sábado, 13 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25067: Os nossos seres, saberes e lazeres (609): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (137): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Em definitivo, Trevões tem muito a oferecer a quem a visita, quem aqui chega pela primeira vez não suspeita que será confrontado com tesouros de vária espécie, já se exaltaram os solares, o Paço Episcopal, a opulenta igreja matriz engalanada de barroco, mas que possui uma austera fachada do tardo-gótico, não dá para acreditar que ali houve a presença de bispo de que resta o paço em decadência, e depois os museus, que comprovam orgulho cívico, um carinho por cuidar das coisas que vêm de antanho, independentemente dos técnicos preparados em arqueologia ou museologia ou estatuária. Aqui se fala da visita ao Museu Etnográfico, ele é o espelho indisfarçado de uma sociedade agrícola que subsiste adaptando-se ao estatuto de aldeia vinhateira, e quem vive em Trevões diz que não quer sair de cá, todos se dão bem com todos, e como novos rurais aparecem gente que se cansou da cidade e aqui quer montar empresas. Trevões, inesquecível aldeia vinhateira, é o que eu posso dizer.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (137):
Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (6)


Mário Beja Santos

É a despedida de Trevões, visita ao Museu Etnográfico, e depois andarilhar à volta e entrar no autocarro. Há uns bons anos, quando existia O Correio da UNESCO, uma revista inesquecível, Pierre Nora, um notável historiador francês, produziu uma reflexão sobre o fenómeno explosivo dos museus regionais e temáticos. Atribui ele a razão de ser desta avalanche de recolhas, manutenção e exibição de objetos de arte, de usos e costumes locais, a uma reação à cultura de massas que pretende atrais as falanges turísticas aos monumentos que a comunicação social apregoa como os indispensáveis. É, portanto, uma reação a uma cultura urbana que centraliza as grandes linhas da identidade, é nas cidades que se concentram as obras de arte de valor indiscutível, seja em arqueologia, da chamada arte popular, de todos os movimentos artísticos até às correntes atuais. Daí o Museu do Pão, do Vinho, dos Têxteis, do Queijo, e tudo o mais que se sabe. Mas há os locais pouco visitados por essas massas turísticas que não desejam arredar-se do chamado orgulho cívico, a história do lugar. E, como se fez notar, Trevões tem casas solarengas, residências de quem já teve ou tem posses, uma igreja matriz que é um monumento nacional, um Museu de Arte Sacra de tesouros acumulados ao longo de séculos. O que vamos visitar agora, e ser surpreendidos por uma mestria museográfica e museológica tem a ver com os costumes, o quotidiano de outrora, séculos de vida material em Trevões. A fachada do museu é impecável, há até para ali um brasão de armas, somos acompanhados por Paula Catarino, creio que lhe cabe a responsabilidade de zelar pelos dois museus, logo à entrada deparam-se sinais de vida associativa, há espaço de reunião e de conversação e as salas que se sucedem lembram-nos que Trevões possuiu uma sociedade agrícola, e mostra tais sinais com uma exposição que mete respeito.

O calçado das gentes, naquele tempo o sapateiro tinha muito que fazer, o couro, a madeira, o pregueado, os socos e os tamancos, o que se vê são solas que pretendiam afugentar a friagem, estamos na montanha, há agricultores e pastores e as ruas não eram alcatroadas.
Veja-se o desvelo como tudo está exposto, a alvura na coberta da cama, o miminho do berço, com aquele azul era menino pela certa, e na cama do casal a camisa de dormir e o conforto de ter o bacio ali perto.
Quando olhei para aqueles sacos lembrei-me dos meus soldados açorianos quando iam a casa e regressavam com vitualhas. É uma bela exposição de peças de uso caseiro, cestos para ovos ou frutas, medidas e cabaças, até a peneira.
Aqui temos um pouco de tudo, a lembrança daquele grande espaço do forno a lenha, o panelo de ferro ou alguidar de barro, um arsenal de objetos ligados à vida doméstica e até ao comércio, e ali mesmo à direita uma arca-banco, tanto podia ser para guardar roupas de cama ou de vestir, mas lembro-me de um dia ter entrado numa casa onde o hospitaleiro anfitrião foi buscar comida no seu arca-banco, o que me pareceu uma extravagância… até que vi entrar naquele espaço um bom número de cães e gatos e apercebi-me que todo o cuidado era pouco.
Acabou a visita ao Museu Etnográfico, temos uns minutos de deambulação, adorei ver esta casa e pensar no que nela se tornaria com uma intervenção que não deslustrasse esta frontaria, esta mescla de pedras. Oxalá que assim venha a acontecer.
Mais uma manifestação de casa apalaçada, dá sinais de abandono, é toda ela folgada em espaço, terá tido um jardim ornamental, é bem provável que esteja à espera de novo dono que ponha toda esta beleza arquitetónica no seu devido lugar.
Bem procurei o nome desta capela de Trevões, não é de muita antiguidade, mas o que me surpreende é a severidade da pedra, uma lembrança do românico, só tem duas frestas na fachada para arejamento, nada de adornos, este espaço só serve para rezar, não são precisas ornamentações fáceis. E digo adeus a Trevões, quando possível aqui voltarei.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25041: Os nossos seres, saberes e lazeres (608): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (136): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25066: In Memoriam (493): Falecimento do Capitão Miliciano de Artª da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), engº Fernando Pires (Luís Dias)




1. O nosso Camarada Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), enviou-nos  a seguinte mensagem:





           Falecimento do meu capitão
 

Perder um companheiro que esteve connosco na guerra, mas especialmente alguém que era um bom amigo é imensamente doloroso. Fui hoje informado por um dos seus filhos, que o Engº FERNANDO PIRES, ex-Capitão Miliciano de Artª, que comandou a CCAÇ 3491, pertencente ao BCAÇ 3872, faleceu no dia 11 de Janeiro, no Hospital de Cascais, aos 81 anos, devido a problemas respiratórios. 

