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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12156: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (3): Instruções para o ataque aos quartéis, da Frente Leste, de Piche, Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansambo e Canjadude. no dia 10 de junho de 1969

À esquerda: Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB.


1. Transcrição de um documento do PAIGC, dactilografado, assinado por Amílcar Cabral,  com instruções para o lançamento de ataques a diversos quartéis e destacamentos da Frente Leste, no dia 10 de junho de 1969, devendo nalguns casos ser repetidos "durante 3 dias" (sic)... Não sabemos como é que a mensagem, datada de 4 de junho de 1969, foi transmitida (via rádio ? por estafetas ?) e chegou de Conacri em tempo útil às várias frentes... se é que chegou.


No LESTE – devem ser atacados pelo menos os seguintes quartéis no dia 10 de junho [de 1969]:

Piche
Bambadinca

Gabu (se possível, mesmo de longe)
Cabuca
Xime
Mansambo
Gandjadude [Canjadude]
Várias tabancas com milícias e tropas.

Repetir os ataques durante 3 dias.
Depois concentrar forças para atacar duro:

Piche
Cabuca
Bambadinca
Mansambo

Em 4 de junho de 1969.

O secretário geral

(Assinatura)

Amílcar Cabral

Fonte:

(1969), "Instruções para o ataque aos quartéis de Piche, Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansabo e Gandjadude", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41091 (2013-10-15)

Para ver aceder a (e ampliar) o documento, clicar aqui: 

Portal Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07166.030
Título: Instruções para o ataque aos quartéis de Piche, Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansabo e Gandjadude
Assunto: Instruções de Amílcar Cabral para o ataque aos quartéis de Piche, Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansabo e Gandjadude, a partir do dia 10 de Junho, na Frente Leste.
Data: Quarta, 4 de Junho de 1969
Observações: Em nota manuscrita: Pires.
Fundo: DVP - Documentos Pedro Verona Pires
Tipo Documental: Documentos


2. Comentário do editor L.G.:

Não dispomos de elementos para comprovar se os quartéis em questão foram ou não atacados ou simplesmente flagelados no dia 10 de junho de 1969,  em que na época, e no regime de então, o do Estado Novo, se celebrava  o Dia de Camões, de Portugal e da Raça.

De acordo com a história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70, pp. 87/88), sabemos que, em junho de 1969, e depois da data de emissão das supracitadas instruções  (4 de junho de 1969), foram atacados ou flagelados os seguintes aquartelamentos e destacamentos da zona leste,  setor L1 (Bambadinca):

(i) Em 8, às 18h15, um grupo IN não estimado flagelou, durante 15 minutos, com mort 82, localizado na margem esquerda do Rio Corubal, o aquartelamento do Xitole, sem consequências;

(ii) Em 11, às 00h01, um grupo estimado de 20/30 elementos, flagelou do oeste o aquartelamento de Mansambo, durante 30 minutos, e utilizando canhão s/r, mort 82, LGFog e armas automáticas; sem consequências: 

(iii) Em 11, às 5h05, um grupo IN não estimado flagelou, durante 10 minutos, com mort 82 e canhão s/r, da direcção sudeste, o aquartelamento do Xitole, sem consequências;

(iv) Em 11, às 2h50, um grupo IN não estimado flagelou, durante 5 minutos, com mort 82, da direcção oeste, o aquartelamento do Xitole, sem consequências;

(v) Em 13, às 18h30, um grupo IN estimado em 20/30 elementos flagelou,  do sul, durante 20 minutos, com mort 82, canhão s/r e LGFog, o aquartelamento de Mansambo, sem consequências;

(vi) Em 14, às 0h30, foi a vez de ser flagelado o destacamento de Taibatá, defendido por um pelotão de mílicia (que  sofreu um ferido);

(vii) Em 14, às 3h00 da madrugada, Bambadinca foi flagelada de várias direcções (oeste, noroeste e sudoeste), durante 10 minutos e sem consequências; o IN utilizou mort 82, LGFog e armas automáticas;

(viii) Em 18, as 17h30, foi flagelado durante 25 minutos, com orte 82,  o destacamento da Ponte dos Fulas, no subsetor de Xitole, da direção norte; sem consequências...

Houve ainda duas emboscadas (a 18, às 12h00, na região de Padada,  contra forças da CCAÇ 2405, CCAÇ 2403 e CART 2520; e  a 20, às 8h30, no itinerário Demba Taco - Taibatá, contra o pelotão de milícias do destacamento de Demba Taco).

