sábado, 2 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20304: Manuscritos (Luís Graça) (172): as cores quentes e frias do outono da Tabanca de Candoz - Parte I
















Marco de Canaveses > Paredes de Viadores >Candoz > Quinta de Candoz > 2 de novembro de 2019 > As cores "outonais"... Morte e renascimento,,,


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Agora que corremos o risco de, num futuro ainda próximo, deixarmos de ser um país temperado, com quatro estações, sabe bem vir aqui até ao Norte e apanhar três dias de chuva sem parar... e ver a paisagem com cores outonais, numa  magnífica paleta de tonalidades, quentes e frias, onde predomina os verdes escurecidos, os amarelos alaranjados, os vermelhos alaranjados,  os violetas, os azuis arroxeados, os castanhos, os brancos sujos... 

É essa mistura de cores quentes e frias que gosto de encontrar, quando aqui volto, à Tabanca de Candoz, depois das vindimas... Este ano nem sequer vim às vindimas... Na Guiné só havia duas estações, e era um sufoco. Sempre me faltou o outono e, de certo modo, a primavera. Mas o outono é(era) uma estação especial da minha infância... Reencontro-o  aqui, por estes dias...


Tabanca de Cando< As nossas comidinhas >
No dia dos mortos,
arroz de pica no chão (não é de cabidela,
porque há quem não o possa comer...)
Comem-se castanhas e romãs, bebe-se o vinho verde do ano passado, acabado de engafarrar, mais espumoso do que o espumante, com quase 13 graus, mistura fabulosa de azal, loureiro e alvarinho... Não há rolhas que o aguentem este ano...

É o nosso São Martinho, depois de evocados e homenageados os nossos queridos mortos, que ele  não há flores que cheguem para as campas nos cemitérios  nesta altura...

O almoço, neste dia, antes de "atacar o cemitério" (missa e visita às campas), é "o arroz de pica no chão"... Simplesmente, cinco estrelas!... 

E, à laia de provocação, a gente diz, à mesa: 
"Ó Avillez, tens cá disto ?"... Em voz alta, que esta gente, à mesa, é ruidosa e galhofeira... 

Como se pode ler no "Cancioneiro de Candoz" (2ª edição revista e aumentada, 2017. p. 105), "É um povo hospitaleiro / Que sabe receber e dar, / Se na fé é o primeiro, / Não fica atrás no folgar".

E, no entanto, com chuva, sem sol, no dia dos mortos, este tempo presta-se à meditação e... à depressão!... Os dias são curtos, a noite chega cedo... E já se acende a lareira.

Ainda dependente da canadiana, lá me atrevo a dar uma volta pela terra, à procura de "santieiros" (cogumelos) e sobretudo das cores outonais... Aqui deixo uma seleção de fotos em três partes... Nem todos os amigos e camaradas da Tabanca Grande, que vivem na cidade, têm o privilégio de, como eu,  sentir o pulsar da natureza, que é vida, rodeado de dois rios, o Douro e o Tâmega e de montanhas altas, da serra de Montemuro à serra da Aboboreira, com o Marão mais lá ao longe...

__________

Guiné 61/74 - P20303: (De)Caras (140): Ainda o comerciante António Augusto Esteves, transmontano, fundador da Casa Esteves, falecido em Lisboa em 1976 (Lucinda Aranha)


Guiné- Bissau > Bissau > c. 1975 > Novo mapa, pós-colonial, da capital da nova república, já com as novas designações das ruas, avenidas e praças, que vieram substituir o roteiro português: Av 3 de Agosto, Av Pansau Na Isna, etc. Veja-se a localização do porto do Pidjiguiti (para os barcos de pesca e de cabotagem), à esquerda do porto de Bissau (para os navios da marinha mercante).

Foto: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A Casa Esteves ficava no nº 33 da Av Domingos Ramos (antiga Rua Administrador Gomes Pimentel), que era paralela à Av Amílcar Cabral (antiga Av República), à esquerda (no sentido descendente) e à Rua Osvaldo Vieira (, à direita).

Revendo a Bissau do tempo  do seu pai (, que foi lá empresário entre 1946 e 1973),  Manuel Joaquim dos Prazeres (1901-1977),  Lucinda Aranha Antunes, refere a Casa Esteves, fundada por António Augusto Esteves (*), localizando-a na Baixa de Bissau, nestes termo:

 "Revia ainda as ruas paralelas [à Av da República], com os bairros residenciais de casas de um ou dois pisos, com varandins que ajudavam  a refrescar, alegrados por vasos de rosas, sardinheiras, pervíncas e zínias; à direita, o Hospital e o Grande Hotel, à esquerda, o mercado, a Casa Esteves, a Tipografia das Missões, o campo de futebol [Estádio Sarmento Rodrigues, depois Lino Correia].
  
[in: "O Homem do Cinema - A la Manel Djoquim i na na bim" [Alcochete, Alfarroba, 2018, p. 99]


2. Mensagem de Luís Graça, com data de ontem:

Querida amiga Lucinda:

Só agora li, de lápis na manhã, o seu livrinho, que é um monumento de ternura, sobre a saga da sua família, o Nequinhas, a Julinha, as manas, os amigos... incluindo o "compadre" Esteves... Vou  fazer uma detalhada recensão do seu livro, que eu um dia ainda gostaria de ver transformado em guião para um filme sobre o Manel Djoquim, em Cabo Verde e na Guiné...

