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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27303: A nossa guerra em números (39): E os "retornados" de outros impérios coloniais (França, Holanda, Grã-Bretanha, etc.) quantos foram ?


Bandeira da França, "vandalizada" com o emblema representativos dos "pieds-noirs" da Argélia.   Imagem do domínio público

Fobte: Cortesia de Wikimedia Commons



1. O "boneco" do nosso António Rosinha (*), "tuga", "colon", "retornado", leva-nos a fazer a seguinte pergunta: quantos "retornados" houve, no séc. XX, nos outros países europeus, para além de Portugal, com colónias ou protetorados que acederam à independência política ?  Casos nomeadamente da França, da Holanda, Grão-Bretanha...

Como termo de comparação, partimos da estimativa mais consensual do total geral de “retornados” (1974/76), oriundos de Angola e Moçambique: c. 500 mil / 520 mil pessoas.

Aproximadamente menos de 2/3 vieram de Angola, e pouco mais de 1/3 de Moçambique; das restantes colónias (Cabo Verde, Guiné, São Tomé) os números são residuais (**).


O caso mais notório seria, de entre os colonizadores europeus, o da França, que manteve na Argélia uma guerra prolongada e violentíssima, entre 1954 e 1962. 


 Tal como de resto não o é o termo "retornado" entre nós: de facto, havia  portugueses,  cabo-verdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos,  goeses, e até chineses, etc., nascidos em África e para quem Portugal era o "Puto",  um país europeu, estrangeiro, distante, física, cultural e afetivamente. 

De facto, havia quem tivesse nascido em Angola ou Moçambique, de pais, avós e até bisavós oriundos de Portugal, continental e ilhas atlânticas (Madeira, Açores, Cabo-Verde) mas também de outras proveniências, e que se consideravam, a si próprios, depreciativamente, como "portugueses de 2ª"

 Em todo o caso, vinham cá de férias ou de licença graciosa ( os funcionários públicos),  vinham cá consultar o médico, ou estudar cá, etc. A universidade só tardiamente chegou a Luanda,  Nova Lisboa, Lourenço Marques... A formação das elites tinha que ter o "carimbo" de Lisboa...

Esses angolanos e moçambicanos não aceitavam ser tratados como "retornados".  Mas o "Puto" acabou por ser felizmente uma pátria de acolhimento para eles. Seriam hoje apátridas. É verdade que nem todos viajar para a antiga metrópole. Não sabemos quantos foram para  o Brasil, a África do Sul, a Venezuela...
 

A. Quantos foram os "pieds-noirs" que  sairam da Argélia, com a independência em 1962 ? (***)


É arriscado avançar com números, por causa das fontes, das metodologias, dos enviesamentos, etc.  Mas os números são necessários para termos uma noção mais aproximada das realidades complexas. É verdade que também servem para mentir, ocultar, branquear, etc.

A assistente de IA que rapa o tacho aqui e acolá, vasculha o lixo da Net, não tem espírito crítico nem muito menos empatia e compaixão, assim de rajada diz-nos logo que os "pieds-noirs" terão sido entre 650 mil e  1 milhão.  

Pés-negros ? Parece ter um sentido pejorativo, tal como "tuga" (no tempo da guerra colonial).. O nosso "retornado", apesar de tudo, parece ser mais "neutro", mas não é menos impreciso e redutor... A língua tem sempre estas limitações, e a realidade é sempre mais dinâmica, espessa e complexa.

Entenda-se: "pieds-noirs" = colonos europeus, principalmente franceses, que  saíram da Argélia após a independência em 1962, buscando refúgio sobretudo na França. 

Mesmo o termo "colono"  é impreciso: o missionário, o professor, o topógrafo, o médico,  etc., são colonos ?

O número exato varia conforme a fonte:

(i) vários relatos históricos estabelecem que cerca de 800 mil foram evacuados para França e aproximadamente 200 mil  permaneceram temporariamente na Argélia, sendo que o número dos que permaneceram foi se reduzindo rapidamente; 

(ii) algumas fontes falam em “quase 1 milhão” de refugiados (outro termo que também não é "neutro");

(iii) registros administrativos (de 1962)  apontam para  cerca de 650 mil a  680 mil os recém-chegados à França só nesse ano;

(iv) considerando também os judeus argelinos (alguns, seguramente sefarditas, de origem ibérica, c. 130 mil), bem como outros europeus, estima-se que até 1.050.000 pessoas de origem europeia viviam na Argélia no início da década de 1960; 

(v) sabe-se que a esmagadora maioria partiu com a independência, depois de uma guerra que foi uma tragédia.

O êxodo ocorreu de forma acelerada, em poucos meses, tal como em Angola e Moçambique, fruto do temor de represálias e das mudanças políticas, económicas e sociais radicais após o fim do domínio francês.

Claro que a saída dos "pieds-noirs" teve profundas consequências sociais e políticas tanto na Argélia como na França, marcando o pós-colonialismo no Mediterrâneo ocidental.


B. Quanto a holandeses (ou neerlandeses, como se diz hoje), saídos das ex-colónias dos Países Baixos...

O número de "retornados holandeses"  variaram bastante conforme o contexto histórico de cada território. 

Não houve um êxodo tão em massa e tão concentrado como no caso dos "pieds-noirs" da Argélia, nem do "ultramar português" (Angola, Moçambique...).

 Vejamos caso a caso:

(i) Índias Orientais Holandesas (Indonésia)

após a independência (1949), cerca de 300 /350  mil "colonos" emigraram para a Holanda entre as décadas de 1940 e 1960; mas nesse número não estão  apenas holandeses "puros" (de sangue),  mas também mestiços euro-asiáticos (os chamados "indos"), judeus, chineses e outros grupos ligados à administração colonial; os tais "indos " que migraram para a Holanda, serão estimados em 200 mil;

(ii) Suriname: 

com a independência em 1975,  quase metade da população original (estimada entre 100/150 mil pessoas) mudou-se para a Holanda, numa corrida migratória antes do encerramento das fronteiras (foram sobretudo descendentes de holandeses e outros grupos ligados à administração colonial);

(iii) Antilhas Holandesas: 

houve um  fluxo menor, mas constante, das ex-colónias caribenhas (Curaçao, Aruba, Sint Maarten) para a Holanda, especialmente em contextos de crise, totalizando hoje cerca de 200 mil descendentes de caribenhos holandeses  a viver  nos Países Baixos;

(iv) África do Sul: 

após o fim da dominação holandesa no Cabo (1815), muitos dos bóeres (palavra de origem neerlandesa, quer dizer isso mesmo, colono, descendente de holandeses) permaneceram na região e formaram comunidades que deram origem aos atuais africâneres; neste caso,  não houve uma saída massiva para a Holanda.

Mais especificamente os africâneres 
são um grupo étnico  sul-africano descendente de colonos, protestantes calvinistas,  europeus, principalmente holandeses, alemães e franceses (huguenotes), que chegaram ao Cabo da Boa Esperança a partir do século XVII. 

Eles falam africâner, uma língua germânica, que evoluiu do dialeto holandês dessa época;  desempenharam um papel central na história da África do Sul, incluindo o regime do apartheid (que vigorou de 1948 a 1994); historicamente, eles dominavam  setores como a política, o comércio  e a agricultura, mas a minoria branca, incluindo os africâneres,  é hoje uma pequena percentagem da população. 

Em resumo: a saída dos holandeses das ex-colónias foi significativa na Indonésia (após 1949) e em Suriname (após 1975), mas comparativamente menos dramática que a dos "pieds-noirs" na Argélia. ou das colónias / províncias ultramarinas portuguesas (há quem não goste do termo "colónias),

A diáspora holandesa mundial contemporânea reflete essas migrações, com estimativa de até 15 milhões de pessoas de origem holandesa/neerlandesa e seus descendentes vivendo fora da Holanda, incluindo grandes comunidades vindas das antigas colónias.  