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9879: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte IV : Em Piche, com um Pel Art com 3 peças de 11.4


Foto nº 73/199 > Setembro de 1968 > Chegada da LDG a Bambadinca [Sobre a viagem de Bissau a Piche, vd. poste 9593]




Foto nº 85/199 > Setembro de 1968 > A caminho de Piche, antes de Nova Lamego > Furo em plena picada. Últimos da coluna. Sós. Aguardando ajuda ou o inimigo...



Foto nº 90/199 > > Paragem obrigatória para descansar... [Em primeiro plano, uma das 3 peças de artilharia, 11.4]




Foto nº 103/199 > Setembro de 1968 > Nova Lamego > Pedro Sá da Bandeira, antigo colega de turma no Liceu Nacional de Oeiras e vizinho da mesma rua em Algés.



Foto nº 98/199 > Setembro de 1968 > Piche > Os meus camaradas, alferes de cavalaria.




Foto nº 99/199> Setembro de 1968 > Piche > Em Piche nunca entrei em combate, mas tive encontros imediatos de grande perigo, porque facilitei em demasia... [Na foto, canhão s/r montado em jipe... Não era uma arma de acavalaria, mas uma arma pesada de infantaria...]




Foto nº 101/199> Setembro de 1968 > Piche > [O JoãoMartins com uma temível granada de canhão s/r]


Foto nº 109/199 > Piche > 1968 > Portugueses da Guiné solicitando a ajuda Nacional.


Foto nº 112/199 >  Piche  > 1968 > Mulher amamentando uma cabrinha (!)...


Foto nº 111/199 > Piche > [Fulas partilhando uma refeição]



Foto nº 108/199 > Piche > Setembro de 1968 > Régulo afirmando a sua amizade, veio cumprimentar-nos.




Foto nº 117/199 > Piche > s/d > [Uma bela paisagem, não tenho a certeza se é de Piche... ou de Catió por onde o autor passou, a caminho de Bedanda].



Fotos do álbum do João José Alves Martins, em grande parte disponíveis na sua página do Facebook... 


Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Fotos editadas e parcialmente legendadas por L.G.)


Memórias da minha comissão na Província Ultramarina da Guiné - Parte IIV (*)

por João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69)

(Continuação)



___________

ÍNDICE

1 – Curso de Oficiais Milicianos
1.1 – Mafra – Escola Prática de Infantaria
1.2 – Vendas Novas – Escola Prática de Artilharia – Especialidade: PCT (Posto de Controlo de Tiro)
2 – Figueira da Foz – RAP 3 - Instrução a recrutas do CICA 2
3 –Viagem para a Guiné (10 de Dezembro de 1967)

4 – Chegada à Bateria de Artilharia de Campanha Nº. 1 (BAC 1) e partida para Bissum

9 – Gadamael-Porto

10 – Guilege

11 – Bigene e Ingoré
_____________________



7. Piche


Chegado a Bissau [, de férias na metrópole], novo pelotão e novo destino me esperavam, Piche, e em Setembro de 1968 embarquei numa Lancha de Desembarque Grande (LDG) com um pelotão constituído por três peças de Artilharia 11,4 cm.

Em Nova-Lamego encontrei um ex-colega de turma do Liceu Nacional de Oeiras, o Pedro Sá da Bandeira, a quem tirei uma fotografia.

A viagem estava a decorrer sem qualquer contacto com o IN, até parecia que já não estava em teatro de guerra, e, como tinha vindo da Metrópole, já tinha esquecido um pouco o que era entrar em combate.

Quase a chegar a Piche, depois de passadas Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego, indo eu na última viatura da coluna para me certificar que tudo à minha frente decorria da melhor maneira, a viatura teve um furo na roda esquerda dianteira,  como mostra a fotografia. Éramos dois ou três, isolados, sem armas, só com munições de artilharia que para o efeito não serviam para nada, e assim ficámos bastante tempo, parados na picada à espera que acontecesse alguma coisa.

Apareceram então elementos da população, muito simpáticos e prestáveis como são em geral os fulas e os futa-fulas. Prontificaram-se a remover algumas caixas de munições e a arranjar o pneu da viatura. Entretanto, chegou o auxílio vindo da coluna porque acabaram por dar pela nossa falta.