Mas agora gostava que comentasse o poste que acabei de editar (*)... Sei que trocou muitos dos nomes (a começar pelas manas...), mas este Esteves é mesmo o fundador da Casa Esteves (que eu conheci em Bafatá, a casa não o senhor),

Tem ideia de quando morreu ? E era de donde ? Como é que uma mulher vai para o Cacheu, em 1922, como professora ? Os filhos (filha, filho...) ficaram por lá ?!... A Casa Esteves ainda existe, apesar da miséria de Bissau...

Tenho fotos para lhe mandar do último encontro de Monte Real,com a Lena Carvalho, a Lena do Enxalé...De resto, já me autorizou a publicá-las no blogue...Será para breve, com a recensão... (O Beja Santos já fez uma, mas eu quero fazer a minha...) .

Beijinhos.Um abraço para o marido e nosso camarada, Antunes. Luís.

PS - Por estes dias estou na Tabanca de Candoz, mas passo agora mais tempo na Lourinhã...

3. Resposta de Lucinda Aranha. 

Guiné-Bissau > Bissau > s/d > Av Domingos Ramos >
Casa Esteves.
Foto: cortesia da página do Facebook
O Valdemar Queiroz diz que a foto
não é de 1980/90 mas sim dos anos 60 (*)

com data de hoje:

Caro Luís,

Li o que escreveu e, devo agradecer ter-me alertado. Há perguntas que me faz no mail para as quais nāo tenho respostas certas, só hipóteses. Falei com o sr. Pereira, genro do Esteves, que me propôs um novo encontro em casa dele onde se sente mais à vontade para falar do que ao telefone.

Contrariamente ao que escreveu, o Esteves morreu antes do meu pai, em 1976, em Lisboa, de cancro no pâncreas. Era de Trás-os-Montes, casou lá, penso que ele e a D. Maria eram de Mirandela. É aí que compraram uma boa casa, quando enriqueceram. Tiveram um filho, o Fernando que também morreu de cancro, e 3 filhas, a Maria Arminda, casada com o Pereira, a Clotilde, viúva do Costa,  e a Mariazinha que também já morreu. 

Não sei os motivos que levaram a D Maria a ir dar aulas na Guiné, eventualmente vantagens de carreira ou desejo de melhorarem a vida. O Esteves distanciou-se da mulher que passou a viver em Mirandela, e tinha uma companheira, a Olga, que conheceu nas condições que conto no livro, e que depois veio viver para Lisboa . Teve outras companheiras na Guiné, pelo menos uma indígena de que tomámos conhecimento após a sua morte, quando constou , para grande desgosto da Olga, que havia um filho por lá. Disse-me o Tony Tcheka que lá tem uma filha que montou um excelente ressort.

Quanto à Casa Esteves,  o Pereira, o genro,  tomou conta dela até 18 de Dezembro de 74, altura em que entregou a direcção a 3 empregados de confiança que a entregaram ao Costa quando regressou de férias de Portugal. O cunhado adoptou uma política mais consentânea com os tempos da revolução e foi o fim da Casa Esteves.

Quando tiver informações mais precisas logo lhe direi.

Adorei que tenha gostado do livro, espero a recensão,, quanto às foyos tem inteira liberdade para as postar.

Um abraço saudoso, Lucinda Aranha



"Sou mesmo a do meio com um ar de beicinho. A mais velha é a minha irmã Teresinha,  filha do primeiro casamento do meu pai,  e as restantes somos do segundo. As três mais velhas nasceram em Santiago, Cabo Verde, a pequenina da ponta em Bolama, nos Bijagós, Guiné Bissau,  e eu em Lisboa"... Foto e legenda (2016): página do Facebook, Lucinda Aranha Antunes - Andanças na Escrita (Com a devida vénia...).

4. Comentário de Patrício Ribeiro (*):

A Casa Esteves, na Av. Domingos Ramos, (na Avenida onde existia a Solmar), esteve alugada nos anos 2000 e durante diversos anos a uma Sra. Portuguesa, que praticava Comércio Geral.

Mas, desde alguns anos, que o edifício é um Banco Comercial.

Guiné 61/74 - P20302: Efemérides (314) : No dia de Finados, lembremos os nossos queridos mortos da Tabanca Grande: já lá vão 75 em 798














Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Cemitério local > 1 de novembro de 2019 > "Festa dos nossos queridos mortos"




Fotos (e legendas): © Luís Graça(2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Cemitério local > 1 de novembro de 2019 >  Mais um amigo da família, o Manuel Serafim Mendes Santos, natural da Granja, que partiu este ano, em 16/7/2019, aos 70 anos. Estudou no seminário,  vivia no Montijo, tem um filho na América, foi quadro superior da Segurança Social... Fez a guerra colonial em Moçambique. Encontrávamo-nos, de vez em quando, em Lisboa. É mais um camarada, que entra a título póstumo, para a Tabanca de Candoz. 



Foto (e legenda): © Luís Graça(2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Há anos, há mais de 40, que eu venho aqui, a estes terras, de vale do Tâmega e do Sousa, que foram berço da Nação, para recordar os nossos "queridos mortos"...Não, não vou, neste dia, à minha terra, na Estremadura, onde não há o mesmo "culto dos mortos". É o único dia do ano, e o único sítio do mundo,  em que eu assisto a uma missa católica.