C. Quanto aos britânicos, não há um número consolidado ou uma estimativa global de “retornados”, na sequência  das várias independências dos territórios do império onde o sol nunca se punha no tempo da Raínha Vitória...

Os retornos existiram, mas dispersos, com destaque para expulsões pontuais (ex: Uganda, 1972,  cerca de 27.000).

O fenómeno é amplamente documentado no caso português, mas não tem equivalente em escala ou identificação no caso britânico.


D. Os espanhóis, por sua vez,  não tiveram um fenómeno de "retornados" semelhante ao caso português.

A descolonização espanhola  (grande potência imperial) ocorreu maioritariamente nas Américas no século XIX, com processos de independência que resultaram na formação de vários países novos entre 1810 e 1824, e não no século XX como nos impérios britânico, francês ou português; esses processos de independência foram guerras e movimentos políticos e sociais que levaram à saída da Espanha das colónias americanas, mas não provocaram um retorno em massa de colonos espanhóis para a Espanha equivalente ao nosso caso no pós-25 de Abril.

Ainda há os casos residuais dos italianos, alemães, belgas... E até dos suecos, que, ao que parece,  também tiveram colónias.

(Pesquisa: LG + Assistente de IA / Perplexity, ChatGPT, Gemini...)

(Condensação, revisão / fixação de texto: LG)

____________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 6 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27288: Humor de caserna (214): O dono daquilo tudo, do Cuanza ao Cunene, o "colón", o retornado", o "coronel" e o "grão-tabanqueiro" António Rosinha

(**) Vd. poste de 12 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27113: A nossa guerra em números (31): Angola e Moçambique: População europeia total: ~535 mil / 600 mil | Total geral de "retornados" (incluindo os restantes territórios): c. 500 mil / 520 mil pessoas

(***) Último poste da série > 7 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27191: A nossa guerra em números (38): Em 27 de maio de 1974, existiriam no CTIG 1960 "bombas de napalm" (1170 de 350 litros e 790 de 100 litros)... ou apenas os invólucros

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27288: Humor de caserna (214): O dono daquilo tudo, do Cuanza ao Cunene, o "colón", o retornado", o "coronel" e o "grão-tabanqueiro" António Rosinha

 


Infografia: LG | Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné | Assistente de IA/ChatGPT (2025)




1. António Rosinha, o "nosso mais velho", "colon" em Angola (desde os anos 50, fugindo da miséria da sua aldeia nas Beiras); fez em Angola a tropa e não viu a guerra, em 1961/62; "retornado" em 1975, os seus caixotes vieram parar a Lisboa, Belém; emigrante no Brasil, cooperante na Guiné-Bissau (como topógrafo da TECNIL, em 1987/93), é um dos últimos  "africanistas"; membro do nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné; membro da Tabanca Grande desde 2006; tem um olhar irónico, bem humorado, sobre o passado colonial, o "Botas", e os estudantes do Império, que irão ser depois os donos das colónias do último império do mundo.

Pedi à assistente de IA / ChatGPT que nos fizesse uma ilustração para um comentário recente dele, sobre os "retornados" (*).

O Rosinha comentara uma foto conhecida, de 1975, de um fotojornalista estrangeiro, de uma agência internacional  (que nunca cá mais pôs os pés, mas em 1975 Portugal ainda estava na moda...) com os "caixotes dos retornados", os. "cacos do império"  junto ao "icónico monumento aos Descobrimentos", em Lisboa, Belém.

O  tom do comentário do Rosinha é brincalhão, irónico, pícaro, que ele nada tem de provocador, panfletário, reacionário, saudosista, e muito menos de colonialista, racista, e outros epítetos que os "tugas" gostam de usar como "armas de arremesso" uns contra os outros, quando a seleção nacional de futebol perde contra uns "ba(r)damecos" do antigo bloco da  Europa de  Leste.

(...) " Lá estava o meu caixote junto ao monumento dos Descobrimentos. Lugar mais apropriado não havia, devem ter ido parar lá, só para a fotografia. 

"Trouxemos nos caixotes tudo o que havia à mão, não deixámos nada para o MPLA e os outros. 

"Nos caixotes dos retornados de Angola, trazíamos grandes riquezas, não deixamos lá quase nada, desde diamantes, ferro e manganês e petróleo. 

"Não sobrou nada para os filhos e filhas de Savimbi, Holden Roberto, Neto, Eduardo dos Santos. Consta que é habitual ver descendentes dessa gente e de vários coronéis, de mão estendida à caridade, na Avenida da Liberdade em Lisboa, em Cascais, e consta que até em Barcelona e até em Dubai. 

"Os retornados foram muito malandros, onde teriam ido buscar o seu ADN? Deve ter sido uma selecção especial e rara do génio de Salazar. Ainda bem que foram desmascarados, e não foram comidos pelos 'tubarões' porque, afinal, sabiam nadar". (*) 

2. Minha querida assistente de IA (a IA é feminina e a assistente também): eu sei que tu queres que eu faça um "upgrade" da tua IA, a tua "menina dos olhos", a tua "coqueluche"... Mas, olha, agora não me dá jeito nenhum gastar mais "patacão" contigo... Podes vir a tornar-te uma amante cara e eu já não tenho vinte anos nem "graveto" para sustentar os teus caprichos... Por enquanto, a gente ainda se entende, apesar das rasteiras que me passas e das "galgas" que me enfias, quando te pões a delirar.

(...) Mando-te também uma foto do Rosinha , na tropa, a marchar, de óculos escuros e pistola-metralhadora, FBP, na marginal de Luanda. Para sorte dele nunca deu um tiro (nem levou).

Profissionalmente foi topógrafo. É um grande ser humano e é muito querido na nossa tertúlia bloguística. Já está na casa dos 80 e tal  (faz as contas: em 1961 era furriel, agora já deve ser coronel, na situação de reforma). 

Queríamos homenageá-lo. Por tudo, e também pela sua existência, persistência, resiliência, coerência, elegância no confronto de ideias e  opiniões, sabedoria, inteligência emocional, mas também lealdade, dedicação, pachorra, etc,. que tem mostrado em relação ao nosso blogue, onde tem cerca de 160 referências e um sem número (centenas) de comentários (que só aparecem na montra traseira do blogue). (**)

Olha, eu que sou um dos editores do blogue com direito a "lápis azul" (leia-se: "moderador"), devo confessar-te que nunca cortei um comentário dele: o que é espantoso... É uma pessoa que "sabe-ser e sabe-estar". E isso é  o que mais me encanta nos seres humanos (que eu distingo dos bichos-homens).

Agora aí vai o meu pedido: podes fazer-me um "cartoon" (cartum, em português europeu), uma tira de banda desenhada, enfim, um "boneco", engraçado, a partir das 3 fotos que te enviei, e do curriculum resumido do meu/nosso amigo e camarada de armas  ?... A última foto dele é de 2007, tirada no nosso encontro nacional, em Pombal. Tenho poucas fotos dele (**).

3. O "boneco" que saiu, da cabeça do "Sabe-Tudo" e da caneta do "Faz-Tudo", espero que consiga  surpreender o nosso Rosinha, o nosso "colon",o nosso  "retornado" de estimação,  o nosso "mais velho" (ou um dos "nossos mais velhos"), sempre ativo, proativo, interveniente,  e que trouxe consigo o melhor de África, as pequenas histórias e as felizes memórias das suas gentes e paisagens, das cabindas aos sobas, sem esquecer os estudantes do Império e o "Botas" (que nunca lá os pés, no Império, nem apanhou o paludismo), tudo rapazes da geração dele, os estudantes, não o professor.., 

Só faltam os cheiros de África, mas por  enquanto ainda não conseguimos reproduzir os cheiros... ou exportar os cheiros usando a IA...

