1. Em mensagem de 23 de Fevereiro de 2024, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos mais um excelente texto de sua autoria, desta vez discorrendo sobre o estado de guerra em que vivemos, originado por ódios ancestrais e tentativas de recuperação de impérios, por parte de ditadores sanguinários. O resto do mundo assiste, aparentemente, impávido e impotente. Entretanto a indústria do armamento pospera.
A GUERRA
Dia 24/11/2023
Nos últimos tempos as notícias tendem a ser brutais e deprimentes, são dias de nevoeiro, em que os olhos reflectem para dentro imagens negras e tristes. Para me libertar delas, apetecia-me banhar corpo e alma com a água límpida, transparente, saborosa e pura das fontes que conheci, quando menino e adolescente na minha aldeia, já adulto, com bom vinho, tal como os meus avós, o meu padrinho José Baptista, Fernando Pessoa, Luís de Camões, grande boémio, um e outro, os maiores poetas de Portugal, meus ídolos e heróis. O vinho bebido, sem toldar as capacidades sensoriais e intelectuais, dá alimento ao espírito, melhora o gosto estético e facilita a comunicação entre as pessoas.
Há mais de um ano temos sido bombardeados com notícias catastróficas.
- Há pouco mais de um mês reacendeu-se o conflito entre árabes e judeus na Palestina, com o ataque desumano do Hamas a civis judeus, com muitas mortes e reféns capturados. Por sua vez os israelitas responderam com um ataque desmedido e desumano porque o seu poderio militar é muito superior e o respeito pelas vidas humanas desses povos inimigos é idêntico. Esse ataque sobre a faixa de Gaza, que não tem poupado habitações, escolas e hospitais e já terá matado muitos milhares de inocentes. Guerras sanguinárias alimentadas pelo ódio de ocupações de territórios que povos milenares diferentes reclamam como seus há muitos séculos e a quem a comunidade das nações no último século não tem sabido dar a melhor ajuda a bem da paz entre eles e da paz mundial.
Judeus e árabes palestinianos, tutelados por dois deuses únicos e omnipotentes, eles e os seus crentes os mesmos templos e terras sagradas, que foram de uns, mais tarde de outros, depois dos mesmos num vaivém trágico de guerras, sangue, dor e morte, que tem alimentado um ódio infernal, que torna difícil o diálogo e a paz. Os cristãos, seguidores de Jesus Cristo, um judeu, (um Deus, um Profeta?) da outra grande religião monoteista, há séculos com as Cruzadas para conquistar e manter os seus lugares sagrados, também já entraram nessas orgias de sangue e de morte.
- A Invasão da Ucrânia, agora menos audível, pelo estrondear das bombas aéreas, mísseis e granadas de canhões e carros de combate, israelitas sobre a Faixa de Gaza, continua a fazer muitos mortos militares russos e ucranianos e a espalhar a destruição e a morte na Ucrânia, uma Pátria mártir.
Infelizmente Vladimir Putin, esse ditador sanguinário e megalómano, que quer restaurar o Império da Rússia, não morre, enquanto mulheres, meninos, velhos e outros morrem todos os dias.
Dia 18/12/2023
A tragédia dos homens é olhar o mundo com todo o rol de desastres, guerras, acontecimentos fastos e nefastos e não saberem as palavras melhores e mais adequadas para formar uma corrente de pensamento, que os transporte pelos caminhos da Paz Universal.
Falo desta quadra com horror, em que os cristãos, eu também o sou, por nascimento e formação, se aliaram aos judeus para matar os palestinianos da Faixa de Gaza, futuramente haverá outros. Matam velhos, mulheres e meninos. Matam os meninos com intenção de extirpar as sementes de ódio que estão a alimentar nesta guerra cruel que poderá alimentar outras guerras contra eles. Mas haverá sempre meninos que se salvam e com a sua memória magoada irão lutar para se libertarem e o ciclo de guerra continuará.
