sábado, 19 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2779: Estórias do Juvenal Amado (8): O último Natal em Galomaro (Juvenal Amado)

1. Em 17 de Abril último, o co-editor VB tinha mandado ao Juvenal Amado a seguinte mensagem:

Caro Juvenal,

Esta história, que tu tão bem contas, não foi única. Aconteceu várias vezes ao longo do tempo que a guerra durou. A maioria a tiro (entre outros, o caso do Cap Romero, em Jumbembem, já aqui relatado) (1), um ou outro à granada, um ou dois enforcados, todos nós ouvimos falar ou mesmo presenciámos alguns destes casos. Assiste-te o direito de pôr reservas em divulgar este infeliz acontecimento, neste caso com um final feliz.


Publicar tal como está? Publicar com os nomes em iniciais? Ou não publicar?
O que decides?
Um abraço,
vb


2. Resposta de imedaito do Juvenal:

Tenho hesitado, por diversas vezes, em publicar esta história uma vez que envolve um drama pessoal. Por outro lado, penso que a nossa situação e o que se lá passou só pode ser retratado se não omitirmos as nossas tragédias pessoais. Só uma situação de dor extrema pode provocar tal agressão a nós próprios.

Dirão, quem não passou por lá, que este episódio nada tem a ver com a guerra. Mas nós sabemos o que levou a actos como estes.

Juvenal Amado
__________



3. UM SORRISO TÍMIDO

Juvenal Amado (2)

Ex-1.º Cabo Condutor

CCS/BCAÇ 3872

Galomaro

1972/74


Estávamos verdadeiramente enfastiados naquela noite. O calor dentro do abrigo era sufocante. Todo o dia à chapa do sol transforma-o num autêntico forno à noite.


O Aljustrel senta-se na cama com os pés pendurados e diz:
-Tenho ali uma garrafa de whisky que me está a estragar a mala toda.
- Não és homem nem és nada se não a fores buscar já - disse pouco convencido que o desafio resultasse.


Estávamos em Janeiro de 1974 e muitos dos meus camaradas já tinham feito a mala, convictos que a partida estava para breve. Tínhamos acabado de passar o terceiro Natal, facto que estava a mexer com a malta.

À luz dos petromaxes (em muitos locais), de camuflados, pratos e travessas de aluminio, assim se passavam os Natais em Galomaro e em quase todos os locais onde houvesse um aquartelamento. Os Comandos dos Batalhões e Companhias faziam questão em que a data fosse comemorada com bacalhau, batatas e rabanadas que nem sempre estavam em todas as mesas de todos os destacamentos, mas cerveja, vinhos e uísque raramente faltavam.

Nesta mesa de Natal o único sorridente era o alferes (um piriquito que, em rendição individual, tinha substituido o alferes Mota, morto pelo paludismo).

Natal em Galomaro. Rostos espantados para a máquina.

Fotos: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados.

O Aljustrel, acto contínuo, puxa a mala para cima da cama, abre-a, tira de lá uma Old Parr e diz:
- Vamos ter com o Ivo e bebemos lá a garrafa.

E assim só em calções, atravessámos o quartel, tendo cuidado de passar por de trás da messe, pois o comandante podia ver-nos e chatear-nos por irmos meios nus. Seriam perto das 21 horas, já era de noite há muito tempo. Entrámos no abrigo do Pel Rec e lá estava o Ivo.

Bebemos a garrafa. Aliás, coisa que não era nada difícil naquele tempo. Já meios atordoados, regressámos ao nosso abrigo pelo caminho mais curto, que era entre os abrigos e os edifícios que compunham os alojamentos dos oficiais e sargentos. Esse caminho embora mais curto, era cruzado por valas de escape, que davam acesso às valas de defesa, o que tornava o percurso cheio de armadilhas.

Lá chegámos ao nosso abrigo, seriam perto das 23 horas. Deitei-me meio zonzo. Ainda ouvi o pelotão de patrulha nocturna, no regresso ao quartel, proceder ao desarme da G3, tirando as balas das câmaras.

O alferes Lameiras comandava esse pelotão que regressava.O alferes entrou no quarto onde estava o tenente Matos e o alferes Orlando, que há já algum tempo não podia ficar sozinho. Encostou a G3 à parede, retirou o cinturão com os carregadores de munições bem como os porta-granadas e, como era costume, pendurou-o na própria espingarda.

O tenente, como estava pré estabelecido entre os oficiais, assim que chegou companhia para vigiar o camarada, saiu e recolheu ao seu quarto. O alferes Lameiras, pegou na toalha e dirigiu-se aos balneários para tomar banho.

O Alferes Orlando assim que ficou sozinho, levanta-se da cama, vai aos porta-granadas, retira uma defensiva, tira-lhe a cavilha, deita-se e lança a granada para debaixo da própria cama.

Mal tinha pegado no sono e um enorme estrondo ecoou. Saltei para a vala, mas como mais nada aconteceu, vi que não era ataque. Para os lados dos quartos dos graduados, é que havia algum reboliço e não foi difícil adivinhar, que algo de grave se estava a passar.

Estava um dos quartos totalmente esventrado, quase sem telhado, janelas e vários pequenos incêndios. No chão todo negro, quase irreconhecível no meio dos escombros, estava um corpo. Estava vivo.

O médico, mais enfermeiros, prestavam os primeiros socorros. Lascas de madeira, tinham-lhe dilacerado o corpo em especial as costas. Essas lascas eram da prancha de madeira, que era hábito pôr entre o colchão de arame e o de espuma, o que lhe acabou por salvar a vida.
Fomos como é bom de ver afastados dali, também nada podíamos fazer a não ser estorvar.

A evacuação só se viria a processar já de dia, uma vez que os helis não operavam durante a noite. A evacuação veio às primeiras horas da manhã.

Viemos a saber que em Bissau, foi internado no hospital militar, para tratamento das feridas do corpo e da mente. Por milagre não corria perigo de vida, felizmente.

No dia do embarque do batalhão, lá estava ele ainda convalescente no cais, a despedir-se, com aquele sorriso de menino tímido, que sempre lhe conheci. Ficou no cais a ver o barco fazer-se ao mar. Só virá a regressar mais tarde.

Muitos anos depois, soube que estava bem, que tinha ultrapassado aquele dia em que pensou resolver os seus problemas, através daquela granada.

Juvenal Amado

__________

Nota de Juvenal Amado:

Os nomes dos intervenientes são forjados. Tive algum pudor em pôr os nomes verdadeiros, assim a estória poderá ser publicada como nosso direito de denunciar o mal que nos foi feito.
Para este camarada foi possivelmente demais o terceiro Natal .

Todos nós quando embarcávamos para a Guiné sabiamos que a comissão não deveria ultrapassar os 18 meses. Facto que nunca se cumpriu e que, no nosso caso, se juntarmos o tempo de viagem foram 27 meses. É pois para publicar se tiver valor para isso.

Juvenal Amado
__________

Edição de vb.

(1) Vd. texto de 8 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2335: A trágica morte do Cap Rui Romero: 10 de Julho de 1966, dia de correio (Artur Conceição)

(2) Vd. última história do Juvenal: 30 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2702: Estórias do Juvenal Amado (7): A Caminho de Buruntuma (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P2778: Álbum das Glórias (45): Bacari Soncó, ex-comandante do Pel Mil Finete e actual régulo do Cuor, Janeiro de 2008 (Beja Santos)

Guiné-Bissau > Janeiro de 2008 > Fotografia de estúdio de Bacari Soncó, antigo comandante de milícias de Finete, na altura em que o Beja Santos era o comandante do Pel Caç Nat 52, e estava em Missirá (Agosto de 1968/Outubro de 1969), e actual régulo do Cuor.

Foto: © Beja Santos (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem enviada pelo nosso amigo e camarada Beja Santos, em 7 de Fevereiro último. Recorde-se que

No dia de Natal de 2007, fui a casa do tenente-coronel Henrique Jales Moreira, o último oficial de operações em Bambadinca, [ BART 3873,] e entreguei-lhe uma carta para Bacari Soncó, um dos meus mais queridos amigos, antigo comandante de milícias de Finete e actual régulo do Cuor.

A resposta acaba de me chegar pelas mãos de Cherno Suane. Ficamos a saber que Bacari Soncó também nunca me esquece, que sente a responsabilidade de zelar pelas gentes do Cuor e sofre com os estilhaços de uma bala que lhe dificulta o andar.