Aqui os cemitérios enchem-se de flores, de velas, de cãnticos, de orações, de eflúvios, de lágrimas e suspiros, e sobretudo de vivos (*)... Que vêm dizer aos seus queridos mortos coisas tão elementares, singelas, autênticas, sinceras como o seguinte. Aqui se reza em voz alta e se fala com os mortos:

"Espera por mim, pai, mãe, irmão, avô, avó..., aquece-me o lugar, reza por mim, está frio aí em baixo para ir contigo, deixa-me ainda ver o meu neto entrar na Faculdade, casar e ter filhos, que serão os meus bisnetos... 

"Morreste cedo, meu querido pai, mãe, irmão, avô, avó..., mas eu quero ir contigo, o mais tarde melhor, mesmo com as mazelas todas que o médico de família já me diagnosticou... 


"Não me leves a mal, temos toda a eternidade para estarmos juntos, conversar, rever a nossa vida,  de fio a pavio, de trás para a frente, de frente para trás, contar histórias, recordar os bons velhos tempos cá da terra da alegria... Sim, porque pode haver o céu das bem aventuranças, como promete o padre da freguesia que acaba de dizer a missa de Dia de Finados,  mas esta a única terra da alegria que eu conheço...

"Em boa verdade, eu nem sei o que fazer com o tempo todo, uma eternidade, que me vai calhar na rifa... Deixa-me viver mais uns aninhos, guarda-me o lugarzinho à direita de Deus Pai, mete-me uma cunha, se for preciso, afinal eu nunca te pedi nada em vida... Receio que também haja cunhas no céu... Desde que nascemos,  estabelecemos redes clientelares... Se for preciso, eu mando rezar mais umas missas... Se não for possível junto à direita de Deus Pai, pode ser logo na primeira fila, num lugarzinho onde eu possa ainda ver e ouvir... Já vejo mal e ouço pior... 

"Não quero perder pitada de nada do primeiro dia do resto da minha vida eterna... Acho que o primeiro dia é que deve ser empolgante. Tenho receio que depois vá morrer de tédio... Em boa verdade, vivo apavorado com essa perspectiva de eternidade, de viver durante séculos e séculos até ao fim do mundo... Simplesmente, eu queria dormir um sono profundo, eterno, sem despertador, para me compensar das noites de alvoroço e de angústia em que o cabo quarteleiro me chamava às tantas da madrugada para mais uma operação na noite negra da Guiné"...





Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 2 de novembro de 2019 >  As cores do outono da nossas vidas...

Foto (e legenda): © Luís Graça(2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Nesta efeméride (**), o dia de Finados, 2 de novembro, eu quero aqui recordar os nossos queridos mortos..., a começar pelos da Tabanca Grande!


Recordo-me de todos, os 75, que "da lei da morte já se libertaram", um a um, por ordem alfabética, do Agostinho [Valentim Sousa] Jesus (1950-2016), ex-1.º Cabo Mecânico Auto da CCS/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74) ao Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, ex-cmtd da CART 2715 (Xime, 1970/72), que fiz sentar, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 781, no dia em que se comemorava os 48 anos da Op Abencerrragem Candente, em que as NT tiveram 6 mortos e 9 feridos graves na antiga picada da Ponta do Inglês... e eu estava lá. (LG)

O primeiro a finar-se foi o cap SGE Zé Neto (1929-2007)(***), o último o António Manuel Carlão (1947-2018) (****). Em boa verdade, o mais recente dos nossos grã-tabanqueiros a partir foi o Mário Pinto (1945-2019) (*****).

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Lista dos amigos/as e camaradas da Tabanca Grande que da lei da morte se foram libertando, desde 2007 até hoje (n=75 num total de 798):


Agostinho Jesus (1950-2016)
Alfredo Dinis Tapado (1949-2010)
Alfredo Roque Gameiro Martins Barata 
(1938-2017)
Amadu Bailo Jaló (1940-2015)
António da Silva Batista (1950-2016)
António Dias das Neves (1947-2001)
António Domingos Rodrigues (1947-2010)
António Manuel Carlão (1947-2018)
António Manuel Martins Branquinho (1947-2013)
António Manuel Sucena Rodrigues (1951-2018)
António Rebelo (1950-2014)
António Teixeira (1948-2013)
António Vaz (1936-2015)
Armandino Alves (1944-2014)
Armando Teixeira da Silva (1944-2018)
Augusto Lenine Gonçalves Abreu (1933-2012)
Aurélio Duarte (1947-2017)

Carlos Cordeiro (1946-2018)
Carlos Filipe Coelho (1950-2017)
Carlos Geraldes (1941-2012)
Carlos Rebelo (1948-2009)
Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014)
Clara Schwarz da Silva (1915-2016)

Daniel Matos (1949-2011)

Fernando Brito (1932-2014)
Fernando [de Sousa] Henriques (1949-2011)
Fernando Rodrigues (1933-2013)
Francisco Parreira (1948-2012)
França Soares (1949-2009)

Gertrudes da Silva (1943-2018)

Humberto Duarte (1951-2010)

Inácio J. Carola Figueira (1950-2017)
Ivo da Silva Correia (c.1974-2017)

João Barge (1945-2010)
João Caramba (1950-2013)
João Henrique Pinho dos Santos (1941-2014)
João Rebola (1945-2018)
João Rocha (1944-2018)
Joaquim Cardoso Veríssimo (1949-2010)
Joaquim Peixoto (1949-2018)
Joaquim Vicente Silva (1951-2011)
Joaquim Vidal Saraiva (1936-2015)
Jorge Rosales (1939-2019)
Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017)
José António Almeida Rodrigues (1950-2016
José Eduardo Alves (1950-2016)
José Fernando de Andrade Rodrigues 
(1947-2014)
José Luís Pombo Rodrigues (1934-2017)
José Manuel P. Quadrado (1947-2016)
José Marques Alves (1947-2013)
José Moreira (1943-2016)