Antes do Natal, tinha falado com ele ao telefone e tínhamos combinado encontrar-nos no fim deste mês, pois ainda estava em convalescença de uma intervenção cirúrgica melindrosa. 

A história militar deste meu amigo é um "produto" daqueles tempos em que estávamos em três frentes de Guerra. O meu amigo esteve no Serviço Militar Obrigatório, em 1963, com a idade normal com que se era "chamado" e serviu o percurso normal de um oficial miliciano da especialidade de artilharia e teve a sorte, pensava ele, de não ter sido mobilizado para o Ultramar. Terminado o seu tempo de serviço, voltou à sua vida civil, trabalhava na EFACEC, namorava e tinha a sua vida organizada e um futuro promissor. Contudo, em 1971, foi "re-pescado" para ir para a Escola Prática de Infantaria - Mafra, tirar o Curso Para Capitães (CPC) e mais tarde vir a ser mobilizado para a Guiné a comandar uma companhia de caçadores, jovens "chavalos", onde, a seguir ao 1º Sargento Gama, era o mais velho, com cerca de 30 anos e eu o "puto" mais novo.

O Capitão Pires dirigia uma companhia (cerca de 150 elementos), também 2 pelotões de milícias e era responsável por 250 elementos da população que viviam numa Tabanca anexa ao nosso aquartelamento, isto no Dulombi, Leste da Guiné, região de Bafatá. Foi o nosso comandante entre 18 de Dezembro de 1971 e 4 de Abril de 1974 e dirigiu a companhia com competência e elevado brio profissional, sem nunca deixar de ser um excelente ser humano. Soube das dificuldades que era comandar tanta gente, pois eu próprio fui comandante da mesma, nas suas ausências e férias, o que me foi muito útil, quando fui nomeado comandante do CIM de Bambadinca, em Agosto de 1973.

Depois de terminada a nossa comissão e seguindo cada um o seu rumo, encontrávamo-nos, de quando em vez, mas após o 1º Convívio da companhia, realizado no então R.I. nº2, em Abrantes, de onde partíramos para a Guiné, almoçávamos muitas vezes e íamos aos convívios juntos. 


Na foto, em 1º plano, o Capitão Pires, com o General Spínola, estando eu em 2º plano, no dia da inauguração do nosso quartel em Abril de 1972.

Caro amigo Fernando Pires, que descanse em paz e até um dia destes, para voltarmos a falar da amizade que nos uniu nesta "vida". 

Luís Dias 
Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

10 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25055: In Memoriam (492): Fernando Peixinho de Cristo (1947-2004), ex-cap mil inf, cmdt, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74); natural de Coimbra, e reputado hidrogeólogo a nível nacional e internacional

Guiné 63/74 - P25065: Efemérides (425): O António Marques, meu companheiro de infortúnio, na CCAÇ 12, cujo relógio parou às 13h30 do dia 13 de janeiro de 1971: nunca se esquece de me telefonar todos os anos, neste dia e hora (Luís Graça)


 António Fernando Marques, empresário, reformado, natural de Abrantes, nascido em 24 de agosto de 1946, residente em Cascais, nosso grão-tabanqueiro desde 23/1/2010 (*),  DFA, ex-fur mil at inf,  CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). 





Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Da esquerda para a direita, os ex-fur mil Marques e Henriques, da CCAÇ 12 (1969/71), em amena conversa ou talvez disputando amigavelmente o "lugar do morto" (que era ao lado do condutor). Cairão, ambos, meses mais tarde, em 13/1/1971, `*as 13h30, com 20 meses de comissão, numa mina A/C, à saída do destacamento de Nhabijões... 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. O António Fernando Marques   foi meu amigo e camarada de infortúnio.  Chamava-lhe, por brincadeira, "o Marquês sem acento circunflexo". Esteve 17 dias em estado de coma, no HM 241, e 2 anos hospitalizado, em Bissau e em Lisboa, em tratamento e recuperação... Penitencio-me de nunca o ter ido ver ao Anexo do Hospital da Estrela, em Campolide, durante anos perdemos o contacto!.... 

Ele acha que me deve a vida, e eu estou-lhe grato pela sua gratidão: todos os anos, quer faça sol, quer faça chuva, pelo dia 13 de janeiro, às 13h30, ele me telefona a lembrar a triste efeméride (**)...

Um minuto antes da fatídica mina A/C que nos ia mandando ambos para os anjinhos, às portas do grande  redordenamemnto de Nhabijões, a escassos quilímetreos de Bambadinca, discutíamos, amigavelmente, sobre quem ia à frente, na velha GMC, ao lado do condutor, no "lugar do morto".... Depois da habitual cantilena, "vais tu, vou eu, vais tu"..., ele foi para trás com o resto do 4º  pelotão, e eu sentei-me à frente... (O alferes mil cav, Rodrigues, já falecido, ia noura vtuar, umUnimog.)

Azar do Marques, sorte a minha: ia justamente por cima do dupla roda traseira da GMC,  do lado direito, que fez accionar a mina...

Vamos lá relembrar, "ad nauseam", meu companheiro de infortúnio, essa viagem de GMC até Nhabijoes, "ali ao virar da esquina",  nos arredores de Bambadinca... Seriam 11h00, do dia 13 de Janeiro de 1971... O 4º pelotão estava de  piquete, éramos o 112 naquele dia, 13, que nem sequer era sexta-feira.  Fomos chamados para acudir a explosão de uma primeira mina, que matou logo o nosso sold cond auto, Spares. Mas as desgracas também sobraram para nós... Duas horas e tal depois, outra mina, meu Deus... 

O Marques ficou  dois anos no "estaleiro" (!), eu tive mais sorte, mas agora ando a pagar as favas....

Somos irmãos de "irmão de sangue"... Possivelmente salvei-lhe a vida, chegando "just in time" com ele ao heliporto de Bambadinca, a tempo de apanhar o helicóptero que o levou para a HM 241. (**) (Ainda não sei, mas gostava de saber,  quem foi o "anjo do céu" que lhe prestou a bordo os primeiros socorros...).

