quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22903: Efemérides (361): À uma e meia da tarde, à saída do reordenamento de Nhabijões... Em 13 de janeiro de 1971... Quando o teu relógio parou... (Luís Graça)



Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Da esquerda para a direita, os ex-furriéis milicianos António Fernando  Marques e Luís M. Graça Henriques, da CCAÇ 12 (1969/71), em amena conversa ou talvez disputando amigavelmente o "lugar do morto" (que era ao lado do condutor). Caiarão, ambos, meses mais tarde, em 13/1/1971, com 20 meses de comissão, numa mina A/C, à saída do destacamento de Nhabijões... 

Eu ia no lugar do morto e ele atrás... Eu saí "ileso" da explosão, ele ficou dois anos a recuperar dos graves ferimentos ... Costumamos, todos os anos (, nomeadamente desde que o blogue existe), recordar esta trágica efeméride. Acabei, mesmo agora, de escrever-lhe a seguinte mensagem: "Foi há 51 anos...Felizmente estamos vivos, mesmo com mazelas físicas e/ou psicológicas. Lembro o pobre do nosso sold cond auto Soares , que perdeu a vida nesse dia fatídico... 'Carpe diem', curte a vida com a tua Gina e os teus...Luís"... E ele respondeu-me de imediato: "Muito obrigado pela tua mensagem. Curte também na companhia da Alice e dos teus. Hoje saímos e almoçamos fora. Um grande abraço. Marques".

Foto (e legenda): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



À uma e meia da tarde...

pro Luís Graça


Ao António Fernando Marques, ex-fur mil at inf, 
e à memória do  Manuel da Costa Soares,
ex-soldado condutor auto,
que deixou um filho que nunca verá crescer, 
ambos da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)


Era uma hora e meia da tarde
quando o teu relógio parou,
na estrada de Nhabijões-Bambadinca.


... O sol dos trópicos desintegrou-se,
o céu tornou-se de bronze incandescente,
mil e um pedaços de sol riscaram o ar,
e o  mamute de três toneladas deu um urro de morte,
ao ser projetado sob a lava do vulcão.

Uma súbita explosão,
um trovão que ecoa até ao Mato Cão, a norte...
E depois o silêncio, o silêncio da morte.

...À uma e meia hora da tarde
na estrada de Nhabijões-Bambadinca.


Gritaste:
– Agarrem-se que a viatura vai despenhar-se!
Foste projetado ao lado do condutor,
batendo violentamente
com a cabeça na chapa do tejadilho.
Conseguiste equilibrar-te
dentro do caixão de ferro.
Não vias nada,
e a espessa nuvem de pó, envolvente,
exalava um forte cheiro a enxofre.
Mas ainda conseguiste pensar:
– O ar está rarefeito,
milhões de partículas de pó barrento
bloqueiam-te os pulmões,
vais sufocar dentro desta maldita cabina!

... Foi quando parou o teu relógio,
à uma e meia da tarde
do dia 13 de janeiro de 1971,
à saída do reordenamento de Nhabijões.


… Um curto-circuito ocorreu no teu cérebro,
como se tivesses sido eletrocutado,
ficaste rigidamente colado ao assento,
a G3 entrelaçada nas pernas,
e a estranha sensação
de que a massa encefálica te tinha saltado da caixa craniana.
O olhar vidrado de quem mergulhou 
nas profundezas da terra,
o gélido terror de quem entrou 
num mundo desconhecido,
a antevisão da viagem no barco do barqueiro  
do Rio de Caronte,
o calafrio da morte, 
trespassando o teu corpo da cabeça aos pés.

...À uma e meia da tarde
na estrada Nhabijões-Bambadinca.


Nunca saberás ao certo
quantos segundos se passaram,
mas houve um solução de continuidade,
essa fração de tempo
em que a tua consciência esteve bloqueada,
e os pulmões falharam,
e o sangue gelou,
e o coração parou, de puro terror,
escreve, não tenhas pudor, de puro terror...
até compreenderes que a velha GMC
tinha acionada... uma mina!
– Outra mina, meu Deus!, que horror!
E instintivamente agarraste-te àquela carcaça de mamute,
mal refeito da surpresa de estares vivo.

...À uma e meia da tarde,
à saída do reordenamento de Nhabijões.