Os meninos cristãos do ocidente felizes com excessos alimentares e excessos de brinquedos, não têm culpa da morte, da doença, da sede, da fome, e da desgraça que grassa entre os meninos do médio-oriente e muitos outros milhões de meninos lindos de toda a Terra. Os seus pais e os seus avós terão culpas pelo egoísmo, alheamento e indiferença, os políticos que eles elegeram são cúmplices também desses assassínios em massa. As religiões orientam os homens para o bem, outras vezes no caminho do mal, mas os meninos quando nascem são todos inocentes e iguais.
Longa vida para os meninos de toda a Terra e que cada vez mais sejam dadas oportunidades de vida, de alimentação, de saúde, de educação e diversão a todos eles.
Ver é melhor que pensar mas só o pensamento activa e dá calor ao cérebro cria o novo e o belo, o horrível.
Está frio e sentimos uma sensação térmica desconfortável.
Na Europa festeja-se o Natal, uma festa religiosa, capitalista e pagã nos excessos e desperdícios, tal como os romanos, os grandes arquitectos deste continente, festejavam as bacanais.
Dia 15/02/2024
A música do silêncio percorre estrelas, planetas, constelações, galáxias, e faz-se ouvir em mensagens sonhadas entre as almas presas nos corpos humanos ou libertas deles.
Cronos é o deus grego do tempo, minutos, horas, dias, anos, que sem nos dar a vida nem a morte, estará sempre presente nessa contagem, entre o princípio e o fim. Os romanos que foram copiar a mitologia e a filosofia a essa civilização mais antiga e culturalmente mais avançada, deram-lhe o nome de Saturno. O que nos desgasta e envelhece é o poder dos deuses que controlam o tempo do nosso viver.
Mais tarde os nossos grandes aliados americanos, grandes guerreiros tal como os romanos, viriam alimentar-se da vasta cultura e da religião europeia, para dar forma, alma e palavra, à grande nação que tais como os romanos fundaram em grandes batalhas de independência contra nações colonizadoras e de conquista contra os povos indígenas, que em grande parte dizimaram.
A história dos homens quando não fala do seu esforço e suor para conseguir alimentos e conforto, fala da dor, do sangue e das lágrimas derramadas, pelas guerras selvagens e desumanas, que povos bem armados provocaram ou povos mal armados sofreram.
Enfim, a nossa civilização judaico-cristã tem um verniz moderno e enganador que não nos liberta, da pré-história em que os homens em luta podiam matar famílias e até comer guerreiros inimigos.
Em Gaza não se comem guerreiros, mas matam-se famílias inteiras indiscriminadamente, com as armas fornecidas pela grande América e o beneplácito ou cobardia da Europa Ocidental. Conheci os lobos, mais pacíficos do que os cães, uivavam à distância, em noites escuras ou de luar, os cães seus primos ou irmãos, aliados aos homens, respondiam num ladrar prolongado, que se assemelhava ao uivar deles.
Ouvi-os muitas vezes, já na cama, aconchegado debaixo de lençóis e cobertores, em noites frias, quando a chuva caía e o vento assobiava entre as telhas, ou em noites de aguaceiros e trovoadas.
Os lobos, animais inteligentes, que nunca atacavam os homens, no seu uivar, que parecia um lamento, queixavam-se dos homens por eles terem matado todos os animais herbívoros selvagens e não lhes permitirem comer uma cabra ou ovelha.
Os animais mais sanguinários da Terra são os homens. Nem consigo entender como ainda há deuses que os queiram salvar.
Dia 22/02/2024 - "O Observador"
"Edgar Morin, o famoso filósofo francês e filho de judeus sefarditas, acusa "o silêncio do mundo" perante a onda de violência massiva que atinge a população de Gaza."