Por feitio, gosto de interagir com os outros, para mim, era essencial compreender as motivações, as queixas, o que ia na cabeça daquela gente, de modo que mantive sempre uma relação muito próxima, não só com os soldados dos meus pelotões mas também com os que tinham sido colocados circunstancialmente na sede, BAC 1, por começarem a especialidade, por irem ou regressarem de férias ou por estarem a terminar o serviço militar, na sua grande maioria recrutados de todas as etnias da Guiné, e ainda, com todos os que me rodeavam, muito particularmente, quis compreender o verdadeiro sentir das populações e a sua relação com aquela guerra.

O que me deixa verdadeiramente satisfeito, é ter conhecido aquelas gentes, melhor dizendo, aqueles portugueses, verdadeiros portugueses na medida em que, na sua maneira de ser, se aproximam muito de nós, muito provavelmente pela ação missionária e de evangelização a que todos nós, portugueses, fomos de algum modo chamados desde a “Fundação de Portugal”.

Assim como os portugueses da Metrópole têm ideologias diferentes, religiosidades específicas, modos de convivência diferenciados, com o sentimento do “amor ao próximo” vivido de maneiras diferentes, uns, mais crentes, portadores de uma religiosidade mais profunda, outros, menos crentes ou até ateus, também na Guiné fui encontrar as maiores disparidades, até porque não se trata de um povo, mas de uma miscelânea de povos das mais diversificadas origens com dialetos distintos, tendo inclusivamente alguma dificuldade em comunicar uns com os outros, pelo que têm o crioulo em comum que lhes permite entenderem-se. Inclusivamente, informaram-me que os membros de uma das etnias, os felupes, eram canibais.

A única característica comum para além de serem africanos era o fato de serem portugueses. Só esse facto os une, pelo que muito dificilmente se poderão constituir como uma Nação. Mais, o sentimento mais profundo que trago como recordação, é que, na Guiné, eu não estava no estrangeiro, mas em Portugal, e quando estou com alguém de lá, não posso deixar de lhe dar o meu abraço de “irmão”, porque vejo nele um português que vive no estrangeiro.

O mesmo não se passa com os espanhóis com os quais ainda temos um diferendo fronteiriço, o caso de Olivença, e recordamos que no passado, fomos uma região autónoma espanhola, nem temos afinidades com os franceses que nos invadiram no tempo do imperador Napoleão Bonaparte, cujas tropas “saquearam” o que puderam, e ainda menos, com os alemães, com os quais estivemos em guerra e recordo a batalha de “La Lys”, durante a 1ª Guerra Mundial, em que estivemos envolvidos sem grande justificação, entrando em combate em condições verdadeiramente desumanas e em que, em consequência, muitos portugueses perderam a vida.

Parte de mim ficou na Guiné, para sempre, não só pelo sentimento do dever cumprido que é independente do regime que vigorava na altura, mas sobretudo, pela experiência e pelo reconhecimento de cerca de 500 anos de convivência e de pertença à mesma Nação, e esta realidade não se esquece, não se apaga e não está à venda…

Em Piche, aconteceu-me um episódio que não esquecerei. Como não sentia qualquer animosidade por parte da população, nem pressentia qualquer perigo, não pensei que o perigo sempre espreita. Nem mesmo pensei nisso quando chegou ao aquartelamento um carregamento de garrafas de cerveja, e, como estava calor e tinha sede, dirigi-me ao bar para comprar uma; para meu espanto, informaram-me que já tinham sido todas vendidas; não queria acreditar, e perguntei como é que podia ser. Responderam-me que tinham sido vendidas a um libanês que tinha uma tasca a poucos metros do aquartelamento; fiquei sem saber quem é que lucrava com aquele “negócio”.

Sem alternativa, fui até lá e pude apreciar o ambiente. Realmente, sentíamo-nos fora do quartel, e como não estava acompanhado fui-me inteirando do que se passava à minha volta, reparei que havia quem conversava de uma forma muito discreta e pus-me a ouvir, falavam em francês, o que era estranho, mas mais estranho foi o facto de, quando repararam que eu os estava a escutar, terem-se posto em fuga. Realmente, podia concluir que, verdadeiramente, nenhum lugar era seguro, mas não dei demasiada importância.

Dias mais tarde, vieram-me dizer que havia falta de géneros e que era conveniente procurar nas tabancas das redondezas quem vendesse alguns frangos. Como não tinha muito que fazer, dispus-me a dar uma volta para ver se encontrava alguns e também para quebrar a monotonia. Meti-me num “jeep” e fui com um furriel, levava comigo uma G3 e uma pistola à cintura.

