Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberem e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento (Baraca) Osvaldo Vieira , outro dos momentos gratificantes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral (1) > Neste vídeo, um dos homens grandes da região conta como foram os primórdidos da luta... Infelizmente não consegui fixar o seu nome. Creio que é nalu. Entrou no mato, como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir ao PAIGC. A designação deste acampamento não tem nada a ver a verdade fáctica, histórica: é apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis do PAIGC (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional) : Osvaldo Vieira actuou no Oio (Frente norte), não no Cantanhez (Frente sul).
"Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"... Fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o antigo guerrilheiro...
E a narrativa continua: Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto. Atenção, diz o Pepito, com confundir com o outro Capitão Curto, que andou a espelhar o terror no chão manjaco (Devia estar a referir-se ao Cap António Curto, comandante da CCAÇ 5, conhecida pela Companhia Manjaca de Bachil… Esse Cap Curto devia ser o mesmo que tinha fama de cortar cabeças. .. No filme-documentário As Duas Faces da Guerra, de Flora Gomes e Diana Andringa, um dos entrevistados, antigo combatente do PAIGC, também evoca esse famigerado Cap Curto... A crer no depoimento do antigo guerrilheiro, o Cap Curto cortava as cabeça dos seus prisioneiros e, depois ia apresentá-las às mães das vítimas, nas suas tabancas... O Cap Curto do Tombali também era dos duros.
Enfim, não tive, no Cantanhez, oportunidade de confirmar esta história (macabra) nem saber mais pormenores sobre eventuais métodos de trabalho sujo, resultantes da colaboração entre Exército, PIDE, polícia administrativa, etc., nos anos de chumbo que antecederam a guerra... Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconcialição, para falar deste e de doutros homens que não podem ser tomados como representativos do exército português, e muito menos dos militares portugueses que fizeram a guerra, entre 1963 e 1974....
Na mesma altura apareceu o Nino. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça… Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… O Nino ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o Mão de Ferro, com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. “Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Canhanez)…
Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes
A memória de Cabral (que conheceu bem a região de Tombali, como engenheiro agrónomo, antes de se tornar o fundador e o líder histórico do PAIGC) bem como da luta de libertação nacional está ainda bem viva entre as mulheres e os homens da região de Tombali... Uma das mulheres, presentes na cerimónia, canta uma das canções revolucionárias da época, dando vivas à Guiné e ao Partido.
Vídeo (0' 55''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes
Cabral fala sábi...
Vídeo (20''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes
"A unidade foi a melhor arma nos momentos difíceis dos camaradas" - pode ler-se num pequeno monumento, tosco, de cimento, encimado pela estrela negra, erguido na antiga barraca da guerrilha... Testemunho do passado, recado para o presente, pensa a Alice que, como muitos portugueses e portuguesas, não fazia a mínima ideia das reais condições do terreno (e do clima) onde se operava a guerrilha e a contra-guerrilha na Guiné....
O que pensarão estes miúdos ? Quais são os seus sonhos ? Para onde estão a olhar ? O que serão daqui a 15/20 anos ? O que sabem da luta pela independência, levada a cabo pelos seus avós ? Quem serão hoje os seus ídolos, os seus heróis ?
Sabotagem ? Provocação ?... Não, é apenas uma camisola do craque do Manchester United e da Selecção Nacional de Futebol de Portugal, Cristiano Ronaldo, um herói do mundo global e mediatizado de hoje...
As mulheres do Cantanhez exemplificaram como cozinhavam no mato, sem fazer fumo, iludindo a observação aérea do IN... Os combatentes tinham apenas direito a uma refeição po dia... Ainda hoje será difícil comparar a sua à nossa fome... Nas unidades de quadrícula ou nas operações no mato, o tuga sonhava com comida e sobretudo com bebida... Muita, fresca!
Uma guerra de libertação (ou subversiva, como diziam as nossas chefias militares...) não se faz sem as mulheres, como a antiga enfermeira do PAIGC, Francisca Quessangue, que participou na batalha de Guileje....
Actores, figurantes, assistência... Nos bastidores ou no placo.... As mulheres são parte fundamental da luta do povo da Guiné, ontem como hoje: pela paz, pela liberdade, pela democarcia, pelo desenvolvimento, pelo direito à história....
À esquerda, o Luís Moita e o Paulo Santiago seguem com atenção, desvelo e carinho, o inédito espectáculo de representção teatral que nos deram, a todos, os antigos guerrilheiros e a população local ddo Cantanhez...
Um verdadeira lição, ao vivo, de história, de antropologia, de ciência política, de arte da guerra, de gestão, de humor, de humanidade, de sobrevivência, de dignidade, de amizade, de esperança no futuro...
De acordo com as coordenadas do GPS do Nuno Rubim (2), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso... Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar directamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iremos almoçar nesse domingo).
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Continua
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Notas de L.G.:
(1) Vd. os três últimos últimos postes desta série:
5 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2721: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (13): Visita ao Acampamento Osvaldo Vieira (I)
31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau
29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel (I)
(2) Vd. poste de 7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2731: Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira: Coordenadas GPS (Nuno Rubim)