Sim, chamei-lhe há uns anos atrás, pela primeira vez , "irmão de sangue"!... E não podia ser talvez mais apropriado: não fui "herói de guerra", não tive cruzes de guerra, mas no  caso dele tenho consciência (e orgulho) de que o ajudei a salvar a vida,,, Eu e o condutor do Unimog, que o levou, a ele e outros, numa correria louca até Bambadinca, sem repicar a picada nem medo de novas minas... Mais a enfermeira parquedista, o piloto de helicópterio, os médicos e os magníficos profissionais de saúde do HM 241...

Se há um sentido para a palavra "camarada de armas" é, nestas ocasiões, em que um de nós est+a estendido no chão, já em coma, se calhar todo rebentado por dentro, depois da explosão de uma poderosa mina anticarro... E quem está a teu lado sabe que tu tens 30 minutos para chegares a Bissau, ao HM 241, para a equipa dos cuidados intensivos te salvarem!... 

E foi isso que aconteceu... Em, Angola ou Moçambique o Marques teria morrido  à espera do helicóptero...

Marques, orgulho de te ter ajudado a salvar!... Ficaste com a perba mais curta, mas salvaste-te, ao fim de 17 dias em estado de coma!...E valeu a pena, porque eras (e és) um gajo decente, um camarada porreiro, um homem bom!... Parabéns por continuares vivo!... Luís
 
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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 28 de dezembro de 2023> Guiné 61/74 - P25011: Efemérides (424): Há dois anos que partiu o nosso amigo e camarada Jorge Cabral (1944-2021) (Paulo Santiago, Águeda)


(**) Vd. postes de:

13 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22903: Efemérides (361): À uma e meia da tarde, à saída do reordenamento de Nhabijões... Em 13 de janeiro de 1971... Quando o teu relógio parou... (Luís Graça)

24 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20091: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (13): Hoje faz anos, 73, o António Fernando Marques... Porque recordar é viver duas vezes, e blogar é três... Relembramos o fatídico dia, 13/1/1971, em que o PAIGC nos quis mandar para os anjinhos... O meu querido Marquês, sem acento circunflexo, tem filhos, netos, amigos e camaradas que o adoram... E o Mário Mendes, morto de morte matada 16 meses depois... será que alguém ainda o recorda na sua terra natal? (Luís Graça)

14 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12583: Manuscrito(s) (Luís Graça) (17): À uma e meia da tarde quando o relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, no dia 13 de janeiro de 1971... Homenagem a um grande sobrevivente, António Marques

11 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12139: A minha CCAÇ 12 (29): 1 morto e 6 feridos graves em duas minas A/C, no reordenamento de Nhabijões, Bambadinca, em 13/1/1971, aos 20 meses de comissão (Luís Graça)

Vd. também poste de:

Guiné 61/74 - P25064: Por onde andam os nossos fotógrafos? (17): António Murta, ex-alf mil inf MA, 2ª C/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) - Parte II: chegada no T/T Uíge, as primeiras impressões, Spínola em Bolama, início da IAO...


Foto nº 5

Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > 27 de março de 1973, desfile perante o gen Spínola



Foto nº 6

T/T Uíge > 20 de Março de 1973 > Jantar de despedida. "Eu sou o rapaz da esquerda, aí no pequeno corte (...). À minha esquerda  está o Alf Torres da 1.ª CCaç (Buba), e à direita,  com a cara sobreexposta, o Alf Mota da 3.ª CCaç (Aldeia  Formosa). Do outro lado da mesa, dois Alferes do QP (presumivelmente,  SGE). 


Foto nº 7 

T/T Uíge > 20 de Março de 1973 > Jantar de despedida. "Eu sou o rapaz da esquerda, aí no pequeno corte (...). À minha esquerda  está o Alf Torres da 1.ª CCaç (Buba), e à direita,  com a cara sobreexposta, o Alf Mota da 3.ª CCaç. (A. Formosa). Do outro lado da mesa, dois Alferes do QP (sfuramente SGE) 
 


Foto nº 8 

Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama >  CIM > Abril de 1973 – Capitão B. C. (cmdt da 1.ª C/BCAÇ 4513) observa uma granada de RPG 7 (ou 2 ? ). A seu lado, um dos elementos do Grupo de Combate do Marcelino da Mata, "Os Vingadores".


Fotos (e legendas): © António Murta (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1.  Nesta série, "Por onde andam os nossos fotógrafos?",  começámos agora a revisitar, selecionar,  recuperar e reeditar  algumas das melhores fotos do António Murta (de seu nome completo António Manuel Murta Cavaleiro), ex-alf mil indf MA, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) (*). 

Vive na na Figueira da Foz. É autor da notavel série "Cadermos de Memórias do António Murta", de que nos socorremos para enquadrar, melhorar e complementar as legendas. (**)

  
Fotos nºs 6 e 7 > BCAÇ 4513, a caminho do CTIG, a bordo do T/T Uìge


(...) 20 de Março de 1973 (terça-feira) – N/M "Uige", jantar de despedida

Estava quase no fim a viagem e isso era marcado por um jantar de despedida. Não muito diferente dos outros jantares, teve, todavia, algo indefinível que o tornou mais solene. (...) A ementa, impressa a bordo, dizia assim:

"O Capitão de Bandeira, Comandante, Oficiais e restante tripulação do navio apresentam as suas despedidas aos Exmos. Oficiais, assim como a todos os componentes do Contingente Militar desejando muita saúde e as maiores felicidades. Paquete “Uíge”, 20 de Março de 1973"

Seguiam-se as páginas com a lista completa dos oficiais (e sargentos?) a bordo. (Não sei o que me passou pela cabeça para, muitos anos mais tarde, ter digitalizado a capa da ementa e pequenos fragmentos daquela lista e ter destruído todo o resto.) (...)