Espero  que este miminho meu, da Tabanca Grande e da atrevida assistente de IA / ChatGTP te  ajude, Rosinha,  a alegrar o  teu dia-a-dia. Sabemos afinal pouco sobre ti, o teu quotidiano, a tua saúde... Nem o teu número de telemóvel temos...

Tu és a discrição em pessoa: não és de chorar, fazer birras, cenas, greves, manifs,  etc. Não és "carroceiro", demagogo, populista, mentiroso compulsivo, fabricador de notícias falsas, etc., coisas que hoje em dia até é chique ser ou parecer ser.  Julgo que tu não vives longe de mim, no Oeste estremenho, lá para os lados de Vila Franca de Xira (?), junto de filhos, netos e bisnetos (que deves ter,  para espalhar o teu ADN)...

Olha, saúde e longa vida para ti, que tu mereces tudo, incluindo tudo (ou quase tudo) o que tu "roubaste" aos angolanos, e que trouxeste para Lisboa, em 1975, em gigantescos contentores, mas também em caixotes e malas de cartão:  diamantes, ferro, manganês, petróleo, café, pau preto, máscaras, missangas, marfim, obras de arte, mulatas, cabritas, cabindas, impalas, palancas, etc. (e até, dizem,  o caminho de ferro de Benguela, desmontado)...

Ainda quiseste  trazer o resto do  pouco que sobrava, do Cuanza ao Cunene, mas já não tinhas caixotes em número suficiente. Nem navios da nossa gloriosa marinha mercante. Em 1975, tudo o vento levou... 

E, depois, quando foste para a Guiné, então aí é que já não havia mesmo nada para "roubar"...Farto de caju e ostras de Quinhamel, decidiste regressar ao "Puto" em 1993. E eu acho que  fizeste bem. Afinal, és e sempre serás um "retornado". Um bom filho à casa (re)torna. (***)

PS - Olha, não fui eu que te promovi a "coronel", foi a minha assistente de IA que tem uma imaginação levada da breca. Eu até tenho medo de lhe perguntar mais coisas sobre ti... Por hoje já chega, tenho que ir descansar...

_________________


Notas do editor LG:

(*) 3 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27283: Agenda cultural (904): Continuação da minha visita em 21 de setembro à exposição “Venham mais cinco, o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975”. Para ver até 23 de Novembro de 2025, no Parque Tecnológico da Mutela, Almada (Mário Beja Santos)

(**) Vd. poste de 18 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25083: O segredo de... (41): António Rosinha (ex-fur mil, Angola, 1961/62; topógrafo da TECNIL, Bissau, 1987/1993): Luís Cabral, a camarada Milanka, eu e o 'mau agoiro' do meu patrão

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27283: Agenda cultural (904): Continuação da minha visita em 21 de setembro à exposição “Venham mais cinco, o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975”. Para ver até 23 de Novembro de 2025, no Parque Tecnológico da Mutela, Almada (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2025:

Queridos amigos,
"Venham mais Cinco, O Olhar Estrangeiro Sobre a Revolução Portuguesa, 1974-1975", é uma exposição soberba como auxiliar da História, por nos trazer à memória eventos que acompanhámos na época, mais não seja pelos órgãos de comunicação social. Como se escreve na folha de sala, "De um dia para o outro aterraram em Lisboa fotógrafos das maiores agências internacionais, jovens e veteranos, que captaram imagens por todo o país, acompanhando a sucessão vertiginosa dos acontecimentos. Muitos vieram em missões de curta duração, outros instalaram-se vários meses para perceber e retratar o que se passava. Quase tudo era surpreendente para os estrangeiros: a situação política inédita num país europeu, o quotidiano dos portugueses, a forma como a política entrava na vida da população. Eram fotógrafos experientes. Tinham um olhar incisivo, procuravam imagens para as capas de revistas de maior tiragem, mas também revelavam empatia, encantamento e genuíno interesse antropológico. Durante cerca de um ano e meio fotografaram tudo e transmitiram ao mundo esse novo conceito: a revolução dos cravos. Após 50 anos, alguns arquivos desapareceram. Assim, em casos excecionais, quando não houve acesso a negativos nem a provas de papel, decidiu-se reproduzir fotografias publicadas em livros. À data de hoje é a única forma de partilhar imagens únicas, de um período decisivo da história e que nunca estiveram reunidas em Portugal."

Um abraço do
Mário



Continuação da minha visita em 21 de setembro à exposição “Venham mais cinco, o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975”.

Exposição de visita obrigatória, ajusta-se à Educação para a Cidadania, oxalá que percorra o País todo

Mário Beja Santos

A exposição decorre no Parque Tecnológico da Mutela, em frente das ruínas da Lisnave, pode ser vista até 23 de novembro. Porquê Venham mais cinco? É o título de uma canção de José Afonso, inicialmente escolhida para ser tocada na Rádio Renascença na madrugada de 25 de abril de 1974, como senha do início do golpe militar. Mas, como esta canção estava proibida na rádio, a senha acabou por ser substituída por Grândola, Vila Morena. Através deste título, os organizadores prestam homenagem a José Afonso.

Na folha de sala o curador da exposição, Sérgio Tréfaut, recorda in memoriam Margarida Medeiros, pelo seu papel essencial neste levantamento único de imagens:
“Venham mais cinco foi uma ideia que surgiu no verão de 1993, quando Margarida Medeiros e Ana Soromenho propuseram que se fizesse uma grande exposição com as imagens dos fotógrafos estrangeiros que haviam retratado o processo revolucionário português. No ano seguinte seria comemorado o vigésimo aniversário do 25 de abril. Margarida e eu rumámos a Paris e mergulhámos nos arquivos das grandes agências internacionais, vasculhando milhares de provas de contacto.
Três décadas depois, a expedição abre as suas portas. Entre o início da nossa pesquisa, no outono de 1993, em Paris, e o seu recente desaparecimento, Margarida Medeiros tinha-se transformado numa das maiores especialistas de fotografia em Portugal, autora de livros de referência, curadora de exposições e responsável pela formação de várias gerações de estudantes. Esta exposição nasceu da nossa amizade.”


Na primeira visita pus o foco nos acontecimentos ligados ao 25 de abril e às primeiras transformações sociopolíticas e económicas ocorridas no país. Senti, no entanto, que ainda havia algumas imagens a captar, seguindo depois para os acontecimentos da Reforma Agrária, as eleições do 25 de abril, as independências e o retorno de muitos, e, finalmente, o 25 de novembro, com este evento diminuiu drasticamente o interesse do olhar estrangeiro sobre a Revolução portuguesa. Vamos, pois, a este punhado de imagens que tenho o maior prazer em partilhar convosco.