Quando saltaste para o chão,
tinhas, sob o olhar aterrado, os destroços duma batalha:
corpos por todo o lado,
juntamente com espingardas, cartucheiras, cantis,
canos de bazuca e de morteiro, granadas de bazuca e de morteiro, 
granadas de mão, dilagramas, 
um rádio, bocados de chapa e de borracha, 
quicos, botas, restos de camuflado,
tudo numa profusão indescritível,
corpos que gemiam, que gritavam, ou que talvez já fossem cadáveres.

...No vulcão de Nhabijões,
a oeste de Bambadinca,
Setor L1, 
Zona Leste,
Teatro Operacional da Guiné,
África subsariana,
Planeta Terra!


– Mortos! Tudo mortos! – gritava-te o puto Umaru,
os braços abertos, o pânico estampado no seu belo rosto de efebo,
menino fula feito soldado,  sem o seu inseparável pequeno cachimbo,
que sempre usava para lhe dar o ar de falso Homem Grande.

E logo ali o Transmissões, o primeiro ferido que reconheceste,
todo encolhido junto ao colosso de ferro amalgamado,
numa postura fetal, de defesa, em estado de choque.

Abeiraste-te depois do comandante da 1ª secção,
teu companheiro de quarto,  o Marques,
o teu querido Marquês sem acento circunflexo, 
como o gostavas de  tratar,
mas ele já não reagia à tua voz
nem às bofetadas que lhe davas no rosto,
o olhar vidrado dos moribundos...
Aparentemente não tinha qualquer fratura exposta
mas de um dos ouvidos, o do lado direito,  corria-lhe um fio de sangue,
um fiozinho,  vermelho e logo negro,
rapidamente oxidado em contacto com o ar.
Procuraste desesperadamente os seus sinais vitais,
mas sua respiração era cada vez mais fraca,
e o pulso escapava-se-te, entre os teus dedos,
como a areia da ampulheta.

Trágica ironia!, um minuto antes,
ao subirem os dois para a viatura,
haviam disputado amigavelmente o 'lugar do morto'.
– Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...

… À uma e meia da tarde de um dia treze,
ao vigésimo mês de Guiné,
em janeiro de 1971.


Acabaste por ser tu a ir para o 'lugar do morto',
ao lado do condutor.
Mas daquela vez, e para sorte tua,
a mina rebentaria sob um dos rodados duplos traseiros 
da GMC, embora do teu lado.
A velha GMC do tempo da Guerra da Coreia,
que gastava cem aos cem...
e que acabava de fazer a inversão de marcha,
de regresso ao quartel, em Bambadinca.

Outra filha de puta de mina,
não detetada pelos nossos picadores,
fora acionada, na berma da estrada,
às portas do reordenamento de Nhabijões,
a coqueluche do comando do batalhão, e do Spínola,
300 moranças para os "turras", diziam os teus soldados fulas!

Porra, camaradas, 
a escassos metros da anterior, já fora da estrada!

… À uma e meia da tarde de um dia 13, 
que nem sequer era sexta-feira 13,
era uma vulgar quarta-feira,
mas foi 13 de azar!


Estavas de piquete, quando duas horas antes 
uma viatura do destacamento acionara uma mina.
Um frágil burrinho, um Unimog 411,
ia buscar o almoço para o pessoal do reordenamento.
O condutor, o Soares, teve morte imediata,
o furriel Fernandes, também da CCAÇ 12,
o alferes sapador Moreira e outro militar,
ambos da CCS do batalhão,
ficaram feridos, com gravidade…

Mas só agora reparaste  
no velho Tenon, no Ussumane, no Sherifo,
mesmo ao teu lado, a teus pés,
sem darem acordo de si.
E ainda no Quecuta, no Cherno e no Samba, teu bazuqueiro,
arrastando-se penosamente sobre os membros superiores,
como lagartos cortados ao meio.

…À uma e meia da tarde
na estrada da morte,
com as palmeiras de Samba Silate
e o Rio Geba ao fundo.


As duas secções que seguiam atrás, na GMC,
tinham sido projetadas pelo vulcão de trotil,
como se fossem cachos de bananas.
Caso se seguisse uma emboscada,
então seria um massacre, pensaste tu!
Tu que eras o único que tinha uma arma na mão,
mas inútil, inoperacional, encravada,
devido ao choque sofrido…
Não deixaste de sentir um calafrio
ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG
e sob o matraquear das 'costureirinhas' e das Kalash.