Andámos alguns quilómetros para Norte, passámos por uma palhota onde se encontrava uma mulher a dar de mamar a uma cabra, tirei-lhe uma fotografia, e continuámos na esperança de encontrarmos uma tabanca com galinhas.

A certa altura, chegámos a uma, mas só depois de muito andarmos; não se vislumbrava ninguém, o que achei muito estranho, pedi ao furriel que fosse à procura de alguém, e, como estava muito calor, sentei-me à sombra de uma árvore ficando descontraidamente à espera e a descansar de tanto solavanco a que nos obrigavam aquelas picadas.

Passados uns cinco a dez minutos, para espanto meu, vindos do fundo da tabanca, vejo a cerca de cinquenta metros, uns seis africanos cobertos de panos compridos a correrem para mim e a fazerem muito barulho, com catanas nas mãos e com ar de “poucos amigos”… Percebi que estava em “maus lençóis”, e que tinha que tomar rapidamente uma decisão.

Se fugisse, não ia longe porque algum deles correria mais do que eu, se puxasse pela pistola, também não me safava porque nem sabia se estava carregada, a solução só podia ser uma, rezar e encomendar a minha alma ao Senhor, entregando a minha vida nas sua mãos; e foi o que fiz, e serenamente, na “graça do Senhor”, fiquei à espera…

Face à serenidade que se apoderou de mim, e à “Luz” intensa que me envolvia, ficaram espantados, e resolveram espetar as catanas na árvore, mesmo por cima da minha cabeça, e foram-se embora.

É claro que não ganhei para o susto… Pouco depois, apareceu o furriel dizendo que estranhamente não tinha encontrado ninguém porque tinham fugido todos e a aldeia encontrava-se deserta.

Metemo-nos no “jeep” e viemo-nos embora. No caminho, deparámo-nos com uma árvore de pequeno porte a barrar a picada e uns tantos homens, mas poucos, “à nossa espera”. Tinha-me safado de uma vez e não quis abusar da sorte, disse ao furriel que acelerasse a viatura passando por cima da árvore, enquanto eu de G3 em posição e devidamente carregada, apontava para os nossos “amigos”, agora era eu que estava com “ar de poucos amigos”; é claro que nem se mexeram, passámos sem mais problemas e regressámos ao aquartelamento.

Dias mais tarde, por sinal, andando na mesma viatura, observei que algo de anormal se estava a passar; à entrada da povoação encontravam-se uns quatro homens vestidos com os tais panos, portanto, de uma forma diferente do que era normalmente usado pelo pessoal de Piche. Estavam rodeados por muitos populares, que olhavam para eles muito intrigados quanto às suas pretensões, e era bem visível a diferença de uns e de outros porque os habitantes locais, usavam regra geral, calções e camisas.

Por curiosidade e sentido de responsabilidade, aproximei-me convencido que havia problema, parei a viatura relativamente perto e nem queria acreditar no que via. Eram aqueles que tinham corrido para mim com as catanas na mão, sem dúvida sem as melhores das intenções, e que agora se dirigiam para mim.

Ficaram muito felizes quando me viram, demonstrando-o dando-me grandes abraços como se fossemos amigos de longa data que não se viam há muito tempo, o que não era propriamente o caso, e deixando atónitos os populares que apreciavam toda a cena; devem ter concluído que “eu estava feito com os turras”; não falavam português, provavelmente só o crioulo, mas deu para perceber que o que pretendiam era entrar na povoação para comprar agulhas e linhas para cozerem os seus panos; pelo menos, foi o que eu entendi por gestos e por algumas palavras. É claro que esta cena era completamente incompreensível para quem a observou, e devem ter transmitido isso mesmo ao comandante da companhia que mais tarde me perguntou o que se tinha passado.

Como a realidade era um pouco “sui generis”, resolvi dizer que aqueles homens me tinham salvado a vida, na verdade, devia ter dito que me tinham poupado a vida, de qualquer modo, o que quer que dissesse era pouco compreensível, pelo que não deve ter acreditado na minha versão e poucos dias depois tinha uma guia de marcha para me apresentar em Bissau. 