Vou já escrever-lhe para lhe dizer que no dia 6 de Março [de 2008] só pensarei nele no lançamento de um livro onde os Soncó são exaltados como gente hospitaleira e de uma bravura inexcedível (1).
___________

Nota de L.G.:

(1) 1) Vd. postes de

8 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2617: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2647: Imagens da apresentação do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P2777: Blogoterapia (49): Literatura da Guerra Colonial (Augusto Dias)

A vã glória de se ter sido grande

Augusto Dias
Ex-Fur. Mil. Enfermeiro

Há dias vi um programa na TV sobre a guerra "colonial", que procurava perceber a causa da actual proliferação de tanta literatura sobre o assunto.
A guerra "colonial" com todas as outras guerras maiores ou menores, mundiais ou regionais, não passam do único processo que o homem tem de resolver os seus diferendos.


Guiné, bolanhas, riachos, água, paisagens africanas de fazer os olhos felizes nos intervalos das batalhas de uma das mais cruentas Guerras da história de África.

Selvagem, que a evolução ainda não conseguiu sublimar os instintos predatórios primários, o homem encara e sempre encarou, a guerra como uma das suas principais atribuições, no seu mundo dito "civilizado". Tal acontece, por desprezar a existência do seu semelhante, que elimina, sem pestanejar, sempre que acha necessário.
Este acto de eliminação não é incriminado por nenhum código penal, pois o fazer a guerra, é ter autorização para matar impunemente e, não me venham com essa treta das regras da guerra, nela vale tudo de acordo com as necessidades.


Ainda o combate decorria, o corpo ainda quente a ser coberto pelos Camaradas.
"Op Ostra Amarga" (*). Imagem obtida momentos após a emboscada que custou dois mortos à CCAV 2487 e extraída do filme da reportagem efectuada por um grupo de jornalistas franceses ao território da Guiné. Em I.N.A., com a devida vénia.
Protegida pelo "código de honra da guerra", a barbárie indiscriminada é de todas as bandeiras e, a perversidade aceite como táctica. Numa guerra nunca há um lado bom ou um lado mau, só há um lado sem qualquer qualificação, onde sem nó nem piedade se soltam os cavaleiros do Apocalipse. Maldita condição humana: A GUERRA.

De tudo o que ouvi, das causas da presente literatura dedicada ao conflito africano, chamemos as coisas pelo seu nome, nada de alcunhas de circunstância, não me ficaram mais do que subjectivas interpretações, produto da factualidade da vivência, por isso limitada, destes novos salvadores da honra nacional.

A literatura não abundou anteriormente, por que nós por cá, interpretámos a guerra africana, não como um conflito para onde as forças das circunstâncias nos tinham atirado, mas de como, algumas "mentes brilhantes", complexadas e comprometidas, defendiam, um acto criminoso, efectuado por criminosos, a mando de criminosos.


Como é que uma pessoa, cuja acção é considerada criminosa, pode falar dela? Como é que uma pessoa, por contar uma história de sangue, suor e lágrimas, a sua própria história, é considerada criminosa?
Hoje, com o declínio dos opinion-makers da desgraça, que só viam na guerra africana, nada mais do que um chorrilho de massacres praticados pelos intervenientes portugueses, as pessoas começam a contar as suas vivências e com elas formar a história dessa guerra, não abjecta como muitos nos querem fazer crer, mas de uma inevitabilidade factual, que levou milhares e milhares de jovens, abnegadamente, a defender a Pátria.

Relembrar os que voltaram e nunca esquecer os que lá ficaram, é mais que uma obrigação, é um dever.

Falar mal da nossa gesta africana é pôr toda a nossa história em causa. O D. Afonso Henriques, que recusou ser vassalo e foi matador de mouros, os nossos grandes navegadores, desde o Bojador até à Índia dos marajás, os que aportaram à Taprobana, Calecut e a malta do Malabar, os intrépidos da China dos mandarins e do Japão dos samurais, os almirantes do Índico, os mercadores das especiarias, os que nos apresentaram ao Mundo, os que se afogaram, os que foram mortos pela espada, os que apodreceram com escorbuto, os que mirraram nas prisões, os que ninguém conheceu e não fala deles, os que naqueles tempos, defenderam os de hoje, quem sabe até, se na fúria doentia de tudo querer deitar borda fora, queiram considerar o Condestável um general criminoso, por ter feito o castelhano cair na armadilha e depois foi um matar que fartou. Eu, só choro Alcácer Quibir e agradeço a Camões, por mim e pela Pátria.

Nós não passamos daquilo que somos, uns mesquinhos que, para ganhar notoriedade, passamos a vida a dizer mal de nós próprios.

__________
Fixação e adaptação do texto da responsabilidade de vb. Artigos relacionados em

(*) 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça) e

9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1510: Os heróis do Chão Manjaco e o Alferes Giesteira (Paulo Raposo)

Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Maio de 1974 > "Um bigrupo do PAIGC, a chegar para um encontro connosco em Mampatá e depois de partida".
Fotos e poema: © José Manuel (2008). Direitos reservados.



As duas faces da verdade (1)

a outra face da verdade
é só
o outro lado da história
é apenas
outra maneira de sentir
é só
o reverso da medalha
o outro ângulo
outra maneira de ver
e põe em causa
a minha razão
mas terei nunca
vergonha
desta farda que me cobre
quero sim é entender
a outra face da verdade.

Mampatá 1974

josema

________
Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P2775: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (3): Nem só de guerra vive um militar



Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do RCorubal > Gampará > 1972 > "Nunca como aqui rapei fome" (AM)...

Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do RCorubal > Gampará > 1972 > "Em Gampará com o meu grande amigo Furriel Cmd Ludgero dos Santos Sequeira, a quem mais tarde na picada do Cufeu (outra vez) numa mina iria ficar às portas da morte, ficando quase cego até aos dias de hoje. Continuamos grande amigos.Um abraço para ti, Sequeira!" (AM).

Foto: ©
Amilcar Mendes (2007). Direitos reservados.

1. Texto do Amílcar Mendes, ex-1º Cabo Comando, 38ª CCmds (Guiné, 1972/74), cumprindo o seu compromisso connosco (1) de dar continuidades às suas crónicas de Gampará (2).

Diários de um Comando > Gampará (Setembro - Outubro de 1972) > Nem só de guerra vive um militar (3)

por Amílcar Mendes

(Subtítulos: L.G.)

(i) A cerveja de marca Mijo

Em Gampará não existe gerador. As noites são mesmo noite e, tirando umas chamas improvisadas nas garrafas de Cristal, nada se vê. No arame farpado duplo, os sentinelas esfregam os olhos para tentar distinguir vultos junto ao arame farpado. Pendem do arame centenas de garrafas de cerveja vazias que são o último grito em tecnologia de alarme.Nesta terra do nada, nada há.Temos uns bidões vazios, fizemos umas caleiras em chapa para apanhar a água da chuva e é dessa água que enchemos os cantis e nos lavamos.

A população beafada, embora seja muito hospitaleira, é muito ciosa das suas coisas e não abre mão dos animais, somos então obrigados a ir ao desenrasca até porque já atingimos a saturação dos petiscos de Gampará: cubos de marmelada com bianda, bacalhau liofilizado com bianda, chouriço intragável com bianda e tudo acompanhado por cerveja com temperatura ao nível do mijo... Dizia-se então em Gampará quando os hélis vinham trazer mantimentos, que vinham entregar cerveja marca Mijo. Assim se vive em Gampará!

(ii) Feliz Natal e um Ano Novo cheio de 'propriedades'...

Todas as noites e sempre à mesma hora, na ausência de música, ficamos entretidos a tentar contar as morteiradas que brindam o destacamento do Xime! Ficamos à espera quando acaba lá e os tubos sejam virados para o nosso lado... Nunca na Guiné atingi um estado de magreza igual. Nunca na Guiné as condições de vida foram tão miseráveis.

Entramos no mês de Outubro e vei-o cá uma equipa da Emissora Nacional para gravar as mensagens de Natal para a nossa família. Não foi fácil .Todos íamos para um canto repetir vezes sem conta: Queridos Pais, irmão e irmãs e restante familia, dezejamos um Natal feliz e um Ano cheio de 'propriedades'!... Esta ultima palavra era emendada mil vezes, que isto com os nervos e emoção não é fácil !

E como a ladainha era igual para todos, só muito depois é que muitos se lembravam que só tinham irmão ou irmãs, mas isso não era probolema. Estavam presentes as Senhoras do Movimento Nacional Feminino. Animavam-nos porque a meio da mensagem muitos desatavam a chorar. Uma das Senhoras era de uma simpatia sem igual.(Só anos mais tarde soube que era a Cilinha!) .