Deste grande pensador e estudioso de várias áreas do conhecimento, que já tem 103 anos, muita experiência de vida e conhecimentos vastos em ciências humanas, que na França ocupada lutou contra os ocupantes nazis, continua lúcido e atento aos males presentes e futuros. Dele li, há mais de trinta anos, o Paradigma Perdido e o Homem e a Morte, leituras que me marcaram. Escreveu muitos outros livros.
Sinto-me confortado pelas suas palavras acusatórias. Finalmente encontro um pensador universal que sempre admirei, que projecta para toda a terra, com a autoridade que eu não tenho, a minha raiva e a minha angústia contra os senhores da guerra, os seus apaniguados, os políticos sem coragem e carácter e os pensadores menores que comem à mesa dos financeiros e dos capitalistas russos, judeus, americanos.
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25151: (In)citações (264): Adjarama, Amadu Bailo Djaló, por essa lição de vida (Cherno Baldé)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024
segunda-feira, 18 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23440: Nota de leitura (1466): "O colonialismo português - novos rumos da historiografia dos PALOP"; Edições Húmus, 2013 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2019:
Queridos amigos,
Atenda-se, em primeiro lugar, para a esplêndida fotografia deste livro, temos a passagem do rio Corubal, em Che Che, faz parte do documentário fotográfico da viagem à Guiné do Ministro das Colónias, em 1941, impressiona a qualidade da imagem, parece que aquela jangada foi feita ontem e aqueles seres humanos parecem ganhar vida, em pleno labor da jangada. Nesta comunicação de dois investigadores, José da Silva Horta e Peter Mark, ganha relevo a presença judaica do início do século XVII, nas redes comerciais da Grande Senegâmbia, e as suas ligações com a chamada comunidade "portuguesa" de Amesterdão, mais revela a investigação que não era só tráfico de escravos que constava nas atividades mas também a venda de armas. Ainda há muito para estudar, mas hoje já possuímos dados seguros desta presença que teve algum significado nas relações luso-africanas.
Um abraço do
Mário
O judaísmo na construção da Guiné do Cabo Verde (século XVII)
Beja Santos
Em 2011, reuniram-se no Instituto de Investigação Científica Tropical uma plêiade de investigadores no seminário "Novos Rumos na Historiografia dos PALOP", procurava-se dar a conhecer, nessa fase, as linhas de investigação que se estavam a produzir no âmbito da História e Ciências Sociais dos PALOP. Daí resultou esta obra publicada pelas Edições Húmus, 2013. Numa comunicação no contexto do colonialismo na África Portuguesa, José da Silva Horta, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e Peter Mark, da Wesleyan University dissertaram sobre o judaísmo na construção da Guiné do Cabo Verde. Eduardo Costa Dias apoiava este projeto para o conhecimento espacial da Senegâmbia. A espacialidade da Senegâmbia é tema que de há muito atrai a historiografia, Teixeira da Mota abriu as portas ao estudo desta complexa superfície onde havia redes comerciais que estendiam do Cabo Verde (ponto no continente africano) até à Península da Serra Leoa. Chamava-se a esta região a Grande Senegâmbia, onde se inseria a Guiné do Cabo Verde.
A presença mercantil era diversificada, Cacheu era o centro principal fornecedor de escravos, mas havia também espaços Biafadas e a região de Bissau já era uma realidade. Manda o rigor que se diga que estamos a falar de uma região um tanto artificialmente definida, e, segundo descobertas relativamente recentes, deu-se pela presença de comerciantes judeus na chamada Petite Côte, em pleno território do que é hoje o Senegal, mais ou menos entre Dacar e Banju. Dizem os autores que dessa Senegâmbia setentrional e Cacheu as ligações marítimas e terrestres até à Serra Leoa eram cruciais, pelo mar, rios e por terra. Vários investigadores, caso destes dois autores ou de Eduardo Costa Dias, Boubacar Barry, Mamadou Fall ou Jean Boulègue, têm procurado investigar estas sociedades senegambianas e as ligações que se estabeleceram ao longo do século XVI entre a Guiné do Cabo Verde e a América espanhola, mais tarde com o Brasil, houve pois nesta região um laboratório de contato intercultural que emergiu no século XV e onde a presença judaica, está hoje demonstrado, foi uma realidade.
