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segunda-feira, 28 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27062: Notas de leitura (1824): Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
É no seu segundo volume de memórias que Almeida Santos nos dá a sua visão de como se processou a descolonização da Guiné-Bissau: apresenta a evolução do conflito e como este, gradualmente, se nos tornou mais desfavorável; a obstinação de Marcello Caetano em travar qualquer forma de negociação para entendimentos políticos com o PAIGC; os conflitos de Spínola consigo próprio, depois do 25 de Abril, em sonhar com uma base federativa, quando tudo se alterara em profundidade na cena internacional; a sequência das rondas de negociações, a essência do protocolo do Acordo de Argel, como se processou a descolonização económica da Guiné, defendendo o autor que o Acordo de Argel foi o acordo possível nas circunstâncias que teve de ser negociado. Ambos os dois volumes, que somam mais de mil páginas são credores da nossa leitura, é do melhor que há na literatura memorial política, Almeida Santos foi um notável plumitivo.

Um abraço do
Mário



Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (2)

Mário Beja Santos

Em 2006, Casa das Letras/Editorial de Notícias e Círculo de Leitores deram à estampa as mais de mil páginas das memórias de Almeida Santos centradas na sua vida em Moçambique, o seu olhar sobre o processo colonial e as suas causas remotas, como se chegou ao 25 de Abril, a sua intervenção direta em sucessivos governos, a evolução do processo revolucionário, ponto em que se encontrava a guerra da Guiné e a leitura internacional que se fazia do conhecimento da independência da antiga colónia, isto matéria que ele versa no primeiro volume; a obra seguinte inicia-se com a descolonização da Guiné e prossegue com a narrativa de diferentes descolonizações até se chegar à frustrada descolonização de Timor e à não descolonização de Macau.

Do primeiro volume, uma preocupação de situar o oposicionista do Estado Novo em Moçambique e a leitura que ele fez de um processo colonialista que por decisão do líder do Estado Novo se foi encaminhando para um beco sem saída. O segundo volume das memórias de Almeida Santos enunciação exatamente com a descolonização da Guiné-Bissau, é em todo este enquadramento que vamos centrar o que, na nossa ótica, é merecedor da atenção do leitor.

O político reconhece que a guerra estava de antemão perdida, logo havia razões objetivas para isso, as condições difíceis do clima, favoráveis à guerrilha, os apoios dos Estados da vizinhança e o gradual fornecimento de melhor armamento que o nosso por parte dos amigos do PAIGC; a diminuta população portuguesa; a qualificada liderança cabo-verdiana e uma estratégia bem delineada que permitiu bastante sucesso logo em 1963; Spínola tenta uma inversão dos acontecimentos, tem um programa que procura preencher três fundamentais requisitos: corresponder às legítimas ambições do povo; promover a justiça social e a igualdade de todos os cidadãos e criar o mais depressa possível o progresso económico e social.

Reuniu-se com os comandantes militares e apresentou-lhes este novo conceito:
“Uma guerra subversiva nunca estã ganha, nem nunca se ganha militarmente, só é possível ganhar politicamente. Portanto, eu não vos vou pedir que ganhem a guerra, porque vocês não a têm capacidade para a ganhar. Quem tem de ganhar a guerra sou eu. A vocês só vos peço que não me percam a guerra e que me deem tempo para eu conseguir ganhá-la politicamente.”

O general procura dar um novo estímulo às operações militares, continuaram os bombardeamentos, aumentaram os efetivos, acelerou-se a africanização da guerra, mas o PAIGC passou a possuir instrumentos que alteraram a correlação de forças. E quando o Governo de Lisboa solicitou aos seus aliados antídoto que contrariasse os mísseis terra-ar, não obteve resposta, ela chegará em cima do 25 de Abril. Ainda num quadro de equilíbrio de forças, Spínola tenta negociar a mediação de Senghor, Marcello Caetano desautoriza Spínola a efetuar conversações quer com o presidente do Senegal e efetuar negociações diretas com o PAIGC. Adensava-se o fantasma da Índia, crucificar os militares pelo previsível desastre.

A partir dos inícios de 1970, a PIDE vai informando Lisboa de que há um processo evolutivo da guerra, entravam viaturas no terreno da colónia, a guerrilha tinha cada vez maior quantidade de material. Fragoso Allas escreve para a direção-geral da PIDE:
“Praticamente perdemos a vantagem da Força Aérea e não dispomos de meios aéreos que possam constituir força de dissuasão, ou que nos permitam castigar duramente as bases de apoio. Temos de encarar como possível que o PAIGC venha, em curto prazo de tempo, a estabelecer novas áreas libertadas, a dificultar ou impedir o tráfego aéreo e até mesmo a aniquilar algumas guarnições que agora passam a não poder contar com o apoio aéreo para as defender, evacuar os feridos ou reabastecer.”
E havia manifestações claras que a guerra tinha passado de subversiva a convencional. Spínola escreve assim uma cunha de que se caminhava para o colapso militar.

No passado, em novembro de 1970, ocorrera a operação Mar Verde, um falhanço que trouxe ainda um maior isolamento diplomático. Quando, em 28 de abril, Spínola mandou a Paris Carlos Fabião e Nunes Barata para se avistar com Senghor, este disse-lhes que era tarde para a retoma das anteriores tentativas de uma descolonização negociada a tempo. Spínola não aceitou essa evidência, mantinha a ilusão de uma base federativa. Em 13 de maio, o PAIGC declarava que o fim da guerra dependia do reconhecimento por Portugal da República da Guiné-Bissau, posição que não viria a ter recuo.

Almeida Santos escreve as etapas da descolonização da Guiné: o encontro em Dacar, as declarações politicas do PAIGC, o encontro de Londres, onde pairou no ar os espectro da continuação da guerra por parte do PAIGC, as tentativas de Spínola para que houvesse um congresso do povo para reconhecer a independência da Guiné-Bissau, Carlos Fabião fez-lhe ver que esse projeto passa a ser inviável; a ronda de negociações em Argel, o mais que se consegue é a aceitação formal das descolonizações da Guiné e Cabo Verde; em julho, já há conversações entre as tropas portuguesas na Guiné e o PAIGC; em 26 de agosto chega-se ao Acordo de Argel, assinado vinculativamente pelas duas delegações, ratificado pela Junta de Salvação Nacional, pelo Governo provisório e pelo Presidente da República. O autor recorda a fragilidade dos laços entre os dirigentes cabo-verdianos e guinéus, como tudo se encaminhou para o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980.