(iii) O dia mais feliz: quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau...



Em Gampará um dia verdadeiramente feliz para os militares era quando chegava a LDG e vinham as meninas de Bissau trazidas pelo Patrão, e que tinham por missão aliviar o stress do pessoal.

As meninas chegavam, instalavam-se numa tabanca, o pessoal passava pelo posto de enfermagem (?), recebia o sabão asséptico, o tubo da pomada para meter pelo coiso acima a seguir ao acto... Entretanto formava-se a bicha e trocavam-se larachas para matar o tempo, do tipo Quando chegar a minha vez com tanta gente, 'aquilo' parece o arco da Rua Augusto!.

A seguir era rezar para que o esquenta não aparecesse...


(iv) O nosso regresso a Bissau


19 de Outubro de 1972. Soubemos hoje que metade da 38ª CCmds regressa amanhã e outra metade irá permanecer aqui a fim de dar o treino operacional à CCAÇ 4142 até 3 de Novembro de 1972. O meu Grupo de Combate será um dos que regressa.

Gampará, com todas as privações, teve o mérito de reforçar ainda mais os laços de amizade e confiança da 38ª CCmds. Aprendemos na privação a dar valor às pequenas coisas que a vida nos dá. A amizade entre os praças, sargentos e oficiais é na 38ª CCmds visivél a quem observa a Companhia de fora. Essa amizade irá refletir-se em diversas ocasiões e irá levar a Companhia a muitos sussecos na actividade operacional.

20 de Outubro de 1972. Pela MSG imediata 3831/c , a 38ª CCmds regressa a Bissau, donde segue para Mansoa para um peróodo de descanço, ficando apenas a realizar segurança imediata ao Aquartelamto. (Esse período de descanso só durou três dias, logo aseguir correram conosco para Teixeira Pinto, de tão má memória para a 38ª CCmds)

Amílcar Mendes
1º Cabo Comando
38ª CCmds

Guiné 72-74


PS - Com um abraço para ti, Luís, e todos os tertulianos e continuarei aqui.
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2742: Blogoterapia (46): Promessa de comando: vou retomar as minhas crónicas de guerra (Amílcar Mendes, 38ª CCmds)

(2) Vd. postes anteriores:

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1930: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (1): Um sítio desolador

(...) "Gampará à vista! Desolador! O quartel é só tabancas que a tropa divide com a POP, arame farpado a toda a volta e uma dúzia de torreões com sentinelas. É aqui que iremos viver até quando calhe" (...).

16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1956: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (2): Passa-se fome, muita fome

(...) "Tivemos problemas sérios com a população. O 1º cabo Simão (que meses mais tarde viria a morrer na estrada Teixeira Pinto - Cacheu) roubou um porco que se matou e assou no forno do padeiro para melhorar um pouco a diete do pessoal. Só que, e sabe-se lá como, o Homem Grande da tabanca descobriu e foi-se queixar ao comandante. Fomos obrigados a pagar o porco e de castigo fomos p'rá mata" (...).

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2774: O Nosso Livro de Visitas (13): António de Sá Fernandes, ex-Alf Mil da CART 3521 (Guiné 1971/73)

1. Em 17 de Abril recebemos uma mensagem de António de Sá Fernandes

Meu caro:
Acabei de tomar conhecimento de uma série de coisas na NET, sobre a Guiné; inclusive a existência de um blogue.
Queria fazer o primeiro contacto para fazer a minha entrada nesta rede de ex-combatentes na Guiné.

Um abraço
António de Sá Fernandes
Ex-Alf Mil
CART 3521
1971 - 1973

2. Em 18 de Abril foi enviada a seguinte resposta a este nosso novo camarada

Caro Camarada António Sá Fernandes

Em nome do Luís Graça, Editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, venho dar-te as boas vindas.
Ficamos radiantes sempre que um camarada da Guiné nos encontra e deseja integrar o nosso Blogue.

Somos uma tertúlia de ex-combatentes e, de amigos da Guiné que não tendo sido militares naquele território, tem com ele alguma afinidade.

Na nossa página encontrarás as 10 normas de conduta, muito fáceis de seguir, aliás.
Tratamo-nos todos por tu, independentemente dos antigos postos militares, da idade e do nosso lugar na Sociedade. Entre camaradas não pode haver qualquer tipo de descriminação ou distinção.
Respeitamos as ideias de cada um, discutindo-as dentro do mais elevado civismo.
Não nos intrometemos, de maneira nenhuma, na política interna da Guiné-Bissau, país livre e independente que respeitamos como tal. Consideramos os guineenses nossos irmãos e o nosso inimigo de ontem, é hoje um aliado que pode contribuir para o conhecimento do outro lado da guerra. Fomos todos vítimas indefesas do mesmo regime.

Aceitamos este Blogue como um local onde podemos contar as estórias vividas na Guiné e encaramos isto como meio de fazer catarse. Ao mesmo tempo, contribuímos para dar a conhecer um momento da História contemporânea de Portugal que esteve na prateleira durante muitos anos, até se tornar praticamente desconhecida da maioria das pessoas.

Como vês camarada, tens hipótese de aumentar o nosso conhecimento, enviando as tuas estórias acompanhadas (ou não) de fotografias para as ilustrar.

Para começar, peço-te uma foto do tempo de tropa e outra actual, tipo passe de preferência, que farão parte da nossa fotogaleria e que acompanharão as tuas narrativas, quando publicadas. Poderás começar por contar um pouco da história da tua Unidade.

Em nome de toda a Tertúlia deixo-te um abraço fraterno e aguardamos a tua entrada formal na nossa Caserna Virtual ou Tabanca Grande como também é conhecido o nosso Blogue.

Carlos Vinhal

Guiné 63/74 - P2773: Álbum das Glórias (44): A viatura AEC Matador 4x4 e outras peças do museu da artilharia (Nuno Rubim / Torcato Mendonça)

Évora > Regimento de Arilharia Ligeira (RAL) 1 (que passou depois a 3) > Finais dos anos 30 ou princípio dos anos 40 > Cavaleiros e artilheiros... "O meu pai serviu no RAL 1... Ele deve ter entrado em 1936/37, saiu, veio a guerra, o entra sai e só em 43 se livrou daquilo.Por isso eu sou um jovem de 44" (TM)...

Évora > RAL 3 > Finais dos anos 30 ou princípio dos anos 40 > Os garbosos artilheiros que nos precederam...


Évora > Parada do RAL 3 > Princípio dos anos 40 ou finais de 30 > E se Portugal tivesse sido invadido e ocupado pelos alemães ?

Évora, RAL 3 (?) > Legenda, precisa-se... O Torcato mandou mensagem lacónica: "Gostava de saber que raio de Peças e Obuses são estes. O Coronel Nuno Rubim sabe. Dizem-me algo as fotos. Questões afectivas"....

Évora, RAL3 (?)> Finais dos anos 30 ou princípio dos anos 40 > Legenda, precisa-se... Mas, isto já não é artilharia ligeira, pois não ? Onde é que acaba uma, a ligeira, e começa outra, a pesada ?

Évora, RAL 3 (?) > Finais dos anos 30 ou princípio dos anos 40 > Legenda, precisa-se...

Fotos: © Torcato Mendonça (2008). Direitos reservados


1. Esclarecimento do meu/nosso assessor científico para as questões de artilharia e história da artilharia, o Cor Art Ref Nuno Rubim:

Caro Luís:

A viatura AEC Matador 4x4 foi adquirida, aquando do negócio para aquisição da Peça de 11, 4cm e do Obús 14cm, como tractor destes dois materiais.

Ainda trabalhei com elas ... Há muito que foram abatidas ao serviço.

Segundo uma informação que tenho, foi (uma ou mais ?) enviada(s) para Cacine para o(s) rebocar(em) para Guileje e Gadamael, em datas ainda não determinadas. Existe uma foto, de reduzida qualidade, em Guileje, enviada pelo nosso camarad Amaro Samúdio.

Há ainda uma estória, que seria muito interessante confirmar, de que um dos obuses de 14cm ( destinados a Guileje, para substituir o 11,4, de que já não existiam munições), teria "ido pela borda fora" (sic) em Cacine, pouco antes do ataque do PAIGC. Só lá chegaram dois..., um sem aparelho de pontaria e ambos sem tábuas de tiro !...

Um abraço

Nuno Rubim

2. Comentário de L.G.:

Nuno:

Obrigado pelo teu oportuno e sempre esclarecedor apontamento. Espero que não me leves a mal pelo facto, de à tua revelia, sem aviso prévia, à boa maneira da tropa, eu te ter promovido a assessor científico do blogue.