Era o arquipélago de Cabo Verde, com a ilha de Santiago à frente, que assumia uma função crucial nesta mediação entre diferentes culturas. Sabe-se hoje que no início do século XVII houve um ponto de viragem, com a presença judaica e o seu contributo inegável para a história da construção da identidade luso-africana na Senegâmbia. Que investigação foi feita pelos autores? Oiçamos a sua resposta:
“A investigação foi baseada, numa primeira fase, a mais longa, em documentação da Torre do Tombo, pertencente ao Cartório do Santo Ofício e no trabalho anterior sobre outros arquivos como o Arquivo da Ajuda e o Arquivo Histórico Ultramarino e numa segunda fase também nos registos notariais e internos dos membros da comunidade de judeus portugueses, consultados em Amesterdão, que se revelaram, no essencial, preciosamente complementares às informações dos documentos arquivados pela Inquisição. Os documentos que recolhemos e trabalhámos permitiram-nos reconstituir a existência de comunidades de judeus no atual Norte do Senegal que tinham como caraterística distintiva serem constituídas por ‘judeus públicos’, ou ‘judeus declarados’, segundo a terminologia da época, isto é, afirmarem publicamente a sua identidade religiosa judaica e viverem socialmente como tal. A sua presença na região estava estreitamente articulada com a chamada comunidade ‘portuguesa’ de Amesterdão. Foi encontrada presença judaica em Porto d’Ale, eram judeus que viviam com mulheres africanas e seus filhos mestiços”.
Mais adiante, os autores recordam que o comércio e a presença destes judeus contaram com a proteção dos dignatários africanos do Norte da Senegâmbia. E dão informação extremamente curiosa: “Na relação com reis wolof e sereer, então muçulmanos, os judeus construíram um discurso em que tentaram encontrar denominadores comuns entre o Judaísmo e o Islão. Foram feitas tentativas pelos representantes ou apoiantes das autoridades eclesiásticas e dos interesses da Coroa portuguesa em Cacheu para que o rei do Bawol, em cujo poder estava o Porto d’Ale prendesse os judeus para que fossem enviados àquela praça e daqui para Lisboa. O mesmo foi tentado junto do dignatário do Siin, ou de Joala. Tudo sem sucesso.
No final da comunicação, os autores aduzem elementos sobre a natureza das atividades mercantis destes judeus que tinham ligação a Amesterdão, às Províncias Unidas, mas também a Lisboa, Açores e S. Tomé, e estão também conhecidas as ligações a Inglaterra e a França. “Verificámos que além do comércio de couros, marfim e cera, judeus e cristãos-novos estavam também envolvidos no comércio de armas, proibido pela Santa Sé e pelas coroas católicas”. Bem vistas as coisas, o envolvimento destes judeus no comércio de escravos terá sido periférico, e havia seguramente interesses de alguns membros desta comunidade nos engenhos brasileiros. Agiam nestes negócios da Guiné destacados membros da comunidade dos judeus sefarditas de Amesterdão, nomeadamente da congregação Bet Jacob, os mesmos acusados pela Inquisição de fazerem proselitismo judaico em Amesterdão; proselitismo que vai ser projetado na costa guineense. Estes cristãos-novos (cripto-judeus) tinham especial capacidade de viverem diferentes identidades. “É assim que, em 1612, Jesu (ou Joshua) Israel, como era conhecido no Norte da Senegâmbia, se metamorfoseava em Luís Fernandes Duarte quando tinha de se corresponder com um parceiro comercial africano cristão".
