai a Estremoz entregar a trouxa e segue para a Chamusca onde foi entregar a Maria Helena Fragoso a cruz que esta lhe pusera no pescoço antes de ir para a Guiné. Receando a tanta fartura daquela comissão encurtada, e mesmo continuando a receber a parte do vencimento que era depositada no Banco Totta e Açores da Chamusca, foi logo comprar o bilhete de passagem para Angola, para regressar à casa de onde tinha saído há dez anos. “Não toquei no dinheiro que fiquei a receber indevidamente e coloquei-o a prazo. Sabia que eles viriam buscar. Durante vários anos tive pesadelos onde me via ser chamado para regressar à Guiné. Acordava sempre banhado em suores”.
E bem a propósito despede-se das suas memórias relembrando os costureiros, ou seja, a malta da PPSh. “Tinha uma certa admiração por estes homens que fizeram uma guerra que até terminou num triunfo armado. Já pelos políticos não nutro qualquer simpatia porque fizeram uma guerra assente em promessas desonestas que sabiam não poder cumprir. Demonstraram ao longo dos anos de independência uma incapacidade absoluta. Tantos mortos para coisa nenhuma. Ter uma bandeira serve apenas para içar e para arrear. O povo, esse, ficou a perder. Passou de colonizado a escravo do tráfico de droga”.
Chegámos a um tempo em que já não se esperam romances mas literatura memorial, creio ser este hoje o retorno possível, tantos são os anos passados. E há que saudar estes cotejos e estas imagens arredadas de gabarolices ou espaventos sem contraditório.
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24392: Notas de leitura (1590): Uma obra fundamental por quem se interessa por estudos africanos: "Atlas Histórico de África, da Pré-História aos Nossos Dias", Direcção de François-Xavier Fauvelle e Isabelle Surun; Guerra e Paz Editores, 2020 (Mário Beja Santos)
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terça-feira, 20 de outubro de 2020
Guiné 61/74 - P21469: Notas de leitura (1316): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - V (e última) parte (Luís Graça): Em Brá, no final da comissão, tem como companheiro de quarto o furriel mil 'comando' Vassalo Miranda, uma 'figura ímpar', grande autor de banda desenhada da nossa guerra
Guiné > Bissau > Brá > 1965 > Fur mil at cav Gonçalo Inocentes, de rendição individual, tendo passado pela CCAÇ 423 (São João e Jabadá) e pela CCAV 488 (Bissau e Jumbembem), entre 1964 e 1965. Fez 16 meses de comissão. Foi em Brá que conheceu o Vassalo Miranda, quando ambos aguardavam o regresso à Metrópole.
Foto (e legenda): © Gonçalo Inocentes (20w0) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Quinto e último apontamento decorrente da leitura do livro do Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (Vila Franca de Xira, ModoCromia, 2020, 126 pp, ilustrado).(*)
De rendição individual, o fur mil Gonçalo Inocentes juntou-se à CCAÇ 423, em 8 de abril de 1964. Um ano depois acaba a comissão dos "velhinhos". É com consternação que o autor vive esse dia, 14 de abril de 1965. Vê-os partir, por via terrestre, a caminho de Tite, sede do batalhão.É então colocado na CCAV 677, "uma companhia completamente destroçada" (p. 100)... Destroçada, leia-se desmoralizada, em fim de comissão:
É nesse período de espera, instalado em Brá, que conhece uma "figura ímpar", o furriel 'comando', Vassalo Miranda, seu companheiro de quarto [, foto à direita, da sua página no Facebook]:
"Sem capitão, apenas com um alferes que, quando ouvia o cantar do morse, se refugiava no quarto e era eu quem tinha de tomar as decisões e escalar quem ia para o mato, respondendo aos rádios em nome do oficial" (p. 100)...
Mas logo dias depois, no 1.º de maio, passa a integrar a CCav 488 [Bissau e Jumbembem, 1963/65]. Mas por pouco tempo. Quando estes cumpriram o tempo, o nosso camarada, nascido em Angola, Nova Lisboa (, hoje, Huambo) já tinha mais de 16 meses, pelo que acabou por regressar com eles sem ter cumprido os dois anos de comissão, como era normal na altura.
Foi um tempo de transição, em que se ouvia cantar a "costureirinha" mas também já o temível morteiro 82 (, de maior alcance que o nosso 81), e o PAIGC começou a fazer uso generalizado de minas e armadilhas.
Foi na Guiné que o autor aprendeu a montar e a desmontar a G3 e trocou, pela primeira vez, o capacete de aço (!) pelo boné... Era ainda, quando chegou, o tempo do caqui amarelo, e do Alouette II, a que ele dedica um belo poema (p. 91):
O Heli
Libelinha mágica, de voo pairante,
A nossa última esperança.
Aquele voar batejante,
Alegria de ouvir ao longe
Que um grito logo soltava
Em unísseno quando o víamos.
Tá ali! (...)
Libelinha levava em gemidos
À ilharga nossos amigos.
"Originário de Vila Franca de Xira, o Miranda saiu da sua companhia quando lá chegou, voluntário para os comandos. Tinha muitas particularidades interessantes que faziam de dele um ser ímpar" (p. 107).
E particulariza:
"Tipo muito alto, cabelo despenteado, usava óculos. Desenhava primorosamente tipo BD e sempre em cenários de guerra. O lençol que o cobria na cama, estava todo desenhado [com cenas] de combates onde ele era sempre o herói. Inclui nas cenas as imagens das namoradas dos colegas retiradas das fotos que alguns tinham nas mesas de cabeceira. Chegou a dar chapada"...
Vale a pena transcrever o resto da pág. 107:
"Quando o conheci tinha uma das lentes dos óculos pintada com tinta da china negra o que lhe dava uma aspecto tenebroso e que ele adorava.
"Contou-me que esteve castigado e proibido de pegar em armas porque na instrução dos novos comandos o fazia com balas reais e feriu um instruendo nas costas.
"Tinha terminado a comissão e também iria embarcar no Niassa connosco [, CCAV 488]. Contou-me que quando foi de férias a casa, não avisou a família e apareceu à porta com a lente negra. Quando a mãe abriu a porta, ele soltou o grito de ataque... A senhora desmaiou." (...)