Já não era sem tempo: é apenas um formal reconhecimento dos teus múltiplos talentos, competências, saberes, interesses... E sobretudo a expressão do meu/nosso agradecimento pelos teus valiosos contributos (incluindo ideias, sugestões, comentários, críticas e.. conselhos) para este repositório de memória(s) e de conhecimento, que é obra de um colectivo, mas também de individualidades como tu.

Sei que, por educação, formação, idiossincrasia e personalidade, não gostas de estar sob as luzes da ribalta. Mas, olha, paciência. É por uma boa causa. Sei que, no fundo, tens uma boa alma de escuteiro. E, generoso e voluntarista como és, queres agora levantar das cinzas do esquecimento outra praça forte do nosso saudoso Império: Gadamael... Não me esquecerei do teu pedido à malta da tertúlia, para te/nos mandar fotos, estórias, apontamentos, cartas, aerogramas, croquis, enfim, impressões de Gadamael. Para que Gadamael, a gesta de Gadamael, o lugar de Gadamael na nossa memória e na memória dos guineenses não se perca...

Já agora, dá um jeito ao Torcato Mendonça que me mandou as velhas fotos do tempo da tropa do pai dele... Évora, RAL 3, diz-te alguma coisa ? E estas peças de museu, que publicamos acima ? Constam dos teus catálogos ? Com um pai artilheiro como o teu, também deves ter crescido com estes brinquedos... Desculpa lá o mau jeito, a verdade é que os amigos são os gajos mais oportunistas que eu conheço... E se é verdade, aproveito para te pedir que me esclareças se o nosso obus 14 ou a peça 11,4 podem já ser classificados como artilharia pesada...

Um Alfa Bravo deste teu amigo e camarada, Luís Graça.

3. Nota do Torcato Mendonça:

Muito rápido. Talvez o nome Matador viesse da dificuldade em conduzir tal viatura – trava, acelera…ou outra troca de pedal e lá vai a malta para o Maneta (com M porque era General de Napoleão e em terras de Portugal degolava tudo, fod…). Quando estive em Évora ainda lá estavam.

Esta foto pertence a outras enviadas – 26 de Março – para o Cor Nuno Rubim decifrar aquela artilharia…

Se ainda mandaram aquilo para a Guiné… porra, vão gozar com o caneco. Estava a GUERRA PERDIDA?! (2) Bom… com aquelas peças de artilharia das fotos até o Nino dava á sola…Não deu, então qualquer dia está em Bruxelas…

Abraços
Torcato Mendonça
Fundão

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2769: Álbum das Glórias (43): Viaturas automóveis: O Matador (César Dias, CCS/ BCAÇ 2885, Mansoa e Mansabá, 1969/71)

(2) Vd. poste de 17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2772: Convívios (54): II Encontro de Combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, 12 de Abril de 2008 (Carlos Vinhal)

Foto 1> Local de concentração> Monumento do Senhor do Padrão, erigido no século XVIII no areal da Praia do Espinheiro, local onde, segundo a lenda, teria aparecido a imagem do Senhor de Bouças, actualmente conhecido por Senhor de Matosinhos.

Foto 2> Foto de conjunto, tirada em frente ao areal da Praia de Matosinhos

No passado dia 12 de Abril, em Matosinhos, realizou-se o II Encontro dos ex-Combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos.

Estiveram presentes cerca de 95 ex-combatentes, entre os quais alguns camaradas do nosso Blogue.

Este ano tivemos connosco, poucos mas bons, camaradas de fora do Concelho que quiseram juntar-se a nós nesta confraternização, cujo o elo de união é aquela mágica terra da Guiné. Um destes forasteiros foi o Santos Oliveira que assim pôde conhecer de perto alguns camaradas do Blogue e constatar da distracção deste vosso colaborador que a um metro de distância, não o reconheceu.

Os nossos camaradas António Pimentel e Xico Allen, também presentes, vizinhos das cidades do Porto e Gaia respectivamente, mas assíduos frequentadores dos almoços da Casa Teresa, já são matosinhenses de coração, ou de estômago, pelo menos.

Marcaram presença ainda Álvaro Basto, Amaro Samúdio, António Marques Lopes, Eduardo Magalhães Ribeiro e, José Casimiro Carvalho vindo expressamente da cidade da Maia.

Tivemos o grato prazer de ter também entre nós um camarada de Castelo Branco, que de passagem por estas bandas e tendo como camarada o João Moreira de Guifões, não quis deixar de se associar à nossa confraternização.

O nosso camarada Fernando Alves da Silva teve a gentileza de fazer e ofercer a cada participante no Encontro, um brinde constituído por uma pequena agenda e um aerograma (réplica dos originais do MNF).


Foto 3> Réplica do aerograma original do MNF, oferecido pelo camarada Fernando Silva

Foto 4> Pequena agenda, mas cheia de simbolismo, oferta do mesmo camarada aos participantes do Almoço


Foto 5> Ribeiro Agostinho, António Maria e José Oliveira, os três incansáveis camaradas que organizaram este Encontro.

Foto 6> Bolo Comemorativo, onde o Brasão da nossa cidade aparece ladeado da Bandeira de Portugal e da Guiné-Bissau

Um acontecimento curioso neste Encontro, foi o nosso companheiro Marques Lopes ter tido a oportunidade de rever um seu furriel, o António Domingos Folha e conhecer o Rafael Assunção, que esteve na CCAÇ 3 depois de si, ambos de Matosinhos.

Foto 7> Marques Lopes aguarda pacientemente que o seu furriel Folha acabe a sua actuação para lhe dar um abraço

Foto 8> Marques Lopes troca impressões com o ex-Fur Mil Rafael Assunção da CCAÇ 3.

Foto 9> Três emblemáticos camaradas do nosso Blogue que dispensam apresentações

Foto 10> Xico Allen, Álvaro Basto, Marques Lopes e António Pimentel da Mini-tertúlia de Matosinhos, tendo como guarda-costas ocasional o nosso Pira de Mansoa

Foto 11> O nosso vizinho de Vila Nova de Gaia, mas residente do nosso Blogue, Santos Oliveira, conversando animadamente com os restantes camaradas de mesa, contando talvez as aventuras vividas na Ilha do Como. Foi para mim um enorme prazer conhecê-lo pessoalmente e aquilatar a sua excelente forma física.

Foto 12> Em fim de festa, o grupo do Blogue quis tirar uma foto de família, onde falta o Santos Oliveira, entretanto regressado a casa por motivos particulares. Alguns outros camaradas quiseram juntar-se a nós. Presumo que o Xico Allen também ausente, esteja do outro lado da máquina.

Atendendo ao número de participantes que este ano duplicou em relação ao I Encontro, em 2009 voltaremos para o III Encontro ainda mais participativo, com a certeza de que enquanto formos vivos, ninguém vai apagar este sentimento de camaradagem que une esta gente anónima provinda de todos os extratos sociais que convivem como irmãos.

Temos um enorme desgosto de que a nossa autarquia não reconheça o esforço desta geração de matosinhenses, eregindo algures no Concelho um Memorial que perpetue a nossa passagem por terras longínquas de África. Por este Portugal fora há inúmeros exemplos de reconhecimento deste esforço, mas Matosinhos está fora de contexto.
__________

Nota do editor:

Vd. poste do I Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos de 7 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P1570: Almoço-convívio de camaradas de Matosinhos (Albano Costa / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P2771: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (28): A euforia de comandar cem homens na Op Rinoceronte Temível


A relíquia mais preciosa da Rinoceronte Temível,8 e 9 de Março de 1970. O PAIGC estava moralizado e assenhoreara-se do território à volta do Xime. As operações de Fevereiro foram intimidatórias para as nossas tropas, o capitão Maltez estava ferido, os rebeldes voltaram a atacar embarcações no Geba, a escassos quilómetros do Xime. Era importante uma chicotada psicológica.É este o contexto em que me entregam a concepção e execução da Rinoceronte Temível: o inimigo teria de ser surpreendido,temporariamente rechaçado.Procurei aproveitar o potencial de fogo dos obuses e combinei com os artilheiros este código que seria usado numa emergência:por hipótese, se estivessemos a ser emboscados em D ( entre o Poidom e Ponta Varela)eu pediria pelo rádio, em claro, E,A ou B,consoante a posição do inimigo.Logo avisei os artilheiros que eles tinham de confirmar a letra pedida, para não nos matar...O código resultou às mil maravilhas,como se viu perto de Gundaguê Beafada, no baixio da bolanha do Poindom, quando retirámos para o Xime. Usarei este código dias depois, na Jaqueta Lisa. Esquema primitivo,mas que desorientou a aguerrida força do PAIGC que actuava entre o Buruntoni e a Ponta do Inglês. (BS)






Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Espectacular imagem da alma do obus 10,5... A verdade é que as peças de artilharia tinham alma, segundo nos garantiam os artilheiros... Em Março de 1970, havia 3 destes, no Xime, guarnecidos pelo 20º PEL BAC 1, sendo a unidade de quadrícula a CART 2520 (Xime, 1969/71). Havia ainda um esquadrãop de morteiro 81, do Pel Mort 2106. Na zona de acção do Xime, havia ainda uma Companhia de Milícia, a CMIL 14, com o Pel Mil 241, o 242 e o 243, destacados em Amedalai, Taibatá e Dembataco, respectivamente. Eram três aldeias fulas, em autodefesa. Os fulas eram os nossos principais aliados, na região. Aos olhos das autoridades militares de Bambadinca, a lealdade dos mandingas do Xime era posta em dúvida, para não falar já dos balantas de Nhabijões e de Mero... (veja-se a História do BCAÇ 2852, 1968/70). (LG)

Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.




Guiné > Zona Leste > Bambadinca > BCAÇ 2852 (1968/70) > Cópia da 1ª página do relatório«Rinoceronte Temível» , 8 e e 9 de Março de 1970, da minha responsabilidade.

Deu trabalho, pois sabia da responsabilidade de escrever para o futuro: nome dos feridos, material deteriorado, proposta de louvores,munições consumidas,sugestões para procedimentos operacionais ulteriores. As omissões num relatório podiam provocar danos irreparáveis,caso dos acidentados em combate. Forças executantes: Pel Caç Nat 52; CCAÇ 2520, a 3 Gr Comb.


Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 29 e 30 de Janeiro de 2008:


Luís, aqui vai mais um episódio. As ilustrações seguirão ainda esta tarde. Por favor, não te esqueças que tens aí o croquis referente a esta operação. Se desapareceu, é só dizeres que eu reenvio. (...) Vou agora arrumar estes 28 episódios, já que é obrigatório entregar tudo até 30 de Julho. Tenho pelo menos mais 24 a 25 episódios pela frente, é imperioso fazer uma pausa entre Março e Abril para criar distância e evitar a escrita burocrática, risco que quero evitar. O nosso almoço mantém-se de pé. Não excluo entregar-te esta prenda de Natal em Dezembro de 2008... Um abraço do Mário


Operação Macaréu à Vista - Parte II > Episódio n.º XXVIII > VAMOS FAZER COMO EM OS CANHÕES DE NAVARONE (1)

Beja Santos

(i) A discrição (e a descrição) dos preparativos

Cozinho a operação Rinoceronte Temível no mais completo sigilo. O tempo urge, tenho que tomar decisões para a acção e comunicá-las superiormente. Vivo a euforia de, pela primeira vez, me terem dado o comando de uma operação com mais de cem homens. Ainda por cima, uma batida no Poidom, passando pelas margens do Buruntoni. Exijo a mim próprio qualquer coisa de muito especial

Assim, a 4 de Março, no silêncio sepulcral da sala de operações, com o furriel Pinto dos Santos fartinho de aturar as perguntas que vou pondo sobre a região do Xime, olhando atentamente o relevo da mata do Poindom, tomo a decisão e revelo-a em voz alta:
- Pinto dos Santos, a 8 a noite é de negrume total, sairei pelas três da manhã de Ponta Varela, e vou entrar com cem homens dentro da bolanha alagada, se tudo correr bem e ninguém morrer afogado entro directamente no acampamento desses gajos que vivem perto da Ponta do Inglês. Se esta guerra é feita de surpresas e imprevistos, nós vamos surgir dentro das águas, no local mais insuspeito e inesperado. Se a surpresa não for completa, eles não vão acreditar no armamento que levo. Decidi transportar 1 morteiro 81, 3 morteiros 60 e todas as bazucas e dilagramas disponíveis. Vai ser um arraial de fogo como nunca se ouviu nas margens do rio Corubal.

O Pinto dos Santos olhava-me aturdido, supus mesmo que se interrogava se eu não estava alucinado. Com os bons modos que eram o seu timbre, engoliu em seco, ganhou coragem e disparou:
- O meu alferes leu certamente que há muita população a viver nesta mata, atacam quando querem em Ponta Varela as embarcações, se vocês forem pela bolanha serão rapidamente detectados ao amanhecer. Pode imaginar os perigos de uma flagelação com as tropas dentro de água, sem puderem reagir com morteiros. Acredito no factor surpresa mas se esta falhar poderão cair na pior das armadilhas, não há aviação que vos salve.

Agradeci os comentários ao Pinto dos Santos e antes de sair da sala de operações escrevi no meu caderninho viajante: no Xime, explicar cuidadosamente a progressão até Ponta Varela e a responsabilidade dos guias em levarem-nos dentro da bolanha pelos locais menos alagados; conversar com os guias e com os meus soldados que conhecem a região na presença dos oficiais e sargentos; mandar mensagem para que o Bacari Soncó se apresente aqui a 7, ao amanhecer, com pelo menos dez homens; pedir autorização para levar dez carregadores, recrutáveis em cima da hora, em Amedalai; mandar chamar amanhã o comandante das milícias de Amedalai; falar com o Calado sobre o material de transmissões, incluindo as colecções de telas; combinar com o Augusto as viaturas que nos vão levar ao Xime, não esquecendo o grupo de combate de Mansambo que vai ficar a reforçar a vigilância do Xime; encontrar solução para o fogo de artilharia que nos deverá proteger logo que começarem as emboscadas ou flagelações no Baio, Buruntoni, Ponta Varela ou Madina Colhido; todos os homens vão levar obrigatoriamente dois cantis, se possível haverá cinco ou mais jerricãs pesados, transportados pelos carregadores, o calor agora é intenso; deixar obrigatoriamente a comida salgada das rações de combate no Xime e tentar arranjar fruta em grandes quantidades, em Amedalai e no Xime.

A 5 [de Março de 1970], com o ar mais natural do mundo, anunciei aos meus que iríamos para a ponte dois dias e a seguir para os Nhabijões. Nessa manhã, conversei pela última vez com o major Sampaio sobre os efectivos e a articulação com o apoio aéreo reservado para 8 e 9. Quando ele me perguntou se eu ia pela estrada para a Ponta do Inglês e quando lhe respondi que esperava entrar ao amanhecer na barraca do Poindom pela bolanha, ele disparatou:
- Beja, essa é o cúmulo, prevê-se uma noite sem lua e você vai por terreno alagado. Só me falta dizer que pretende apoio das lanchas da marinha!.

Eu já estava preparado para estes remoques, e disse-lhe sem pestanejar:
- Por andarmos em terra firme durante o mês de Fevereiro é que fomos descobertos e retirámos com mortos e feridos. Vou fazer como em Os Canhões de Navarone, vou aparecer por onde não sou esperado. Como em tudo na vida, também preciso de sorte. Farei tudo para que ela esteja do meu lado!.

(ii) De Bambadinca para o Xime

Regressámos da ponte a 7, ao anoitecer, informei os furriéis que em princípio teríamos uma coluna de reabastecimento ao Xitole, na manhã seguinte. Não terei sido muito convicto quando fomos interrompidos pelo Queirós que me perguntou se era verdade que existia uma requisição para granadas de grande potência para o morteiro 81, perguntou-me mesmo se ele ia levar o morteiro, coisa que até agora não tinha acontecido nas colunas para o Xitole.

Lá atamanquei uma resposta, mas vi perplexidade no olhar cruzado do Cascalheira e do Ocante, os meus directos colaboradores. Por portas e travessas, e sem alardes, ao amanhecer de 8 apareceram munições, transmissões, viaturas, rações de combate, quem vinha para partir para o Xitole ficou a saber que tinha de levar mosquiteiros e bornais, e se dúvidas ainda havia que íamos para uma operação elas dissiparam-se com a chegada de Bacari Soncó que apareceu empertigado à frente de onze milícias impecavelmente fardados e armados. Minutos depois, chegava a coluna de Mansambo com um grupo de combate da CCaç 2404 que iria ficar a defender o Xime.