José (ou Zé) Neto (1929-2007)

Luís Borrega (1948-2013)
Luís Encarnação (1948-2018)
Luís Faria (1948-2013)
Luís F. Moreira (1948-2013)
Luís Henriques (1920-2012)

Manuel Carneiro (1952-2018)
Manuel Castro Sampaio (1949-2006)
Manuel Martins (1950-2013)
Manuel Moreira (1945-2014)
Manuel Moreira de Castro (1946-2015)
Manuel Varanda Lucas (1942-2010)
Maria da Piedade Gouveia (1939-2011)
Maria Manuela Pinheiro (1950-2014)
Mário Gualter Pinto (1945-2019)
Mário Vasconcelos (1945-2017)

Nelson Batalha (1948-2017)

Rogério da Silva Leitão (1935-2010)

Teresa Reis (1947-2011)

Umaru Baldé (1953-2004)

Vasco Pires (1948-2016)
Victor Condeço (1943-2010)
Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014)  


Requiescant in pace, camaradas!
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Notas do editor:


(*) Vd. postes de;

8 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17945: Manuscrito(s) (Luís Graça) (128): O Dia de Fiéis Defuntos na Tabanca de Candoz: aqui a tradição ainda é o que era... Parte II - Fotos

6 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17939: Manuscrito(s) (Luís Graça) (127): O Dia de Fiéis Defuntos na Tabanca de Candoz: aqui a tradição ainda é o que era...


1 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13833: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris


(**) Último poste da série >  1 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20299: Efemérides (313): Na Guerra da Guiné, há 55 anos: A emboscada comandada por Osvaldo Vieira à escolta sob o meu comando, na estrada Mansabá-Farim, ao cair da tarde daquele 1.º de Novembro de 1964

(***)  Vd, poste de 31 de maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)

(****) Vd. poste de 21 de setembro de 2019 >  Guiné 61/74 - P20164: In Memoriam (348): António Manuel Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018), ex-alf mil at inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel, Nhabijões e Bambadinca, 1969/71... Entra para a Tabanca Grande, a título póstumo, sob o nº 797.

(*****) Vd. poste de 11 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19882: In Memoriam (343): Mário Gualter Rodrigues Pinto (1945-2019), ex-fur mil art, CART 2519 (Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, 1969/71)... Era chefe de cozinha, e vivia no Barreiro... O corpo já seguiu para a capela mortuária da igreja do Lavradio, Barreiro, e o seu funeral realiza-se esta tarde pelas 16h15 (Herlânder Simões / Luís Graça)

Guiné 61/74 - P20301: Os nossos seres, saberes e lazeres (362): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Ter vivido quase seis meses em Ponta Delgada, um lugar onde se criaram raízes, aonde se regressa sempre com o coração aos saltos, tal o peso das lembranças, justificava plenamente que lhe fosse consagrada um dia para rever pessoas e lugares, a lembrança guardou dados essenciais, muito boa gente acolheu o viandante, lhe deu guarida, lhe abriu igualmente outras portas.
É uma cidade pronta para surpresas, súbito se encontra o antigo professor de Cultura Portuguesa, António Machado Pires, há sempre uma lembrança, o velho professor não pára de escrever, ou sobe-se ao Instituto Cultural de Ponta Delgada onde viveu Armando Cortes Rodrigues, que ali amesendou o viandante e lhe deu livros, particularmente a correspondência que com ele trocou Fernando Pessoa.
Foi um dia abençoado, logo a seguir parte-se para um lugar mágico, o Vale das Furnas.

Um abraço do
Mário


A minha ilha é um cofre de Atlântidas (4)

Beja Santos

O viandante confessa que saiu a custo do Museu Carlos Machado, ainda vão aqui imagens deste imenso adeus que mete erupção vulcânica, um belíssimo pormenor do seu exterior, um Cristo crucificado na Cruz de Santo André, ele não conhece uma imagem com este vigor e carga mística que se aparente e há ali um resto de um lintel do passado que fala do tardo-gótico, de que São Miguel beneficiou, não em grandeza nem largueza, quem aqui chegava demorava muito tempo aos benefícios temporais, foi a ilha a desmatar desde a aurora do povoamento, a própria Igreja precisou de bastante tempo para se consolidar, a todos os títulos podemos conhecer um pouco desta epopeia lendo uma obra ímpar intitulada “O Livro das Saudades da Terra”, de Gaspar Frutuoso, o que para o caso importa é o volume IV reportado a São Miguel.





Pergunto ao leitor se esta fachada barroca da Igreja do Colégio dos Jesuítas, onde pregou o Padre António Vieira, não é de estarrecer, pelo equilíbrio das proporções, pelo ajustamento cromático e pela pomposidade contida, quando aqui o viandante chegou, há mais de cinquenta anos, não era visitável, alguém mesmo falou em obras de Santa Engrácia, enfim, hoje dá gosto por aqui deambular no núcleo da Arte Sacra, esplendoroso e até pensar o que teria sido o interior deste templo se tivesse as obras acabadas, o que nunca chegou a acontecer. Se me perguntarem, respondo logo: é visita obrigatória, por dentro e por fora.