Temos sete referências no nosso blogue ao Vassalo Miranda e a seguinte nota biográfica:
(...) "O [António M.] Vassalo Miranda, nascido em Vila Franca de Xira, em 1941, foi furriel mil 'comando', do Gr Comandos Panteras, participou na Op Tridente, é um veterano da Guiné, c. 1963/65. Passou também por Angola. Como civil, viveu algum tempo em Moçambique, na Rodésia (hoje Zimbábué) e na República Sul-Africana. É amigo do Virgínio Briote, do João Parreira, do Mário Dias... E é grande criador de banda desenhada infelizmente com problemas de saúde ocular. Infelizmente, também, não faz (ainda) parte da nossa Tabanca Grande." (**)
[Foto à esquerda: Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > 13º Encontro Nacional de Combatentes > O Vassalo Miranda, veterano dos velhos comandos de Brá.
Foto (e legenda): © Luís Graça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Chega, por fim, o grande dia, o regresso do Niassa ao Tejo, em 14 de agosto de 1965... Com a companhia a marchar, mal, sob o comando de um alf mil médico que não sabia marchar, o dr. José Hipólito Sousa Franco, o médico da companhia (O que será feito dele?)...
Chega, por fim, o grande dia, o regresso do Niassa ao Tejo, em 14 de agosto de 1965... Com a companhia a marchar, mal, sob o comando de um alf mil médico que não sabia marchar, o dr. José Hipólito Sousa Franco, o médico da companhia (O que será feito dele?)...
Aproveitou a peluda para revisitar as noites do fado na "Viela"... e dez anos depois tomou o avião para regressar a casa, à sua Angola. Aqui exerceu durante alguns anos a profissão de Regente Agrícola, antes de se meter noutras aventuras...
Enfim, um livrinho de memórias, em verso e prosa, que se lê num ápice, com agrado. E tem algum interesse documental, pelo seu recheio fotográfico.
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Notas do editor:
(*) Vd. postes anteriores da série:
7 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21426: Notas de leitura (1313): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte IV (Luís Graça): as primeiras minas e fornilhos A/C
10 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21344: Notas de leitura (1305): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte II (Luís Graça): a importância de se ter uma máquina fotográfica e um bloco de notas
9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21339: Notas de leitura (1303): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte I (Luís Graça): voltar a ouvir a máquina "Singer" da mamã nas matas e bolanas de Quínara,,,
Último poste da série > 19 de outubro de 2020 > Guiné 671/74 - P21465: Notas de leitura (1315): “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”, um artigo de Victor Andrade de Melo na Revista Análise Social de 2017 (1) (Mário Beja Santos)
(**) Vd. poste de 23 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20587: Agenda Cultural (724): Palestra sobre a Op Mar Verde (22/11/1970) pelo escritor António José dos Santos Silva: Palacete Viscondes de Balsemão, Pr Carlos Alberto, 71, Porto... Sábado, 1 de fevereiro de 2020, às 14h30
sexta-feira, 9 de outubro de 2020
Guiné 61/74 - P21435: Fotos à procura de... uma legenda (132): O sapador só se engana três vezes: a primeira, a única e a última (António J. Pereira da Costa)
Guiné > Região de Quínara > São João > CCAÇ 423 (1963/65) > c. 1964 > O fur mil Arménio Dias de Almeida a levantar uma mina A/C... Será morto, por ferimentos em combate (, não sabemos em que circunstâncias), na zona de São João- Nova Sintra, em 9 de janeiro de 1964. Estas podem ser das últimas fotos dele, na estrada Nova Sintra-Fulacunda.
Fotos (e legenda): © Gonçalo Inocentes (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Comentário do nosso camarada António J- Pereira da Costa, cor art ref (*):
Isto é um bocado o jogo do gato e do rato. Só as minas metálicas , como é o caso da que figura nas fotos é detectável com o detector. Ouve-se um ruído constante nos ouvidos que aumenta logo que surja o campo magnético criado pela mina.
Há mais dois erros técnicos na acção do sapador: tem as mangas para baixo [3] e não parece estar numa posição estável [2].
As mangas bem arregaçadas destinam-se a sentir um eventual arame de tropeçar que o "insidioso" ali tenha colocado.
A posição do sapador tem de ser estável para que, inadvertidamente, não se desequilibre e faça um movimento errado para com a própria mina ou nas suas proximidades que também podem estar armadilhadas. Agachado, nunca! Magoou-se assim um M/A na CArt 1692.
Aconselha-se a trabalhar apoiado no quadrilátero definido pelos pés e joelhos.
O sapador só se engana 3 vezes: a primeira, a única e a última.
Claro que estamos a falar do início da guerra em que a malha das unidades era pouco densa e a nossa experiência no assunto não era grande. Estávamos a aprender por dedução e experiência e isso é sempre um período muito doloroso.
As minas de madeira de fabrico soviético ou as de plástico de fabrico na Itália ou nos "países de Leste" não são detectáveis pelo detector.
O método da "pica" passou a ser o único que funcionava quer fossem minas A/P ou A/C e era necessário que não se fizesse muita força ao carregar no solo. Ouvia-se também um som cavo e o terreno era "mais dura" uma vez que não permitia a penetração da ponta da pica.
Chamo a atenção para a utilização de uma pá [4] para afastar a terra à volta da mina. É um erro técnico uma vez que algumas (todas as) minas [1] era armadilháveis e funcionariam logo que removidas - lembro o caso do Cap Guimarães (CArt 1690)- e podiam matar quem estivesse próximo.
Por fim, lembro que as minas A/C de madeira também podiam ser postas a funcionar como A/P, com umas pequenas alterações que qualquer sapador conhece.
O método da "pica" passou a ser o único que funcionava quer fossem minas A/P ou A/C e era necessário que não se fizesse muita força ao carregar no solo. Ouvia-se também um som cavo e o terreno era "mais dura" uma vez que não permitia a penetração da ponta da pica.
Chamo a atenção para a utilização de uma pá [4] para afastar a terra à volta da mina. É um erro técnico uma vez que algumas (todas as) minas [1] era armadilháveis e funcionariam logo que removidas - lembro o caso do Cap Guimarães (CArt 1690)- e podiam matar quem estivesse próximo.