E assim termina este esclarecedor trabalho:
“Na Senegâmbia do século XVII, se o cristianismo, a julgar pelas fontes disponíveis, continuou a desempenhar um papel fundamental das relações luso-africanas, circunstâncias favoráveis a esse comércio e das políticas europeias e africanas conduziram a um dado novo na região: a chegada de judeus que, no Norte da Senegâmbia, assumiram publicamente a sua identidade e que constituíram comunidades luso-africanas. Essas comunidades levaram à reconversão de cristãos-novos residentes ao Judaísmo e agiram de modo homólogo aos outros residentes portugueses cristãos: casaram-se com mulheres africanas e converteram a descendência ao judaísmo. Seguiram também, com o mesmo modelo identitário dominante naquele espaço africano. Este facto teve consequência no contexto guineense (…). Se o mundo mercantil do século XVII funcionava através de redes locais, regionais, intracontinentais e transcontinentais, também os fenómenos da história social desse mundo deveriam ser reinterpretados sem partir necessariamente de um centro europeu. Foi isso que procurámos fazer”.
África, desenhada pelo cartógrafo antuérpio Abraham Ortelius em 1570.
Mapa político da Senegâmbia e da região da Guiné de Cabo Verde no século XVII.
____________Nota do editor
Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23437: Nota de leitura (1465): O padre António Vieira (1608-1697), expoento máximo da literatura portuguesa, traduzido em sueco (José Belo)
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sexta-feira, 25 de setembro de 2015
Guiné 63/74 - P15154: Notas de leitura (760): "O colonialismo português", Coleção Estudos Africanos, Edições Húmus Lda., 2013 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2014:
Queridos amigos,
Já falámos de chineses em Catió, temos agora judeus na Senegâmbia, terão sido influentes no comércio, fazendo articulação com que hoje chamamos os Países Baixos.
Há novos rumos da historiografia do colonialismo português em África, este livro é um excelente exemplo. Adoro a capa, a passagem do rio Corubal faz parte do documentário fotográfico da viagem à Guiné do Ministro das Colónias, em 1941, é uma imagem soberba, a madeira da jangada parece sido cortada ontem. Interrogo-me em que zona do Corubal, talvez perto do Saltinho, hipótese a não excluir.
Tenho que bater à porta do Instituto de Investigação Científica Tropical, talvez uma caixinha de surpresas.
Um abraço do
Mário
O judaísmo na construção da Guiné de Cabo Verde, século XVII
Beja Santos
O termo Senegâmbia tem aqui vindo a ser largamente referido e conotado com um espaço situado entre o atual Senegal e a Serra Leoa, em que se fez notar a presença portuguesa no trato comercial, designadamente no tráfico de escravos. Nos últimos anos, observa-se um desenvolvimento importante na história do colonialismo português em África, há investigadores que aprofundam essa presença na Senegâmbia, é o caso de Eduardo Costa Dias, José da Silva Horta e Peter Mark. Esses estudos revelam ligações estreitas entre Cacheu e Pecixe, mais a Sul com os espaços políticos Beafadas, também com Bissau, e os eixos Cacheu-Farim e Bissau-Geba. Mas todo este espaço político-mercantil era o da Grande Senegâmbia onde os investigadores deram pela presença de comerciantes judeus, sediados no atual Norte do Senegal, atuando no rio Gâmbia e com articulações com Cacheu.
Em 2011, reuniram-se no Instituto de Investigação Científica Tropical investigadores portugueses e canadianos no seminário Novos Rumos na Historiografia dos PALOP, de que se publicou o livro "O colonialismo português", Coleção Estudos Africanos, Edições Húmus Lda., 2013.