Terá sido num dos últimos dias de fevereiro de 1968 que o viandante entrou em casa do poeta do Orpheu Armando Cortes Rodrigues, vinha como convidado e para amesendar, foi recebido por uma voz estentórea, alguém do primeiro andar o saudava, vestido como um gaúcho, o viandante sempre deu voltas à cabeça se aquela indumentária não metia até guizos, algo chocalhava em fatiota tão bizarra. Mas o importante foi o acolhimento, era poeta perguntador e quando a conversa deslizou para o primado da etnografia, meu Deus!, que entusiasmo a falar dos romeiros, do interior das casas agrícolas, e também da história, a explicação do ciclo da laranja, as famílias dos donatários. De uma humildade só própria dos grandes talentos, ao falar de Vitorino Nemésio todo tremia, conhecia praticamente de cor essa obra-prima da literatura portuguesa da primeira metade do século XX, “Mau tempo no canal”. Pois o viandante bateu à porta desta casa sita na Rua do Frias, veio cumprimentar o diretor da instituição cultural, que o recebeu prazenteiro. E fotografou desenhos de Armando Cortes Rodrigues, o tal, que à saída do jantar lhe deu o volume da correspondência que Fernando Pessoa com ele trocara.



O viandante, por uma questão de pudor, não vai contar a conversa havida com os amigos com quem se encontrou, mas para lá chegar passou pela Igreja-Matriz, uma preciosidade do manuelino, como aqui se pode ver, e com algumas novidades, tem exuberância sem cordames, o que se dá ao leitor é a porta principal e a porta lateral da direita do templo com um pormenor retirado da fachada principal. O dia nascera claro na cidade, beneficiou-se da luz que releva o génio dos canteiros que lavraram esta pedra, espera-se que até à eternidade ela perdure, para bem do que há de melhor do estilo manuelino.




O infatigável amigo do viandante, Mário Reis, a pretexto de umas obras que iria ver no Vale das Furnas, deu boleia, foi-se de Ponta Delgada à Ribeira Grande, daqui seguiu-se para as Caldeiras com o mesmo nome, o leitor que procure adivinhar como esta água é fervente, turbilhonante, expelindo vapores de enxofre. É uma visão que a uns intimida, e com uma certa razão, é sempre um sinal que o interior da terra se pode revolver num certo instante e gerar abismos, desgraças, as consequências mais imprevisíveis. Por ora, fique-se com estes tons turquesa de algo de medonho que, na justa medida desta imagem, até pode ser tomado, vamos lá, como uma piscina de água férrea.


O viandante regressa ao Vale das Furnas, vem munido de literatura apropriada, neste caso, “Uma Viagem ao Vale das Furnas em Junho de 1840”, por Bernardino José de Sena Freitas, Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo, que assim começa: “O pitoresco e romântico Vale das Furnas, pequena aldeia assentada no interior da ilha de São Miguel, cercada de altíssimas rochas no circuito talvez de três léguas, demora ao nordeste da cidade de Ponta Delgada, e contém 334 fogos e 1320 habitantes”. Pode ser que a distância seja esta mas muito mudou quanto a fogos e habitantes, como adiante falaremos. E fica-se com a imagem de um hotel onde houve o bom gosto de ao fazer a sua expansão manter as linhas Arte-Deco, da face primitiva, em meados da década de 1930, e convém nunca perder de vista que aqui dentro está um dos mais lindos parques portugueses, com espécies de todo o mundo.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20277: Os nossos seres, saberes e lazeres (361): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20300: Parabéns a você (1701): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20296: Parabéns a você (1699): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20299: Efemérides (313): Na Guerra da Guiné, há 55 anos: A emboscada comandada por Osvaldo Vieira à escolta sob o meu comando, na estrada Mansabá-Farim, ao cair da tarde daquele 1.º de Novembro de 1964

1. Em mensagem de ontem, 31 de Outubro de 2019, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos um texto lembrando uma emboscada lavada a cabo no 1.º de Novembro de 1964, a uma coluna auto na estrada Mansabá-Farim, comandada por Osvaldo Vieira.


Na Guerra da Guiné, há 55 anos: 
A emboscada comandada por Osvaldo Vieira à escolta sob o meu comando, na estrada Mansabá-Farim, ao cair da tarde daquele 1.º de Novembro de 1964

A malta do 2.º Curso de 1963 do CISMI – Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, – merecerá o registo da história de excelente colheita.
Começámos em Agosto, saímos Sargentos tirocinados em Dezembro, mas, por “criatividade” dos nossos chefes militares, com o posto de Cabos Milicianos – para fazermos o serviço de Sargento ao custo do soldo de Praça.

Em 4 meses de recruta/especialidade, a “Academia Militar de Tavira” superiorizou 1200 instruendos a Hitler – ele saiu da tropa com o posto de Cabo “chico”.

A minha classificação final foi de 12,26 valores – só não tive notação negativa nos “trabalhos de estrada” – e, 0,2 de valor terão feito de mim o mais infortunado furriel da CCav 703, na Guerra da Guiné: não tive grupo de combate certo, fui obrigado a substituir todos os furriéis operacionais e 2 dos 4 alferes e acabei a comissão como comandante de 2 Grupos de Milícias. O Manuel Simas, que já nos deixou, era o segundo classificado, com 12,24 valores, e, na nossa interacção, se não foi a minha sorte grande foi a sua terminação – era mais capaz que eu.

A primeira substituição foi a do vagomestre, Furriel Aurélio Cunha, que dias após o desembarque baixou ao Hospital Militar 241.
O Aurélio Cunha será um prestigiado repórter, chegou a redactor principal do “Jornal de Notícias” e é autor do notável livro “Um Repórter Inconveniente”, está vivo e recomenda-se; o Manuel Simas será um escultor brilhante nos Estados Unidos, acabou professor no Ensino Secundário em Ponta Delgada e deixou-nos há 2 anos.