Os ingleses sempre defenderam o princípio "uma mina, um homem" para evitar que a explosão atingisse mais de um combatente, pois nesse caso a mina não seria mais eficaz do que um simples tiro de espingarda...
Por fim, lembro que as minas A/C de madeira também podiam ser postas a funcionar como A/P, com umas pequenas alterações que qualquer sapador conhece.
As mangas bem arregaçadas destinam-se a sentir um eventual arame de tropeçar que o "insidioso" ali tenha colocado.
A posição do sapador tem de ser estável para que, inadvertidamente, não se desequilibre e faça um movimento errado para com a própria mina ou nas suas proximidades que também podem estar armadilhadas. Agachado, nunca! Magoou-se assim um M/A na CArt 1692.
Aconselha-se a trabalhar apoiado no quadrilátero definido pelos pés e joelhos.
O sapador só se engana 3 vezes: a primeira, a única e a última.
Claro que estamos a falar do início da guerra em que a malha das unidades era pouco densa e a nossa experiência no assunto não era grande. Estávamos a aprender por dedução e experiência e isso é sempre um período muito doloroso.
Não sabemos se o fur mil Arménio Dias de Almeida era sapador, mas devia ter pelo menos o curso de MA [Minas e Armadilhas]. Acrescente-se às pertinentes observações do nosso Tó Zé, mais o seguinte: o quico em cima dos olhos [6] também não era boa ideia, tal como o cinturão com as cartucheiras [5].
Sempre vimos os nossos camaradas que levantavam minas, trabalhar com a faca de mato..., rentes ao chão, deitados de bruços. Mas temos no nosso blogue outros especialistas, a começar pelo nosso coeditor Carlos Vinhal, que podem comentar com autoridade estas fotos, e enriquecer a(s) legenda(s). (**)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 7 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21426: Notas de leitura (1309): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte IV (Luís Graça): as primeiras minas e fornilhos A/C
(*) Vd. poste de 7 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21426: Notas de leitura (1309): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte IV (Luís Graça): as primeiras minas e fornilhos A/C
quarta-feira, 7 de outubro de 2020
Guiné 61/74 - P21426: Notas de leitura (1313): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte IV (Luís Graça): as primeiras minas e fornilhos A/C
Guiné > Região de Quínara > São João > CCAÇ 423 (1963/65) > Os efeitos devastadores das primeiras minas e fornilhos A/C no CTIG, na estrada Nova Sintra-Fulacunda.
Fotos (e legenda): © Gonçalo Inocentes (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Capa do livro
1. Continuação da apresentação do último livro do Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (Vila Franca de Xira, ModoCromia, 2020, 126 pp, ilustrado).
Recorde-se que o autor do livro, de que já publicámos três notas de leitura (*), Gonçalo Inocentes (Matheos), membro nº 810 da nossa Tabanca Grande, foi fur mil, CCAÇ 423 e dpois da CCAV 488 / BCAV 490, de rendição individual, tendo passado por Bissau, Bolama, S.João, Jabadá e Jumbembem, entre 8 de abril de 1964 e 14 de agosto e 1965...
Guiné > Região de Quínara > CCAÇ 423 > c. 1964 > S/l> O fur mil Arménio Dias de Almeida a levantar uma mina A/C... Será morto, por ferimentos em combate, na zona de São Jioão- Nova Sintra, em 9 de janeiro de 1964. Estas podem ser das últimas fotos dele.
NOME e POSTO / UNIDADE / DATA DA MORTE / LOCAL DA MORTE / CAUSA D MORTE NATURALIDADE / LOCAL DA SEPULTURA (**)
António Augusto Esteves Magalhães, 1.º Cabo / CCaç 423 / 03.07.63 / Estrada Nova Sintra-Fulacunda, HM241 / Ferimentos em combate / Amares / Cemitério de Bissau, Campa 291, Guiné.
Alberto dos Santos Monteiro, Soldado / CCaç 423 / 03.07.63 / Estrada Nova Sintra-Fulacunda / Ferimentos em combate / Rio Tinto, Gondomar / Cemitério de Fulacunda, Guiné.
José Rato Casaleiro, Soldado / CCaç 423 / 18.07.63 / Estrada Tite-Nova Sintra / Ferimentos em combate / Freiria, Torres Vedras / Cemitério de Bissau, Campa 360, Guiné.
De qualquer modo, a situação nas estradas e picadas de Quínara tornaram-se um terror para as NT, ao ponto da "Maria Turra" , na "Rádio Libertação", em Conacri, considerá-las já como "áreas libertadas"...
Nasceu em 1940, em Nova Lisboa (hoje, Huambo, Angola). Está reformado da TAP e vive em Faro.
Esta CCAÇ 423, "independente", é uma das primeiras subunidades a ser mobilizada para a Guiné: pertencia ao RI 15, partiu em 16/4/1963 e regressou, dois anos depois, em 29/4/1965. Esteve em São João e em Tite, mas também em Jabadá (1 grupo de combate). O comandante era o cap inf Nuno Gonçalves dos Santos Basto Machado.
Segundo o nosso autor, terá sido a primeira a conhecer o pesadelo das minas A/C e dos fornilhos:
"As minas form um pesadelo desde os primeiros dias da companhia. Quase todas as baixas resultaram do rebentamento destes engenhos" (...) "O IN percebeu cedo de sua eficiência e começaram até a juntar aos fornilhos bombas que a nossa força aérea lançava e não rebentavam" (p. 60).
A nossa historiografia militar (por ex., Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes) aponta para a segunda metade do mês de outubro de 1964 para o início do emprego generalizado de minas e fornilhas anticarro.
No Leste, na região de Bafatá, o primeiro engenho a explodir acontece na estrada Bambadinca-Xitole. É desta época a debandada de várias tabancas fulas e futa-fulas, nomeadamenet do regulado do Corubal e Xime, que se refugiam em Bambadinca. Intensifica-se a atuação do PAIGC nas margens, esquerda e direita do rio Geba, nas áreas de Jabadá, Porto Gole, Enxalé, Xime, Bambadinca.