Lembro-me de ter regressado num “Dakota”, que parecia ser da última grande guerra tal era a vibração da fuselagem e o barulho que fazia o motor. (**)

_________________

Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > Guiné 63/74 - P9857: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte III - BIssau e férias em São Martinho do Porto, em agosto de 1968


(**) Vd. ta,bém poste de 10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9593: Álbum fotográfico de João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) (1): Viagem de Bissau a Piche, pelo Geba e pela picada, com 3 peças de arilharia 11.4, em julho de 1968

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5536: O Meu Natal no Mato (29): Sorrisos de Natal há 40 anos em Canjadude (José Corceiro, CCAÇ 5 - Gatos Pretos, 1969/71)
















Guiné  Zona Leste > Região de Gabu > Canjude (vd. carta de Cabuca) > CCAÇ 5 (Gatos Pretos) (1969/71) > População local: filhos provavelmente de militares, guineenses,  da CCAÇ 5 (uma unidade de recrutamento local), enquadrada por militares metropolitanos, de rendição individual, como o José Martis (Fur Mil Trms, 1968/70), o José Corceiro (1º Cabo Trms, 1969/71), o João Carvalho (Fur Mil Enf, 1972/74)... Um dos capitães da companhia foi o Pacífico dos Reis, de  quem aqui já publicámos alguns textos, por mão do José Martins.

Fotos:  © José Corceiro (2009). Direitos reservados


1. Mensagem do José Corceiro, ex-1º Cabo, CCAÇ 5 - Gatos Pretos, Canjadude (1969/71) (*):


Natal, festa de excelência do mundo cristão. Festa da família, do amor, da paz, da união, das prendas e lembranças, da solidariedade, dos abraços, dos sorrisos, da confraternização, da luz e da esperança.

Façamos da vida um Natal permanente… Basta por vezes um olhar mais atento e carinhoso, um sorriso mais leal e consolador, um toque de conforto e tranquilidade, uma palavra de paz e esperança, uma doação do pouco que não nos faz falta, uma ajuda que para nós nada representa. Isto é Natal.

Quem não lembra os Natais da sua meninice?! Oh, que imensa saudade, eu tenho desses Natais, quando, na mais pura e cândida inocência, acreditava no Pai Natal, e ao acordar de manhã, corria para a chaminé, na esperança de que não se tivessem esquecido de mim. Oh! Quão feliz eu ficava ao ver as minhas botas cheias de prendas.

Coisas simples, uma moedinha dois ou cinco tostões, uma laranja, um chocolate, uns rebuçados, umas galhetas, um par de meias, umas luvas e camisola de lã, feitas pelas mãos mágicas da minha ditosa Mãe. Eu tentava esboçar uma desconfiança e dizia:
-Não foi a mãe que fez esta camisola?

Ela, no seu tom terno e doce, com um sorriso franco e acolhedor, respondia:
- Ai…! pois fui lá agora eu!

Eu fechava os olhos e continuava a sonhar e a acreditar. Como eu era feliz nesses tempos?! Não desejava o que não conhecia. Fui cresci e, sem que me apercebesse, a inocência foi-se desvanecendo e as desilusões e amarguras da vida, sem pedirem licença, foram-se instalando e manifestaram-se, deixando as suas marcas, mas eu continuo a sonhar, a crescer e aprender, tenho esperança.

Lembro com saudade e nostalgia os Natais da minha adolescência, Natais, simples, sem ostentação, onde não faltava o calor humano o conforto da família. Havia farturas de filhoses, rabanadas, arroz doce, aletria, bolos de abóbora, o bacalhau cozido com couves que, particularmente, nesta noite era uma delícia, era a ceia de consoada. Mimos feitos com tanto carinho e dedicação porque em casa o Natal era devoção, família, partilha e alegria.

Havia o calor da lareira envolvente e acolhedor, os sinos do campanário da minha aldeia tocavam ecoando os seus trinados por toda a povoação a convidar à união e oração. Lembro, as palavras amigas dos vizinhos e amigos a dizer "Natal Feliz", o frio, a neve, o presépio coberto de musgos serpenteado de veredas e carreiros, por onde se movimentavam as figurinhas de barro que iam adorar e levar prendas ao Deus Menino, o madeiro (cepo) a arder no adro para aquecer o Menino Jesus que toda a aldeia em fila ordenada ia beijar e adorar dentro da igreja da minha terra. Faltando o gesto de beijar o menino, o Natal perdia o encanto e magia. Havia harmonia, prendas, alegria, era NATAL, abraço de família.

Há três Natais que recordo com muita tristeza e melancolia:

(i) O Natal de 2007, difícil pelo sofrimento e abundância de saudades e dor, porque me faltou a prenda mais desejada, a minha Querida MÃE, que uns dias antes quis partir; faltaram todos os mimos e iguarias que minha mãe, diligentemente, com simplicidade e carinho, confeccionava; até os toques do sino da aldeia foram ruído para os meus ouvidos;

(ii) O Natal de 1969 e 1970 passados em Canjadude, Guiné, onde tive muitas saudades e tristeza: foi muito difícil...