E foi no desempenho de vagomestre que eu e mais 11 nos vimos confrontados pelo carismático comandante Osvaldo Vieira e a sua malta, naquela emboscada, – a primeira sofrida pela CCav 703. Até então, apenas havíamos operado cercos, assaltos, etc.
O Comando-Chefe desencadeara a “Operação Confiança”, na sua pretensão de “limpar“ o Oio, à CCav 703 coube a missão do desimpedimento da estrada Mansabá-Farim, que o MLG e não o PAIGC havia pejado de abatises, desde 1962, o primeiro movimento armado independentista da Guiné, com o assalto e a vandalização de Susana, Varela, etc a seu crédito.

Montámos barracas cónicas chamadas “tendas coloniais” num descampado, arredores de Bironque, de dia uns faziam de militares-madeireiros, outros faziam patrulhas operacionais e de reconhecimento por água, em duas noites “embrulhamos” morteiradas de 82 – a sua segunda ou a terceira ocorrência na Guiné.
Levámos apenas atrelado-tanque de 10 000 litros de água, mas em Bironque não havia esse precioso líquido (viemos a saber que Teixeira Pinto se havia queixado do mesmo), não tivemos uma côdea de pão, passámos do rancho quente a rações de combate, as moscas passaram a enxamear o amontoado de marmitas não lavadas e, quando já tínhamos menos dum cantil per capita, o pequeno heli Alouette II das evacuações sanitárias, poisou com o Brigadeiro Sá Carneiro (tio do futuro fundador do PPD). O nosso enérgico Capitão Fernando Lacerda não era dado a tibiezas fizera subir o tom nas reclamações da falta do reabastecimento de água e o Comandante Militar, em vez de nos mandar gerricanes de água mandou-nos a sua presença – mas para admoestar e ameaçar o capitão com uma “porrada”. Mas deixou-nos um ensinamento: - Em tempo de guerra, as marmitas lavam-se com terra…

Nada tive a ver com a “Ordem de Operações” ou o estacionamento em Bironque, mas a sua falta de água sobrara para mim. A Guerra da Guiné também foi assim.
O nosso capitão disponibilizou-me o camião Mercedes, o seu condutor Domingos Pardal e uma esquadra, reforçada com os três elementos da cozinha, deu-me liberdade para acrescentar até 4 voluntários de folga (os outros operacionais tinham uma missão operacional), arregimentei apenas 3 voluntários, formei uma escolta de 12 fiz a lenga da praxe e lá fomos à água ao BArt 645, sediado em Mansabá. Eh, malta! Estou a sentir arrepios, à medida que vou recordando e evocando o acontecido, evidência que temos uma espécie de “disco rígido” que grava para a vida as nossas emoções fortes – o medo, no caso.

Troço da estrada Mansabá-Farim, com o Bironque sensivelmente a meio do caminho
Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

O Domingos Pardal dobrou o para-brisas, pusemos os óculos à aviador, tapamos as fuças com os lenços verdes, avançamos para Mansabá, a grande velocidade, levantado e deixando nuvens de pó, recebeu-nos um capitão “águia negra”, murmurou que só um maluco mandaria tão pequena escolta e disse-me, indicando 2 obuses 8.8 apontados para os lados de Bironque: - Vocês acabaram de passar no meio “deles”! A malta “águia negra” foi muito hospitaleira, emprestaram-nos toalhas para o banho, atestaram-nos o atrelado-tanque, abonaram-nos “vianda”, eu aviei meio casqueiro, uma lata de conserva de perdiz das Conservas Brandão e uma “bejeca” gelada.

O comandante de Mansabá mandou um pelotão escoltar-nos até meio do caminho, o seu Unimog avariou em plena mata, gastamos tempo a arranjar maneira de o ultrapassar, a noite tropical é rápida a chegar, o seu alferes disse-nos que o seu comandante permitia que regressássemos a Mansabá – mas a malta de Bironque desesperaria mais um dia sem água!
Como não era uma ordem, levantei os queixos e o olhar aos nossos, não houve reacção negativa, afivelei a máscara de sujeito decidido, saltei para o camião, lembrei-me e repeti a bravata do Henrique Galvão, no caso do Santa Maria: - Prá frente é que é o caminho!

Cerca de um quilómetro depois, desabou uma trovoada de rajadas e de rebentamento de granadas, todos voamos para o chão a ripostar, as balas faiscavam no taipal metálico e chicoteavam-me aos ouvidos, os sacos de areia em parapeito vertiam-na, um soldado dizia que estava cego, e, afortunadamente, as granadas rebentavam do outro lado da estrada. Dada a densidade da mata, os atiradores e granadeiros atacantes estavam-nos muito próximos, mas o outro lado era-nos seguro e campo da explosão das granadas deles.

O condutor Domingos Pardal continuou em 1.ª velocidade, deitara-se e orientava a condução pela porta aberta do seu lado, acelerava com uma mão e guiava com a outra, fiz-lhe o sinal convencional para arrancar e ao cabo da esquadra meu adjunto (lamento não me lembrar do nome) para retirarem a rastejar pela valeta, os atacantes encarniçaram o fogo sobre o camião e eu e mais 3 ficámos uns momentos na retaguarda, a dar segurança. Nesse momento e manobra localizámos os seus ninhos de tiro, os 4 despejamos 2 carregadores cada sobre eles, 160 balas, ouviram-se gritos e ruídos, deduzi que retiravam e também retiramos, a rastejar pela valeta.
 E já o Pardal vinha de marcha atrás com a malta, de regresso à “zona de morte”, porque ficáramos para trás. Rapaziada valente! Ao nosso encontro veio uma coluna de auxílio, comandada pelo capitão. Foram cerca de 10 minutos, que nos pareceram uma eternidade!