Esta recensão prende-se com o trabalho apresentado por José da Silva Horta e Peter Mark, exatamente sobre o judaísmo na Guiné do Cabo Verde. Convirá que o leitor tenha em consideração o mapa que se publica, o Cabo Verde é a Sul do rio Senegal, mais ou menos em frente ao Arquipélago de Cabo Verde, pode ver-se a extensão da Grande Senegâmbia. Nos meios luso-africanos do tempo falava-se na Guiné de Cabo Verde. Começam os autores por referir que “Até muito recentemente o papel pioneiro desempenhado pela Guiné do Cabo Verde/Grande Senegâmbia na construção do Mundo Atlântico foi contornado e desvalorizado por contraste com o protagonismo nesse processo conferido a outros espaços africanos como o Golfo da Guiné e a África Central Ocidental”. E explicam a importância da região: “A vasta área da Grande Senegâmbia não só se abriu profundamente aos mercados ocidentais como respondeu plenamente aos desafios que essa abertura implicou, a qual não se ateve ao tráfico de escravos. Parte dessa resposta foi a conhecida integração de mediadores mercantis e culturais de origem sobretudo portuguesa e lusodescendente nos sistemas e modelos de relacionamento africanos pré-existentes”. O Arquipélago de Cabo Verde assumiu uma função crucial na construção dessa mediação, foi o dínamo desse trânsito cultural.
Porém, no início do século XVII, deu-se um ponto de viragem, passaram a entrar na Guiné judeus. Até agora a historiografia falava sempre na identidade luso-africana associada ao cristianismo. Os historiadores apenas sabiam de maneira imprecisa que no século XVII, nesta Grande Senegâmbia apareceram judeus praticantes. Sucessivas investigações posteriores esclareceram a presença de judeus confessos na Guiné. E os autores explicam como se apurou este facto: “A investigação foi baseada, numa primeira fase, em documentação da Torre do Tombo, pertencente ao Cartório do Santo Ofício e numa segunda fase nos registos notariais e internos dos membros da comunidade de judeus portugueses, consultados em Amesterdão, que se revelaram, no essencial, preciosamente complementares às informações dos documentos arquivados pela Inquisição. Os documentos que recolhemos e trabalhámos permitiram-nos reconstituir a existência de comunidades de judeus no atual Norte do Senegal. Cerca de 1606-1608, estes judeus operavam na região, mantinham-se em comunicação com a comunidade de Amesterdão, a eles se juntaram cristãos novos vindos de Portugal (nomeadamente do Porto, de Cabeço de Vide no Alentejo e de Faro) eram reconhecidos como judeus, sem qualquer discriminação. Estes judeus luso-africanos visitaram ou passaram a residir nas Províncias Unidas (hoje Países Baixos), conjuntamente com mestiços ou mulatos".
Está demonstrada a presença destes judeus nas atividades comerciais com a proteção dos dignatários africanos, caso dos reis wolof e sereer. As autoridades eclesiásticas bem tentaram que estes reis prendessem os judeus e que eles fossem recambiados para Lisboa, sem sucesso. E adiantam os autores quanto à natureza do comércio praticado: “Verificámos que além do comércio de couros, marfim e cera, judeus e cristãos novos estavam também envolvidos no comércio de armas, proibido pela Santa Sé e pelas coroas católicas, nomeadamente comércio de armas brancas. A existência de um importante comércio de armas brancas nos finais do século XVI e século XVII, contribui para desconstruir o conceito de warfare cycles estribados numa mercadoria específica (cavalos) ou num tipo de arma (armas de fogo). Esta rede mercantil incluía destacados membros da comunidade dos judeus sefarditas de Amesterdão, nomeadamente da congregação Bet Jacob”. Os investigadores observam que este contingente de cristãos novos foi muito significativo entre a população dos lançados e outros portugueses residentes na Guiné. Eram judeus de identidade flexível, e dão o exemplo: “Em 1612, Jesu (ou Joshua) Israel, como era conhecido no Norte da Senegâmbia, metamorfoseava-se em Luís Fernandes Duarte quando tinha de se corresponder com um parceiro comercial africano, transmutando-se novamente em Joshua na correspondência interna às comunidades judaicas e aos parceiros cristãos-novos em que confiava”.