Os fornilhos, permitindo atuar à distância através de um fio ou arame, e selecionar a viatura (, em geral a do meio) cujo rebentamento provocaria mais estragos. resposta das NT foi deixar de de fazer colunas auto, deixando as viaturas no quartel e optando por operações a pé. Os picadores começaram a detetar minas antigas e criou-se então o "vício" de as levantar por causa do "ronco" e do prémio monetário.
Tudo indica que nos primeiros fornilhos e minas A/C, a provocar baixas mortais entre as NT, tenham sido postos na estrada Nova Sintra-Fulacunda. E que as primeiras vítimas tenham sido os nossos camaradas da CCAÇ 423.
Veja-se a lista, publicada pelo nosso camarada A. Marques Lopes sobre os militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (**)
Guiné > Região de Quínara > CCAÇ 423 > c. 1964 > S/l> O fur mil Arménio Dias de Almeida a levantar uma mina A/C... Será morto, por ferimentos em combate, na zona de São Jioão- Nova Sintra, em 9 de janeiro de 1964. Estas podem ser das últimas fotos dele.
Fotos (e legenda): © Gonçalo Inocentes (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Na pág. 61 do seu livro, o autor publica três fotos do furriel [Arménio Dias de] Almeida a levantar uma mina A/C. Será mais tarde abatido pelo IN, em 9/1/1964, sendo o seu corpo ficado inumado em Bolama, conforme lista que se reproduz a seguir, com os mortos da CCAÇ 423, de 3/7/1963, 18/7/1963 e 9/1/1964.
José Rato Casaleiro, Soldado / CCaç 423 / 18.07.63 / Estrada Tite-Nova Sintra / Ferimentos em combate / Freiria, Torres Vedras / Cemitério de Bissau, Campa 360, Guiné.
Arménio Dias de Almeida, Furriel / CCaç 423 / 09.01.64 / São João, Nova Sintra / Ferimentos em combate / Vila Cova de Perrinho, Vale de Cambra / Cemitério de Bolama, Campa 3/64, Guiné.
Daí ter sido decido, por ordem de Bissau, já no tempo de Schulz, fazer uma "demonstração de força", em 13 de outubro de 1964, realizando-se para o efeito de uma coluna de carros que fizeram o percurso Nova Sintra-Serra Leoa, ida e volta.
O moral do pessoal estava em baixo, Mas a operação realizou-se, com detetores de minas na frente e levando as viaturas troncos de palmeira e sacos de areia para amortecer o impacto dos fornilhos e minas A/C (p. 171).
Felimente nenhum engenho explosivo foi accionado desta vez. Mas no regresso a São João, via Nova Sintra, , o pessoal da CCAÇ 423 foi surpreendido com fogo cerrado de "costureirinha" e "kalash".
Regressou-se a São João, com o moral mais em alta, apesar de um Unimog ter capotado e ter havido feridos cuja gravidade obrigou a helievacuação.
(Continua)
Email do autor: Goncalo Inocentes <rpeixoto.inocentes@gmail.com>
10 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21344: Notas de leitura (1305): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte II (Luís Graça): a importância de se ter uma máquina fotográfica e um bloco de notas
9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21339: Notas de leitura (1303): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte I (Luís Graça): voltar a ouvir a máquina "Singer" da mamã nas matas e bolanas de Quínara,,,
(**) Vd. poste de 28 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2799: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (1): De 1963 a 1964 (A. Marques Lopes)
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PS - O livro pode ser adquirido pelo correio, com pagamento por transferência bancária. Preço de capa com portes incluidos: 15 (quinze) euros.
Email do autor: Goncalo Inocentes <rpeixoto.inocentes@gmail.com>
NIB - 0018 0000 0160 5800 0013 9
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Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
22 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21383: Notas de leitura (1309): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte III (Luís Graça): a conquista da Ponta de Jabadá, em 29/1/1965, importante posição na defesa do rio Geba
10 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21344: Notas de leitura (1305): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte II (Luís Graça): a importância de se ter uma máquina fotográfica e um bloco de notas
9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21339: Notas de leitura (1303): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte I (Luís Graça): voltar a ouvir a máquina "Singer" da mamã nas matas e bolanas de Quínara,,,
terça-feira, 22 de setembro de 2020
Guiné 61/74 - P21383: Notas de leitura (1309): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte III (Luís Graça): a conquista da Ponta de Jabadá, em 29/1/1965, importante posição na defesa do rio Geba
Guiné > Região de Quínara > Ponta de Jabadá > CCAÇ 423 > 1965 > O alf mil médico Serpa Pinto, natural do Porto, "à entrada do seu apartamento"... Vê-se que o destacamento foi feito com as ruínas do antigo entreposto comercial, florescente até ao início da guerra.
"
Guiné > Região de Quínara > Ponta de Jabadá > CCAÇ 423 > 1965 > "Sessão de consultas à população local. A tomar notas o [furriel] enfermeiro Machado, e logo atrás o doutor S[erpa] Pinto" (*)
Fotos (e legendas): © Gonçalo Inocentes (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da apresentação do último livro do Gonçalo Inocentes (Matheos), membro nº 810 da nossa Tabanca Grande: foi fur mil at cav, CCAÇ 423 e CCAV 488 / BCAV 490, de rendição individual (1964/65), tendo passado por Bissau, Bolama, S. João, Ponta de Jabadá, e Jumbembem... Nasceu em 1940, em Nova Lisboa (hoje, Huambo, Angola). Está reformado da TAP e vive em Faro. (*).
É um livrinho despretensioso, com mais fotos do que texto, mas que tem o mérito de nos fazer desfilar uma série de situações que todos conhecemos no TO da Guiné, no mato, fosse no Norte, no Leste ou no Sul.
Por exemplo, a evocação do médico que, se calhar, nem todos conheceram tão intimamente como a malta da CCAÇ 423. Estamos no início da guerra, em que cada companhia ainda tinha um médico!... Um luxo!...