Não deixa de fazer referência à delicada matéria dos fuzilamentos, fala sem peias de um barbarismo repugnante, os Comandos começaram por exigir dinheiro para entregar as armas, foram aliciados pelo PAIGC, Carlos Fabião insistiu em que viessem para Lisboa, mas quase ninguém quis vir na altura. Este fuzilamento sumário semeou o ódio entre guinéus, ferida que ainda não sarou.

E por fim, Almeida Santos tece considerações sobre a descolonização económica da Guiné, fala do conjunto de problemas que se impunha encarar e resolver, isto ainda numa atmosfera em Bissau onde havia relações em Bissau claramente deterioradas, greves que paralisavam o reabastecimento da Guiné; não eram poucos os problemas de intendência, caso das ligações aéreas, um subsídio para aquisição de arroz, discutir o futuro das ligações marítimas entre Portugal e Guiné, o futuro de empresas como a Sacor, o tratamento a dar à sucursal do Banco de Portugal e à delegação do Banco Nacional Ultramarino, etc., etc.

Porque não correu melhor esta descolonização? Primeiro, a obstinação do Estado Novo a recusar qualquer tipo de negociações; o domínio do PAIGC no sul do território e a sua fixação num conjunto de santuários; manifestamente depois de 1973, a guerra tinha ultrapassado o limite, já se agia como se estivesse numa guerra convencional, a situação invertera-se, agora eram os militares portugueses a criar obstáculos de toda a ordem para que os guerrilheiros não chegassem aos quartéis. E havia a questão de memória, o lastro de ressentimento histórico, os séculos de tráfico de escravos, o fardo do trabalho forçado, a gestão económica confiada à CUF e à Casa Gouveia, a autonomização da Guiné face a Cabo Verde em 1879. E Almeida Santos escreve:
“Tenho perfeita consciência que nos limitámos em fazer um número histórico consistente em confirmar o já confirmado, e em autenticar o que por outro havia já autenticado. Fomos nós os escolhidos para aceitar a derrota na frente militar da Guiné e para, sem honra, mas também se humilhação, negociarmos a paz. O Acordo de Argel foi o acordo possível nas circunstâncias que teve de ser negociado. As fórmulas usadas não foram tão vexatórias como podiam ter sido. A verdade é que não estávamos em condições de fazer exigências que os nossos interlocutores não quisessem aceitar. Termos conseguido autonomizar a descolonização da Guiné da de Cabo Verde foi um resultado positivo. Termos afastado a semântica de um ajuste de contas, foi outro. Pelo contrário: a linguagem do respeito, e até do afeto recíproco, não ficou de fora do texto do Acordo.”

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Notas do editor

Vd. post de 21 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27041: Notas de leitura (1821): Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 25 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27053: Notas de leitura (1823): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 3 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27048: Recortes de imprensa (146): Suécia, Guiné-Bissau e Cabo Verde: já não vale a pena corrigir os jornalistas portugueses: o PAIGC nunca declarou a independência em Madina do Boé nem nunca teve 400 mil habitantes nas "zonas libertadas" - Parte I

 

Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro, 2ª Classe, Autor desconhecido. Amílcar Cabral, que passou a visitar regulamente a Suécia, a partir de finais de 1968, era visto pelos seus admiradores suecos como ”um mestre da diplomacia [...], uma pessoa notável e uma grande figura internacional, que era portador de uma mensagem extremamente positiva”.

"O Partido Social-Democrata e a Liga da Juventude Social-Democrata, da Suécia, recolheram fundos para a produção, no final dos anos sessenta, por parte do PAIGC, dos primeiros manuais escolares em português.

"O primeiro livro (PAIGC: O Nosso Livro: 1ª Classe) foi impresso em 1970 pela Wretmans Boktryckeri em Uppsala, com uma tiragem de 20.000 exemplares. Nesse mesmo ano a Wretmans publicou O Nosso Livro: 2ª Classe, com uma tiragem de 25.000 exemplares.

"Ao lado do nome da editora, na capa do segundo livro, dizia-se que o livro era publicado pelo PAIGC nas zonas libertadas da Guiné." 

(Fonte: Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, pág. 152)




Capa do Livro da 1ª Classe do PAIGC... Um menino escreve no quadro preto: "Amo a minha Terra" | "3 + 2 = 5" | "P. A. I. G. C. "... 

Exemplar capturado pelo nosso camarada Manuel Maia no Cantanhez, possivelmente em finais de 1972 ou princípios de 1973. Vê-se que esse exemplar tinha uso. A capa teve de ser reforçada com uns improvisados adesivos (aparentemente autocolantes, que acompanhavam embalagens de apoio humanitário, vindas do exterior).  

Sabe-se que  foram impressos, na Suécia, 20.000 exemplares deste livro,  numa primeira edição. "Neste mesmo dia apanhei ainda duas cartas, uma escrita em árabe e outra em crioulo", diz-nos o nosso camarada Manuel Maia, ex-fur mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissau Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74).

Foto (e legenda): © Manuel Maia (2009).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Referência > João Diogo Correia (jornalista) na Suécia > "O aliado nórdico que ajudou a mudar o destino de Cabo Verde". Expresso, semanário, nº 2749, 4/7/2025, Revista (*)


Os 50 anos da independência de Cabo Verde foram um pretexto para o semanário Expresso, publicação prestigiada da nossa imprensa,  recordar o papel da Suécia que, "sem laços históricos nem afinidades culturais óbvias, (...) se tornou  um dos principais aliados das lutas de independência das ex-colónias portuguesas", com destaque para o apoio ao PAIGC.

Com o fim da guerra do Vietname e no rescaldo do Maio de 68 em Paris, a juventude sueca, universitária, mais politizada,  virou-se para a África e começou a gritar palavras de ordem como “Portugal ut ur Afrika” (“Portugal fora de África”). Sem saber onde ficava Portugal nem muito menos a Guiné portuguesa, os jovens suecos agarraram e abraçaram a causa do anticolonislianismo e da luta contra o "apartheid". 

Portugal era, em África, o último avatar do colonialismo europeu em África. A Suécia, mesmo com  tradição imperial e colonial (que o digam os "sami" e outros "vizinhos"...), não tinha "interesses" em África... 

Por outro lado, "país neutro", queria mostrar-se equidistante tanto em relação ao "imperialismo americano" (e aos demais "membros da NATO"), como ao "imperialismo soviético" e aos seus "satélites do pacto de Varsóvia". 

O mundo, desgraçadamente, estava polarizado, em plena guerra fria. Portugal era um estorvo, uma sucata da História. E a Suécia, pondo-se em bicos de pés,  podia fazer o papel de fiel da balança entre dois mundos em confronto.