Organizada a coluna com duas GMC, um Unimog 404 e um Unimog 411, a que se juntaram as viaturas de Mansambo, partimos para Amedalai. Por essa altura, já havia rumores de que as gentes do Buruntoni e de Galo Corubal iriam passar a minar a estrada Bambadinca-Amedalai e, à cautela, um grupo de combate da CCaç 12 (2) partiu à nossa frente com picadores.

Em Amedalai, juntaram-se as milícias de Bobo Seidi, um notável operacional, sensato e dotado de qualidades de comando. Foi aqui que fretei vários carregadores para o transporte de munições e jerricans de água. Um pelotão do Xime esperava-nos em Ponta Coli, daqui até Taliuará voltámos a picar, pela hora do almoço estávamos no Xime. Pedi aos meus camaradas da Cart 2520 para irmos ver o obus. É enquanto estou a conversar com os artilheiros sobre a reacção habitual ao fogo inimigo que me ocorreu a solução de combinar com eles a improvisação de um croquis em duplicado (eu passava a ter um exemplar, outro ficava em poder dos artilheiros) em que referenciávamos por letras diferentes locais em Ponta Varela, Poindom, Madina Colhido, Gundaguê Beafada, Baio e Burutoni, e assim, por exemplo, se estivéssemos a ser atacados em A eu pedia fogo para C, em E eu pedia fogo para G, em F eu pedia fogo para H ou I, ou seja, seria possível desconcertar a força atacante, silenciando-os e retirando-lhes a possibilidade de reincidirem no potencial de fogo e desorientá-los acerca da nossa posição no terreno. Mas não deixei de os advertir:
- Falarei em claro pela rádio, repetirei a letra duas vezes. Do outro lado, vocês vão confirmar que ouviram aquela letra. Não se esqueçam que uma troca de letras pode significar dezenas de mortos!.

Enquanto um dos alferes elaborava os croquis, a comer num espaço simpático com caravanas que me disseram ter pertencido às actividades topográficas de Amílcar Cabral, fui apresentando aos oficiais e sargentos os planos para a acção. Assim, logo a seguir à refeição sairíamos do Xime em direcção à bolanha de Ponta Varela, seria um patrulhamento minucioso para detectar sinais da presença do inimigo, quer para conhecer as culturas como os pontos utilizados para atacar as embarcações, que sabíamos ser na entrada do Geba estreito.

Em Ponta Varela ficaríamos emboscados até de madrugada, e começaríamos a progredir pela bolanha do Poidom. Só em Ponta Varela falaríamos com os guias e os meus soldados conhecedores do terreno. Aí pelas 4h30 da manhã, haveria fogo de obus para a região do Baio, um pouco à semelhança do que estava a acontecer nas semanas anteriores, para convencer o inimigo de que se mantinham os procedimentos normais. Mais adiantei que se tivéssemos a sorte do nosso lado iríamos surpreender a população do Poindom e as tropas que os defendiam, a responsabilidade do ataque era da minha inteira competência, o Pel Caç Nat 52 seguiria à frente com as milícias de Finete e de Amedalai. Numa folha de papel, organizámos a disposição da coluna, incluindo os carregadores. Pelas 4h da tarde, despedi-me de quem ficava, mostrei ao Cascalheira o local onde colocara o croquis na camisa, dando-lhe a saber que no caso de eu ficar fora de combate seria ele o responsável pelos contactos com os artilheiros do Xime. E deixámos o arame farpado.

(iii) OP Rinoceronte Temível: O desenrolar da acção

Tudo se iniciou com um mau presságio. Numa carta que escrevi à Cristina em 10 de Março, refiro o pequeno desastre que afectou o 1º cabo José Remédio Pereira que à saída do quartel se acidentou, disparando um tiro que lhe despedaçou um dedo.

Entregue o ferido na enfermaria, para evacuação, recomeçámos a operação com o reconhecimento da região da extinta tabanca de Ponta Varela, aqui emboscamos e houve tempo para conversar com os guias mais os soldados Queta Baldé e Mamadu Djau, explicando-lhes detalhadamente que escolhessem itinerários na bolanha que, de acordo com as informações disponíveis, iriam dar ao acampamento das populações controladas pelo PAIGC. E mergulhámos no silêncio, na escuridão, na vigilância.

Depois do mau presságio à saída do Xime, tivemos o primeiro sinal de sorte. No alto da madrugada, ouvimos a progressão cadenciada das embarcações que se deslocavam no Geba, com lentidão e barulho, aproveitámos todo este ruído inusitado e graças à perícia dos guias entrámos em caminhos acima da água, entre o tarrafe e os campos de arroz. Foi uma caminhada muito penosa, tinha pedido a todos para não haver sinal de vida mas as leis da gravidade foram mais fortes que o meu desejo, manifestando-se por tombos aparatosos, banhos lamacentos imprevistos, um momento houve em que se julgava ter desaparecido um prato de morteiro dentro do lodo.

Cerca das 4h da madrugada, o obus fez fogo sobre a região do Baio, como previsto. Passava das 5h da manhã quando o guia Mankaman Biai me veio dizer que tinham sido descobertas duas picadas muito batidas, uma na direcção da foz do Corubal, outra a apontar para o tarrafe do Geba. Não hesitei na resposta:
- Mankaman, vamos em direcção ao Corubal, estamos muito perto da barraca.

(iv) O ataque, a batida e a retirada

E estávamos. Minutos depois, fomos surpreendidos pelos disparos das costureirinhas, pelas granadas de mão e pelo fogo do RGP 2. Tal como estava combinado, o Pel Caç Nat 52 inflectiu à esquerda, um grupo de combate da CART 2520 guinou à direita, eu dirigia o fogo dos morteiros e das bazucas para a periferia da mata. O importante naquele momento era silenciar o inimigo, dividi-lo, inquietá-lo com o potencial de fogo.

O inimigo retirou depois daqueles escassos minutos de resistência e entrámos no primeiro acampamento constituído por casas de mato, cerca de dez, com dotação de mais de uma dúzia de leitos, cada. Era seguramente a residência dos cultivadores da bolanha, como comprovava igualmente o vestuário e o equipamento abandonados.

Enquanto incendiávamos as casas de mato, o solo à nossa volta foi sacudido por várias morteiradas, dei ordem para prosseguirmos enquanto que o Queirós, Cherno e Mamadu Djau, entre outros, aliviavam as cargas dos carregadores em munições. Novo silêncio e nova investida, minutos depois alcançávamos mais casas de mato, já no baixio da bolanha e pela primeira vez na minha vida vejo toneladas de arroz em depósitos rudimentares.

Pelo telefone peço fogo da artilharia para a região da Ponta do Inglês e avançamos para a foz do Corubal. Aqui a natureza é assombrosa: ramificam-se as picadas, disseminam-se na direcção da Ponta do Inglês, outras apontam para o Buruntoni, mas a nossa prioridade, agora, é detectar o arroz e inutilizá-lo, saber a extensão dos acampamentos, averiguar com exactidão possível a presença militar e civil do PAIGC na região.

É junto à foz do rio Corubal que descobrimos a picada (bem simulada, por sinal) que leva directamente a Ponta Varela, seguramente para os actos de cultivo, patrulhamentos e ataques às embarcações. Convoco de urgência os dois alferes do Xime e o Cascalheira, bem como Bobo Seidi e Bacari Soncó informando-os da minha decisão:
- O factor surpresa esteve do nosso lado, ou avançamos para o Buruntoni ou retiramos aproveitando a desorientação do inimigo. Recebi ordens para que a operação não ultrapassasse a batida do Poidom, o que está feito. Confesso-vos que estou preocupado com a quantidade de militares e civis que aqui devem viver, isto é quase uma ocupação ao pé do Xime. Não temos meios para continuar, agora a surpresa está do lado deles, se quisermos avançar para o Baio ou o Boruntoni. Vamos retirar imediatamente, flanqueando a estrada, indo sempre por esta margem, dentro da floresta, eles devem já ter mandado gente para nos emboscar entre Gundaguê Beafada e Madina Colhido. Os primeiros quilómetros vamos retirar quase a correr, depois iremos mais devagar, e vamos usar o baixio da bolanha, para nossa protecção. Eu parto já com o meu pelotão, seguem-se as milícias e depois a malta do Xime. Espero só vos falar quando entramos no quartel.

(v) A emboscada e o fogo de artilharia

Seriam 9h da manhã quando nos embrenhámos numa mata junto à estrada do Xime-Ponta do Inglês, muito acima de Ponta Varela, e bastante distante de Gundaguê Beafada. Lá em cima ouvia-se o ronco da DO a avançar para o Poidom, guiando-se certamente pelos rolos de fumo que subiam por cima dos depósitos de arroz.