Moral da estória: O camião Mercedes, novinho em folha, tinha 17 impactos de bala na cabine, o taipal do lado do ataque estava todo cravado, os sacos de areia do seu peitoril estavam desfeitos, a primeira rajada atirara areia aos olhos daquele soldado, que recuperou, - mas o atrelado-tanque estava intacto!

Troço da estrada Mansabá-Farim em Fevereiro de 1971, pouco tempo após terminado seu asfaltamento. Ainda persiste o pó branco com que era coberto o alcatrão acabado de aplicar.

Foto e legenda: Carlos Vinhal

Sou recorrente nesta narrativa como preito de memória à malta que já partiu e de homenagem à malta ainda subsistente do BCav 705, do BCav 490, do BArt 645, da BCaç 507, do “Capitão do Quadrado”, com quem interagimos no norte da Guiné – no Oio e Morés.

E também não esqueço o Osvaldo Vieira, morto em desgraça, em Janeiro de 1974 e os bissau-guineenses que nos afrontaram de armas na mão, tão convencidos quanto nós, “por uma Guiné Melhor”.
Mereciam melhor sorte!
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20248: Efemérides (312): Mina anticarro em Canturé, regulado do Cuor, 16 de Outubro de 1969 (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52)

Guiné 61/74 - P20298: Notas de leitura (1232): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (30) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Temos o BCAV 490 em Farim, o bardo dá-nos um retrato com alguma pompa e circunstância. Remete-nos a imaginação para um outro nível de preocupações, que Guiné é aquela de que os historiadores tão pouco falam, dito com brusquidão parece que aquele conflito teve um ator de alto coturno chamado António de Spínola, o que aconteceu antes é traçado como história melancólica ou tempo perdido. O triste disto tudo é que no momento presente escreve-se sobre a guerra da Guiné e continua-se a não dar o corpo ao manifesto, isto é, ninguém quer fazer frente às toneladas de papel em arquivo relacionadas com a documentação que saiu de Bissau para os Ministérios do Ultramar e da Defesa. E o que se continua a escrever é baldear o mais do mesmo, a bibliografia conhecida tratada à luz de um olhar pretensamente inovador, ora abóbora!

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (30)

Beja Santos

“A Companhia do Comando
faz um grande servição.
Alferes Pires, nas Transmissões,
orienta todo o Batalhão.

E formada por exploradores
e por muitos electricistas,
temos alguns especialistas,
uns, deles, os estofadores.
Também temos os sapadores
que andam sempre actuando.
As Transmissões vão falando
para qualquer local
e não há outra que igual
a Companhia do Comando.

Temos muito escriturário,
fazendo participações;
nas armas e nas munições
o Alfredo e o Mário.
O Furriel Januário
às armas faz inspecção.
Temos o Lopes e o Ganhão,
Grifo, Caramelo, Ferreira,
Pécurto, Dimas e Oliveira,
fazem grande servição.

Fazendo serviço num pelotão
p’ra Guidage Filipe abalou
e seguidamente alinhou.
Pombo noutra ocasião
pois nesta povoação
comia-se muitas rações
travavam-se comunicações
com o Jorge e o Matias
e orientando as companhias
Alferes Pires nas Transmissões.

Nuno e Horácio, cifradores,
Centro de mensagens, o Armando,
Sargento Pedro vão trabalhando,
com os seus rádio-montadores,
os estafetas transportadores
pertencem à mesma secção.
Temos o nosso capitão:
também leva tudo avante.
E o nosso Comandante,
orienta todo o Batalhão.”

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O bardo apresenta-nos o Comando em Farim, e ficamos a pensar qual o delineamento estratégico que lhe está subjacente. A história da guerra da Guiné é uma nebulosa neste período. Quem sobre ela escreve, do Brigadeiro Louro de Sousa ao General Arnaldo Schulz foge como gato das brasas, vai tartamudeando boletins das Forças Armadas, como se não houvesse diretivas, orientações, decisões tomadas sob ordenamentos de população, ação psicossocial, enfim, os investigadores ainda não meteram as mãos na massa nos arquivos dos Ministérios da Defesa Nacional e do Ultramar, seguramente que aqueles jornais oficiais informavam os seus superiores de como pretendiam travar a guerrilha e dar esperança às populações que confiavam na bandeira portuguesa, neste tumultuoso período em que se separavam as águas e o PAIGC procurava afirmar-se designadamente na região Sul e no Morés e redondezas, sem prejuízo de abrir corredores do Senegal e da Guiné Conacri para as suas bases. O que se publicou sobre este período é escasso e não está sistematizado.