 Os suecos, alardeando então o melhor do capitalismo e da social-democracia, gozavam com Portugal, país em vias de desenvolvimento, membro da EFTA (Associação do Comércio Livre), parceiro comercial da Suécia (!), mas com um império anacrónico e desmesurado para a sua capacidade política, militar, demográfica, financeira e económica:

  •  1/4 da área da Suécia; 
  • menos de 9  milhões de habitantes;
  • uma colônia como Angola que era “duas vezes o tamanho da Suécia”, com 6 milhões de habitantes, dos quais apenas 500 mil europeus;
  •  Guiné-Bissau e Cabo Verde, juntas, com um população de 830 mil habitantes,  dos quais apenas 6 mil  europeus (7,2%)

Upsalla, a Coimbra sueca,  onde se situava  a mais antiga universidade na Escandinávia, fundada em 1477, tornou-se então um dos principais centros do ativismo contra o colonialismo e o "apartheid". Em Upsalla tinha sede o Afrikagrupperna (Grupos África da Suécia) e o NAI (The Nordic Africa Institute).

A ida de Amílcar Cabral à Suécia em 1969 foi um dos momentos-chave. O Partido Social-Democrata (SAP), membro da Internacional Socialista, governava o país quase ininterruptamente desde entre 1932 (e até 1976). 

O jornalista, João Diogo Correia (JDC), autor do artigo supracitado, diz de Olof Palm (OL):

(...) figura central da social-democracia europeia, que aliava rebeldia, ao marchar ao lado do embaixador do Vietname do Norte em Moscovo, em oposição aberta aos Estados Unidos, com diplomacia e pezinhos de lã, fazendo valer a posição de não alinhado para não chocar de frente com nenhum dos blocos da Guerra Fria"...

 O contexto, económico,  social, político e ideológico, torna-se pois favorável ao apoio (financeiro e humanitário) primeiro da sociedade civil e depois do Estado sueco aos "movimentos de libertação africanos", da Namíbia ao Zimbabué, passando pela África do Sul, na luta pelo fim do 'apartheid', aos territórios sob domínio português. 

JDC cita o livro, já nosso conhecido, “Sweden and National Liberation in Southern Africa” (“A Suécia e a Libertação Nacional na África Austral”), da autoria de  Tor Sellström (TS),  cientista político. (Já reproduzimos largos excertos deste livro, na sua versão portuguesa, em 9 postes da série "Antologia") (**). 

Na altura,  chamámos, logo no início, a atenção para alguns factos e dados que mereciam a nossa contestação ou reparo crítico, nomeadamente quando o autor, o TAS, fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam muito próximas)...

Já apontámos alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico (que iremos retomar em próximo poste):

 (i) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o alegado papel ativo do PAIGC;

 (ii) a batalha do Como;

 (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil habitantes por parte do PAIGC;

 (iv) as escolas, as clínicas de saúde e as lojas do povo nas "áreas libertadas";

 (v) o assassinato de Amílcar Cabral. etc. 

O jornalista JDC cita dados também já nossos conhecidos, relativos ao montante da ajuda sueca : 

(...) "Dos 67,5 milhões de coroas suecas, à época perto de 13,5 milhões de dólares, distribuídas aos movimento de libertação entre os orçamentos de 1969-70 e 1974-75, 45,2 milhões de coroas foram para o Partido da Independência de Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ou seja, dois terços do total. " (...)  (JDC)

Enfim, é de há muito sabido por nós, que a partir de 1969 a Suécia passou a dar uma "ajuda humanitária" (sic) ao PAIGC, substancial, que se prolongou muito para além da independência (da Guiné-Bissau e de Cabo Verde), até meados dos anos 90.  

Citando TS, sabemos que "as exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau".

Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95

Pode então perguntar-se, como o faz JDC:

Porque é que os dois pequenos territórios, a futura Guiné-Bissau e o arquipélago de Cabo Verde, caíram no goto dos suecos ?

 A explicação estaria num conjunto de circunstâncias favoráveis: 

(i) a participação de Amilcar Cabral (AC) no congresso do Partido Social-Democrata (SAP), em setembro de 196;

(ii) a sua ida á Universidade de Uppsala, uns dias depois

(iii) As eleição de OP como  novo secretário-geral do  SAP,  tornando-se primeiro-ministro em 14/10/1969, e sucedendo a Tage Erlander.

JDC socorre-se das memórias de Pierre Schori, "membro do SAP", "um dos mais próximos de Palme, do qual viria a ser conselheiro para a política externa, e figura central desta história com 50 anos": 

(...) “A audiência perguntou ao Amílcar Cabral o que podíamos fazer por eles, e ele disse duas coisas: ‘a vossa própria revolução, porque tudo começa em casa’, e a segunda: ‘precisamos de um livro para que os nossos alunos comecem a ler corretamente’.” (...)

 Já conhecemos  o resto  da história, e fartámo-nos de apanhar, em operações no mato, exemplares do livrinho de capa amarela, impresso na Suécia, em 1970,  “O Nosso Livro, 1ª Classe”.  (Convenhamos que 20 mil cópias era pouco  para as necessidades do PAIGC, que reclamava ter o controlo de 400 mil habitantes (!) nas "áreas libertadas", ou seja, 80 % do total da população, quando o inverso é que era correto: os 20% da quota do PAIGC era obtida com os refugiados nos países vizinhos, Senegal e Guiné -Conacri mais os desgraçados que viviam, mal e porcamente, nas "regiões libertadas", Oio, Cantanhez e pouco mais).

Além do AC, há outro militante do PAIGC que entra nesta história,  o mindelense Onésimo Silveira (OS), que foi aluno de Lars Rudebeck (LR), talvez o académico sueco mais influente neste processo, para além de alguns dos político já citados  (é autor de Guiné-Bissau: A Study of Political Mobilization, Scandinavian Institute of African Studies, Uppsala, 1974).

(Continua)

__________________

Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 14 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26798: Recortes de imprensa (145): José Claudino da Silva (ex-1º cabo cond auto, 3ª C/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/73, nosso grão tabanqueiro nº 756): "O 25 de Abril deu-me voz, deixei de ter medo" (entrevista recente ao jornal "A Verdade", do Marco de Canaveses)... Um camarada que tem um espólio de c. 1800 cartas e aerogramas, escritos e recebidos, durante a comissão.