Faltou-me a envolvência da minha família, faltaram-me as iguarias que a minha mãe tão terna fazia, faltou-me o calor da lareira acolhedor e consolador, faltou-me o som melodioso do repenicar dos sinos da minha aldeia, faltou o frio, a neve e o agasalho, o presépio, faltou o madeiro a arder no adro, faltaram-me os carinhos e afectos de mãos tão prendadas, assim para mim não era Natal.

Havia muito calor, muita insegurança, muita distância do lugar onde eu tinha nascido e onde tinha aprendido a gostar do Natal. Recusava-me a aceitar assim o Natal. Faltava a paz e os meus braços, não eram suficientemente grandes, para poder abraçar família militar tão numerosa:

Caps: Pacífico dos Reis, Ferreira Oliveira, Gaspar Guerra, Silveira Costeira;

Alfs: Gomes, Martins, Melo, Neves, Luís, Afonso de Sousa, Varela, Gago, Sousa, Silva;

Sargs: Paulino, Santos Rodrigues, Farinha, Cipriano (enfermeiro, a luta ceifou-lhe a vida);

Fur: José Martins, Antunes, Caldeira, Borges, Sá, Germano, Albino, Alves, Ramos, Moreira, Cardoso, Mário, Oliveira, Felizardo, Agostinho, Pena, João Purrinhas (perdeu a vida mina anti-carro entre Canjadude e Nova Lamego), Silva, Caetano, Laminhas, Costa, Carvalho, Gil, Gonçalves, Rito;

Cabos : Dionísio, (que eu substitui), Alex, Loupa, Carvalho, Rogério, Silva Trans., Silva, José Carlos Freitas(jogador do V. Guimarães), Graça, Cóias, Pinto, Faria Trans., Faria, Lúcio, Gaspar, Esteireiro, Nora, Viriato, Costa (cripto), Dinis (perdeu a vida mina nati-carro entre Canjadude e Nova Lamego) António Manuel, Ferro, Alves, Dias, Ramos, Vieira, Fernandes, Sado, Leitão, Monteiro, Marques, Pedro, Domingos, Gomes, Anjos, Mendes, Luís, Malhada, (foi no mesmo dia que eu fui para a companhia), Morais, Gonçalves, Almeida, Costa, Santos, Seabra, Montóia(jogador do Leixões), Lima, Mendes, Moura, Azevedo, Oliveira, Verissimo, Carmo, Fernandes, Rodrigues, Augusto, Romano, Pimenta, Zé (condutor), Magalhães, Sebastião, Morais, Leite, Leitão, Zé Batachão, Vergílio (condutor), Jorge (condutor), Fidalgo, Saldanha, Salazar;

Solds: Mané, Sanjo, Baba, Cholé (alfaiate);

1º Pelotão: Saliu, 70, Mama, Bojel, Pira, Malan, Lidi, Jamanca, Banamo, Mamadu Baldé;

2º Pelotão: Fali Baldé, Milício, Mamasaliu;

3º Pelotão: Samba, Felupe, Ussamané, Braíma, Sájo, Carpala, Mussá, Lourenço, Ossamané Bupiro, Ossamané Buaró, Carfala;

4º Pelotão: Paté Imbaló, Meta, Totala, Sajuma, Mamadú, Braíma, Canta, Canja, Mamadú Baldé, Malan;

Comandos: João Ceide (extremamente dedicado e seguro), Lunta, Gibril, Mamadú;

Outros militares que não sei em que pelotão estavam: Saju (padeiro), Opa, Baba (limpeza de armas), Samba Sisé (mecânico), Baba Gali (cozinheiro), Alin Combaco, Baba (cozinheiro), 615 (morteiro), Primo (morteiro), 416, Mamada Jamanca, Malan Jamanca, Ada Macundé, Banamu Ceide, Tijane, Manga, 819, Sucaro Nhoqué, Fali, Mama Salu Dambu, 348/63, Bané, Costa Pereira, Tripa (quem não se lembra dele), Benfica, Samba, Paté, Sané Mané, Bacar Baldé, Demba Baldé, Mamadu Alain Sané, Aruna, Mili, Mamadu Fati, Mili Braima Sané, Mili Braima Mané, Mili Candy, Adulo Baldé, Diaja.