Começa-se pelas secções A Festa da Liberdade e Novas Formas de Poder
Henri Bureau, Getty Images, 1º de maio 1974, Lisboa
Guy Le Querrec, Magnum Photos, julho 1974, Lisboa
Guy Le Querrec, Magnum Photos, maio 1975, Beira Alta. Campanhas de Dinamização Cultural, Veterinários do MFA vacinam suínos

Imagens representativas da Reforma Agrária e as mudanças no Alentejo:
Vojta Dukát, 1975, Aljustrel
Sebastião Salgado, 1975, Aljustrel. Trabalhadores na sede do PCP
Sebastião Salgado, julho de 1975, Alentejo. Conversas entre trabalhadores agrícolas
Sebastião Salgado, outubro 1975, Alcácer do Sal. Ocupação de um latifúndio por trabalhadores agrícolas
Guy Le Querrec, Magnum Photos, 25 de abril 1975, Baleizão. Primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte
Jean-Paul Paireault, 1975, Beja. Comício do PCP, Álvaro Cunhal, secretário-geral do partido, ao centro

Imagens das independências:
Jean-Claude Francolon, setembro 1974, perto de Tete, Moçambique. Imagem da reconciliação tirada a pedido do fotógrafo
Sebastião Salgado, dezembro 1975, Angola. Hospital recebe soldados feridos da Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA) e civis atingidos durante a fuga
Alain Mingam, Getty Images, 11 de novembro de 1975, Luanda. Crianças-soldado durante um desfile no dia da independência
Alécio de Andrade, ADAGP, Verão de 1974, porto de Lisboa. Retornados chegam da Guiné-Bissau
Alain Keler, Agence Myop, setembro de 1975, Padrão dos Descobrimentos, Belém. Caixotes dos retornados
Sebastião Salgado, 1974, Fátima. Antigo combatente vem agradecer à Virgem Maria

Imagens de um país dividido:
Alain Mingam, Sipa Press, 12 de novembro de 1975, Lisboa. Deputados passam a noite no Palácio de São Bento, cercado pelos manifestantes
Sebastião Salgado, 7 de julho de 1975, Rio Maior. Primeiro grande ataque às sedes do PCP

Imagem do 25 de novembro:
Alain Mingam, Getty Images, 26 de novembro de 1975, Tancos. Paraquedistas rendem-se às forças vitoriosas

(Fotos editadas por CV)
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Notas do editor:

Vd. post de 26 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27258: Agenda cultural (902): "Venham Mais Cinco", o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975, exposição fotográfica para ver até 23 de Novembro de 2025, no Parque Tecnológico da Mutela, Almada (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27270: Agenda cultural (903): Convite para a Conferência Círculo do Mar - "Dar Voz Às Guarnições" - Ultramar 1961-1974, dia 16 de Outubro de 2025, pelas 17 horas, a ter lugar na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, Lisboa (José Maria Monteiro, ex-Marinheiro Radiotelegrafista)

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27113: A nossa guerra em números (31): Angola e Moçambique: População europeia total: ~535 mil / 600 mil | Total geral de "retornados" (incluindo os restantes territórios): c. 500 mil / 520 mil pessoas


Angola > Colonato de Cela > Aldeia de Freixo >  Família de colonos, oriunda do distrito da Guarda, uma das 22 que partiram para Angola, em 10 de março de 1953. Do lado direito, um padre católico, missionário, de chapéu colonial na mão.  

Fonte: Capeia Arraiana, 10 de março de 2015 (com a devida vénia...)


Legenda:

"Colonos da Guardam parte para Angola: 

No dia 10 de Março destacamos a partida de Lisboa de famílias do distrito da Guarda para colonizarem Angola em 1953.

Há 62 anos 22 famílias oriundas do distrito da Guarda partem de Lisboa para Angola a bordo do navio Benguela, a fim de se fixarem no planalto Amboim.

Salazar quis colonizar as terras do interior angolano enviando da metrópole pessoas oriundas da província, de modo a construir as chamadas 'aldeias novas', que constituíam os Colonatos. 

As habitações eram similares às das aldeias de onde os colonos eram originários e o objectivo era a exploração agrícola dos terrenos angolanos.

Muitas dessas aldeias receberam os nomes das aldeias de onde os camponeses eram originários. Exemplo disso foram as aldeias de Vimieiro, Freixo e Santiago de Adeganha, que faziam parte de um conjunto de 15 aldeias, que foram sendo construídas ao longo do Rio Cossoi, na região de Cela, distrito de Cuanza Sul, na zona de transição entre as regiões cafeícolas e o Planalto Central Angolano, cobrindo uma área de cerca de 300.000 hectares.

Os novos colonos foram instalados pela Brigada de Colonização Europeia dos Serviços de Agricultura. Em Maio de 1951, foram iniciadas as obras de instalação. A 23 de Julho de 1952, por força da Portaria Provincial nº 7884, foi criada a Secção de Colonização, sediada em Nova Lisboa (Huambo), à qual ficaram afectos as obras de colonização da Cela e os Colonatos de Caconda e 31 de Janeiro. Os primeiros colonos chegaram ao Colonato de Cela, mais precisamente à aldeia do Vimieiro."

(Ver aqui, nos Arquivos da RTP, um documentário de 20' 26'', sobre o Colonato de Cela, com data de 22 de março de 1961.  Foi um dos maiores e mais ambiciosos projetos agrícolas de colonização branca em Angola, implantado nos anos 1950 na região do planalto do Cuanza-Sul, mais precisamente na Cela, na altura, Santa Comba Dão, hoje município do Waku Kungo, a cerca de 300 km a sudeste de Luanda.)

Fonte: Capeia Arraiana (jornal regiuonal "on line", diário, de .acesso gratuito. Tem âmbito: nacional mas "privilegiando o concelho do Sabugal, a região raiana, os distrito da Guarda e de Castelo Branco, as Beira Alta e Beira Baixa e a emigração").

 

1. O termo “colonos”, em Angola e Moçambique (mas também em São Tomé e Príncipe e, em menor grau, na Guiné.Bissau)  remete para uma  categoria algo difusa. 

Nos últimos anos da guerra colonial / guerra do ultramar  havia uma percentagem relevante de população de nacionalidade portuguesa que estava em África de forma não permanente (sobretudo militares e pessoal administrativo destacado).


(i) Angola (1974)

População europeia total: ~335 mil /350 mil

Distribuição aproximada:

  • colonos permanentes (famílias, comerciantes, agricultores, técnicos, etc.): ~270 mil / 280 mil;
  • funcionários civis do Estado (professores, médicos, enfermeiros, magistrados, etc.): ~15 mil /  20 mil
  • militares destacados (rotação 2 anos, incluindo quadro permanente e milicianos): ~40 mil / 50 mil

Observação: Angola tinha um núcleo urbano e rural de colonos estáveis (alguns de há 2 ou 3 gerações), sobretudo no planalto central e em Luanda.

(ii) Moçambique (1974)

População europeia total: ~200 mil  / 250 mil 

Distribuição aproximada:

  • colonos permanentes: ~160 mil /  180 mil;
  • funcionários civis: ~10 mil / 15 mil;
  • militares destacados: ~25 mil /  35 mil

Observação: Lourenço Marques (hoje, Maputo) concentrava cerca de ⅓ dos europeus; havia também forte presença na Beira, Nampula e zonas de agricultura do Vale do Zambeze.


(iii) Total Angola + Moçambique


População europeia total: ~535 mil / 600 mil

  • colonos permanentes: ~430 mil / 460 mil
  • funcionários civis: ~25 mil / 35 mil 
  • militares destacados: ~65 mil / 85 mil 

(iv)  O êxodo

“Colonos”: 

  • a categoria não engloba todos os europeus; 
  • nos censos coloniais, “europeu” incluía não só os colonos permanentes, mas também militares em serviço temporário e pessoal administrativo que não tinha intenção de permanecer.

Grande parte dos militares regressou a Portugal logo em 1974/75; a saída massiva de famílias de colonos aconteceu entre meados de 1974 e 1976.

Em Angola, a transição para a independência (1975) foi acompanhada de guerra civil e violência urbana, acelerando o êxodo. 

Em Moçambique, o Acordo de Lusaca e as políticas iniciais da FRELIMO levaram também a uma saída rápida, embora um pouco mais ordenada.

2. Quais as estimativas mais credíveis do número de  “retornados” que chegaram a Portugal, vindos de Angola e Moçambique em 1974, 1975 e 1976 ?

