Guiné > Chão Manjaco > Pelundo > 1973 > O Coronel Henrique Gonçalves Vaz, último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74), comandando exercícios com fogos reais, no Pelundo, na zona oeste da Guiné.
Fotos: © Luís Gonçalves Vaz (2011). Todos os direitos reservados.
1. Mensagem, com data de 8 do corrente, enviada por Luís Gonçalves Vaz, que estava no 25 de Abril de 1974 em Bissau, sendo filho do Cor Cav Coronel Henrique Gonçalves Vaz, então Chefe do Estado-Maior do CTIG:
(...) Conforme prometi envio-vos mais um artigo sobre a "Situação Militar no Teatro de Operações da Guiné no ano de 1974". Limitei-me a adaptar e transcrever certos excertos de um Dossiê Secreto, que faz parte do arquivo do meu pai, autenticado pelo Chefe da 2ª Repartição, o Major de Infantaria, Tito José Barroso Capela. Leiam-no e vejam, dentro dos vosso critérios, se tem interesse para publicação no Blogue. Acho que a classificação deste Dossiê, com o tempo deve ter sido "desclassificado", podendo ser publicado, não acham? (...)
2. Situação Militar no Teatro de Operações da Guiné no ano de 1974 > Parte I
Adaptação e transcrição de alguns Excertos do "Relatório da 2ª Repartição do QG do CTIG”, autenticado pelo Chefe da 2ª Repartição, o Major de Infantaria, Tito José Barroso Capela.
A partir de Janeiro de de 1974, o PAIGC passava verdadeiramente à ofensiva, a qual se caracterizava pela definição de duas áreas de incidência de esforço, diametralmente opostas, uma no extremo Nordeste do Teatro de Operações onde desenvolvia a Operação “Abel Djassi” (pseudónimo de Amílcar Cabral) e a outra a sul, no Cubucaré, para o que inclusivamente tinha constituído um novo órgão coordenador das operações de guerrilha nesta Zona, o Comando Sul.
As ações foram desencadeadas, numa e noutra das Áreas referidas, com base em novas unidades, das FARP, e com largo emprego de Artilharia e Armas Pesadas, nomeadamente Morteiro 120 mm e Fog 122mm.
Foto (à direita): Nino e Cabral. Font6e: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Além destes meios, os Mísseis SA-7 Strela eram frequentemente utilizados, o que limitava grandemente o apoio da Força Aérea às guarnições terrestres e, a 31 de Março de 1974, apareciam as viaturas blindadas, em Bedanda (Cubucaré), o que confirmava o grande aumento de potencial, assim como a crescente capacidade táctica e sobretudo logística do PAIGC.
Nas restantes áreas do Teatro de Operações da Guiné aumentava igualmente de modo significativo a atividade de guerrilha dispersa em superfície, com relevo para o emprego de engenhos explosivos e ações de terrorismo urbano que alastravam até à própria capital (Bissau). Como exemplo citam-se as 17 flagelações com armas pesadas a outros tantos Aquartelamentos ou Povoações, num único dia (20 de Janeiro de 1974, data do aniversário da morte de Amílcar Cabral), o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau (26 de Fevereiro de 74) que provocou um morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG (em 22 de Fevereiro de 74), onde parte do edifício principal foi destruído.
O SA-7b possuía um novo motor de propulsão e um novo sistema de identificação, o que lhe permitiu passar a aquisição de alvos de 3,6 km para 4,2 km, e aumentar a velocidade de 430 m/s para 500 m/s.
Fonte: http://www.armyrecognition.com/
No sul a ofensiva aí realizada permitia ao PAIGC o controlo efetivo de uma área de razoável superfície em que se inseria o “corredor” de Guileje, percorrido frequentemente por viaturas das FARP, e que confinava com outra vasta área abandonada pelas Nossas Tropas desde 1969 – o Boé.
Foto (à direita): Guiné, 1973 - Guerrilheiros deslocando-se num carro blindado [, BRDM 2, de origem soviética] . Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Em Abril de 1974, dado o “Esgotamento das Reservas” do Comando-Chefe, previa-se que o relançamento da Ofensiva no saliente Nordeste, orientava para sul, tornaria iminemte o abandono de Canquelifá e o consequente isolamento de Buruntuma. Admitia-se ser intenção do PAIGC, unir a bolsa assim conquistada com a Região do Boé, por sua vez ligada à Zona onde se localizava o Corredor de Guileje, mais a sul, concretizando deste modo, uma ocupação territorial efetiva que carecia para reforçar a imagem do Estado da Guiné Bissau, parcialmente ocupado pelas Forças Armadas Portuguesas.