Progredíamos em marcha acelerada quando se desencadeou a emboscada, uma emboscada precipitada, o inimigo guiava-se pelo restolhar do nosso movimento, os nossos vultos não eram nitidamente visíveis, mas estávamos referenciados, era uma chuva desencontrada de morteiros e de bazucadas que destruíam a folhagem à nossa volta.

Tirei novamente o croquis do bolso e falei em directo para o Xime, pedindo urgentemente fogo sobre a posição do inimigo. E dei ordem para que ninguém reagisse na coluna, todos com a cabeça no chão, o fogo de artilharia ia passar perto de nós. E minutos depois o inimigo foi apanhado em cheio, não soubemos o que aconteceu mas calou-se, levantei-me, inflectimos para Ponta Varela, andámos aos ziguezagues pelos palmares. À hora do almoço, sem um ferido, sem um insolado, sem nenhuma perda material, entrámos no Xime onde pedi para se transmitir para a DO que a missão estava cumprida.

Tirara-se partido dos ensinamentos dos últimos meses, sabia-se agora que o grupo populacional do Poidom era enorme, que havia tropa, pouca mas combativa, que era indispensável rever futuramente a nossa actuação, não parecia correcto continuar a insistir-se em operações clássicas com o exército, era preferível que fôssemos utilizados em batidas e patrulhamentos ofensivos.

Enquanto almoçávamos, procurei ouvir as opiniões dos camaradas sobre comportamentos relevantes, os que verifiquei e os que eles verificaram. Ergueram-se várias vozes para referir a coragem do Queirós, praça por acidente e comandante por mérito próprio, pelo modo determinado como acompanhara a reacção ao fogo inimigo, à entrada do primeiro acampamento; tinha sido também notada a participação audaciosa de um apontador de morteiro da Cart 2520. E foi assim que pedi louvor para o soldado Ramoaldo Izaias Tenda Coelho. Não deixei de referir igualmente o desembaraço com que o sargento Cascalheira comandara a manobra de assalto, decisiva para fazer recuar o inimigo.

Saímos alegres do Xime e deixámos a tropa local mais confiante. Mankaman veio despedir-se, foi um longo cumprimento que Mamadu Djau resumiu:
- Foi bom ter feito esta operação consigo. Venha mais vezes.

Era uma bonita saudação e Mankaman mal sabia que eu viria mais vezes. Em breve, a 22, estaremos juntos na operação Jaqueta Lisa.

(vi) Leituras singulares e coloridas

Vou chegar derreado a Bambadinca, pela primeira vez o major Sampaio está risonho quando me felicita. Nos próximos dias, atirado novamente para a ponte de Udunduma só escrevo à interessada, aos familiares e amigos falando do casamento provisoriamente marcado para meados de Abril em Bissau. Estou feliz pelo desfecho da Rinoceronte Temível.

Daqui para diante há quem se refira ao nosso pelotão como “aqueles loucos que levam o 81 dentro de água”. Na ponte continuamos as obras e é aqui que eu vejo a verdadeira modéstia do Queirós: com o mesmo à vontade com que mete granadas no tubo do 81, pega na picareta e galvaniza todos aqueles que trabalham no restauro da ponte.



Capa do livro Documentos para a compreensão da pintura moderna, de Walter Hess. Este livro vem incluído na enciclopédia LBL onde li, entre outros O Sagrado e o Profano, por Mircea Eliade e Arte e Mito, por Ernesto Grassi. A tradução é de Ana de Freitas e José Júlio Andrade dos Santos, a capa de Karl Gröning, s/data. (BS)


Agradeci à minha mãe dois livros que me mandou de Urbano Tavares Rodrigues, Bastardos do Sol e Casa de Correcção. Já me sentia capaz de tocar nos livros que o Carlos Sampaio me mandara no segundo semestre de 1969. Então, folheio Documentos para a compreensão da pintura moderna, de Walter Hess, da conceituada Enciclopédia LBL. Trata da arte moderna vista através dos testemunhos pessoais dos seus protagonistas (fauvismo, cubismo, pós-impressionismo, pintura absoluta, expressionismo, surrealismo e futurismo).

A pintura, então, libertava-se de conteúdos históricos, deixava as paisagens do naturalismo e os heróis sublimes. O artista tem novas clientelas; a ciência, a industrialização, o lazer, passaram a ter novos significados, procuram-se novas imagens, novas cores, uma outra relação entre a forma e os conteúdos. É assim que se decompõe a cor, nascem os pontinhos multicolores, alteram-se as formas, os contrastes, a presença de objectos nesses quadros por vezes iluminados com cores sugestivas. É assim que arranca o fauvismo em França e o expressionismo na Alemanha. Leio os pontos de vista de Matisse, de Rouault, Kirchner, Braque e de outros cubistas, de como gradualmente se caminhava para a arte abstracta. Leio com prazer mas de vez em quando entristeço-me quando penso que nunca mais conversarei com o Carlos Sampaio sobre pintura moderna ou o quer que seja.



Capa de Salomé, de Oscar Wilde. Editorial Gleba, s/data,uma capa sugestiva anónima, tradução de Manuel Cabral Machado.

Li deslumbrado a Salomé, de Óscar Wilde, e descubro afinidades entre esta voluptuosidade teatral e a linguagem musical alucinante de Richard Strauss, na ópera do mesmo nome, o clímax de um rei Herodes inebriado por Salomé, uma Salomé inebriada por João Baptista, uma Herodíade inebriada pelo ódio. É este quarteto que domina o texto teatral cheio de desejos extremados, tensões e vibrações da morte. Salomé a beijar a boca de João Baptista morto desencadeia uma onda de terror em Herodes que concentra o seu despeito no sacrifício de Salomé.

Capa do livro O Jogo da Vida , de Patrícia Highsmith. É um livro que manipula um enredo muito peculiar de Patrícia Highsmith: um acontecimento fortuito leva a um homicídio, este suscitará o pesadelo das suspeitas,as relações dentro de um grupo ficarão fragilizadas.Como sempre, um outro acontecimento fortuito levará ao esclarecimento, a verdade desabará a contingência das relações de quem ganha e de quem perde... É o nº160 da Colecção Vampiro, capa de Lima de Freitas e tradução de Mascarenhas Barreto


E, por último, esse sublime O Jogo da Vida, de Patrícia Highsmith. Desta vez o criminoso será preso, tudo se passa no México, no meio de boémia e tertúlias, o assassinato de Leila Ballesteros, uma pintora cheia de mérito e mulher independente, arrasta à comoção os seus dois amantes que se lançam na investigação e na descoberta do móbil do crime. Houvera um roubo depois do crime, o criminoso começa a ser pressionado por chantagistas, foge e depois entrega-se à polícia. Como é muito peculiar na arte de Highsmith, é um crime fortuito e não deliberado, depois a expiação e depois a confissão, e até lá todos os outros personagens ardem no sofrimento da dúvida. É um jogo em que ninguém vence a não ser a polícia. Estou em definitivo preso pela arte de Patrícia Highsmith.

Agora vou preparar o meu casamento, no meio da vadiagem entre Bambadinca, Cossé e Badora. Depois volto às operações. E irei casar quando o general Spínola decidir uma estranha trégua, em meados do mês de Abril. A trégua terminará num massacre de vários oficiais, eu caso-me e depois passarei uma semana na psiquiatria do HM 241. Como aqui se irá descrever

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série > 11 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2749: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (27): Quando os mortos abrem os olhos aos vivos


(2) Foi uma época de intensa actividade operacional para CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), afecta, tal como o Pel Caç Nat 52, do Beja Santos (Bambadinca), o Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral (Fá Mandinga) e o pel Caç Nat 54, do Correi«a (MIssirá), ao Sector L1 e ao Comando do BCAÇ 2852, mais as respectivas unidades de quadrícula (CART 2520, Xime; CCAÇ 2404, Mansambo; CART 2413, Xitole). Basta apenas lembrar aqui algumas das operações realizadas nos meses de Janeiro e Fevereiro de 1970, em que a CCAÇ 12 participou:

Vd. postes de

7 de Março de 2006 >
Guiné 63/74 - DCXII: Assalto ao destacamento IN de Seco Braima, na margem direita do Rio Corubal (Janeiro de 1970, CCAÇ 12, CAÇ 2404, CART 2413) (Luís Graça)

(...) "O prisioneiro, de nome Jomel Nanquitande, foi deixado para trás pelos seus companheiros, que no entanto recuperaram a sua arma. O seu ferimento não era grave, aos olhos de um tuga. Após uma semana de recuperação e de interrogatórios, o Jomel seria obrigado pelas NT a participar como guia para um assalto de mão ao acampamento IN de Ponta Varela que conhecia bem [, a sudoeste do Xime, na direcção de Madina Colhido]: Op Borboleta Destemida (...)".