(**) 17 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24560: Antologia (98): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: O caso da ajuda ao PAIGC – IX (e última) Parte

Vd. em especial > 28 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24510 Antologia (93): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte IV

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27041: Notas de leitura (1821): Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Ínvios são os caminhos de que pesquisa e de quem tem a ambição de arregimentar a documentação mais relevante com a leitura do processo colonial e da descolonização que aconteceu depois do 25 de Abril. O que sempre muito me impressionou em Almeida Santos é a raríssima associação entre o poder da escrita e o vigor discursivo, lembro-o em plena Assembleia da República discorrendo como se tivesse a escrever, possuidor de uma riqueza vocabular incomum, simples e fluente. Não mascara o papel que desempenhou na oposição democrática em Moçambique, e o desempenho histórico que lhe coube na descolonização. Dirá deste primeiro volume, que se lê de um só fôlego: "Esta é a minha verdade sobre o estertor do colonialismo e sobre o dossiê da descolonização; sobre os mais salientes acidentes do processo revolucionário posterior a abril que lhe determinaram o tempo, o modo e o resultado final. Deixo ligados a tudo isso inolvidáveis momentos da minha vida. Nem todos agradáveis. Apesar disso, foi reconfortante recordá-los."

Um abraço do
Mário



Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (1)

Mário Beja Santos

Em 2006, Casa das Letras/Editorial de Notícias e Círculo de Leitores deram à estampa as mais de mil páginas das memórias de Almeida Santos centradas na sua vida em Moçambique, o seu olhar sobre o processo colonial e as suas causas remotas, como se chegou ao 25 de Abril, a sua intervenção direta em sucessivos governos, a evolução do processo revolucionário, ponto em que se encontrava a guerra da Guiné e a leitura internacional que se fazia do conhecimento da independência da antiga colónia, isto matéria que ele versa no primeiro volume; a obra seguinte inicia-se com a descolonização da Guiné e prossegue com a narrativa de diferentes descolonizações até se chegar à frustrada descolonização de Timor e à não descolonização de Macau.

António de Almeida Santos, a opinião é da minha exclusiva lavra, foi o mais eloquente tribuno que passou pela Assembleia da República depois do 25 de Abril, discursava tal como escreve, possui um domínio absoluto da escrita, simples, mas deslumbrante do uso do termo próprio, não faz conceções a qualquer primarismo de juízo, não se furta à análises mais tortuosas.

Lembra o seu encontro com D. Sebastião Soares de Resende, bispo da Beira, uma conversa decisiva, desfiou as suas observações sobre os Direitos Humanos, o trabalho forçado (herdeiro da escravatura), o Estatuto do Indigenato, com o seu cortejo de sujeições, os chibalos, compulsivamente arrebanhados e enviados para as minas do Transval, as palmatoados compulsivas da produção do algodão. “Tudo isso desfilou perante o basbaque que eu era ali, certificado pela clarividência aguada do sentido cristão de justiça daquele sacerdote que falava dos negros como Cristo havia falado dos pobres.” O que o remete para outras lembranças, os negros que Almeida Santos vira a trabalhar em Angola com uma inamovível esfera de ferro ligada por cadeias a um tornozelo, entre outras ignominias; em Moçambique, onde exerceu de 1953 a 1974 advocacia viu de perto como se comportava o Apartheid.

Elenca a obstinação do Estado Novo e do seu líder em recusar os ventos da história, assobiando para o lado com o mundo emergente da Segunda Guerra Mundial, a tentativa fruste de imaginar que estávamos em África há cinco séculos, e como o chamado Império não fosse mesmo desdenhado em obras de grandes escritores, como Eça de Queiroz, e não tivessem havido críticas assanhadas até de administradores coloniais como António Enes e Norton de Matos e denúncias como a que Henrique Galvão fez no seu relatório sobre o trabalho forçado, matéria que Almeida Santos analisa ao detalhe. Homem do Direito, percorre os sistemas jurídicos africanos e revela-nos como o nosso sistema jurídico produzia um choque brutal nos diferentes processos culturais das etnias africanas. Inevitavelmente fala dos nacionalismos, o branco e o negro, recorda que pertenceu ao Grupo dos Democratas de Moçambique, o principal esteio da oposição democrática na colónia, o seu poder assentava nos abaixo-assinados; e não deixa de referir o balão de oxigénio que o regime encontrou no luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, uma tremenda confusão entre desejos e realidades. O autor vai mais longe, disseca as causas remotas até se chegar a 1961, o ano de todos os avisos.

E os movimentos emancipalistas entraram em cena, o Estado Novo indiferente com o que se passava na Argélia ou na Rodésia, o abandono gradual das potências coloniais em África; e os anos do fim com Marcello Caetano, lembra a completa dissonância deste assegurando em discurso a defesa intransigente do Ultramar e procurando, pela porta do cavalo, negociar com o PAIGC, à procura de uma saída política, já que a militar caminhava para o desastre. O regime não tinha solução política, veio o 25 de Abril. O autor disserta sobre a constituição do I Governo provisório, as viagens que fez a África, as notícias que diariamente chegavam dos diferentes teatros de guerra que ninguém queria continuar a combater, como se chegou à Lei 7/77, que abria caminho à autodeterminação das colónias. E explana sobre as determinantes de descolonização, as pressões internacionais, as constantes manifestações em Portugal para pôr termo à guerra colonial e o caso particular da Guiné em que a 1 de julho, numa Assembleia Geral do MFA se exigia que o Governo português reconhecesse imediatamente e sem equívocos a República da Guiné-Bissau.

O autor demora-se a contar a atitude do general Spínola face à descolonização da Guiné. Spínola entrara em conflito consigo mesmo, confrontava-se com a Comissão Coordenadora do MFA e até com o general Costa Gomes. A descolonização da Guiné era para ele um sapo muito difícil de engolir e o autor observa: “Quando partimos para Londres, onde teve lugar a primeira reunião entre a delegação portuguesa e a do PAIGC, o essencial estava definido que era impensável tentar impor ao PAIGC uma consulta popular; impensável deixar de reconhecer o PAIGC como último e legítimo representante do povo da Guiné; impensável recusar o reconhecimento da Guiné-Bissau como novo Estado soberano; impensável seguir outra via que não fosse a da negociação direta entre o Estado português e o PAIGC. Ainda a lei 7/77 não tinha sido publicada e já o comunicado resultante da visita a Lisboa do secretário-geral da ONU, Kurt Waldheim, se situava também no tempo futuro. Mas nem por isso restava a menor dúvida sobre os citados pontos.” Houve discussão acesa entre Spínola e Mário Soares, Spínola negava-se a admitir que era um processo sem retorno, corria-se o risco do PAIGC poder voltar a pegar nas armas, seria para nós a humilhação suprema.