Recorde-se que, no meu tempo (1969/71), haveria (, quando havia!) um médico por batalhão. E que ficava no "bem bom" da sede do batalhão, a trabalhar na "psico", nunca ou raramente saindo para o mato em operações... Era mais médico "civil" do que "militar",,, O mesmo se aplicava ao furriel enfermeiro... (Estamos a falar do tempo de Spínola, em que aumentaram os efectivos militares e o país não tinha médicos suficientes para mandar para a guerra; por outro lado, a política "Por uma Guiné Melhor" absorvia uma grande parte dos recursos sanitários das Forças Armadas.)
Aqui, nesta época, no tempo ainda da malta do caqui amarelo, há um médico para cada 150/160 homens (=1 companhia), e que dorme no mato, nos mesmos buracos dos "infantes"... E participa em operações, como a conquista da Ponta de Jabadá!
Para poder escrever este livrinho, a vantagem do Gonçalo Inocentes, em relação a muitos de nós, é que tinha um máquina fotográfica Minolta 16 mm Spy que cabia no bolso do camuflado e que levava para o mato. Além disso, tinha um bloco de notas e o hábito saudável de ir tomando notas..
Alguns de nós tinham um diário, mas ao fim de seis meses (que era o tempo de provação da "periquitagem"), deixavam de escrever por lassidão, cansaço, exaustão, falta de disciplina... Outros anotavam nas cartas e aerogramas o seu pequeno dia a dia, incluindo a atividade operacional... Enfim, de uma maneira ou de outra, todos temos "pequenos apontamentos" da nossa passagem pelo inferno que foi a Guiné...
Nalguns casos, como o deste livrinho, são "flashes", relampejos da memória, que vêm contribuir, e em muito, para o preenchimento dos buracos do "puzzle" da nossa memória...
Por exemplo, quem é que sabia da história da Ponta de Jabadá onde o PAIGC até ao início do ano de 1965 era "rei e senhor", impondo ali o terror à navegação no Geba ?!...
Quando lá passei, ao largo, em LDG, no dia 2 de junho de 1969, o nosso medo era a Ponta Varela, logo a seguir, passada a foz do Corubal, já no Geba Estreito, antes de se aportar ao Xime... (Os barcos civis, ou "barcos-turra", que prosseguiam até Bambadinca tinham, no Geba Estreito, outro temível ponto de passagem que era o famigerado Mato Cão onde se podia, da margem direita, lançar uma granada de mão para o meio do rio.)
Jabadá ?... Já ninguém se lembrava em 1969,,,
Explica o autor:
"Depois de várias operações infrutíferas à Ponta de Jabadá, os barcos que navegavam no rio Geba, o que banha Bissau, contibuaram a ser castigados vom fogo do IN a partir dali. Da Ponta." (p. 76)
Foi por isso que os "maiores" de Bissau decidiram ocupar a dita Ponta (que outrora lterá sido uma bela horta de um algum colono cabo-verdiano). Com "um pelotão reforçado" (!), as NT foram mandadas ocupar o "antigo entreposto comercial".
A força era comandada pelo capitão Monroy, e tinha o apoio de uma fragata [, o autor queria dizer:LFG - Lancha de Fizcalização Grande] da Marinha, postada em frente, no Geba. (Este capitão Monroy [Garcia] devia ser o oficial de informações e operações do BCAÇ 599.]
"Fomos comandados pelo alferes Alcides Pereira e pela primeira vez foi também o médico, dr. Serpa Pinto, e o furriel enfermeiro Machado" (p. 76).
Ficamos a saber que:
"Jabadá era como que uma ilha. Rodeada a Sul pela grande bolanha, e Norte pelo rio Geba" (...).
Mas a fragata [leia-se: LFG] foi chamada a Bissau, para algum assunto mais urgente do que a guerra (, vá-se lá saber o quê e o porquê), e rapaziada passou a ser "bombardeada diariamente ao cair da noite" (p. 77). Jantava-se às 18h e recolhia-se aos "abrigos" às 19h.
Depois foram "40 dias de trabalho intenso", a construir abrigos "à prova de morteiro": com troncos de cibe, terra, e em cima uma camada de adobe. "De dia o trabalho e de noite o infeno"... Virá depois um reforço, um pelotão da CCAÇ 508, comandada pelo alferes Ferreira,
Pormenor delicioso é a foto (, infelizmente em miniatura) do ten cor [Carlos Barroso] Hipólito, comandante do batalhão [BCAÇ 599,] sediado em Tite, a atravessar o tarrafe às costas de um soldado, depois da gloriosa conquista da Ponta de Jabadá, em 29 de janeiro de 1965 (. precisamente no dia em que eu fiz 18 anos e dava o nome para a tropa)...
Em suma, o senhor tenente coronel não podia molhar o pezinho,,,
O Gonçalo Inocentes presta depois homenagem ao médico e ao enfemeiro que ficaram no destacamento. Do médico ele diz:
(...) "Ele é o anjo da guarda de todos os dias. (...) A relação de todos com o médico, ali o dr. Torcato Adriano Serpa Pinto, homem do Porto, era de filhos para pai. O carinho era mútuo" (p. 86).
Teve por isso, direito a um abrigo exclusivo, especial e seguro;
"No destacamento em Jabadá, o abrigo pessoal do doutor era mesmo a dois passos do rio Geba e por isso ele não dormia- Temia uma aproximação a coberto da noite pela margem do rio e o lançamento de uma granada para o sítio onde morava".
Qual foi a solução para pôr o médico "a dormir bem", o que era fundamental para que todos dormissem bem ? A ideia foi do fur mil Inocentes: "construir duas defesas paralelas rio adentro, que fizessem de anteparo o abrigo do doutor"... Cercado "de arame farpado à semelhança do Rommel nas costas da Normandia", o dr. Serpa Pinto nunca mais teve insónias nem pesadelos (p. 86).