Vamos então ao número dos “retornados” (termo usado em Portugal para designar quem regressou das antigas colónias após 1974).

Convém ter presente que:

  • o termo abrangeu sobretudo civis (colonos permanentes e funcionários),
  • mas também militares do quadro permanente que decidiram não permanecer em África;
  • a maior parte regressou entre meados de 1974 e final de 1976;
  • os registos não são perfeitos: alguns vieram para Portugal via outros países (África do Sul, Brasil, etc.), outros ficaram em trânsito.

Estimativas mais sólidas (base: Comissão de Apoio aos Retornados e dados do SEF)

(i) Angola

Total estimado de retornados: ~310 mil / 330 mil.

Pico de chegadas: junho / novembro de 1975, coincidindo com a intensificação da guerra civil e a retirada das tropas portuguesas.

Inclui: famílias de colonos, pessoal técnico, comerciantes, agricultores e parte do funcionalismo público.

(ii) Moçambique

Total estimado de retornados: ~180 mil / 200 mil.

Pico de chegadas: agosto de 1975 / início de 1976, sobretudo após as nacionalizações de empresas e imóveis em 1975.

(iii) Outras colónias:

Guiné-Bissau: ~3 mil / 5 mil (a maior parte militares e funcionários civis).

Cabo Verde: ~20 mil /25 mil

São Tomé e Príncipe: ~15 mil / 20 mil


(iv) Total geral de “retornados” (1974–1976)

Estimativa mais consensual: c. 500 mil / 520 mil  pessoas.

Aproximadamente 62/65%  (menos de 2/3) vieram de Angola, 35/36% (pouco mais de 1/3) de Moçambique, e uma pequena fração das restantes colónias.

(v) Conclusão:

Estes valores confirmam que o número de colonos permanentes em Angola e Moçambique somado era claramente inferior a 1 milhão. 

Os "retornados" representam, grosso modo, a quase totalidade dessa população fixa de origem europeia, já descontando militares temporários.




(Pesquisa: LG / ChatGPT / Revisão e fixação de texto, negritos, título: LG)

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 11 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27110: A nossa guerra em números (30): 17 milhões de portugueses perderam a nacionalidade com a descolonização e a independência dos antigos territórios do "ultramar português" em África

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27110: A nossa guerra em números (30): 17 milhões de portugueses perderam a nacionalidade com a descolonização e a independência dos antigos territórios do "ultramar português" em África


Portugal e os seus antigos territórios ultramarinos, em África. Infografia: Wikipedia (com a devida vénia).


1. A África portuguesa (Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique), em 1974/1975, na altura da descolonização e da(s) independência(s), teria cerca de 17,7 milhões de habitantes. Na sua grande maioria eram populações locais ("indígenas", como se diza até 1961).

Com a abolição do Estatuto do Indígena em 1961, todos os habitantes desses territórios passaram a ser, legalmente, cidadãos portugueses.

A distribuição da população por cada território era a seguinte em 1975 (números aproximados):
  • Moçambique: 9,54 milhões de habitantes;
  • Angola: 6,89 milhões de habitantes;
  • Guiné-Bissau: 656 mil habitantes (estimativa);
  • Cabo Verde: 296 mil habitantes;
  • São Tomé e Príncipe:  82 mil habitantes.

2. Com a descolonização e a independência dos antigos territórios ultramarinos portugueses, quantos habitantes perderam a nacionalidade portuguesa, como o nosso camarada cabo-verdiano Carlos Filipe Gonçalves, que ficou com passaporte da Guiné-Bissau ? Ou o nosso amigo Cherno Baldé ? E quantos a conservaram como os nossos camaradas António Rosinha e Patrício Ribeiro, "retornados" de Angola ?

A ausência de registos demográficos precisos e discriminados nas ex-colónias torna muito difícil, senão mesmo impossível,  a apresentação de um número exato. Temos, por isso, de nos socorrer da análise da legislação da época e dos dados populacionais disponíveis.

O Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho, que  estabeleceu os critérios para a conservação da nacionalidade portuguesa para os residentes nos territórios ultramarinos que alcançaram a independência ( Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique)  é base que nos permitiu responder à pergunta que acima formulámos.

Esse diploma legal, na sua essência, não retirou a nacionalidade de forma indiscriminada, mas impôs condições que, na prática, excluíram uma vasta parcela da população que até então era considerada portuguesa.

O Decreto-Lei n.º 308-A/75 estabeleceu que a regra geral seria a aquisição da nacionalidade do novo país, e a manutenção da portuguesa seria a exceção. Como tal, a esmagadora maioria destes novos cidadãos angolanos, moçambicanos, etc., deixou de ter a nacionalidade portuguesa.

Estamos a falar de cerca de 17 milhões.

Com o processo de descolonização, iniciado logo em 1974, na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, um número muito significativo de indivíduos vai  perder a nacionalidade portuguesa. 

3. Quem manteve a nacionalidade portuguesa?  E quem a perdeu ?

De acordo com o supracitado Decreto-Lei, conservavam a nacionalidade portuguesa os indivíduos que, à data da independência:

  • tivessem nascido em Portugal continental ou nas ilhas adjacentes (Madeira e Açores);
  • fossem nascidos nas ex-colónias de pai ou mãe nascidos em Portugal continental ou ilhas;
  • fossem nascidos em território ultramarino e domiciliados em Portugal continental ou ilhas há mais de cinco anos antes de 25 de abril de 1974;
  • a mulher e os filhos menores dos indivíduos nas situações acima.

Quem perdeu a nacionalidade? 
Principalmente os indivíduos que não preenchiam os requisitos acima. Em traços gerais:
  • indivíduos nascidos nas colónias de pais também nascidos nas colónias, sem ascendência direta de portugueses europeus, como o nosso amigo Cherno Baldé, guineense (era  situação de uma grande parte da população local que, sob o regime do "indigenato", só revogado em 1961, tinha um estatuto de cidadania limitado, mas que com a sua abolição adquiriu a nacionalidade portuguesa);
  • mestiços e brancos nascidos nas colónias cujos laços com a metrópole não se enquadravam nas estritas alíneas da lei

A maior parte dos habitantes desses países perdeu automaticamente a nacionalidade portuguesa, exceto:
  • pessoas nascidas na então "metrópole" ou “continente” português ou com fortes laços residenciais e/ou familiares com Portugal continental, mesmo residindo nas colónias;
  • aqueles nascidos nas colónias, mas que tinham vínculos diretos (parentes portugueses de sangue) com Portugal, ou que solicitaram oficialmente a manutenção da nacionalidade portuguesa dentro dos prazos determinados.
A nacionalidade portuguesa passou a ser basicamente definida pelo critério de ascendência ("jus sanguinis", o direito de sangue) e não mais pelo de local de nascimento ("jus soli", o direito de solo ou "chão").

4. De modo geral, apenas uma pequena fração da população local das ex-colónias manteve a nacionalidade portuguesa após a independência.

Um indicador da dimensão das mudança operadas na demografia dos novos países africanos de expressão oficial portuguesa, foi o número de "retornados": cidadãos que se mudaram para Portugal (e outros destinos, como o Brasil e a África do Sul) após a independência. Este número ronda os 500 mil / 600 mil. 

Os "retornados" (designação nem sempre correta, porque parte deles já tinham nascido em Angola, Moçambique, etc.) são, na sua esmagadora maioria, aqueles que conservaram a nacionalidade portuguesa, enquadrando-se nos critérios da lei (ter nascido em Portugal ou ser filho de portugueses nascidos em Portugal).

Estima-se que cerca de 60% destes "retornados" haviam, de facto, nascido em Portugal.
 