Os rancores de Spínola pelo PAIGC foram exibidos numa sessão protocolar. “No almoço que teve lugar em Belém, a convite do Presidente, na sequência da homologação do acordo de Londres, o Presidente Spínola sentou o comandante Pedro Pires, que no ato representava o PAIGC, do outro lado da mesa, à direta do General Costa Gomes. E sentou à sua direita o embaixador do Brasil. No brinde final, destacou com particular ênfase o mesmo embaixador, a quem ostensivamente intitulou de seu principal convidado. E, sem deixar de saudar o povo da Guiné, bebe à memória dos três oficiais portugueses, emboscados e mortos, quando se dirigiam, desarmados e em missão de paz, ao local de um encontro secreto aprazado com o PAIGC.
Seguiu-se um momento de expectativa tensa. Mas o Comandante Pedro Pires, de seu feitio controlado, ergue por seu turno o cálice, brindou pelo futuro das relações do povo português e o povo da Guiné-Bissau, e de imediato pediu licença para se retirar. Tive assim a oportunidade de assistir à última batalha do General Spínola com o PAIGC. E tirei para mim a conclusão de que é errado pôr quem fez a guerra a negociar a paz!”
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Nota do editor

Último post da série de 18 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27030: Notas de leitura (1820): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) - 3 (Mário Beja Santos)

sábado, 5 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26987: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (8): Luís de Sttau Monteiro (1926-1993), enviado especial do "Diário de Lisboa", à cerimónia da independência em 5 de julho de 1975: "Daqui a três horas, sou estrangeiro"



As duas bandeiras de Cabo Verde: a das ilusões da "unidade" com a Guiné-Bissau (1975-1992) e a atual (desde 1992)...  A mudança de bandeiras não foi consensual...

O último dia duma colónia

por Luís de Sttau Monteiro 

(1926-1993) 










Fonte: Diário de Lisboa, sábado, 5 de julho de 1975, ano 56,. nº 18807, pág, 10 (Inserido no caderno especial "Cabo Verde Ano Um" (com a colaboração de uma equipa de luxo: Fernando Assis Pacheco, Alexandre Oliveira, Eugénio Alves, Luís Stau Monteiro e José A. Salvador). 

Fonte: (1975), "Diário de Lisboa", nº 18807, Ano 55, Sábado, 5 de Julho de 1975, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4405 (2025-7-5)

Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 06823.173.27275 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18807 | Ano: 55 | Data: Sábado, 5 de Julho de 1975 | Directores: Director: António Ruella Ramos; Director Adjunto: José Cardoso Pires | Observações: Inclui supl. "Cabo Verde ano um". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa (com a devida vénia...)

(Seleção de excertos, e fixação do texto: LG)



Luís de Sttau Monteiro
(1926-1993)

1. O jornal "Diário de Lisboa" tinha então como diretor o A. Ruella Ramos e diretor-adjunto o escritor José Cardoso Pires. O Sttau Monteiro foi a Cabo Verde, como "enviado especial",  fazer a cobertura noticiosa da independência do país. 

Filho do embaixador em Londres, Armindo Monteiro, anglófilo e rival de  Salazar que o demitiu em 1943 (tinha sido ministro das colónias e dos negócios estrangeiros na fase inicial do Estado Novo),  Sttau Monteiro foi dos espíritos mais livres do Portugal dessa época. E um dos nossos grandes dramaturgos  do séc. XX, além de  "cronista social" ("As redações  
da  Guidinha", publicadas no "Diário de Lisboa",  nos anos de 1969 e 1970, e entretanto reunidas em livro, em 2003,  já depois da morte do autor, são um monumento, uma delícia, uma referência obrigatória para se compreender melhor o país onde nascemos.)

A crónica que escreveu, há 60 anos, para o jornal, "O último dia de uma colónia", é uma pequena obra-prima de bonomia, bom humor, empatia e ironia, onde não há a mínima concessão ao populismo revolucionários da época. Eis alguns nacos de prosa:
  • "(...) Sinto-me comovido porque isto de assistir ao parto de um país,  é uma epxeriência nova para mim"
  • " (...) Cor ? Que é isso ?"
  • "Há dois bêbados agora, na esplanada, o da água do mar, e um que canta o hino nacional!"
  • "(...) os cabo-verdianos descobriram Portugal"
  • "O que nós, portugueses, poderíamos ter feito nesta terra, por esta gente!"
  • "O que vale é que fazemos parte da festa"
  • "São três da tarde e a cachupa ainda me anda às voltas no estòmago"
  • "Daqui a três horas, sou estrangeiro. Mas... alguma vez serei estrangeiro nesta terra ?".
___________________

Nota do editor:

Último poste da série > 5 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26985: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (7): reportagem do 5 de julho de 1975 - III (e última) Parte (Carlos Filipe Gonçalves)

Guiné 61/74 - P26985: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (7): reportagem do 5 de julho de 1975 - III (e última) Parte (Carlos Filipe Gonçalves)



Foto nº 1 e 1A


Foto nº 2

Na foto (nº 1 e 1A), a presença de um humilde jornalista, que lá estava no acontecimento… e por acaso foi apanhado pela câmara fotográfica… tão discreto, que é preciso uma «seta» para indicar onde estou e se ver o meu perfil inconfundível. 

No Estádio da Várzea, atrás de mim, de pé, com auscultadores, o  Zeca Martins, o operador de som que gravou toda a cerimónia da Proclamação da Independência em 5 de Julho.  A equipa de reportagem da  Rádio Difusão da Guiné – RDN incluía, além do Zeca Martins, o António Óscar Barbosa, "Cancan",  e eu, Carlos Filipe Gonçalves,"Kalú".

Nas fotos 1 e 2, ao canto superior direito, vê-se o 1º ministro de Cabo Verde, Pedro Pires, e o 1º ministro de Portugal, Vasco Gonçalves (1921-2005), chefe do IV Governo Provisório (28 de março - 8 de agosto de 1975).

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo...  (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)"

 
Cabo Verde - Reportagem por Ocasião do 5 de Julho de 1975 - III (e última) Parte  
 
por Carlos Filipe Gonçalves (*)
 

Eis, mais um extrato do meu livro Memórias da Rádio Barlavento, no qual dou a seguinte descrição de como vivemos o dia 5 de Julho de 1975 e do nosso trabalho de repórteres da rádio.