Enfim o cristianismo desempenhou nesta Senegâmbia do século XVII um papel fundamental nas relações luso-africanas mas o dado novo foi a chegada destes judeus que a partir do Norte da Senegâmbia geraram uma nova identidade, casaram-se com mulheres africanas e converteram a descendência ao judaísmo. As investigações continuam. E os autores finalizam assim o seu artigo: “Se o mundo mercantil do século XVII funcionava através de redes locais, regionais, intracontinentais e transcontinentais, também os fenómenos da história social decorrentes desse mundo deveriam ser reinterpretados sem partir necessariamente de um centro europeu. Foi isso que procurámos fazer”.
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15136: Notas de leitura (759): "A Educação na República Democrática da Guiné-Bissau, Análise Setorial", editado, em 1986, pela Fundação Calouste Gulbenkian (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Já falámos de chineses em Catió, temos agora judeus na Senegâmbia, terão sido influentes no comércio, fazendo articulação com que hoje chamamos os Países Baixos.
Há novos rumos da historiografia do colonialismo português em África, este livro é um excelente exemplo. Adoro a capa, a passagem do rio Corubal faz parte do documentário fotográfico da viagem à Guiné do Ministro das Colónias, em 1941, é uma imagem soberba, a madeira da jangada parece sido cortada ontem. Interrogo-me em que zona do Corubal, talvez perto do Saltinho, hipótese a não excluir.
Tenho que bater à porta do Instituto de Investigação Científica Tropical, talvez uma caixinha de surpresas.
Um abraço do
Mário
O judaísmo na construção da Guiné de Cabo Verde, século XVII
Beja Santos
O termo Senegâmbia tem aqui vindo a ser largamente referido e conotado com um espaço situado entre o atual Senegal e a Serra Leoa, em que se fez notar a presença portuguesa no trato comercial, designadamente no tráfico de escravos. Nos últimos anos, observa-se um desenvolvimento importante na história do colonialismo português em África, há investigadores que aprofundam essa presença na Senegâmbia, é o caso de Eduardo Costa Dias, José da Silva Horta e Peter Mark. Esses estudos revelam ligações estreitas entre Cacheu e Pecixe, mais a Sul com os espaços políticos Beafadas, também com Bissau, e os eixos Cacheu-Farim e Bissau-Geba. Mas todo este espaço político-mercantil era o da Grande Senegâmbia onde os investigadores deram pela presença de comerciantes judeus, sediados no atual Norte do Senegal, atuando no rio Gâmbia e com articulações com Cacheu.
Em 2011, reuniram-se no Instituto de Investigação Científica Tropical investigadores portugueses e canadianos no seminário Novos Rumos na Historiografia dos PALOP, de que se publicou o livro "O colonialismo português", Coleção Estudos Africanos, Edições Húmus Lda., 2013.
Esta recensão prende-se com o trabalho apresentado por José da Silva Horta e Peter Mark, exatamente sobre o judaísmo na Guiné do Cabo Verde. Convirá que o leitor tenha em consideração o mapa que se publica, o Cabo Verde é a Sul do rio Senegal, mais ou menos em frente ao Arquipélago de Cabo Verde, pode ver-se a extensão da Grande Senegâmbia. Nos meios luso-africanos do tempo falava-se na Guiné de Cabo Verde. Começam os autores por referir que “Até muito recentemente o papel pioneiro desempenhado pela Guiné do Cabo Verde/Grande Senegâmbia na construção do Mundo Atlântico foi contornado e desvalorizado por contraste com o protagonismo nesse processo conferido a outros espaços africanos como o Golfo da Guiné e a África Central Ocidental”. E explicam a importância da região: “A vasta área da Grande Senegâmbia não só se abriu profundamente aos mercados ocidentais como respondeu plenamente aos desafios que essa abertura implicou, a qual não se ateve ao tráfico de escravos. Parte dessa resposta foi a conhecida integração de mediadores mercantis e culturais de origem sobretudo portuguesa e lusodescendente nos sistemas e modelos de relacionamento africanos pré-existentes”. O Arquipélago de Cabo Verde assumiu uma função crucial na construção dessa mediação, foi o dínamo desse trânsito cultural.