… Ali, à uma e meia da tarde,
em Nhabijões, na Guiné, longe de Saigão,
'far from the Vietnam'.


Tinhas acabado de fazer o reconhecimento das imediações,
detetando o trilho dos guerrilheiros, até ao rio.
Durante a noite, eles tinham vindo pôr as minas assassinas…
Eles faziam a guerra deles, tão cruel e tão suja como a tua,
e esse trilho, mais fresco, acabava por confundir-se
com os usados pela população de Nhabijões
que, como tu sabias, não morriam de amores pelos "tugas"…
Hoje sabes os seus nomes,
os nomes dos que te montaram as duas minas,
a ti e aos teus:
Mário Mendes, chefe de bigrupo,
e Mário Nancassá, sapador.
Não podes deixar de sentir ódio, 
mais de meio século depois,
por aqueles que te quiseram matar, 
a ti e aos teus camaradas.

Pedes SOS, evacuação Ypsilon,
vais a correr para o heliporto,
sem soro, sem garrotes, sem pensos,
sem maqueiro, sem mala de primeiros socorros,
sem picador, sem arrebenta-minas à tua frente!

...Numa luta desvairada contra o tempo,
na estrada Nhabijões-Bambadinca.


Era possível, entretanto, que houvesse mais minas
pela estrada fora,
anda hesitaste em mandar picar o terreno,
mais alguns metros em redor,
mas não podias perder nem mais um segundo,
para logo seguires, de imediato,
para os helis que aguardavam os feridos mais graves,
no heliporto de Bambadinca.
Mais até do que a solidariedade entre camaradas de guerra,
mais até que a tua amizade pelo Marques,
de repente o que te terá movido,
o que te deu a força anímica dos gigantes,
o que te deu uma raiva imensa de vulcão,
foi o brutal sentimento do absurdo da morte,
do absurdo daquela guerra,
a raiva contra aquela guerra,
na véspera de fazeres 24 anos, dali a dias!...

… À uma e meia da tarde
nessa maldita picada do inferno.


Foi uma corrida louca, aquela, na estrada de Nhabijões,
na fronteira indefinida que separava a vida da morte,
no primeiro Unimog 404 que te apareceu à mão,
e que levava um carregamento letal de feridos,
três deles estavam em estado de coma
e tinham como destino outro inferno,
o hospital de Bissau
os Alouettes III, roncando como o macaréu,
sobre o Geba, largo e medonho,
a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte
aos vinte e poucos anos de idade.

…No dia 13 de Janeiro de 1971,
num dia  13 que nem sequer era sexta-feira,
mas que foi de terrível azar,
às treze e meia da tarde,
quando o teu relógio parou
à saída da grande tabanca de Nhabijões,
finalmente reordenada
e controlada…


Luís Graça, Bambadinca, 13/1/1971 / Madalena, V.N. Gaia, 13/1/2023
[Revisto nesta data, pela "enésima" vez...]

____________

Nota do editor:

Último poste da série > 4 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22876: Efemérides (360): Os 50 anos da Corrida de São Silvestre no Saltinho, 1971/72 (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

11 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Recorde-se aqui o poste P3993, de 7 de março de 2009

7 DE MARÇO DE 2009
Guiné 63/74 - P3993: (Ex)citações (19): Órfãos de guerra: Rogério Soares, aos dois anos, em Nhabijões (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/03/guine-6374-p3993-excitacoes-20-orfaos.html


Comentário do Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo CriptoCCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), a propósito da evocação da morte do Sold Cond Auto Manuel da Costa Soares, em 13 de Janeiro de 1971 , num mina anticarro, à saída do redordenameno e destacamento de Nhabijões (*)

Sobre este assunto, lembrei-me que escrevi no meu diário:

(...) “Existe quem não acredite no destino, mas só quem vive horas como esta, que eu e muitos vivemos, poderá pensar e acreditar na força do destino!

"Pois é, mais uma vez o destino actuou e por sinal num rapaz da minha companhia. Chamava-se Soares, era casado e tinha um filho de dois anos que era, como é natural, todo o seu enlevo.

"Lembro-me que, por vezes, nas nossas horas de ócio e à sombra amiga da caserna, falávamos sobre os mais diversos assuntos e ele, como todos nós, comentava os seus planos futuros e risonhos, para quando chegasse à metrópole, todo ele se ria quando falava no seu Gerinho. Rogério é o nome do seu filho.