No dia 5 de julho, sábado,  acordámos cedo de uma noite mal dormida. Sem transporte, fizemos a pé com todo o equipamento às costas, o percurso desde o nosso alojamento no bairro da Fazenda ao platô, pela subida íngreme até o local do «mata-bicho». 

O sol já estava quente, chegamos exaustos, molhados em suor. Logo depois, fizemos o percurso, outra vez a pé, até ao Estádio da Várzea, onde chegámos pouco antes das 8 h e 30. Eu estava integrado na equipa da reportagem da RDN - Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau, onde era Chefe de Programação, desde setembro de 1974. 

Logo depois da nossa chegada ao Estádio da Várzea, instalámos o equipamento: um gravador profissional Nagra (que pesa 12 kg!), dois microfones e respectivos tripés, cabos, várias caixas de fita magnética, algumas caixas de pilhas; tínhamos ainda outro gravador portátil da marca Uher.

 Imaginem a malta do cinema com câmaras de filmar, tripés, gravadores Nagra e caixas de filme, tudo muito mais pesado! 

Encontrámos no palanque dos discursos uma floresta de microfones! Enquanto eu e Cancan, fazíamos pequenas entrevistas aos deputados, o Zeca Martins subia e descia ao palanque para encontrar uma melhorar colocação dos nossos microfones. É que vinha um jornalista, tirava o nosso do lugar e metia o dele, depois vinha, outro fazia o mesmo e assim foi uma luta constante. 

Não havia água para se beber (não lembrámos de levar), o sol aquecia cada vez mais, o ar estava irrespirável de tanto calor… Começou o cerimonial, desfiles de Tabanka, organizações de massas etc. etc. Eu e o Cancan, sempre a falar e a descrever, o Zeca ia gravando… 

Começam então discursos e mais discursos! Está um sol de rachar, muitas pessoas não aguentam, há desmaios… Enfim, a troca de bandeiras! Momento de muita emoção, palmas, fracas, é que toda a gente está cansada e exausta. De novo mais discursos!

A cerimónia durou longas horas e quando tudo termina no Estádio da Várzea já depois da uma da tarde, dizem-nos que há uma cerimónia no Palácio no platô. Protestámos, estamos cansados, não vamos conseguir subir a pé ao platô com tanto equipamento! Conseguimos então uma boleia num carro da organização…

 Chegamos ao Palácio, mais discursos e nós a gravar tudo. E finalmente, fomos almoçar, depois das 15 horas, de novo andando a pé com o equipamento!

6 de julho,  domingo, havia uma feira/quermesse no Parque Infantil frente ao Palácio do platô. 

Segunda-feira,  7 de julho, todos os políticos e muitos convidados foram a S. Vicente onde continuam as comemorações da Independência. 

Como não havia lugar nos voos, acabei por ficar na Praia. Parti para Bissau, na terça, dia 8. O material gravado que levámos, a maioria discursos, estava desactualizado, o Tony Tcheca fez então um programa em directo com os nossos testemunhos, daquilo que aconteceu.

Cerca de mês e meio depois, segui em nova viagem para Cabo Verde. Missão: ajudar na organização da rádio na Praia. Faço contactos, decido ficar e sou admitido na Rádio Voz di Povo, onde passei a trabalhar. 

Trouxe comigo de Bissau uma cópia completa de todas as gravações realizadas no 5 de julho de 1975, que vieram a ser a base de vários programas emitidos ao longo dos anos aquando das diversas comemorações, nomeadamente para o 20.º aniversário e o meu programa radiofónico evocativo desse aniversário, seria editado em CD pelo Parlamento, por ocasião do 30.º aniversário. 

Pouco depois da minha chegada à Praia, foi criada no final de setembro de 1975 a Emissora Oficial, onde inicio a carreira e passo a integrar o quadro pessoal.

50 anos depois, estou aposentado. Casado, tenho três filhas (49, 47 e 41 anos de idade), quatro netos (26, 18, 3 anos, neta recém nascida com um mês de meio). Vivi a grande aventura do depois da «Independência»… no que me concerne, já escrevi como vivi e o que se passou na história recente da rádio (livro ainda não publicado) e também já escrevi sobre a história da rádio no antes da Indepedência (um dos livros já publicado, o 2.º à espera de ser editado). 

E para completar, já escrevi o que vi e vivi na Guiné de 1973 a 1975, porque memórias de cabo-verdiano de ambos os lados, na Guiné, antes de depois das Independências, também precisam ser conhecidas. 

Temos o dever apresentar uma visão para muitos dos mais velhos (que lá não estiveram) do que realmente se passou e deixar um legado às novas gerações.

(Revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)
____________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série :


3 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26978: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (6): reportagem do 5 de julho de 1975 - Parte I (Carlos Filipe Gonçalves)

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26978: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (6): reportagem do 5 de julho de 1975 - Parte I (Carlos Filipe Gonçalves)




Cabo Verde > Ilha de santigao > Praia > Sede da Rádio Voz di Povo, no edifício da ex-Rádio Clube de Cabo Verde, ornamentada por ocasião do 5 de Julho de 1975. O escudo de Cabo Verde ficaria ali até 1987! (*)

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



Cabo Verde > Praia > Platô (zona histórica). Cortesia de Voz do Arquipélago (2025)


1. Postagem publicada na página do Facebook de Carlos Filipe Gonçalves | terça, 1 de julho de 2025, 12: 46, bem como na página da Tabanca Grande:




O Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense,  CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)"


Cabo Verde - Reportagem por Ocasião do 5 de Julho de 1975 - Parte I
 
por Carlos Filipe Gonçalves (**)



50 anos depois, venho a saber, dois dias antes e três dias depois das eeições de 30 de junho de 1975, segunda feira, que todas as comunicações telefónicas tinahm sido colocadas à inteira disposição da Comissão Eleitoral. 

Imagino, pois, terá sido esta a causa da maior dificuldade que eu e o colega António Óscar Barbosa encontrámos na reportagem das eleições do dia 30 de junho e da Festa da Proclamação da Independência.

Quando íamos aos CTT justificavam os funcionários ao balcão: há problemas nas ligações telefónicas. Assim, ingloriamente, recorremos à boa vontade de dois «radioamadores», um deles o conhecido Hilário Brito. Mas, em vão… Ninguém respondia do outro lado…. Desistimos!

Proponho a continuação das minhas memórias nesses dias, hoje históricos para Cabo Verde.

Na terça-feira, dia 1 de julho, à tarde apanhei o voo para a Praia, onde vou encontrar os colegas da rádio de Bissau, Cancan e Zeca Martins e a malta do cinema que está encarregue de filmar todos os acontecimentos.