É uma bonita história de homenagem e de gratidão aos nossos médicos... (**)
(Contnua)
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Notas do editor:
(*) Vd., postes anteriores:
9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21339: Notas de leitura (1303): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte I (Luís Graça): voltar a ouvir a máquina "Singer" da mamã nas matas e bolanas de Quínara,,,
10 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21344: Notas de leitura (1305): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte II (Luís Graça): a importância de se ter uma máquina fotográfica e um bloco de notas
(**) Último poste da série > 21 de setembro de 2020 > Guiné 671/74 - P21381: Notas de leitura (1308): “Henda Xala”, de Abílio Teixeira Mendes; Círculo de Leitores, 1992 (Mário Beja Santos)
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quinta-feira, 10 de setembro de 2020
Guiné 61/74 - P21344: Notas de leitura (1305): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte II (Luís Graça): a importância de se ter uma máquina fotográfica e um bloco de notas...
Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da Ponta de Jabadá, na margem esquerda do Rio Geba. Da ponta de Jabadá, o PAIGC flagelava a navegação do Geba. Até que esta posição foi conquistada pelas NT, em 1965, e montado lá um destacamento. O Gonçalo Inocentes conta como foi (pp. 76-79). Pertence à região de Quínara (ou Quinará, mas não Quinhará...)
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)
Capa do livro de Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (Vila Franca de Xira, ModoCromia, 2020, 126 pp, ilustrado).
Guiné > Bissau > Brá > c. 1964/65 > Fur mil at cav Gonçalo Inocentes, de rendição individual, tendo passado pela CCAÇ 423 e pela CCAV 488, entre 1964 e 1965.
Foto (e legenda): © Gonçalo Inocentes (20w0) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da apresentação do último livro do Gonçalo Inocentes (Matheos), membro nº 810 da nossa Tabanca Grande: foi fur mil at cav, CCAÇ 423 e CCAV 488 / BCAV 490, de rendição individual (1964/65), tendo passado por Bissau, Bolama, S. João, Ponta de Jabadá, e Jumbembem... Nasceu em 1940, em Nova Lisboa (hoje, Huambo, Angola). Está reformado da TAP e vive em Faro.
Este é o tipo de livrinho de memórias que todos gostaríamos de poder escrever e publicar em papel, reportando-nos à nossa experiência como militares na Guiné, entre 1961 e 1974. O que o nosso camarada Gonçalo Inocentes fez foi fazer uma seleção das fotos do seu álbum, tendo em conta o conteúdo temático e a qualidade da imagem... Ele é dos que acham que uma imagem vale muito, mas só por si não chega: é preciso uma legenda, uma data, um local, uma pequena história...
Damos alguns exemplos das suas pequenas crónicas, ilustradas por um grupo de imagens com valor documental... A ordem, sequencial, é meramente exemplificativa. De resto, o autor não apresenta nenhum índice:
(i) Quartel da CCAÇ 423, em São João , região de Quínara] (p. 21);
(ii) O batptismo de fogo (pp. 32.34);
(iii) Rendição (ao cansaço) (pp. 38-39);
(iv) Aerograma (pp. 42-43);
(v) Os tornados (pp. 56-57);
(vi) Minas e fornilhos (pp. 60-61);
(vii) Os guias (pp, 66-67);
(viii) Nova Sintra- Serra Leoa (pp, 71-73);
(ix) Ponta de Jabadá: os dias difíceis (pp. 76-77);
(x) Os chefes dos residentes, Malan Cassamá e Secu Camará (pp. 78-79);
(xi) Capitão Monroy (pp. 81-82);
(xii) O médico [, dr. Torcato Adriano Serpa Pinto, natural do Porto] (pp. 86-88);
(xiii) Dia negro (pp. 89-90);
(xiv) A grande bolanha (pp. 92-93);
(xv) Alegria de viver (pp. 95-96);
(xvi) A despedida (da CCAÇ 423) (pp. 99-100);
(xvii) Com a marinha (pp. 103-105);
(xviii) CCAV 488 (pp. 106-107);
(xix) João Landim (pp. 108-109);
(xx) São Vicente (p. 110);
(xxi) Eu vi um banho na Guiné (pp 111-113);
(xxii) The end (pp. 115-118);
(xxiii) Cruz Potenteia (pp. 122-123).
A técnica é simples e está ao alcance de todos: basta pegar em lápis e papel (ou no teclado do computador) e passar à escrita o turbilhão de memórias que ainda temos na cabeça: memórias dos lugares, das pessoas, da geografia, da a fauna e da flora, das peripécias da tropa e da guerra, etc., à mistura com os sentimentos (, de alegria, de tristeza, de medo, de euforia, de descoberta, de revolta, de esperança, de amizade, de camaradagem, etc.) que todos experimentámos, ao longo de quase três anos, envergando a farda do exército português naquela "terra verde-rubra"... Depois, todos temos algumas notas escritas, nas fotos, nos aerogramas, em cadernos, em diários, etc.
O título do livro pode (e deve) basear-se numa imagem ou ideia fortes: por exemplo, o som das "costureirinhas", servindo de fio condutor à narrativa...
No caso do Gonçalo Inocentes, julgo que ele aproveitou bem o confinamento imposto pela pandemia de covid-19, e teve também o nosso blogue como auxiliar de memória, recorrendo por exemplo aos mapas do território, que disponibilizamos "on line". As suas memórias são muito importantes, até por que se trata de um camarada, nascido em 1940, e que ainda é do tempo da farda amarela (o camuflado veio depois) e do início da G3... Chegou à Guiné em abril de 1964, num altura em que os "periquitos" ainda eram "maçaricos"...
2. Mas retomando o fio à meada (*), vemos o nosso camarada, com dois anos de tropa passados em Santarém, na Escola Prática de Cavalaria, e um 12 de nota final do CSM, o curso de sargentos milicianos, ser mobilizado para o TO da Guiné, em rendição individual, ser metido num DC6, aterrar em Bissalanca, ficar uma noite em Brá, e partir, no dia seguinte, de barco, para Bolama e, depois, para São João, seu destino final (pp. 16-21).
Pormenor delicioso: durante a viagem, no DC6 (,carregando "carne para canhão", homens para a guerra no mato, mas também senhoras de graduados que iam para as "intermináveis sessões de canasta" de Bissau), o Gonçalo Inocentes conhece um outro angolano, o capitão 'comando' [Maurício] Saraiva, que não está com meias tintas, quando sabe o seu destino, e lhe dispara: "Estás fodido, pá. Tem um capitão que é uma merda e já tem uma mão cheia de mortos"... Referia-se à CCAÇ 423, que estava em São João...