E quem pode esquecer os miúdos da Companhia, acho que nem família tinham, eram como que mascotes, o Júlio que aprendia mecânica o Binta, o Mamassal(Marchal) que era o moço dos recados.

De Certeza que muitos foram esquecidos, sobretudo nativos, não foi por menos consideração ou estima, a outros poderei ter trocado o posto, mas o mesmo respeito, é natural que em nomes haja erros ortográficos, pois foram registos que eu fiz na época, sem recurso a documentação, só por audição.

Nos 25 meses que estive em Canjadude, fizeram parte da CCaç 5, todos estes militares, era de rendição individual, ainda que os militares nativos fossem, praticamente, sempre os mesmos. Esta foi a grande família GATOS PRETOS, do meu tempo, porque há mais, (eu estive entre Junho 1969 a Julho 1971) estivemos todos no mesmo palco, irmanados pela mesma causa.

Para todos um ABRAÇO de NATAL. Feliz Natal a todos.

José Corceiro

P.S. - Caso publiquem as fotos o titulo pode ser: SORRISOS DE NATAL HÁ QUARENTA ANOS EM CANJADUDE, GUINÉ

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior, 25 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5535: Tabanca Grande (196): José Corceiro, ex-1º Cabo Trms, CCAÇ 5 (Gatos Pretos) (Canjadude, 1969/71)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio




1. O Cherno Baldé nasceu na antiga província portuguesa da Guiné, em Fajonquito, na zona leste, junto à fronteira com o Senegal, há cerca de 50 anos, numa sociedade sem escrita, sendo educado na cultura do seu povo, um povo de pastores, fulas, islamizados, tendo como vizinhos, pouco amistosos, os mandingas...

Aos cinco/seis anos, em 1965, viu pela primeira vez homens brancos, armados e equipados para a guerra, que se instalaram em Cambajú onde o pai era empregado de uma casa comercial... A primeira visão foi de terror... Mas a irrestível curiosidade infantil veio ao de cima: a descobertas das diferenças, dos cheiros dos corpos, dos comportamentos sociais...

Hoje ele pertence ao mesmo mundo desses homens brancos, aprendeu a sua língua, o português, formou-se na antiga União Soviética como engenheiro, faz uma pós-graduação em Lisboa na área da gestão. No seu gabinete de trabalho, no Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, em Bissau onde exerce as funções de director do gabinete de estudos e planeamento, há dossiês com palavrões como Segurança, Ambiente, Gestão de Estaleiros, Auditoria, Análise de Projectos, Gestão de Contratos, Formação de Formadores, Fiscalização de Obras de Conservação de Estradas, etc., que eram completamente inteligíveis para ele em 1965... Com a chegada dos homens brancos, passou o ser Chico, Jubi, Chico...

O texto que a seguir se publica (o nº 3 das suas crónicas, em que ele descreve a maneira como o Chico viu e viveu a chegada dos primeiros homens brancos à sua aldeia, é absolutamete fantástica, é uma peça de antologia etnográfica, de descoberta do outro, o estrangeiro, que provoca terror e fascínio... Nunca tinha lido nada parecido, da autoria de um guineense, sobre nós, homens brancos... Deliciado, já li o texto três ou quatro vezes seguidas...

Obrigado, Chico, obrigado Cherno, obrigado meu amigo e irmãoinho... És um caso sério de talento literário. Os meus, os nossos parabéns. A nossa Tabanca Grande fica mais rica, contigo. Faz uma boa viagem de regresso a a casa. Obrigado, djarama, kanibambo... LG

PS - Não te esqueças, que combinámos tratar-nos por tu... Era assim que os romanos se tratavam entre si. É assim que se tratam os camaradas e, por tabela, os amigos da Guiné. Foi distracção tua, já corrigi. Aqui somos todos primeiros entre iguais [em latim, primi inter pares], além de pertencermos todos à única raça humana que eu conheço (e que os zoólogos conhecem), a espécie Homo Sapiens Sapiens.

2. Eis uma mensagem do nosso amigo Cherno Baldé, que está em Moçambique, em viagem de serviço (»):

Amigo Luís,

Não tenho palavras para manifestar a minha gratidão pelo trabalho voluntarioso e desinteressado que estás a desenvolver para reunir pedaços de memórias espalhados por este mundo fora. Memórias que certamente nos unem a todos, independentemente de tudo o resto.