22 de Março de 1973 (quinta-feira) – Chegada a Bissau

 
(...) Desloquei-me para o outro lado do navio, olho em frente, e lá estava Bissau, ainda distante mas já ali. Eram 9h50 locais, 11h50 de Lisboa. Reparei, ainda, que o resto dos passageiros já devia estar ali na amurada desde manhã cedo a observar. Alguns faziam comentários mas, se calhar a maioria, conjecturava em silêncio. Os rostos, curiosos, eram de ânsia e apreensão.

A cidade de Bissau vista dali do navio parecia muito rasa de edifícios, e subia ligeiramente a partir do cais. Tudo o mais, quer olhássemos à esquerda ou à direita, parecia uma fita verde quase ao nível das águas, para trás da qual nada mais se via. O navio continuou fundeado ao largo entre a Ilha do Rei e a cidade. 

Todo o dia foi passado a bordo e era suposto aí permanecermos até ao transbordo para as lanchas da Marinha que nos levariam a Bolama, nosso primeiro destino. Mas à noite, já atracados à ponte-cais que liga ao porto propriamente dito, convencemos o comandante do Uíge, com a intervenção influente do cap B. C. – que conhecia Bissau visto ter feito na Guiné o estágio do seu curso de capitão, antes de regressar à Metrópole para se integrar no nosso Batalhão – convencemos o comandante, dizia, a deixar-nos sair para uma pequena exploração e, se possível, beber uns copos.

Eram precisamente 23h55 quando, pela primeira vez, pisei terra africana. Sem prazer nem desprazer, embora com alguma curiosidade. (...)


23 de março de 1972 (sexta feira) - Partida para Bolama

(...) Deitei-me à 1h30 da madrugada (última noite no navio), para me levantar às 3 horas e preparar a saída para Bolama, com os soldados de duas Companhias, a bordo de uma LDG da Marinha. Pelo menos outra se lhe seguiria com o resto das tropas. Saímos de Bissau às 5 horas da madrugada e chegámos a Bolama às 10 horas. Era uma sexta-feira, 23 de Março de 1973. (...)

(...) O que recordo foi a recepção que nos fizeram dezenas de crianças e algumas mulheres, habituadas que estavam a que à sua terra estivessem sempre a chegar novos contingentes, à medida que outros saíam. E zumbiam à volta dos tropas a oferecer os préstimos das lavadeiras que, sabiam, poucos iriam dispensar. Pediam também dinheiro (patacão) de mão estendida. Eram uns safados e umas safadas, muito batidos naqueles contactos, mas muito bonitos e gentis. Foi o primeiro contacto com o calor humano local, a suavizar angústias, medos indefinidos e dúvidas sobre o futuro.

Faltava instalarmo-nos e fazer o reconhecimento da cidade. Um espanto! Como fora possível que uma cidade daquelas, tão pequena e desprezada, tenha sido a capital da Guiné? Só estou a ver uma explicação: em toda a Guiné não havia outra com melhores condições e infra-estruturas para ser a capital da colónia. Até ao desenvolvimento de Bissau. (Ou seria por estar a bom recato das beligerâncias do interior da colónia? Ou para evitar novas ocupações estrangeiras? Em termos de história, isso foi anteontem, em quinhentos anos de presença portuguesa...). Ainda assim, uma avenida – não asfaltada – leva-nos, subindo, a um grande jardim público abandonado, no topo do qual se apresenta o imponente edifício que fora a Administração da colónia. Lateralmente e não muito distante havia o Hotel Turismo, pequeno mas com alguma nobreza, que fora a filial do Banco Nacional Ultramarino inaugurado em 1903 e que, agora, era a Messe de Oficiais.

Para além dos quartéis, havia as escolas, a igreja, a tipografia, o Clube dos Bombeiros com os seus matraquilhos, ping-pong e bar, onde íamos à civil beber uns copos e observar as senhoras brancas, mulheres dos outros oficiais. Junto ao cais, na baixa, havia uma piscina que só utilizei uma vez por receio daquelas águas. Melhor que tudo era o restaurante de portugueses onde, quando era possível, tirávamos a barriga e a alma de misérias.

Esta pequena urbe empoeirada e quente não é nada do que tinha imaginado mas, nas horas amenas dos fins de tarde, dava-me imenso prazer deambular pelas suas ruas quase desertas, apreciando as suas casas coloniais, muito abandonadas, com as sua varandas típicas, e ir descendo até ao cais onde me sentava sozinho a assistir ao pôr-do-sol, imaginando as praias da minha Figueira da Foz. Depois, lembrava-me que estava sentado ao contrário, virado para o canal de Bolama e para o continente, e que à minha esquerda tinha o norte e não o sul, e levantava-me irritado e virava costas. Para mais, dali de frente, de S. João, é que têm partido os mísseis do PAIGC nos ataques à cidade, segundo nos dizem, para susto dos periquitos. Mas, quando podia, voltava lá.

Nesses entardeceres cálidos e perfumados mas cheios de luz, era um espectáculo apreciar os bandos de morcegos, aos milhares, num esvoaçar barulhento e nervoso. Tudo era novidade. E os abutres (jagudis) com o seu ar decrépito nos ramos secos das árvores? Quando escurecia continuavam a ver-se as suas silhuetas, atentas e diligentes, para bem da salubridade da cidade. (...)


Foto nº 5 > Desfile do BCAÇ 4513 perante o gen Spínola


27 de Março de 1973 – (terça-feira)[ou dia 28?] – Chegada do General Spínola
 

Há muito que todo o Batalhão se encontrava em formatura frente ao edifício da Administração, no topo do grande jardim central de Bolama, aguardando a chegada do General. 

(...) Como me tinham prevenido os “velhinhos” de Bolama, com ar de gozo, o discurso que o General faria às tropas, começaria assim: «Conheço-vos a todos! É como se tivesse vindo convosco no barco. Etc., etc.» 

