
Queridos amigos,
Estamos a viver a época das circunscrições civis, a Guiné vive numa angustiante situação económica e financeira, o próprio BNU chegou a proibir as transferências para a metrópole, houve insurreição no território do comando militar dos Balantas, de Nhacra a Jugudul, não foi fácil de sanar, os acontecimentos dos Bijagós exigiram uma expedição militar, com o governador à frente, houve muito tiroteio, mortes e feridos. Excecionalmente, este texto deu lugar a uma série de anúncios que são reveladores do grau de transparência com que o governador agia, era meticuloso na análise dos dossiês, comprova-se com o despacho que ele elaborou sobre a situação dos médicos na Guiné, era igualmente um governador que acompanhava as situações do abastecimento interno, e por isso aqui se mostra a sua decisão de impedir temporariamente a exportação de arroz, para que não faltasse este alimento básico à população.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, continuamos na era do governador Velez Caroço (39)
Mário Beja Santos
O governador Vellez Caroço também se distinguiu e singularizou pela forma como comunicava com os cidadãos. Nenhum outro governador fez publicar com tanta minúcia os relatórios das operações ou explicar cabalmente os motivos que as empreendia. Vimos em texto anterior como se pauta pelo rigor e tratamento de equidade nos casos de infrações, desleixos e sanções de todo o tipo quer na administração civil quer na administração militar. Vamos começar por ver as imagens e comentá-las de acontecimentos passados em 1924, a Guiné vive ainda sequelas da Primeira Guerra Mundial, cresceu o número daqueles que pedem concessões, há sociedades agrícolas em plena atividade (embora com vida precária, como a Estrela de Farim ou a Sociedade Agrícola do Gambiel). O destaque do ano vai para os acontecimentos militares e mostra-se o teor de um despacho que tem a ver com o cuidado que o governador punha nos serviços de saúde.
Tenente-coronel Vellez Caroço
Anúncio da declaração de estado de sítio na região de Nhacra por desobediência de Balantas
Anúncio da manutenção de estado de sítio em território de Balantas e nomeação de um oficial averiguante assumindo o comando militar dos BalantasUma amostra de como o governador cuidava do abastecimento interno, estava atento aos preços do arroz, por isso decretou a exportação desse alimento até ver a normalização de transportes marítimos.
No Boletim Oficial n.º 25, de 26 de junho, publica-se um despacho do governador, que reza o seguinte:
“Não concordo com o parecer do Conselho de Saúde e Higiene na parte referente a considerar mais importante e de necessidade mais instante a colocação de um médico em Cacheu, do que prover o importante centro comercial, que é Bissau, com uma população tanto indígena como europeia maior do que Bolama e com tendências pronunciadas com rápido crescimento dos recursos clínicos reclamados pelo seu comércio e Câmara Municipal. De há muito venho reconhecendo essa necessidade e sempre considerei a cidade de Bissau como sendo a povoação da Guiné que melhor e mais urgentemente precisa ser dotada de um bom hospital com todos os melhoramentos que se encontram em outras colónias nossas, apesar de estarem em piores condições financeiras do que a Guiné, e por consequência, com os respetivos serviços médicos. A necessidade dos dois médicos em Bissau, quando não tivesse outros argumentos que a defendesse, bastava a circunstância providenciada de importantes lucros auferidos pelos que ali têm feito e fazem serviço, para plenamente a justificar. É incontestável que mesmo com dois médicos, o serviço clínico de Bissau é remunerado por forma tal que qualquer dos médicos fica com lucros superiores ao chefe e subchefe dos serviços de saúde da província.
Cacheu está há muito tempo sem médico, assim como o estão outros centros importantes e mais populosos da Guiné. Esse inconveniente está hoje, até certo ponto, compensado com as facilidades que há de comunicações, que permitem socorros médicos rápidos e o transporte de doentes para Bissau, como frequentemente está sucedendo. De resto, folgo bastante em constatar que o Conselho de Saúde e Higiene concorda com a necessidade de haver dois médicos em Bissau, como aliás já está consignado no Regulamento de Saúde, apresentando como único inconveniente para que Bissau seja desde já dotado de assistência clínica por dois médicos a falta que presentemente há de facultativos na província, mas, certamente o Conselho esqueceu que se apresentou recentemente na direção dos serviços de saúde o médico de Cacheu, o Dr. Sant’Ana Barreto, que muito bem podia voltar ao seu antigo lugar, visto que a Saúde considera tão imperiosa a necessidade de haver médico em Cacheu (e assim será se essa necessidade se confirmar) sendo dispensável o provimento desde já de diretor, interino, do Laboratório Central de Análises, pois esse cargo está desocupado há pelo menos quatro anos, embora oficialmente constasse que estava a cargo do sr. chefe dos Serviços de Saúde. Não há, pois, razão para deixar de atender as justas pretensões de Bissau, tendo chegado agora a oportunidade de restabelecer um pouco o equilíbrio de interesses dos médicos do quadro da Guiné, reduzindo aos limites do razoável a ucharia de Bissau, que tantos dissabores tem causados aos governadores da província pela luta de interesses que sempre provoca quando se lhe pretende bulir.
O Governador tem de orientar-se pelo bem geral ou interesses e comodidades do maior número, embora tenha de ir ferir interesses e necessidades, aliás ainda não criadas, do ilustre facultativo que é agora chamado a chefiar a secção médica de Bissau e por quem tem a maior consideração. Os outros pontos da província, e especialmente Cacheu, terão médico quando a Guiné tiver o seu quadro de saúde completo. Bolama terá dois médicos, Bissau terá dois. Cumpre-se assim o que está estabelecido no Regulamento de Saúde. É o que em última análise determino; indo para Bissau o Dr. José Vitorino Pinto e ficando ali fazendo serviço o Dr. Brandão que já lá se encontra e tem prestado serviços clínicos em Bissau a contento de toda a população. O Dr. Sant’Ana Barreto, se o sr. chefe dos serviços de saúde entender que os seus serviços são mais necessários em Bolama, poderá aqui continuar como diretor interino do Laboratório de Análises.”
Novo ciclo de rebeliões nos Bijagós, Canhabaque atacou à mão armada as forças do destacamento, o governador anuncia estado de sitio
Ficou na História com o nome Golpe dos Generais, Filomeno da Câmara pertencia à Cruzada Nun’Álvares, caminhamos passo a passo para o 28 de maio de 1926
Anúncio de que as operações em Canhabaque tiveram sucesso
Novo Governo, os Governos duram cada vez menos em Lisboa, os militares estão plenamente descontentes e começou a sua aliança com as forças conservadorasUm dos problemas mais graves da economia guineense, havendo mesmo paralisação da economia, de tal modo que nem os funcionários públicos podiam transferir dinheiro para a metrópole, era resultado dessa suspensão do BNU, pelo que o governador autoriza as firmas comerciais a título provisório a fazer livremente transferências de dinheiro para a metrópole.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 4 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26881: Historiografia da presença portuguesa em África (484): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1922 para 1923, é a era do governador Vellez Caroço (38) (Mário Beja Santos)