Foto (à esquerda) - Jacto Fiat G-91 da FAP, abatido por míssil Strela. Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Nas áreas de incidência de esforços referidos, a situação era de tal modo grave - para a maioria das guarnições das Nossas Tropas, cujos sistemas de defesa não dispunham de “Obras de Fortificação”, que pudessem resistir com eficácia às novas armas pesadas do PAIGC, - que o Comandante Chefe alertava do facto o Estado Maior Geral das Forças Armadas, a 20 de Abril de 1974 (vésperas do Golpe Militar de 25 de Abril) por uma Nota que concluía nos seguintes termos:
“O facto de ter sido confirmada parte das notícias atrás mencionadas pela utilização de viaturas blindadas no ataque a Bedanad, confere certa verosimilhança às restantes notícias que referem a existência de Novas Armas Antiaéreas ou outras, pelo que aquela utilização e o conjunto de circunstâncias descritas na presente Nota, nomeadamente a análise das fotografias juntas, são motivo de grande preocupação para este Comando-Chefe, cumprindo-lhe assinalar as consequências que podem resultar da possível evolução do potencial de combate do PAIGC ou do seu eventual reforço com novos meios das Forças Armadas da Guiné, quer quanto à capacidade de resistência das Guarnições Militares que porventura sejam atacadas, quer às limitações de intervenção com meios à disposição do Comandante-Chefe, em especial meios aéreos. “
Após os resultados obtidos pela guerrilha a partir do início do ano, com ações maciças desencadeadas a nordeste do território e no Cubucaré, a Sul, que se traduziram no abandono de Copá pelas nossas tropas e no desequilíbrio das guarnições de Bedanda e Jemberem, o PAIGC tinha planeado e preparava-se para lançar nova ofensiva, no final da época seca de 1974 (Maio e Junho), a fim de explorar aqueles resultados.
Logo que tomou conhecimento do Movimento das Forças Armadas (MFA), a 25 de Abril de 74, o Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) chegou a expedir ordens, no seguimento do que estava planeado, para que fossem desencadeadas ações com todos os meios disponíveis, com o objetivo evidente de tirar partido da situação em curso e explorar, de imediato, qualquer possível perturbação que admitiu pudesse existir no seio das nossas tropas.
No entanto a ofensiva planeada não chegou a concretizar-se e, inclusive, a partir do início de Maio, registou-se um nítido abaixamento da atividade de guerrilha.
Ao longo de todo o mês de Maio de 74 foi, de facto, notado um ligeiro aumento de atividade durante a segunda semana, seguido de novo decréscimo no final da mesma, o qual continuou posteriormente regular e constante.
A redução acentuada de atividade resultava de, em 21 de Maio, pouco antes do início da 1ª fase das conversações em Londres, o Secretariado do Governo do PAIGC ter difundido a seguinte ordem às FARP (documento com doze instruções):
(...) 11º) Devemos estar preparados para reagir violentamente contra todas as ações do Inimigo, 12º) Lembramos a todos os Militantes e combatentes que mais do que nunca é necessário estarmos vigilantes e que não podemos confraternizar com as Forças Inimigas enquanto não ficar claramente decidida a sua evacuação da Nossa Terra de acordo com os objetivos fundamentais da Luta que são: A Independência total e imediata do nosso Povo da Guiné e Cabo Verde. Estas decisões correspondem à situação Política e Militar do momento e devem ser estreitamente cumpridas. Saudações a todos os Camaradas. (...)
Apesar das determinações do SG [Secretariado Geral] do PAIGC, anteriormente descritas, não deixaram dúvidas sobre o adiamento das Operações de Guerrilha até nova ordem. Alguns grupos combatentes continuaram a ignorá-las durante vários dias, nomeadamente a Norte, na Região onde o corredor de Lamel intercepta o Itinerário Farim-Jumbembem, e no Sul, no Sector do Cubucaré.
Por outro lado o comando das FARP continuou a expedir ordens para o planeamento e preparação, até ao fim de Maio (de 1974), de diversas operações, em especial na Zona Sul, as quais seriam desencadeadas se o andamento ou o resultado das conversações de Londres (de 25 a 31 e Maio) não fossem aceitáveis.
Adaptado por: Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro 530)
(Continua)