E o General disse-nos do alto da escadaria: «Conheço-vos a todos! É como se tivesse vindo convosco no barco. Também eu sou um soldado como vocês! Etc. etc.».  (...)


21 de abril de 1973 (sábado) – Primeiras mortes

(...) Soube hoje – fim da 2.ª semana de campo – que um alferes que viajou comigo no Uíge, mas que não recordo, e que estava a fazer a IAO no interior da província e não em Bolama, morreu acidentalmente com uma rajada na cabeça. Era de noite e levantou-se para ir urinar. Ao regressar, uma das sentinelas, seu soldado, não o reconheceu. É a versão que corre. 

Ontem, aqui no porto de Bolama, estava também num caixão, dentro de um barco da Marinha, o corpo de um rapaz que morreu nas mesmas circunstâncias. É o medo e a inexperiência a fazerem das suas.

Aqui em Bolama continuamos a estranhar a ausência de um ataque com mísseis do PAIGC a partir de S. João, ali no continente, mesmo em frente a esta parte da ilha. Todos os Batalhões que nos antecederam foram atacados, quase sempre logo após a chegada, com objectivos evidentes. (...)


(Continua)

(Seleção, revisão/fixação de texto, negritos, edição de fotos: LG)

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Notas do editor LG:


(**) Vd. os primeiros postes da série:

16 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14373: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (1): Embarque para a Guiné, 16 de Março de 1973

Guiné 61/74 - P25063: Capas da Ilustração Portuguesa - Parte IX: A caminho de França, a bordo de um vapor britânico... Foto de Joshua Benoliel, o pai do fotojornalismo português





Legenda: "A caminho de França: a bordo de um transporte" ('Cliché': Benoliel)


Capa da "Ilustração Portuguesa", II Série, nº 584, Lisboa, 30 de abril de 1917. Dir lit: José  Joubert Chaves. Edição semanal do jornal O Século. Preço avulso: 12 centavos (ou 0, 12 escudos). 



1. A mobilização de milhares de jovens portugueses para a guerra na Europa, já nos últimos dois anos (1917/18), mas também para África, para defesa das nossas colónias (nomeadamente Angola e Moçambique), suscitou viva comoção e natural interesse tanto por parte população como dos jornais da época. 

É nesta altura que se começa a afirmar o fotojornalismo, de que o Joshua Benoliel foi um dos pioneiros e, reconhecidamente, o maior do seu tempo.  

Temos aqui publicado algumas das fotos dos primeiros meses do embarque das tropas do CEP (Corpo Expedicionário Português), a caminho de França, transportadas por vapores britânicos... Já havia submarinos e a viagem (até Brest, no noroeste da França) não era isenta de riscos...

Treinados em tempo recorde, em Tancos (entre abril e julho de 1916, sob o comando político do então Ministro da Guerra, general Norton de Matos, e a direção operacional do general Fernando Tamagnini de Abreu), os nossos camaradas iam mal equipados para a guerra de trincheiras... E logo em abril de 1917 começaram a morrer os primeiros..."meninos da sua mãe" (como dirá o Fernando Pessoa). (É um dos poemas mais pungentes da nossa literatura: fala-nos não só da guerra e da  irremediável solidão da morte mas também, metaforicamente, da perda da infância, do colo materno, da inocência)

Fernando Pessoa
O MENINO DA SUA MÃE


No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.


s. d.

Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). - 217.
1ª publ. in Contemporânea , 3ª série, nº 1. Lisboa: 1926.

Fonte: Arquivo Pessoa (com a devia vébia,,,)



Reprodução do poema "Menino da Sua Mãe", de Fernando Pessoa. In: "Contemporânea", série nº 3, nº 1, maio de 1926, pág. 47. (Diretor, José Pacheco, 1885-1934. (Fonte: Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa, com a devida vénia...)

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Nota do editor:

Úttimo poste da série > 7 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25043: Capas da Ilustração Portuguesa - Parte VIII: mais um flagrante do fotógrafo Joshua Benoliel, no embarque do CEP para França: a cena tocante de um camarada que escreve, em cima do joelho, um bilhete-postal de despedida, para a família de um outro camarada

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25062: O nosso blogue em números (92): Atingimos os 100 mil comentários... O número médio de comentários por poste, em 2023 (=4,9) é o melhor dos últimos nove anos...

 


Infografia: BlogueLuís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


1. Prosseguindo a nossa "prestação de contas" relativamente à atividade bloguística do ano que agora finda (*) ...

 O número de comentários, em 2023, atingiu um  total de 4900 (limpos de mensagens Spam), o que a dividir por 1089 postes publicados, dá uma  média de 4,9 comentários por poste  (Gráfico nº 9). 


Este valor (4,9)  é o  melhor dos últimos nove anos (só igualado em 2019), significativamente maior  o que do ano de 2022 (3,9).
 
O nosso recorde continua a ser os 6 comentários
, em média, por poste, nos anos de 2011 e 2012 em que publicámos um total de 1756 e 1604 postes, com 11 mil e 10,5 mil comentários, respetivamente... Mas nessa época o controlo do Spam não era tão rigoroso. Hoje há um despiste mais apertado do Spam por parte do nosso servidor, o Blogger. Isto quer dizer, então, que aqueles primeiros anos, de 2010 a 2013 não devem servir de referência.
 

2. Convém, entretanto, lembrar, mais uma vez, que estas "médias", como todas as médias estatísticas, podem ser "enganadoras": 
  • há postes sem um único comentário,
  • a maior parte tem um, dois ou três;
  • s vezes podem ter meia dúzia, ou até 10;
  • outros podem ter, muito excecionalmente, algumas dezenas. 

Tudo depende do tema, do conteúdo, do interesse, do autor, da ilustração fotográfica, etc.

Há, naturalmente, postes mais "polémicos" ou mais "interessantes" ou até mais "apaixonantes" do que outros. Tudo depende do assunto e da sua abordagem. Ou até do autor. Os postes,  com pontos de vista menos "consensuais",  podem originar mais comentários, às vezes "marginais".