Não sei se o autor confirmou esta impressão à chegada à sua nova unidade, "sua nova morada e nova família" (p. 19)... Mas as fotografias que publica na pág. 21 são elucidativas; aquilo não era um quartel, era um "bidonville tropical"... E a sua receção está de acordo com as NEP:
"Na varanda da única casa existente. estava o capitão Nuno Basto Gonçalves, sentado, com uma toalha ao pescoço e era barbeado por um soldado. Tinha a seu lado sentada uma mulher chinesa. À volta era um quartel de lata (...). Apresentei-me, como é norma no exército. O capitão com aquela secura que é própria dos capitães, apenas me disse: 'Está apresentado'. Nem mais uma palavra" (p. 20).
E mais à frente uma estendal improvisado, com roupa ímtima feminina estendida... E havia uma impedido para tratar da roupa da senhora...
Não menos calorosa foi, num outro dia, a saudação que veio do ar, do na altura furril mil pil Honório Brito da Costa. Eram já amigos um do outro, do tempo da Escola de Regentes Agrícolas de Santarém. Um angolano, outro cabo-verdiano. Nas férias, em Lisboa, encontravam-se no Café Palladium, nos Restauradores, ou na Suíça, no Rossio. E tinham por hábito, ir a pé até à Portela de Sacavém, tomar uma bica na varanda do 1.º andar do aeroporto, só para "ver... os aviões".
Quis o destino que se encontrassem na Guiné, na mesma altura... mas sem o Honório saber onde estava o amigo... Até que o descobriu e fez-lhe uma surpresa... Numa manhã, o aquartelamento de São João foi sobrevoado, em voo rasante, por um T6 Harvard, pondo a tropa em sobressalto. Pela rádio, ouviu-se o piloto a pedir para chamar o furriel Inocentes. Finalmente, em contacto via rádio, o Honório em fúria desanca no Inocentes: "Cabrão, cabrão, cabrão! Ando doido à tua procura! Não sabias dizer onde estavas ?"... E deu-lhe um abraço "by air" que se ouviu em toda a Guiné... e em Bissalanca.
Claro que o Honório deve ter levado uma porrada... Mas esta é uma das histórias deliciosas que o Inocentes nos conta, e que eu resumo aqui para os nossos leitores.
Mas há mais (p. 24): meses depois, com o Inocentes de férias, em Bissau, ele e o Honório foram ao baile dos finalistas do Liceu Honório Barreto [, lapso: eram da Escola Técnica de Bissau...], na "inesquecível noite de sábado do dia 5 de junho de 1965"... Ambos entram sem convite porque o Honório era... um senhor e era cabo-verdiano!... Mas ao Virgínio Briote e outros comandos foi-lhes barrada a entrada!... Acabou tudo à pancadaria, como sabemos (**).
Falando do Honório (***) "como senhor", o seu amigo acrescenta:
"(...) O Honório ficou conhecido por toda a Guiné. Era o único furriel que tinha entrada na messe de oficiais da marinha, onde a discriminação de 'ranks' era pior que racismo"(p. 24).
Guiné > Bissau > Associação Comercial, Industrial e Agrícola > 5 de junho de 1965 >O baile dos alunos finalistas da Escola Técnica de Bissau. Imagem da revista "Plateia", de julho de 1965, digitalizada e gentilmente cedida pelo Virgínio Briote.
(Continua)
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21339: Notas de leitura (1303): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte I (Luís Graça)
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quarta-feira, 9 de setembro de 2020
Guiné 61/74 - P21339: Notas de leitura (1304): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte I (Luís Graça): voltar a ouvir a máquina "Singer" da mamã nas matas e bolanas de Quínara,,,
Capa do livro de Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (Vila Franca de Xira, ModoCromia, 2020, 126 pp, ilustrado).
1. Já aqui apresentámos, ainda recentemente, o autor, o Gonçalo Inocentes (Matheos), membro nº 810 da nossa Tabanca Grande (*): foi fur mil, CCAÇ 423 e CCAV 488 / BCAV 490, de rendição individual (1964/65), tendo passado por Bissau, Bolama, S.João, Jabadá e Jumbembem...
Regressou depois a Angola, onde nascera, em 1940, em Nova Lisboa (hoje, Huambo), para exercer a profissão de Regente Agrícola na Sociedade Agrícola do Cassequel, tão profundamente ligada à colonização de Angola ... "Quatro anos depois fiz a agulha e passei-me para a aviação. O meu primeiro trabalho foi voar para os quarteis do norte para fazer reabastecimentos. Acabei na linha aérea (TAAG) e, com a descolonização, acabei na TAP onde permaneci até ser apanhado por um enfarte cardíaco o que me levou para a reforma"... E no "estaleiro" descobriu a sua vocação de escritor... Vive atualmente em Faro.
O livro que acaba de editar tem um título, "O Cãntico das Costureiras", que o autor justifica, recorrendo à sua "memória auditiva": no seu ouvido ficou para sempre a máquina Singer da sua mãe, esposa do secretário da Câmara Municipal de Nova Lisboa, "a cozer dezenas de bandeiras para as festas de recepção a um qualquer figurão" de visita à cidade e à região...ou a fazer os vestidinhos das manas (pp. 15-16)...
Vinte anos mais tarde, "nas matas e bolanhas da Guiné", em 1964/65, irá ouvir outra música, outras "costureiras", as PPSH-41 Shpagin, a famigerada pistola-metralhadora russa, a irritante "costureirinha" que ficará, para sempre, nos ouvidos da maior parte dos combatentes da guerra colonial.
Julgo que a alcunha por que era mais conhecida a PPSH-41, pelas NT, no CTIG, era "costureirinha", e talvez o título do livro ficasse melhor, ou mais intelegível, com a subtil alteração para "O Cântico das Costureirinhas"...
Guiné > PAIGC > Novembro de 1970 > Um guerrilheiro empunhando uma PPSH (a irritante costureirinha, uma arma temível sobretudo em emboscadas a curta distância)...