A missão agora é a reportagem do dia 5 de julho, no próximo sábado. Foi um dos maiores desafios que tive como profissional! 

O platô da cidade da Praia [ zona histórica ] está abarrotado de gente! No aeroporto é um chegar constante de aviões, que trazem delegações e personalidades estrangeiras que vêm assistir ao acontecimento; chegam dezenas e dezenas de jornalistas que vêm fazer a cobertura do evento.

A sede do PAIGC  
[na Av Amílcar Cabral], ali em frente da Praça, é para esse ponto que convergem todas as pessoas, há pequenos grupos, conversas, gargalhadas, a esplanada da praça está repleta. O ambiente é de expectativa, ao mesmo tempo, tenso. Sente-se que para trás ficaram os acontecimentos dolorosos que ocorreram desde há um ano e tal. A conversa do momento gira sempre à volta do alojamento, a pousada de 12 quartos na Prainha está esgotada, assim como todas as três e únicas pensões da cidade!

Algumas casas de «colonialistas/fascistas» na Prainha, agora nacionalizadas, servem para alojar personalidades mais importantes a nível do protocolo! Os menos importantes são alojados em camaratas improvisadas, no edifício de repartições na Ponta Belém, sedes dos serviços da Agricultura e Obras Públicas. Há ainda casas particulares nos arredores, Achadinha e Fazenda, que acolhem pessoal jornalista e outro. Foi o nosso caso. Para comer, há uma «messe» instalada ali na Rua Sá da Bandeira, numa cave de um edifício.

Motivos de reportagem e notícias, há muitos, mas passamos o resto dos dias a conversar e andar por aí, temos muito material gravado, mas não fazíamos notícias nem escrevíamos nada, pois o contacto com Bissau é impossível, não há linha telefónica disponível!

O António Óscar Barbosa lembra-se das dificuldades: 

“Nós até recorremos a rádios amadores! Lembras? Para transmitir as nossas reportagens!” 

E conta o que se passou na Praia:

 “Havia um senhor, o Hilário (Brito) … ele e outro senhor… Ângelo Mendes! Eram radioamadores doentes… tinham tudo… Nós íamos lá… e em Bissau, estava o Rendall, ele era chamado… tudo o que nós gravámos, saiu, não em condições, mas deu a entender o que se estava a passar…”

(Continua)

(Revisão / fixação de  texto, título: LG)

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Notas do editor LG:

(*) O que queria dizer a  sigla J. C.E., ao cimo da entrada do edifício ? Ao alto o brasão do PAIGC. Lateralmente, três cartazes com as figuras de Amílcar Cabarl, 'Che' (Guevara) e N'krumah. 

Não encontrámos resposta (verosímel) para a pergunta na consulta da Net, nem com a ajuda da IA (u  dos assistentes disse que era...a Juventude Católica Estudantil. 

O Rádio Clube de Cabo Verde era  a estação de rádio existente durante o período colonial, fundada na Praia em 1945.  Com a independência de Cabo Verde em 1975, a Rádio Clube de Cabo Verde foi rebatizada; passou a chamar-se  Rádio Voz di Cabo Verde, tornando-se a rádio nacional do país.

"Unidade, Trabalho e Progresso" era o lema do PAIGC... Foi alterado em 1980, em Cabo Verde. depois do golpe de Estado na Guiné-Bissau, liderado em Bissau por 'Nino' Vieira, e que depôs o presidente Luís Cabral, meio-irmão do Amílcar Cabral, filhos do mesmo pai (cabo-verdiano). A liderança cabo-verdiana do Partido considerou o golpe um ato de traição à causa da unidade Guiné-Bissau / Cabo Verde. Em 1981, seria fundado o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV). O lema do partido em Cabo Verde foi então alterado para "Unidade e Luta".

O edifício na imagem exibe características que são próprias do estilo Arte Deco (estrutura angular,  elementos decorativos geométricos, linhas horizontais das varandas ou saliências).  Não sabemos a data. Possivelmente anos 30/40.

 
(**) Último poste da série > 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26973: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (5): em 30 de junho de 1975, vindo de Bissau, eu fazia a reportagem das primeiras eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular (Carlos Filipe Gonçalves)

terça-feira, 1 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26973: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (5): em 30 de junho de 1975, vindo de Bissau, eu fazia a reportagem das primeiras eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular (Carlos Filipe Gonçalves)







Cabo Verde > Ilha do Sal > Aeroporto > 28 de junho de 1975 > Há 50 anos eu fazia a reportagem das eleições em Cabo Verde,  em 30 de junho de 1975. Na foto a chegada da equipa da comunicação social da Guiné-Bissau à Ilha do Sal, no sábado 28 de junho de 1975. Da esquerda para direita: 

  • Flora Gomes e Sana Nahada (operadores-câmara filmar); 
  • António Óscar Barbosa (Cancan) (#)  e Carlos F. Gonçalves (jornalistas);
  • Agostinho (fotógrafo).

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves 2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
.




O Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense,  CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)".

 


1. Postagem publicada na página do Facebook de  Carlos Filipe Gonçalves | segunda, 30 de junho de 2025, 12: 32, bem como na página da Tabanca Grande:



Eis um extrato do meu livro sobre a Rádio Barlavento, no qual descrevo esse dia e a reportagem no dia da eleições (*):

(...) Em junho de 1975 fui indicado para integrar a equipa de reportagem da Rádio Difusão Nacional da Guiné (RDN) que se deslocou a Cabo Verde para cobertura das festividades da Proclamação da Independência. (##)

Viajei integrado na equipa de reportagem que acompanhou a delegação da Guiné que era chefiada pelo comandante Nino. À chegada ao Sal, a malta da rádio,  jornal e cinema foram para a Praia. Fui indicado para ir primeiro a S. Vicente, para cobrir as eleições para a Assembleia Nacional Popular que decorreram na segunda-feira,  30 de junho. Pouco depois de chegar a Mindelo, fui às instalações da rádio, agora Rádio Voz de S. Vicente, nas instalações do Grémio e da antiga Rádio Barlavento.

(….) Na segunda-feira 30 de junho de 1975 faço a reportagem das eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular. Depois de uma volta pelos bairros, onde vi filas enormes de votantes, acabo por entrar na assembleia de voto da Escola Nova. Fui recenseado na hora, inscrito na lista eleitoral, recebi um boletim de voto e votei! 