Em todo o caso, ler e comentar dá muito trabalho... E nota-se, ao fim destes anos 20 anos a blogar (vamos completá-los em 23/4/2024) todos temos que admitir que há um natural cansaço... E não é fácil arranjar novos autores, leitores  comentadores...

Por outro lado, quem aqui vem, com regularidade, dos quatro cantos do mundo, são antigos combatentes, uma geração em vias de extinção... Mas também gente (jornalistas, investigadores, estudantes, familiares de antigos combatentes, etc.) que se interessam pela guerra da Guiné. no período de 1961 a 1974... Mas que se interessam pela geografia, economia, cartografia, antropologia, história, fotografia, literatura, etc., da Guiné (e, marginalmente, de outros países lusófonos: Cabo Verde, Angola, Moçambique, Timor, et.)

Merecem as nossas palmas (dos editores e dos autores) os nossos leitores que, além de lerem os postes, ainda têm "tempo e pachorra" para os comentar.

3. Recorde-se que qualquer leitor (mesmo não registado no Blogger ou sem conta no Google), pode comentar como "anónimo"... As nossas regras exigem, no entanto, que no final da mensagem deixe o seu nome e apelido (como é conhecido dentro ou fora da Tabanca Grande).

Como "anónimo", o leitor terá sempre que "clicar" na caixa que diz "Não sou um robô"...

O ideal é, pois, usar a conta do Google (basta só criar uma conta, o que é gratuito): quase toda a gente, hoje em dia, tem um endereço de @gmail, por exemplo...

Os comentários dão mais vida, mais pica, mais cor, mais graça, mas também mais pluralismo, mais participação, mais autenticidade, mais verdade,  mais representatividade, ao nosso blogue!... 

E são a prova de que estamos vivos e somos capazes de conviver com as as memórias, as nossas emoções, as nossas contradições, os nossos lutos, os nossos fantasmas, as nossas limitações de informação e conhecimento, etc.!... 

O comentário não precisa de ser extenso e muito elaborado: às vezes basta uma linha, duas, três linhas; 
  • "Gosto do que escreveste";
  • "Concordo em grande parte";
  • "Também passei por isso";
  • "Olha, nunca vi, nem nunca ouvi falar";
  • "Respeito a tua opinião mas não concordo"...

É bom recordar que há um limite de cerca de 4 mil carateres, incluindo espaços, por comentário, qualquer coisa como cerca de página e meia de texto, em formato A4; mas podem desdobrar-se os comentários,  publicando-se uma primeira parte e depois a continuação.De qualquer modo, o Blogger dá essa indicaão quando se excede o limite de carateres.

Por outro lado, uma parte desses comentários pode dar (e tem dado) origem a postes, por iniciativa em geral dos editores mas também, nalguns casos, por sugestão dos autores.

Por outro lado, alguns camaradas nossos continuam a queixar-se de perderem, às vezes, extensos comentários, certamente por terem tocado numa tecla errada... Nestes casos, é preferível escrever o texto, mais extensos,  em
 word, à parte e no fim, fazer "copy & paste"..

É mais seguro. 

Excecionalmente, pode haver um ou outro comentário que não é publicado, mas não se perde, indo parar à caixa do Spam. E nesse caso pode ser recuperado pelos editores. Neste momento não temos uma única mensagem deste tipo!

A caminho de meados do primeiro mês do ano, fazemos os votos para que os nossos leitores continuem a aparecer a comentar os nossos postes. E quem aparecer será sempre bem vindo, desde que dê a cara... e respeite as nossas regras de bom convívio...  

Os autores (e os editores) são os primeiros a agradecer o interesse dos comentadores. Ao fim destes anos todos antigimos os 100 mil comentários, o que é obra!
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25060: O nosso blogue em números (91): Temos esperança que a Guiné-Bissau ultrapasse a China em 2024,... pelo menos em número de visualizações de páginas do nosso blogue!

Guiné 61/74 - P25061: Notas de leitura (1657): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (7) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
No rescaldo da Operação Tridente (1964) o então Comandante-chefe, Brigadeiro Louro de Sousa, decidira a criação de um destacamento numa das pontas da ilha do Como, Cachil. A vida deste destacamento tornou-se intolerável, tais e tantas eram as incursões dos grupos do PAIGC, cuja propaganda fazia alarde daquele "campo fortificado" de onde não se podia sair. O Comandante-chefe Schulz propôs ao Coronel Abecasis uma operação que levasse à erradicação das forças do PAIGC, a Operação Samurai. Foram mobilizados bastantes meios, sabia-se que o PAIGC dispunha de um sistema defensivo forte, como se veio a comprovar, mas os bombardeamentos deixaram os guerrilheiros moralmente em baixo. O que aqui se descreve são os preparativos dos meios aéreos que nela intervieram.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (7)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta


Continuando a dar informações quanto ao armamento de que o PAIGC estava dotado em termos de sistema de defesa antiaérea, na continuação da Operação Estoque, a Força Aérea voltou duas noites depois, dois C-47 aproximaram-se da aldeia de Cassebeche, perto do Sul da ponta da Península de Quitafine. Apesar de o céu estar enevoado, o bombardeiro improvisado foi capaz de localizar e atacar o PAIGC, a despeito da reação antiaérea. Os dois C-47 largaram com sucesso bombas de 800 libras, vieram depois os Fiat e também encontraram uma reação no sistema de defesa antiaéreo, os alvos eram Cassebeche, Cabonepo, Cassacá e Camissorá. Um dos Fiat, pilotado pelo comandante dos Tigres, Tenente Egídio Lopes, regressou da sua missão atingido, era a primeira vez que um Fiat sofria danos em combate na Guiné. Devido à deterioração das condições atmosféricas, incluindo uma cobertura de nuvens até 900 pés, suspenderam-se as operações de dia, em 10 de agosto, mas naquela noite vieram os C-47 e bombardearam Cassebeche e a ilha de Canefaque, apesar da reação do PAIGC. No dia seguinte, os Fiat atacaram quatro outros locais antiaéreos, um Fiat foi forçado a aterragem de emergência no aeródromo de Cufar. A Operação Estoque terminou pelas 12 horas do dia 12 de agosto.