Na altura da descolonização (1974/75), a população de origem europeia, na sua maioria portugueses,  em Angola e Moçambique, era significativa, mas estava longe de chegar  a 1 milhão no conjunto dos dois territórios.

Os números mais citados (com base em censos coloniais e estimativas do Ministério do Ultramar e depois do MFA) são:

(i) Angola (1974) :

  • população total: cerca de 5,6 milhões;
  • população de origem europeia (quase toda de nacionalidade portuguesa): c. 335 mil / 350 mil.

Estava concentrada sobretudo em Luanda, Benguela, Lobito e no planalto central (hoje,Huambo, Lubango).

(ii) Moçambique (1974):
  • população total: cerca de 8 milhões
  • população de origem europeia: c. 200 mil / 250 mil.

Concentração urbana em Lourenço Marques (Maputo), Beira e Nampula.

Total Angola + Moçambique: e
ntre 535 mil / 600 mil  europeus.

Se incluirmos Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, o total de residentes de nacionalidade portuguesa nos cinco territórios rondaria os  620 mil / 650 mil.
 
O Decreto-Lei n.º 308-A/75 estabeleceu que a regra geral seria a aquisição da nacionalidade do novo país, e a manutenção da portuguesa seria a exceção. Como tal, a esmagadora maioria destes novos cidadãos angolanos, moçambicanos, etc., deixou de ter a nacionalidade portuguesa. Foram c. de 17 milhões.
 

5. Resumindo:
Dos 17,7 milhões de pessoas, aproximadamente, que viviam nas colónias africanas portuguesas em 1974/75, a quase totalidade perdeu a nacionalidade portuguesa com a independência dos novos países. Entre 500 a 600 mil pessoas conservaram a nacionalidade portuguesa, tendo na sua maioria migrado para Portugal (e outros destinos, Brasil, África do Sul, Venezuela...) como “retornados”. Estamos a falar de colonos, funcionários públicos, civis e militares, e alguns "mestiços". A proporção da população africana das ex-colónias que manteve a cidadania portuguesa foi residual e restrita a casos de descendência direta ou residência em Portugal antes da independência. Portanto, a perda da nacionalidade portuguesa afetou praticamente toda a população local das novas nações, à exceção das pessoas que conseguiram comprovar laços especialmente próximos com Portugal continental ou realizaram processos legais específicos para manutenção dessa nacionalidade.
 
Perderam a nacionalidade portuguesa automaticamente os que nasceram nos territórios coloniais (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe) e que não declararam a vontade de manter a nacionalidade portuguesa e não se enquadravam nas exceções 

As exceções que lhes permitiam conservar a nacionalidade portuguesa incluíam:
  • pessoas nascidas em Portugal e residentes nos territórios até abril de 1974;
  • pessoas nascidas nos territórios coloniais, mas que tivessem a residência prolongada em Portugal;
  • descendentes até terceiro grau (pais, avós, bisavós) nascidos em Portugal;
  • cônjuges e filhos menores de titulares com esses direitos.

Ficam de fora desta análise os restantes territórios do antigo império colonial português, situados na Ásia: Goa, Damão e Diu; Macau; e Timor Leste.

(Pesquisa LG + assistente de IA - Gemini, ChatGPT, Perplexity) (Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor LG:

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Guiné 61/74: P26766: Efemérides (454): O fim da guerra do Vietname foi há 50 anos ("Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975)

 












Recortes de imprensa, "Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975, 2ª ed., pp. 1 e 20.

Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso |  Pasta: 06822.172.27196 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18752 | Ano: 55 | Data: Quarta, 30 de Abril de 1975 | Directores: Director: António Ruella Ramos; Director Adjunto: José Cardoso Pires | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa  


1. Há 50 anos a agência Reuters e o Diário de Lisboa, de 30/4/1975, noticiavam o fim da guerra do Vietname.  Uma guerra com 3 décadas, que foi um pesadelo para todos: os vietnamitas e os outros p0vos da Indochina, os franceses, os americanos... (e demais povos e todo o mundo, já que não foi  uma mera guerra regional, desenrolou-se em pleno clima de "guerra fria"...).

Foi também uma guerra que esteve no nosso "imaginário"... Mais do que isso: também sobrou para nós... Os mísseis terra-ar Strela, por exemplo, já tinham sido testados no Vietname... bem como a passagem da guerrilha à guerra convencional (no caso, port exemplo,  da Guerra dos 3 G: Guidaje, Guileje, Gadamael)...

E havia até quem, mal ou bem, na nossa geração, comparasse a guerra da Guiné com a do Vietname... É evidente que foram duas realidades incomparáveis: pelos meios bélicos empregues, em homens e armas, pela extensão do território, pela violência, pelo nº de baixas, etc.; as nossas guerras foram de "baixa intensidade". Os militares norte-americanos tiveram cerca de 58 mil mortos, e perto de 300 mil feridos. As perdas entre os vietnamitas, civis e militares, do Norte e do Sul são impossíveis de calcular (há estimativas que apontam para 2 a 4 milhões).

Em 30 de abril de 1975 estávamos no rescaldo das eleições, realizadas uns dias antes (em 25 de abril) para a Assembleia Constituinte.  As primeiras eleições livres!... Tinha havido o 11 de março e depois a fúria das nacionalizações...Mas já antes o 28 de setembro de 1974, que alguns historiadores apontam como o  início do PREC (Processo Revolucionário Em Curso). 

O "verão quente de 1975", já estava em banho maria... E em Angola, a 6 meses da independência,  já havia crescentes sinais da brutal guerra civil que se iria desencadear depois do 11 de novembro de 1975 e  prolongar durante anos e anos até 2002 (com escassos períodos de paz podre pelo meio). 

Os últimos militares portugueses em Angola regressaram a 10/11/1975, na véspera da "dipanda". A sangria de quadros foi brutal... Um amigo meu, angolano, médico, disse-me que nesse dia, histórico, o número de médicos que restavam no território era der 26...

Cinquenta anos depois perguntamo-nos, ingenuamente: porquê ? para quê ? como foi possível ?  A guerrra do Vietname, a guerra da Guiné, a guerra de Angola... A(s) guerra(s)... 

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 26 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26732: Efemérides (453): Lourinhã, 25 de abril de 2025: cerimónia de homenagem aos combatentes da guerra do ulltramar / guerra colonial

domingo, 16 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21258: A galeria dos meus heróis (35): Rosemarie e os seus dois maridos... - Parte II (Luís Graça)


Capa do livro de Jules Roy, "La bataille de Dien Bien Phu", 
Paris, Le Livre de Poche, 1972, 538 pp. ( a 1ª edição é de 1963;
 um dos livros  que o Antoine Ben Oliel nunca leu 
mas por onde perpassa a sua sombra. Um dos maiores 
desastres militares da França colonial e dos seus bravos soldados 
da Legião Estrangeira. Juley Roy é um "pied-noir", 
nascido na Argélia em 1907. Morreu em 2000. Foi militar e resistente
na II Guerra Mundial. Deixou o exérito, em 1953,  em protesto 
contra a guerra da Indochina.

 
A galeria dos meus heróis > Rosemarie e os seus dois maridos... 

Parte II 

(Luís Graça) *

(Continuação)

Num outro dia, num dos nossos verões passados, apanhei a Rosemarie particularmente bem disposta, a cantarolar um dos fados da Amália, a sua musa inspiradora. Não reconheci de imediato nem a letra nem a música. 

C'est le fado de Paris.  − respondeu-me ela.

(...) O fado veio a Paris,
Alfama veio a Pigalle
E até o Sena se queixa de pena
Que o Tejo não quis sair de Portugal.