"Sim, foi hoje, dia 15 [13] de Janeiro de 1971 que ele faleceu. Amanhã chegará o telegrama aos seus familiares anunciando o triste acontecimento. Que vai ser desses infelizes? “...

"Findo esta narrativa, triste é certo, mas que servirá para que quando mais tarde Itálicoalguém a leia, dê valor ao que sofremos aqui. Valerá a pena?"

Um abraço
GG

Anónimo disse...

Caro Amigo Luís

Pois é, o destino.
Acredita que foi em Mansoa, durante a primeira parte da minha comissão, ou seja, de fins de Fevereiro de 1970 até 31 de Dezembro, que comecei a interrogar-me e a pensar no que ia sucedendo, não só aos outros, como a mim próprio, naquele "inferno". Nunca fui dado a pensamentos filosóficos, mas nessa época, quando sozinho no quarto (sim eu fui um sortudo na maioria do calvário), o sono não vinha face aos acontecimentos "mais marcantes" interrogava-me, porque foi o A e não o B ou os dois, já que estavam lado a lado e por aí fora. Acabei por concluir, na minha modesta opinião, e hoje sou um crente, já que continuei a nalisar o meu percurso de vida, de que ao nascer tem-se o "destino, sina ou a fita do tempo defenida", sem se saber.

És um predestinado para a escrita, a poesia e a sociologia.
Que te recomponhas em breve das tuas mazelas, oxalá que a prótese chegue ráido e fique 100% operacional. Saude para ti e os teus.

Abração

JPicado

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Jorge, és um grande amigo e camarada. Obrigado pela partilha. Não é muito habitual a malta falar olhos nos olhos uns para os outros, partilhar medos, fantasmas, fraquezas, incertezas, angústias... mas também crenças, certezas, valores... E quem não teve medos ?!... Quem não é visitado, ainda hoje, à noite (ou de dia), pelos "pesadelos", os "fantasmas" da guerra ?...

Quem viu camaradas morrerem ou ficarem gravemente feridos a seu lado, tem toda a legimitidade para perguntar (e se perguntar), muitas vezes raiva, com revolta, e até com sentido de culpa: porquê tu, porque não eu ?!...

Não sendo hoje crente (, fui-o até aos 15 anos,), tenho um profundo respeito pelas pessoas, como tu, que o são, e não têm pejo em dizê-lo em público. Mas todos nós, de uma maneira ou doutra, temos um sistema de crenças que nos ajuda a dar um "sentido de coerência" ao nascer, ao viver e ao morrer, ou seja, à nossa "história de vida"... A grande verdade é que o nascimento e a morte são os actos mais solitários da vida... Ninguém pode nascer por nós, nem morrer por nós...

Quanto às minhas mazelas (e o 2021 foi, de facto, um "annus horribilis" para mim, mas não sou muito de me queixar...), tenho esperança de, com mais atraso ou menos atraso, chegue a minha vez para ser operado e recuperar alguma da minha autonomia perdida... Aquele abraço... Luis

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não há uma foto, no nosso blogue, do infortunado Manuel da Costa Soares, ex-sold cond auto, da CCAÇ 12, morto às 11 h da manhã do dia 13 de janeiro de 1971, por uma mina A/C,à saída do reordenamento e destacamento de Nhabijões...

Perguntei ao Adélio Monteiro, de Castro Daire, seu camarada de recruta. Tem uma foto com ele, não do tempo de Guiné, mas da recruta ou instrução de especialidade. Ficou de ma mandar dentro de dias.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não tenho dúvidas que teríamos morrido os dois, eu e o condutor, se a mina tem rebentado à frente.Com o crânio Esmagado contra o teto da cabine da GMC. A cabine era fechada. Não me lembro do nome do condutor, também da CCAÇ 12.

Mário Migueis disse...


Já tive oportunidade de referir que, na altura, me encontrava a estagiar em Bambadinca (Informações), tendo acompanhado todo o movimento dramático que se seguiu ao rebentamento das duas minas anticarro, com as consequências conhecidas (1 morto e vários feridos graves, entre os quais o Marques e o Luís Graça(e isto, logo após os 6 mortos e não sei quantos feridos da operação Abencerragem Candente). O que eu não disse antes foi que, no rescaldo das minas (logo no dia seguinte), e após participar no interrogatório de vários suspeitos de conivência na ação do IN, fui enriquecer a parte prática do meu estágio no pequeno destacamento dos Nhabijões(passei lá uma semana com o alferes Carlão & Ca.).