13 de Março de 2006 >
Guiné 63/74 - DCXXIII: Op Borboleta Destemida: uma emboscada de meia-hora (Poindom/Ponta Varela, CCAÇ 12, Janeiro de 1970) (Luís Graça)

(...) "O interrogatorio do elemento IN capturado por forças da CART 2413 no decorrer da anterior operação (disse chamar-se Jomel Nanquitande, de etnia balanta, ter uma Espingarda Simonov distribuída e ser chefe da tabanca de Ponta Varela), permitiu-nos saber, entre outras coisas, que o IN voltara a instalar-se na área do antigo acampamento do Poindom/Ponta Varela destruído pelas NT em Setembro passado durante a Op Pato Rufia.0 actual efectivo era de 25 homens, dispondo de Morteiro 82, cinco RPG-2 e armas automáticas.

"O dispositivo de segurança, mais rigoroso do que no tempo das chuvas, compunha-se de 4 sentinelas na estrada Xime-Ponta do Inglês (dois para cada lado). O grupo IN saía todas as manhãs a fim de montar segurança à população que trabalha na bolanha, regressando ao meio-dia e voltando à tarde até às 17h.Com base nestes dados, foi decidido executar um golpe de mão clássico sobre o acampamento a fim de capturar ou aniquilar os elemen­tos IN assim como o material e meios de vida nele existentes (Op Borboleta Destemida).

(...) "Progredíamos com redobrada cautela quando o prisioneiro informou que já estávamos perto e cortou por um trilho à esquerda que disse ir dar ao Buruntoni. Seguindo o mesmo, encontrou-se outro, em sentido inverso, que o prisioneiro declarou ser um dos trilhos de acesso ao acampamento.

"Enveredando por ai, e passados uns 100 metros, os homens da frente (1º Gr Comb da 12), ao entrarem numa clareira, detectaram um grupo IN instalado atrás de baga-bagas e de árvores. Evidenciando grande rapidez de reflexos, o apontador de LGFog 8,9 Braima Jaló foi o primeiro a abrir fogo. No mesmo instante começámos a ser violentamente flagelados com Mort 82, Lança-Rckets e rajadas de metralhadora. Uma granada de morteiro rebentou junto da 2ª secção do do 1º Gr Comb, tendo os estilhaços atingido o Furriel Mil Pina, o 1º Cabo Atirador Valente e os soldados Baiel Buaró e Sajo Baldé.

"Apos os primeiros momentos de surpresa e confusão, reagimos com determinação e, manobrando debaixo de fogo, obrigámos o IN a recuar. Por escassos segundos interrompeu-se o fogo para logo recomeçar com redobrada violência, quando já estávamos quase dentro do acampamento. Desta vez seriam atingidos pelas balas do IN os soldados do 1º Gr Comb Leite (Transmissões) e Mamadu Au. A nossa reacção foi de tal modo pronta que o IN foi compelido a retirar definitivamente, com baixas prováveis. 0 fogo tinha durado mais de meia-hora" (...).

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado (Luís Graça)


(...) "Seguindo um dos trilhos, avistou-se um homem desarmado que seguia em direcção contrárias às NT. Capturado, informou que ia recolher vinho de palma, que a tabanca ficava próxima, que não havia elementos armados e que a maior parte da população estava àquela hora a trabalhar na bolanha.

"Feita a aproximação com envolvimento, capturaram-se mais 2 homens, 5 mulheres e 6 crianças. Um dos homens capturados disse chamar-se Festa Na Lona, de etnia Balanta, estar alí a passar férias e pertencer a uma unidade combatente do Gabu. Foi-lhe apreendido uma pistola Tokarev (7,62, m/ 1933) e vários documentos" (...).

9 de Abril de 2006 >
Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970) (Luís Graça)

(...) "Em marcha lenta, devido ao transporte do ferido em maca, os 2 Dest seguiram o trilho de Darsalame Baio-Gundagué Beafada, através do capim alto.

"Próximo da antiga tabanca beafada, cerca das 13h, as NT sofreriam uma violenta emboscada montada em L e com grande poder de fogo, especialmente de lança-rockets. A secção que ia na vanguarda do Dest B ficou praticamente fora de combate, tendo sido gravemente feridos, entre outros, o respectivo comandante e a praça encarregada da segurança do prisioneiro Jomel Nanquitande que, aproveitando a confusão, conseguiu fugir, embora algemado e muito provavelmente ferido.

"Devido ao dispositivo da emboscada, quase todos os Gr Com foram atingidos pelo fogo de armas automáticas e lança-rockets (testa e meio da co¬luna) e mort 60 (retaguarda).

"Devido à reacção das NT, o IN retirou na direcção de Poindon e Ponta Varela, tendo ateado o fogo ao capim para evitar a sua perseguição. O incêndio lançaria sobre as NT um enxame de abelhas, obrigando-as a fugir para uma mata próxima onde se trataram os feridos.

"Em resultado da acção fulminante do IN, as NT sofreriam 1 morto e 7 feridos entre graves e ligeiros (urn dos quais viria a falecer mais tarde), sendo 2 da CCAÇ 12 (1º Cabo Galvão, do 3º Gr Comb, e Soldado Samba Camará, do 2º Gr Comb).

"Feito o reconhecimento, não foi encontrado o prisioneiro. Apesar do incêndio provocado pelo fogo pegado ao capim, ainda se conseguiu recuperar parte do material abandonado. Levados os feridos para Gundagué Beafada, donde foram heli-evacuados, as NT retiraram para o Xime, protegidas por heli-canhão e T-6, tendo chegado ao aquartelamento por volta das 17h" (...).

10 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXVIII: Festa Na Lona, um bravo combatente do PAIGC (CCAÇ 12, Fevereiro de 1970) (Luís Graça)


(...) "Fevereiro de 1970: Op Bodião Decidido: uma operação com sucesso na área de Satecuta

"Foi realizada em 14 e 15 de Fevereiro de 1970 para uma batida à área de Satecuta até ao Rio Corubal (1), por forças da CART 2413, CCAÇ 2404 e CCAÇ 12 (1º, 2º e 4º Gr Comb), constituindo respectivamente os Destacamentos A, B e C .

"De acordo com o plano estabelecido para a acção, os 3 Dest saíram de Mansambo e Xitole às 5h00 do dia D, percorrendo a estrada [Xitole-Mansambo] até ao ponto de encontro (área de Gulobó) [onde fizeram paragem para descanso e almoço, entre as 12h00 e as 16h00]

"Após uma rápida reunião dos Comandantes dos Dest, iniciou-se a progressão a corta-mato, tendo-se atingido pelas 17h00 o local escolhido para pernoita e montagem de emboscadas nocturnas.

"Verificou-se, através de vestígios, que o IN tinha reconhecido o trilho utilizado pelas NT durante a Op Navalha Polida, embora não tivessem sido detectadas quaisquer minas ou armadilhas.Às 4h00 da manhã (dia D + 1), os Dest continuaram a progressão até atingirem um trilho muito batido na região Xime 4 F2 – 29.

"-Aí ficou emboscado o Dest B (CCAÇ 2404), reforçado por 1 Gr Comb do Dest C (CCAÇ 12), enquanto os outros Dest seguiram em direcção a Satecuta.Pelas 7h00, o Dest B avistou 1 grupo IN de 15/20 elementos, tendo os homens da frente aberto fogo no momento oportuno, causando 1 morto deixado no terreno e feridos prováveis, com um gasto mínimo de munições (1 dilagrama e 1 carregador de G-3).

"Foi apreendido ao IN um RPG-2 [ LGFog ] e várias granadas. O IN dispersou imediatamente e flagelou o Dest B quando alguns elementos deste foram à zona de morte a fim de verificar os resultados colhidos.

"Os Dest A e C foram também flagelados com fogo de morteiro e armas automáticas, não reagindo para não revelar a sua localização exacta e movimentando-se apenas para conseguir estabelecer ligação com o Dest B.

"Uma vez que toda a população e elementos IN da área tinham ficado alertados, devido à troca de tiros, as NT após uma batida muito rápida retiraram de forma a evitar quaisquer emboscada de outros grupos IN vindos de Seco Braima ou Galo Corubal. (...)