As aeronaves da Zona Aérea tinham feito 34 missões de combate e largaram 6800 libras de bombas e granadas incendiárias contra as posições do sistema antiaéreo do PAIGC, destruindo pelo menos uma metralhadora antiaérea. Mas o mais importante é que os ataques provocaram uma “desorientação moral” entre os guerrilheiros, como observou mais tarde o Coronel Abecasis: “Se não tínhamos destruído o sistema antiaéreo no Quitafine, tínhamos pelo menos provocado uma grande paralisação.”

Esta avaliação revelou-se prematura, uma vez que as chamadas zonas libertadas do Sul e as rotas de infiltração prosseguiram as suas ações; entretanto, o Grupo Operacional 1201 e os Tigres tinham aprendido uma série de lições relativamente ao emprego do Fiat. A Operação Estoque demonstrara a ineficácia dos foguetes de 2,75 polegadas contra as posições inimigas, as equipas do Fiat foram obrigadas a desenvolver outro tipo de perfis de fogo contra alvos precisos.

Apesar dos reversos temporários no Quitafine, o PAIGC continuava a desafiar a FAP noutros locais do Sul da Guiné, próximo da ilha do Como. Do final de agosto e até ao início de novembro de 1966, a guerrilha organizou uma sucessão de grandes ataques contra a guarnição portuguesa que estava no destacamento do Cachil, “o único, último e meio desmoronado bastião das nossas forças na ilha do Como Norte”, como observou o Coronel Abecasis. As forças da guerrilha também intensificaram a sua atividade antiaérea na região, quase derrubando um DO-27 numa missão de reconhecimento diurno. Temendo uma ofensiva da guerrilha mais forte com o intuito de expulsar as tropas portuguesas no Como, Schulz instruiu a Zona Aérea para planear uma resposta, destinada a “forçar o Inimigo a mudar de atitude.”

Para tal, o Coronel Abecasis e a sua equipa gizaram a Operação Samurai que mais tarde o comandante da Zona Aérea descreveu como “a operação mais ousada no teatro da Guiné.”

A Operação Samurai foi totalmente concebida como uma operação da Força Aérea, realizada em duas fases, com um empreendimento da Zona Aérea, primeiro, e depois um batalhão de paraquedistas no terreno. Na primeira fase, a aviação deveria fazer um esforço para atingir o sistema antiaéreo durante 3 dias, começando em 13 de novembro de 1966, para tirar benefício ou vantagem da Lua Nova, envolvia o Grupo Operacional 1201 com a sua frota de 8 Fiats, três C-47 e todos os operacionais T-6 e Alouette III, era a etapa inicial destinada a quebrar a resistência antiaérea. As Operações Resgate e Estoque tinham revelado a necessidade de precisão ao atacar estes alvos, sobretudo o ataque inicial com os C-47. A Operação Samurai devia utilizar o seu material bélico a menos de 4 mil pés, o que era suscetível de os deixar com um considerável risco. Estes ataques incluíam os acampamentos do PAIGC nas localidades de Cauane, Cachide, Cassacá e Caiar, bem como as rotas de abastecimento e de infiltração.

A segunda fase da Operação Samurai envolvia vários helicópteros que largavam as forças paraquedistas nos respetivos objetivos, a missão fundamental destas operações era de busca e destruição na ilha do Como. Estabeleceu-se em Cufar um apoio aéreo para auxiliar a ofensiva terrestre com coordenação em Bissalanca e com um posto de comando avançado em Catió. As aeronaves de serviço para apoiar os paraquedistas incluíam um par de Fiat em alerta terrestre em Bissalanca, um par de T-6 em alerta de 15 em 15 minutos em Cufar, havendo um DO-27 e um Alouette III em Cufar para eventuais evacuações. Ao longo de todas as fases de operação, um PCV DO-27 sobrevoou continuamente a área do objetivo, havia dois T-6 adicionais e um helicanhão em alerta. As aeronaves portuguesas foram também encarregas de operações noturnas de bombardeamento no centro do Como e operações de intervenção diurna noutros lugares da ilha, durante a operação. Assim que se deu por concluída a segunda fase, esperava-se que o Exército assumisse a responsabilidade pela reocupação do Como e pela erradicação de qualquer vestígio da presença do PAIGC. A Operação Samurai foi precedida por um esforço de reconhecimento de uma semana, a partir de 4 de novembro, abrangendo especialmente o Sul e o Oeste da ilha. Os Fiat voaram em missões de reconhecimento fotográfico de baixo nível, usando as suas câmaras de 70 mm para detetar alvos e ameaças, estas câmaras estavam dotadas de imagens de “claridade surpreendente”, segundo o Coronel Abecasis.