Grande Senegâmbia/Guiné do Cabo Verde do Noroeste Africano
Porém, no início do século XVII, deu-se um ponto de viragem, passaram a entrar na Guiné judeus. Até agora a historiografia falava sempre na identidade luso-africana associada ao cristianismo. Os historiadores apenas sabiam de maneira imprecisa que no século XVII, nesta Grande Senegâmbia apareceram judeus praticantes. Sucessivas investigações posteriores esclareceram a presença de judeus confessos na Guiné. E os autores explicam como se apurou este facto: “A investigação foi baseada, numa primeira fase, em documentação da Torre do Tombo, pertencente ao Cartório do Santo Ofício e numa segunda fase nos registos notariais e internos dos membros da comunidade de judeus portugueses, consultados em Amesterdão, que se revelaram, no essencial, preciosamente complementares às informações dos documentos arquivados pela Inquisição. Os documentos que recolhemos e trabalhámos permitiram-nos reconstituir a existência de comunidades de judeus no atual Norte do Senegal. Cerca de 1606-1608, estes judeus operavam na região, mantinham-se em comunicação com a comunidade de Amesterdão, a eles se juntaram cristãos novos vindos de Portugal (nomeadamente do Porto, de Cabeço de Vide no Alentejo e de Faro) eram reconhecidos como judeus, sem qualquer discriminação. Estes judeus luso-africanos visitaram ou passaram a residir nas Províncias Unidas (hoje Países Baixos), conjuntamente com mestiços ou mulatos".
Está demonstrada a presença destes judeus nas atividades comerciais com a proteção dos dignatários africanos, caso dos reis wolof e sereer. As autoridades eclesiásticas bem tentaram que estes reis prendessem os judeus e que eles fossem recambiados para Lisboa, sem sucesso. E adiantam os autores quanto à natureza do comércio praticado: “Verificámos que além do comércio de couros, marfim e cera, judeus e cristãos novos estavam também envolvidos no comércio de armas, proibido pela Santa Sé e pelas coroas católicas, nomeadamente comércio de armas brancas. A existência de um importante comércio de armas brancas nos finais do século XVI e século XVII, contribui para desconstruir o conceito de warfare cycles estribados numa mercadoria específica (cavalos) ou num tipo de arma (armas de fogo). Esta rede mercantil incluía destacados membros da comunidade dos judeus sefarditas de Amesterdão, nomeadamente da congregação Bet Jacob”. Os investigadores observam que este contingente de cristãos novos foi muito significativo entre a população dos lançados e outros portugueses residentes na Guiné. Eram judeus de identidade flexível, e dão o exemplo: “Em 1612, Jesu (ou Joshua) Israel, como era conhecido no Norte da Senegâmbia, metamorfoseava-se em Luís Fernandes Duarte quando tinha de se corresponder com um parceiro comercial africano, transmutando-se novamente em Joshua na correspondência interna às comunidades judaicas e aos parceiros cristãos-novos em que confiava”.
Enfim o cristianismo desempenhou nesta Senegâmbia do século XVII um papel fundamental nas relações luso-africanas mas o dado novo foi a chegada destes judeus que a partir do Norte da Senegâmbia geraram uma nova identidade, casaram-se com mulheres africanas e converteram a descendência ao judaísmo. As investigações continuam. E os autores finalizam assim o seu artigo: “Se o mundo mercantil do século XVII funcionava através de redes locais, regionais, intracontinentais e transcontinentais, também os fenómenos da história social decorrentes desse mundo deveriam ser reinterpretados sem partir necessariamente de um centro europeu. Foi isso que procurámos fazer”.
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15136: Notas de leitura (759): "A Educação na República Democrática da Guiné-Bissau, Análise Setorial", editado, em 1986, pela Fundação Calouste Gulbenkian (Mário Beja Santos)
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