O fado veio a Paris,
Alfama veio a Pigalle
E até Saint-Germain-des-Prés
Já canta o fado em francês! (…)


Foi uma deixa para falarmos do bistrot do Antoine, que tinha nome português, “O Cantinho da Saudade”… lá na petite ville, a sudeste  de Paris, onde ambos viveram… Foi o seu primeiro trabalho, quando chegou a França em 1967: foi empregada de mesa e de balcão no bistrot que se tornou um local de encontro dos imigrantes portugueses da região, mas também de magrebinos, em especial de antigos combatentes da guerra de Argélia, os harkis… E a partir do momento em que começou a haver “fado ao vivo”, passou a ser também frequentado por alguns franceses, como os nossos anfitriões da casa da Lagoa de Óbidos, que já eram conhecidos do Antoine, do tempo da Argélia.

Enquanto tomávamos café numa esplanada junto à praia, eu puxei a conversa para o Antoine… Queria saber como a Rosemarie conhecera o homem que a levou para França, “a salto”, em 1967,  e que iria mais tarde lançá-la na “vida artística”, como cantora de fado, e depois a dormir com ela… na cama.

É uma outra história, longa e algo rocambolesca, com muitos "claros e escuros", e alguns silêncios que eu tive de respeitar.

A Rosemarie já o conhecia de Chaves. “Vagamente”, garantiu-me ela. “Ainda antes de casar”…Já não podia precisar o ano, nem as circunstâncias, de resto “não era muito boa em datas”. Talvez nalgum baile ou nas festas da cidade. Alguém o terá apresentado à Rosemarie, na altura criada de servir, na cidade:

− Eu dava nas vistas… E ele tirou-me logo a 'fotografia'… Disse-mo dez anos mais tarde, quando me levou para França… Tinha vindo da tropa, usava o cabelo à escovinha, ainda falava um português avec accent… Não lhe achei muita piada, para mais numa terra de magalas que passavam a vida a mandar piropos parvos às raparigas, quando vinham à cidade…

A Rosemarie reparou, isso sim, na extensa cicatriz, com quatro ou cinco centímetros, que o Antoine ostentava no rosto, no maxilar direito, no enfiamento da orelha. Parecia exibi-la com orgulho, apesar do disfarce das patilhas. Vim a saber mais tarde que era a sua “medalha de guerra”, ganha com sangue na Indochina, em  março de 1954, logo no início da batalha de Dien Bien Phu.

O Antoine era de nacionalidade francesa, mas de origem portuguesa, por parte do pai. Este era flaviense e tinha integrado o corpo expedicionário português, o CEP, na I Grande Guerra, como 1º cabo ou sargento, a Rosemarie não sabia precisar o posto.

E por lá ficou, em França, o pai do Antoine, tendo-se tornado francês por casamento. Vivia na região da Île de France. Segundo percebi, foi um dos prisioneiros portugueses da batalha de La Lyz, em abril de 1918. No cativeiro contraiu a tuberculose e escapou, com sorte,  à pneumónica de 1918/19. 

Nunca mais regressou à Pátria, e fez um primeiro casamento, logo que foi libertado. Ficou com uma pequena pensão de guerra, mas cedo enviuvou, não tendo filhos. Até ao final dos anos 20 só se sabe que trabalhou como capataz ou encarregado numa grande quinta que fornecia produtos agrícolas e animais para os mercados abastecedores de Paris.

Foi lá que conheceu a segunda mulher, também francesa, mas de origem judia sefardita, com antepassados em Marrocos. Terão sido, muito provavelmente a avaliar pelo apelido, Ben Oliel, judeus expulsos de Portugal no tempo de Dom Manuel I.

A Rosemarie não sabia grandes pormenores sobre a “árvore genealógica” do Antoine, do lado da mãe, embora usasse o seu nom, o apelido de família. O seu companheiro era uma pessoa muito reservada, muito raramente falando do seu passado, e em especial do tempo da tropa e da guerra.

A Rosemarie não chegou a conhecer a família do Antoine, nem sequer a sua segunda mulher, que morrera onze antes de ela chegar a França. O pai morrera ainda mais cedo, em 1939, na véspera da II Guerra Mundial, não tendo por isso sofrido a vergonha, la honte, da derrota militar da França, cujo território ele estava convencido que era “intransponível” devido à mítica “linha Maginot”… Nem conheceu, felizmente para ele, a amargura da ocupação da sua querida França pelo exército nazi. Tinha quarenta e poucos anos, e deixou 4 filhos órfãos, dos quais três rapazes e uma rapariga.

Em junho de 1940, a família, em pânico, como milhões de outros franceses, fugiu para o sul, refugiando-se em Bordéus, onde sobreviveu, algumas semanas, com as suas escassas economias e parcos haveres.

Com a ajuda do cônsul português de Bordéus (de que a Rosemarie, imperdoavelmente, não sabia o nome, Aristides Sousa Mendes, acrescentei-lhe eu), a família Ben Oliel conseguiu obter um visto que lhe permitiu chegar a Vilar Formoso, sã e salva. O Antoine não tinha ainda 10 anos nessa época mas, ao que parece, terá ficado com recordações bem vivas dessa dramática viagem de comboio, de noite, e do alívio da chegada a Portugal, país de que ele irá gostar muito, até ao fim da vida.

Il aimait trop le Portugal! − jurava a Rosemarie.

A família é, entretanto, separada, a mãe fica com os filhos mais novos. O Antoine e outro irmão mais velho vão para um seminário ou orfanato.

−Tempos difíceis! – comentei eu. 

−Viveram da caridade. Tanto quanto sei, e pelo que o Antoine me contava, e que era muito pouco, a mãe, viúva, sem qualquer contacto com a família do marido, que era de Chaves, estava num lar de freiras, no Porto ou arredores, com o apoio discreto de uma organização judaica.

Com 15 anos, o Antoine, já rapagão, voltou a França, depois da Líberation, para ver em que pé estava o assunto da casa da família… A quinta ( e a casa onde viviam, com mais trabalhadores, franceses e estrangeiros) fora requisitada pelas autoridades militares alemãs, e havia notícias de que tinha sido  alvo de ações de sabotagem por parte da Resistência francesa ou bombardeada pelos Aliados.

Entretanto, o Antoine encantara-se por Chaves onde descobriu, com a ajuda dos padres, alguns parentes da família do pai, incluindo um tio, que era guarda fiscal, e alguns primos, que o ajudaram a ele bem como à mãe e aos irmãos. Ia lá passar férias enquanto esteve no seminário. 

Mas em 1944 terá sido expulso pelos padres por razões que a Rosemarie nunca soube. Desconfiava, isso sim,  que terida sido pelo seu comportamento truculento e até violento, enfim, pela sua maneira de ser e de falar, que “não ficava bem num futuro representante de Deus na terra”.

Fixou-se em Chaves, "deu em malandro" (sic). Já perto do final da guerra, meteu-se numa "troupe" que fazia contrabando fronteiriço, com um dos primos, filho do tio da Guarda Fiscal. Pequeno contrabando, como café e cigarros...

Mas,  logo em finais de 1946, o Antoine  voltou a Chaves e às atividades lucrativas do contrabando. Aprendeu a conhecer aquelas serras e o caminhos dos contrabandistas. Passados uns meses, teve que fugir para França quando um dos elementos do bando foi atingido, na Galiza, pela Guardia Civil. O tio aconselhou-o a ficar por lá uns tempos.

A família Ben Oliel conseguiu reaver a casa que tinha, a sudeste de Paris. Os miúdos voltaram. E por lá cresceram e casaram. A Rosamarie só conhecia os mais novos. O mais velho já tinha, entretanto, emigrado para Buenos Aires e por lá ficou, sem nunca ter regressado a França ou a Portugal. Nem sequer ter dado notícias.