Os acampamentos dos rebeldes em São Nicolau e Cauane foram reconhecidos com especial atenção pelo Fiat, enquanto os DO-27 voavam exaustivamente para pesquisar potenciais locais para pouso de helicópteros. Centenas de fotografias aéreas, incluindo imagens panorâmicas e estereoscópicas foram entregues ao recém-criado Centro de Campanha de Exploração Fotográfica em Bissalanca para identificação e análise de alvos em preparação para a próxima ofensiva terrestre. O esforço deste reconhecimento operacional foi elogiado pelo Comando da Zona Aérea por ter produzido informação de “valor extraordinário”. A operação contra os sistemas de defesa antiaérea do PAIGC começou pelas 22 horas do dia 13 de novembro, com bombardeiros noturnos C-47 a atingir a defesa antiaérea do PAIGC. Houve resposta à volta da base Cauane, mas era um fogo defensivo de pouca intensidade, nada comparado com o que se tinha visto nas Operações Resgate e Estoque. O primeiro bombardeamento transportava bombas de 15 e 50 kg, bem como granadas de iluminação de magnésio. Ao longo dos três dias seguintes, os Fiat e T-6 procuraram obter informações para as tropas paraquedistas. De acordo com relatórios das tropas portuguesas e dos prisioneiros do PAIGC, a ação aérea resultou na morte de 6 militantes e 20 desaparecidos, na destruição de “todos os objetivos militares” identificados durante o reconhecimento aéreo e os prisioneiros confessaram ter havido uma grande desmoralização como resultado do bombardeamento noturno.
Objetivos da Operação Estoque, agosto de 1966 (Matthew M. Hurley)
Aviões Fiat dispondo de rockets durante a Operação Estoque (Coleção José Nico)
Comandante dos Tigres, tenente Egídio Lopes (Coleção Egídio Lopes)
Operação Samurai, novembro de 1966 (Matthew M. Hurley, adaptado do relatório da Operação Samurai)

(continua)

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Notas do editor:

Post anterior de 5 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25038: Notas de leitura (1655): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (6) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 8 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25050: Notas de leitura (1656): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25060: O nosso blogue em números (91): Temos esperança que a Guiné-Bissau ultrapasse a China em 2024,... pelo menos em número de visualizações de páginas do nosso blogue!

Figura n.º 2 - Mapa-múndi com a distribuição do número de visualizações de páginas, do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (n=12,8  milhões), desde maio de 2010 a final de 2023.

Fonte: Blogger (2024)

Figura n.º 2 | Gráficos n.ºs 7 e 8 > Principais localizações dos nossos "visitantes" (leia-se:  visualizações de páginas, entre maio de 2010 e o final de 2023): no "Top 10", o destaque vai para Portugal (com 40% do total), seguido dos Estados Unidos da América (24,7%) e o Brasil (4,8%)... 2. mantem-se no essencial.

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


1. Sem falsa modéstia gostamos de (e podemos) dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande"...

A principal origem dos que visitam o nosso blogue, quase dois terços, é Portugal (40%) e os EUA (25%) (Gráfico nº 8)

Segue-se, à distância, com menos de 5% cada, o Brasil, a Alemanha e  a França.  Tudo somado, são quase 80%.

Este perfil não se tem alterado desde 2014, ano em que o Brasil perdeu o 2º segundo lugar para os EUA.  

Os  EUA (que tinham  7,6% do total de visualizações em 31/12/2013), deu então um salto  para os 17,6%). E o Brasil ficou-se pelos 7,8%... Mas Portugal também vindo a perder peso relativo: em 2014 tinha uma "quota" de 48,2%

Há uma explicação: a crescente penetração da Internet em todos os países do mundo...(Veja-se  o crescente peso relativo do "Resto do Mundo", que era de 13,2% em 2015).

No mundo globalizado em que vivemos, somos vistos em muitos lados... Seguem-se por ordem decrescente (com menos de 1%) (entre parênteses indicam-se os números absolutos, em milhares) os seguintes países que aparecem no "Top 20", entre as posições 10 e 19 (no período em referência, junho de 2006 a final de dezembro de 2023),e que constituuem o "resto do mundo" (n=2,1 milhões)(16,4%) do Gráfico nº 8:

10 > Canadá > 78,7 mil
11 > Espanha > 73,5 mil
12 > Ucrânia > 62 mil
13 > Região desconhecida > 58,5 mil
14 > Itália > 56,4 mil
15 > China > 50,6 mil
16 > Guiné-Bissau > 41,4 mil
17 > Países Baixos > 39,4 mil
18 > Irão > 36,5 mil
19 > Hong Kong > 35,9 mil
Outros > 1,59 milhões

Ficamos felizes por saber que , no nosso "Top 20",  estão  3 países lusófonos: Portugal (1º), Brasil (3º) e Guiné-Bissau (16º).

E, nos restantes, há também muitos portugueses e outros falantes da língua portuguesa que seguem ou visualizam, com regularidade, o nosso blogue, nomeadamente nos EUA, França e  Alemanha, sem menosprezar a Suécia, o Reino Unido, o Canadá e a Espanha...

Recorde-se, mais uma vez, que estes números respeitam apenas ao período que vai de maio de 2010 ao final do ano de 2023, ou seja, desde quando passámos a ter o contador do Blogger (ver aba, do lado esquerdo do blogue). Há, portanto, 1,8 milhões de visualizações, que ficam de fora, desde abril de 2004 até abril de 2010.

2. O caso da "nossa" Guiné-Bissau é interessante: 

(i) há dois anos atrás (2021)  estava em 19º lugar,  com 23,5 mil vizualizações; 

(ii) dois anos depois,  sobe 3 lugares, está com um total acumulado de 41,4 mil visualizações...e temos esperança que ultrapasse a China em 2024... (Os valores da China, todavia,  são os mesm0s de 2021, deixou de aparecer nos útimos dois anos,)

Cabo Verde, por sue turno, já não aparece no nosso "top 20", como aconteceu num ano atrás.

Estes números são interessantes, reflectem também a crescente penetração da Internet na nossa "pequena" Guiné Guiné (que, de resto, quadriplicou a sua popukação em 50 anos: de 0,5  para 2 milhões!).

De acordo como quadro a seguir, a Guiné-Bissau passou de 1500 utilizadores da Internet em 2000 para 900 mil em 2021. O grau de penetração da Internet e agora de 44%, ligeiramente superior ao totald e África, mas mesmo assim aquém dos 62% de Cabo Verde.

De qualquer modo, parece poder concluir-se que há mais interesse pelo nosso blogue na Guiné-Bissau do que em Cabo Verde... E seguramente do que na China!

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25049: O nosso blogue em números (90): A pequena Guiné-Bissau vem na lista dos 12 primeiros países onde somos mais vistos, e por pouco não ultrapassava, em 2023, a Suécia (11.º lugar)...