Hélder Valério disse...

Olá Luís

Ainda dói, não é verdade?
Mas, olha, tu, o Marques que conheço e que me parece ser uma excelente pessoa, calmo, nada exibicionista, e creio que o Moreira (se não estiver a fazer confusão) ainda estão vivos e com alegria de viver.
Estive a ler e a reler o teu poema (revisto pela "enésima" vez...) e não pude evitar transportar-me mentalmente para os ambientes descritos.
Não vivi esses. Não estive diretamente envolvido em situações semelhantes. O mais próximo disso foi na malfadada "operação mabecos" ocorrida a partir de Piche no Carnaval de 1971, mas só vivi isso ao longe, no quartel, mas as angústias, os desesperos, a raiva, a morte e todas as outras coisas estiveram também presentes.
O teu poema é um testemunho (e também homenagem) aos acontecimentos e pessoas envolvidas nesses acontecimentos.

Abraço aos sobreviventes. Honra aos falecidos.

Hélder Sousa

Anónimo disse...

Quando li e reli este poema também eu não pude deixar de lembrar, reviver, sentir... quis até enviar fazer um comentário mas não me vinham palavras para expressar o que sentia. E desisti de o fazer Mas estive agora a ler os comentários a este post e ao seu pungente e doloroso poema . E encontrei no comentário do nosso camarada Hélder Vallério o que eu queria dizer: " Ainda dói , não é verdade?..." Mas não me admiro que ele, mesmo sem ter vivido esses momentos com ele afirma , tenha conseguido expressar o que eu e talvez outros queríamos dizer sem saber como. Pois ele logo a seguir explica :"...vivi isso ao longe, no quartel,... as angústias, os desesperos, a raiva, a morte... e todas as outras coisas estiveram também presente" . De facto a nossa experiência na Guiné não foi nem era só o que nos sucedia a nós pessoalmente; pois eu vivi-os em duas minas e muitas outras experiêcias de combate em que eu pessoal e físicamente estive presente. Mas hoje sinto que os momentos que mais me marcaram não foram os que eu sofri pessoalmente, pois que de todos eles , salvo por uns arranhões e o natural susto que sempre apanhava , deles sempre saí ileso. Os momentos que hoje me lembro com maior dor são aqueles --e muitos foram-- em que vivi as situações de dor e sofrimento de meus camaradas e em que eu desesperadamente nada podia fazer. Diz bem o Hélder :"O teu poema é um testemunho (e também homenagem) aos acontecimentos e pessoas envolvidas nesses acontecimentos"
João Crisóstomo, Nova iorque

José Botelho Colaço disse...

Momento ingrato parou o teu relógio e a vida do soldado condutor Soares, mas o sofrimento dos furrieis Marques e Graça nestas situações quase indefesos, não há palavras que definam a situação, quiz o destino ou a vida que viesse a conhecer pessoalmente e ser amigo de ambos o que só a maldita pandemia teima em nos manter isolados. Abraço.

Anónimo disse...

É mesmo impossível não comungar desse sofrimento, dessa dor que trazes contigo, desde esse 13º dia de Janeiro de 1971. Nenhum de nós relerá esta descrição trágica sem retornar aos momentos e sítios onde cumprimos uma pena, mais do que um dever, numa guerra sem fim, sem préstimo e sem qualquer proveito. Quando falas do Soares, logo me lembro do Mata de Pinhel, morto no dia 10 de Julho de 1972, logo no 13ºdia após a chegada à Guiné, que também tinha deixado uma filha, ainda que no ventre da esposa, que nunca mais teria a felicidade de ver. Ler o que escreves e descreves de modo tão emocionado reconduz-me de novo aos locais onde o sangue dos meus camaradas se derramou, debalde.

Um grande abraço, caro camarada Luís, com votos de te ver de novo apto para todo o serviço.

Carvalho de Mampatá

Anónimo disse...

Luís

Sempre grato para contigo.

É difícil falar do que aconteceu nesse dia e das consequências.

Um grande abraço de amizade.

António Fernando Rodrigues Marques