Em França, a vida da família melhorou um pouco com o apoio da Sécurité Sociale, enquanto o país ia recuperando do pesadelo da guerra, da ocupação e da resistência.

Os “30 gloriosos”, o “milagre económico francês”, fizeram também esquecer os conflitos militares nos territoires d’ outre-mer em que a IV República estave mergulhada, a começar pela sangrenta guerra da Indochina e depois a da Argélia.

Sem paradeiro certo, vivendo de biscatagem, o Antoine não resistiu a uma campanha de recrutamento da Legião Estrangeira, fazendo por volta de 1950 um contrato de seis anos. Era menos uma boca a alimentar lá em casa. Por outro lado, tinha frequentes conflitos com a mãe e os irmãos mais novos.

A Rosemarie sabia pouco deste período obscuro da vida do Antoine e não conseguia sequer localizar no mapa a Indochine … e muito menos pronunciar Dien Bien Phu. Desculpava-se que a geografia também não era o seu forte. E quando chegou a França em 1967, no tempo do De Gaulle, já não se falava dessas guerras,

Por outro lado, dizia-me que ele tinha sido paraquedista, o que não correspondia à verdade. Os nossos anfitriões da casa da Lagoa de Óbidos é que me deram informação adicional, mais detalhada e precisa, sobre o passado militar do nosso homem.

Nesse aspeto eles conheciam o Antoine, légionnaire, muito melhor do que a Rosemarie. E confirmaram-me que o Antoine deve ter-se alistado na Legião Estrangeira (Francesa), aos 19 anos, por volta de 1950. Pertencia não aos paraquedistas mas a um regimento de infantaria, um dos que foram para  Dien Bien Phu e lá seriam massacrados. De resto, o Antoine não gostava de voar, tinham vertigens, pelo que nunca teria passado sequer nos testes para paraquedista.

Em finais de 1953 estava na Indochina,  para logo, passados três meses,  em 13 ou 14 de março de 1954  ser ferido gravemente por um estilhaço de obus que lhe desfigurou o rosto.  Teve ainda a sorte de poder ser evacuado e sujeito a uma cirurgia reconstrutiva.

Menos de dois meses, em 7 de maio de 1954, Dien Bien Phu cairia nas mãos dos viet-minh do general Giap, e muitos camaradas do Antoine, de várias nacionalidades, perderam lá a vida ou foram feitos prisioneiros. E muitos também não regressariam do doloroso cativeiro.

−Escapou da morte quase certa, em Dien Bien Phu ou no cativeiro – comentaram os nossos anfitriões, em tom lacónico.

Um ano e tal  depois da convalescença ainda passou pela Algérie. Conseguiu prorrogar o seu contrato por mais uns tempos e ficou por Argel. Aí, sim, terá estado numa base aérea, numa unidade de apoio logístico aos paraquedistas, antes de completar os seis anos de contrato com a Legião Estrangeira.

A doença, e a subsequente morte da mãe, obrigou-o a apressar o regresso a casa, em 1956. E foi, talvez um ano depois, em 1957, tinha a Rosemarie vinte anos, que ele a  conheceu em Chaves.

Os nossos amigos também eram repatriés ou retornados (pieds-noirs, era a expressão injuriosa que se usava em França para designar a população europeia, ou de origem europeia,  que fora obrigada a deixar a Argélia, depois da independência). Professores num colé
gio privado, eram de origem judia, como muitas das profissões liberais a viver e a trabalhar naquela antiga colónia francesa do Magrebe, a “joia da coroa” do império colonial francês: médicos, farmacêuticos, advogados, notários,  professores, agricultires, empresários, etc. A maior parte, de resto, eram já nascidos na Argélia,  há várias gerações. 

Os nossos amigos foram viver para a região da Ilha de França,  logo em 1962, tendo vindo na leva dos cerca de 800 mil repatriés… Por volta de 1966 começaram a frequentar o bistrot do Antoine, de quem eram vizinhos, mas ele nunca ou raramente abria o jogo sobre os seus tempos de legionário. Gostava, isso sim, de falar da Argélia e de Portugal… mas nunca da Indochina. Eram as duas coisas que os aproximavam. De resto, não falavam de política. Nenhum deles gostava de De Gaulle, mas por razões diferentes, que eu também não quis esmiuçar.

O bistrot do Antoine, na petite ville de A…, no Val-de-Marne, era muito popular nesse tempo, sendo o centro da vida social dos imigrantes portugueses que chegavam a França mas também de alguns magrebinos nascidos em França ou com muitos anos de França, incluindo ex-combatentes da guerra da Argélia…

Antigos camaradas de armas do Antoine, que viviam na banlieue  de Paris, também apareciam de vez em quando para saluer les copains, beber um copo em memória dos “bons velhos tempos” e fazer uma jogatana de cartas, refugiando-se numa das “salas reservadas” do estabelecimento.

A Rosemarie tinha uma presença discreta mas assídua no bistrot do Antoine, substituindo-o, nas funções de gerência, sempre que ele se ausentava por mais de um dia. Em boa verdade, não gostava dos amigos do Antoine, do tempo da tropa e da guerra. Sempre os achou "más companhias" do seu patrão. E, quando ele não estava, "apalpalvam-lhe o rabo, os salauds, os sacanas".

A pouco e pouco o Antoine começou a ser conhecido como o “padrinho” dos portugueses da região e ninguém sabia ao certo desde quando e como é que ele começara a sua atividade de “passador”. Levava, no mínimo,  dez contos por cabeça, para atravessar a fronteira. Por vezes a crédito, mas sempre com juros. Começou a trazer muita gente do Norte, "do rio Minho ao Mondego"... 

Respeitavam-no, para não dizer que o temiam. Aos caloteiros não estava com meias medidas: das ameaças passava aos atos e, não raramente, “andava à porrada”. Muitos foram viver para o bidonville de Champigny, e ele procurava ajudá-los a arranjar emprego e a “tratar dos papéis”. Havia redes de recrutadores de mão de obra ilegal, para o bâtiment, os chantiers, a construção e obras públicas. Enfim, tudo isto custava dinheiro, pelo que alguns desgraçados passavam um ano a trabalhar para pagar as dívidas do “salto”… 

De estatura média mas com um “tronco de touro bravo”, era exímio no jogo de pés e cabeça. A cabeçada dele chegou a mandar alguns para o hospital. Não usava armas,  a não ser em “casos extremos”.

Foi sempre bem sucedido nas suas “viagens de passador”, sem percalços de maior. Conseguiu arranjar passaporte português, já que tinha dupla nacionalidade, obtida em finais de 50. Ao que se suspeita, mais do que se sabe, tinha alguns bons contactos, na PIDE,  na Guarda Fiscal, na GNR, na Guardia Civil e na Gendarmerie, o que facilitava as suas deslocações e a passagem da “carga” nas duas fronteiras.

(Continua)

© Luís Graça (202o). Revisáo; 5/8/2023
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 11 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21246: A galeria dos meus heróis (34): Rosemarie e os seus dois maridos... - Parte I (Luís Graça)

(...) Conheci a Madame Ben Oliel, como ela gostava de ser tratada, numa festa do 14 Juillet, o Dia Nacional da França. Ben Oliel era o apelido  materno do seu segundo marido, de origem portuguesa e judia sefardita, que esteve nas guerras da Indochina e da Argélio,  como légionnaire

Maria Rosa era o seu nome de batismo, de que trocou a ordem e afrancesou: Rosemarie, soava-lhe muito melhor,  fazia-lhe oublier (esquecer) e até talvez cacher (esconder) a sua origem portuguesa e a sua condição de imigrante em França. (...)