Procurando saber como Schulz procurou contra-atacar na ação psicológica, encontrou-se na Revista Africana, N.º 10 de Março de 1992, do Centro de Estudos Africanos da Universidade Portucalense, um elucidativo artigo de José Abílio Lomba Martins, esteve à frente de tais serviços. Começa por nos dizer que em 1965, o Gabinete Militar do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, por determinação de Schulz, decidiu elaborar uma diretiva de ação psicológica adequada ao quadro de subversão em curso, foi designada uma equipa de oficiais, elaborou-se um estudo sobre o meio humano da Guiné, uma diretiva e um plano de ação psicológica, um serviço de radiodifusão e imprensa e propuseram-se diligências quanto ao envio de ordens às unidades territoriais e especiais e recomendações às autoridades civis. Fez-se o estudo do meio humano, o posicionamento das etnias, e em função deste posicionamento elaborou-se um plano de ação psicológica com motivações, slogans e materiais a produzir. Criaram-se programas radiofónicos diários de horário intenso, o Programa das Forças Armadas emitia em crioulo, francês, fula, mandinga, balanta e, eventualmente, noutras línguas. Havia igualmente a emissão de comunicados de informação pública, visitantes, jornalistas e cineastas eram convidados a visitar a Guiné. Folhetos e cartazes foram difundidos profusamente, do tipo “Gente do mato apresenta-se às autoridades, só vive no mato gente enganada, a gente que pensa direito vive na Tabanca, no mato há fome, doença e morte, na Tabanca há alegria, há comida e há visita de médico, vem ter com a tropa”.

Lomba Martins avança informações de grande importância:
“A rarefacção de funcionários civis no Interior era compensada pela existência de uma quantidade apreciável de militares com especialidades como medicina, enfermagem, mecânica, serviço religioso e de oficiais e sargentos que ministravam cuidados médicos, educação escolar e davam apoio social e económico às populações mais carenciadas.
Quer o Ministério do Ultramar quer o Ministério da Defesa concediam à Província meios financeiros importantes, equipamentos, navios e materiais que eram utilizados no desenvolvimento agrícola, no apoio sanitário, na acção social e nos transportes aéreos, rodoviários e fluviais. As estradas eram construídas por Companhias de Engenharia Militar ou por empresas de construção civil, com o apoio e segurança imediata de Companhias de quadrícula”.

Diz o autor que as milícias normais e especiais atingiram 29 Companhias com a missão de colaborar na defesa e proteção das populações e que desde o início os portugueses tiveram sempre controlo sobre a ilha de Bissau, Mansoa e Teixeira Pinto, sobre Bolama e o arquipélago dos Bijagós, sobre o Gabu e Bafatá, o que correspondia, de grosso modo, aos “chãos” dos Papéis, Manjacos, Bijagós, Mandingas e Fulas. E esclarece, ainda: “Os portugueses reforçaram os seus aquartelamentos e estabeleceram uma linha importante de tabancas em autodefesa na região de Bafatá e Gabu”. Dá-nos elementos detalhados sobre o que foi o desenvolvimento económico neste período, refere as prospeções petrolíferas e as prioridades nas ações de fomento desde a metalomecânica, passando pelos curtumes e congelação até aos têxteis e tabaco, entre outros. É igualmente minucioso sobre os serviços de Saúde e o combate às doenças tropicais.

Não se pode igualmente subestimar o que apareceu escrito em obras de propaganda, e aqui se destaca um livro do jornalista e escritor Amândio César intitulado “Em ‘Chão Papel’ na terra da Guiné”, publicado pela Agência-Geral do Ultramar em 1967. Em 1965, Amândio César fora à Guiné e fizera uma reportagem sobre o estado da guerra, mais adiante falaremos dessa obra. Neste segundo livro, o escritor espraia-se pelas realizações do primeiro ano da governação de Schulz: feira do livro em Bissau, a atividade escolar da Guiné, com realce para o Liceu Honório Pereira Barreto, o trabalho do Movimento Nacional Feminino na Guiné, refere o ainda despique entre o PAIGC e a FLING, mas o desenvolvimento de Bissau é onde ele é mais entusiasmante, alude as alterações que a cidade sofreu de um ano para o outro, o alargamento do mercado de Bandim, o fornecimento de eletricidade aos bairros “Chão de Papel” e “Alto Crim”, a valorização do campo de jogos desportivos Estádio Sarmento Rodrigues, estava novo em folha o Bairro da Ajuda que iria albergar, até ao fim do ano de 1966, 3 mil pessoas.

Amândio César
Confiava-se, ao tempo, ainda ser possível a ressurreição de Bolama, Schulz terá animado a criação de uma cooperativa de pesca e uma Escola de Magistério, destinada a criar professores de postos escolares. Bolama tinha um Centro de Instrução Militar onde se formavam as tropas provinciais, o autor diz mesmo que Bolama estava destinada a ser o centro de repouso das Forças Armadas, dadas as qualidades da ilha em clima, boa praia e infraestruturas e caráter turístico. Vai desvelando outras iniciativas sob a égide de Arnado Schulz: a nova mesquita de Bissau, a luta contra o analfabetismo, as preocupações com o desenvolvimento rural e daí as suas longas conversas na Granja do Pessubé sobre as potencialidades das culturas, do gado, da borracha; refere o artesanato, as obras do Porto de Bissau, a pavimentação da estrada Mansoa – Mansabá, a construção da Ponte-Cais de Bambadinca, a melhoria da rede de comunicações internas e externas, conclui a sua extensa digressão esperançado de que aquele desenvolvimento era a melhor forma de descredibilizar Amílcar Cabral e o seu sonho nacionalista.
Proximamente voltaremos a Amândio César e ao seu modo de ver a guerra naqueles primeiros anos em que se demarcaram os campos, em que cada um dos contendores parecia ter condições de esmagar rapidamente o outro.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 25 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20275: Notas de leitura (1229): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (29) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 28 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20284: Notas de leitura (1231): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (3) (Mário Beja Santos)