Segundo o nosso especialista de armamento, o Luís Dias, "a pistola-metralhadora PPSH-41, concebida por Georgii Shpagin, conhecida pelas nossas forças como a Costureirinha, e pelo PAIGC como a Pachanga, foi uma das pistolas metralhadoras mais fabricadas no mundo (mais 6 milhões de exemplares), e largamente utilizada pelo exército soviético na II Guerra Mundial. No pós-guerra foi usada nos países satélites, na China, Vietname e nos movimentos de libertação africanos".
Fonte: © Nordic Africa Institute (NAI) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI)
O autor define o seu livro como "um conjunto de crónicas contando um história": com 126 páginas, é profusamente ilustrado (mais de 140 fotos, em formato pequeno ou médio), com textos em prosa e em verso. O autor segue uma ordem mais ou menos cronológica, desde a tropa, a mobilização para a Guiné, a comissão de serviço e o regresso a Lisboa. Partiu, de avião, num DC6, em 8 de abril de 1964. E voltou no T/T Niassa em 14 de agosto de 1965. Dois anos de tropa, 16 meses de Guiné. Foram quase três anos e meio de uma "vida adiada". (**)
O autor viveu três guerras (e isso quer dizer três perdas), a da sua terra, Angola (1961-1974), a da Guiné (1964/65) e depois a guerra civil que deflagrou, de novo em Angola, com o 25 de Abril, na sequência da luta pelo poder entre os três movimentos nacionalistas.
"As cheias do rio Catumbela" é um dos livros que escreveu com as suas marcantes experiências de Angola, mas que ainda não lemos (Lisboa, Chiado Books, 2015, 258 pp.).
O livro agora em apreço, e de que o autor nos mandou pelo correio um exemplar, com dedicatória ("Como um reconhecimento pelo teu notável trabalho. 27-08-20", querendo por certo referir-se ao nosso trabalho como fundador e editor do blogue coletivo, Luís Graça & Camaradas da Guiné), é também fruto da pandemia de Covid-19, ou seja, é também ele marcado pela memória do confinamento e do "arame farpado" da guerra da Guiné.
Para além de Nova Lisboa (e possivelmente Luanda), há outra terra que o terá marcado, Santarém, em cuja Escola Agrícola estudou e onde também fez a tropa, a recruta e o CSM, na Escola Prática de Cavalaria (EPC) (pp. 17-19).
"Em Santarém conheci ali homens extraordinários como o tenente miliciano Joaquim Peixinho, formado em direito, mas que fez um período militar prolongado e que foi o meu primeiro comandante de pelotão. Aceitou com entusiasmo que o meu colega Carlos Alcântara e eu introduzíssemos cânticos da tropa indígena de Angola nas marchas do pelotão. Era uma alegria" (p. 19).
Conheceu ali também "o alferes da academia Duarte M. Rocha Pamplona" com quem trabalhou como instrutor na recruta: "um militar de corpo inteiro", que no TO da Moçambique irá perder, em combate, as duas pernas, sendo agraciado com a Torre e Espada. (p. 19). Já a meio da comissão, em 1 de maio de 1975, o Gonçalo Inocentes irá parar à CCAV 488, comandada por outro militar do seu tempo de Santarém, o capitão Lourenço Fernandes Tomaz (p. 106).
O Ribatejo e a sua idiossincrasia igualmente afloram nas páginas deste livrinho:
"Eu tive uma cruz muito especial. A Potenteia [termo da heráldica: cruz vazada, cujas hastes são rematadas por figura quadrilonga]. (. ..). Em bronze martelado. Antes de embarcar para a Guiné fui à Chamusca despedir-me dos amigos e Maria Helena Fragoso, uma senhora da família Núncio, colocou-ma no pescoço com um cordão de cabedal. Deu-me dois beijos e disse_ leva-a que ela te trás de volta" (p. 122).
Esta senhora, já falecida em 1987, foi a primeira madrinha do Grupo de Forcados de Santarém, conforme foto que o autor publica (p. 123).
A verdade é que a cruz foi e voltou e foi devolvido, como talimã, à Maria Helena Fragoso: quando o nosso camarada desembarcou do T/T Niassa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, foi ela a primeira pessoa que ele foi visitar antes de ser desmobilizado.
Outra cidade do seu imaginário é a Lisboa da noite e do fado: durante um mês, aboleadi no Quartel Geral de Adidos, na Calçada Ajuda, aguardou ali o transporte aéreo que o levaria até Bissalanca (pp. 10-15). Pelo que ele nos conta tinha "via verde" para sair e entrar, tendo apenas que se apresentar no quartel, em determinados dias...
O fado, as fadistas Beatriz Ferreira, Gina Guerra (Lisboa, 1938 - Lisboa, 2008) e Beatriz da Conceição (Porto, 1939 - Lisboa, 2015), a mítica casa de fados "Viela", na rua das Taipas, fazem parte das suas da sua "inesquecíveis mão cheia de boas recordações" desse tempo de espera (p. 16). Também há uma referência, menos elegante, ao Carlos do Carmo, que ele conheceu, com a namorada, num noitada. Na sua despedida, na Portela de Sacavém, teve a presença das fadistas que trabalhavam na "Viela", além do seu cunhado, Rui Barroso. E ficou para sempre grato ao fado:
"Tinha lá andado um mês a despedir-me da vida. Todas as noites. Viela, onde encontrei todo o amor que precisava" (p. 15).
Enfim, sem ser um poeta maior, deixa escrito uma homenagem à Beatriz Ferreira (, artista hoje injustamente esquecida), que poderia ter origem a um fado, a figurar no nosso Cancioneiro de Gerra:
"Os fados que me cantaste, /Cartas de amor ao ouvido. / Os fados que me cantaste, mensagens ao coração,/ que levei no meu bornal, / onde pousei a cabeça, / naqueles matos distantes, / em noites intermináveis, / em noites tão escaldantes. / Foste a minha travesseira, / Foste a minha companheira." (p. 13).
(Continua)
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(**) Último poste da série > 7 de setembro de 2020 > Guiné 671/74 - P21334: Notas de leitura (1302): “Escravos em Portugal, Das origens ao século XIX”, por Arlindo Manuel Caldeira; A Esfera dos Livros, 2017 (Mário Beja Santos)
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