Escrevo à pressa uma crónica dos acontecimentos que presenciei. Tento depois um contacto com Bissau, para enviar as notícias, mas isso torna-se uma tarefa impossível. Não há facilidades nos CTT, aliás todo o mundo aqui fica espantado com o meu pedido! Enviar reportagem? Isso é uma novidade, perguntam logo, como se faz? Lá expliquei, mas, a nega continuou. 

Quem paga, podia ser o problema, mas não me dizem... Alguém, querendo ajudar, sugeriu e levou-me a um radioamador! Todo solícito e sentindo-se importante, ele disponibiliza-se logo, leva-me ao seu «estúdio» e vai-me dizendo, que ele tem um amigo radioamador em Bissau. Fiquei surpreso! Através da aparelhagem, chama, chama, enunciando o indicativo e siglas próprias… Mas não obtém resposta! Passei lá mais de uma hora… Nada! Desisti.

Na terça-feira, à tarde apanhei o voo para a Praia, onde vou encontrar os colegas da rádio de Bissau, Cancan e Zeca Martins e a malta do cinema que está encarregue de filmar todos os acontecimentos. A missão agora é a reportagem do dia 5 de Julho, no próximo sábado. (…) (**)

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Notas do autor (CFG):

(#) António Óscar Barbosa, conhecido jornalista, passou pelo Emissor Regional da Emissora Nacional em Bissau, Rádio Libertação e Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau. Foi assessor para a comunicação de Luís Cabral e Nino Vieira. Na política, a partir dos anos 1990, desempenhou cargos ministeriais.


(##) O
PAIGC sempre teve,  desde Conacri, uma equipa de operadores de câmara, fotógrafos e operadores de som, que registava todos os acontecimentos. Faziam agora parte dos órgãos de comunicação social.

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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 28 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26964: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (4): Cemitério Central do Mindelo: Talhão dos combatentes portugueses (Nelson Herbert / Luís Graça) - II (e útima) Parte

(**) A 19 de Dezembro de 1974 foi assinado um acordo entre o PAIGC e Portugal, instaurando-se um governo de transição em Cabo Verde. Este mesmo Governo preparou as eleições para uma Assembleia Nacional Popular, realizadas em 30 de junho, e  que em 5 de julho de 1975 proclamou a independência.

Cite-se uma peça recente da agência Inforpress (excertos, com a devida vénia):


(...) Cidade da Praia, 21 Mai (Inforpress) - Os primeiros deputados cabo-verdianos reuniram-se em sessão plenária em 04 de Julho de 1975, véspera da Independência Nacional, no salão da Câmara Municipal da Praia, para constituírem a primeira Assembleia Nacional Popular (ANP), com Isaura Gomes única deputada.

A acta da primeira sessão legislativa da primeira legislatura, consultada pela Inforpress, revela que os 56 deputados eleitos por todos os círculos eleitorais do país reuniram-se pelas 16:30 nos Paços do Concelho da Praia.

Nas listas únicas constavam nomes de dois sacerdotes (...).

A Comissão Eleitoral de então, presidida pelo jurista Raul Querido Varela, funcionou no edifício do Palácio da Justiça.(...)

Foi esta Comissão que, a 03 de Julho de 1975, procedeu ao apuramento geral do resultado das eleições dos deputados à Assembleia Nacional de Cabo Verde.

Este apuramento aconteceu nos termos do disposto nos artigos 102 a 105 da lei eleitoral de Cabo Verde, aprovada pelo decreto-lei 203/A 75, de 15 de Abril de 1975, do Governo provisório da República Portuguesa. (...)

O falecido Abílio Duarte, que a 05 de Julho proclamou a independência de Cabo Verde, no Estádio da Várzea, foi o primeiro presidente do parlamento cabo-verdiano. (...)

Após a instalação da mesa definitiva, Abílio Duarte declarara aberta a primeira sessão da Assembleia Nacional Popular.

De seguida, convidou os deputados a porem-se de pé, procedendo-se à leitura do texto de juramento colectivo, por uma questão de economia e tempo.

“Juro por minha honra dedicar a minha inteligência e energias ao serviço do Povo de Cabo Verde, cumprindo com fidelidade total os deveres da alta função de Deputado à Assembleia Nacional Popular”, foi assim que os eleitos de então juraram para servirem o país.

Feito o juramento, segundo consta da acta, a sessão foi suspensa por uns instantes e, de seguida, o presidente convidou os jornalistas a abandonarem a sala de sessão. (...)

Nessa mesma sessão, além do texto da proclamação da República de Cabo Verde, foi aprovada, por unanimidade, a Lei da Organização Política do Estado (LOPE), e foi, ainda, adoptada a lei que atribui a Amílcar Cabral o título de Fundador da Nacionalidade.

De acordo com o documento de 42 páginas dactilografadas, na época, a eleição do Presidente da República e do primeiro-ministro foi por aclamação.

“Povo de Cabo Verde, hoje, 05 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde proclama solenemente a República de Cabo Verde como Nação Independente e Soberana (...)”, lê-se no texto apresentado pelo presidente da ANP.

Abílio Duarte concluiu a leitura do texto de proclamação da independência dizendo que “a República de Cabo Verde lança um apelo a todos os Estados independentes, organizações e organismos internacionais, para que reconheçam de jure como Estado soberano, de harmonia com o Direito e a prática internacionais”.

Foi ainda nesta sessão legislativa que Aristides Pereira fora eleito primeiro Presidente da República de Cabo Verde e Pedro Pires como primeiro-ministro.

Em 1975, houve quem considerasse que Cabo Verde era um país “inviável” e com a independência ia desaparecer do mapa.

No livro do jornalista José Vicente Lopes “Aristides Pereira: Minha vida, nossa história”, o primeiro Presidente de Cabo Verde relata episódios sobre a situação financeira herdada da então potência colonial.

“Portugal deixou-nos praticamente com uma mão à frente e outra atrás (…), porque também estava com sérios problemas de sobrevivência devido ao caos financeiro e económico que nele se instalou com o 25 de Abril”, disse Aristides Pereira, para quem o que mais os governantes de então temiam era a seca.

Mas, segundo ele, graças à campanha de sensibilização feita junto de alguns países africanos e de Portugal, conseguiram colmatar as carências que havia para arrancar.

Para assinalar o 50º aniversário da independência nacional, a Assembleia Nacional vai reunir-se no dia 05 de julho, em sessão solene, sob a presidência de Austelino Correia, com um parlamento constituído por três partidos políticos: o Movimento para a Democracia (MpD, poder), o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e a União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), ambos da oposição. LC/AA.


(Revisão / fixação de texto: LG)