No dia em que descobri o Blogue da Tabanca Grande fiquei tão emocionado que, quase, não consegui pregar olho, porque a máquina do tempo dentro da minha cabeça activou-se e começou a vasculhar nos escombros do passado de forma desordenada. Foi como se tivesse reencontrado todos os meus amigos.

Muito obrigado pela confiança, a fidelidade no tratamento do material e também pela sinceridade das tuas palavras cheias de sabedoria. Vou encarar a vossa reacção positiva e o comentário simpático do Manuel Maia como sinais de encorajamento para prosseguir nas crónicas, esperando e rogando a Deus e a todos que as lerem, vejam nelas uma simples tentativa de descrição de factos na justa medida em que a minha memória falível e a minha capacidade intelectual bastante limitada forem capazes de os conservar e transmitir.

As opiniões e pontos de vista nele contidos só me engajam a mim e de forma alguma devem ser conotados com o país, o grupo étnico ou a raça a que pertenço.

Neste preciso momento encontro-me em Maputo (antiga Lourenco Marques), Moçambique, em missão de serviço e estou vislumbrado com a beleza da cidade. Aqui fez-se trabalho pensando no futuro e este já está a chegar.

A ti e a todos os teus colaboradores um grande KANIMAMBO.

Um forte abraço,

Cherno AB - Chico

3. Memórias do Chico, menino e moço (3) > Os homens brancos

por Cherno Baldé (*)

No ano de 1965, altura em que a guerra para a independência se alastrava rapidamente e aterroriza as aldeias daquela área e obrigava a uma concentração maior da população em certos locais com algumas garantias de defesa e protecção militar, Contuboel, Saré-Bacar, Cambajú e Fajonquito constituíam as praças-fortes da área.

Em Cambajú foi estacionado um destacamento de milícias que assegurava a defesa da localidade e que mais tarde foi reforçado com um destacamento de tropas portuguesas. Pela primeira vez na minha vida ainda jovem, via pessoas de uma raça diferente. Foi um choque tremendo.

Quando chegaram, estávamos a jogar no largo da zona comercial que também fazia de paragem para as carroças que traziam mercadorias. Foi o barulho dos motores que nos alertou, como habitualmente, corremos atrás dos veículos, e foi nessa altura é que reparamos no insólito. As pessoas que estavam sentadas em cima dos veículos, todos vestidos com o mesmo tipo de tecido, um chapéu que se estendia de trás para a frente da mesma cor na cabeça e uma arma entre as pernas, completamente imóveis, não eram pessoas normais, como estávamos habituados a ver. Eram brancos, meu Deus do céu, tão branquinhos que se podia ver o sangue vermelho rubro a correr nas veias.

Não foi preciso dizer a ninguém, não houve nenhuma concertação entre nós. A nossa primeira reacção foi fugir, fugir dali com todo os pés. Eu fui directamente ao quarto da minha mãe que nesse momento se encontrava na cozinha, meti-me debaixo da cama, no mesmo sítio em que costumava esconder-me sempre que quisesse estar a salvo dos perseguidores, quando fazia das minhas. Não me lembro quanto tempo estive ali escondido, o certo é que o céu não tinha desabado sobre mim, sinal claro de que afinal não era o fim do mundo. Aliás, era o prenúncio de um novo mundo para mim ao qual, mais tarde, por força da minha educação e formação, viria a pertencer para sempre.

Passado o susto, agora era a curiosidade que tinha ganhado terreno. Não se falava de outra coisa na aldeia e seus arredores, houve mesmo pessoas que regressaram dos seus lugares de trabalho para assistir à vinda das pessoas de cor branca. Em todos, a curiosidade de ver aqueles seres estranhos suplantava o questionamento sobre as razões da sua presença. Queríamos ver e entender cada gesto, cada olhar, cada palavra desses seres de olhos azuis ou mesmo verdes que, entre nós, eram conhecidos só de alguns animais dotados de poderes especiais como os gatos que tinham sete vidas ou os eternos camaleões que tinham a capacidade de adquirir as cores de sua preferência.

Não admira que as pessoas tivessem medo deles, afinal de contas, o que eram eles, diabos ou feiticeiros? De certeza que não eram pessoas normais. Isto, nós iríamos compreender mais tarde. No dia seguinte, o meu amigo e colega, Samba, veio a minha casa para as brincadeiras habituais, falámos do acontecimento de ontem e fiquei a saber que tudo não passara mesmo de um susto injustificado pois, aqueles sujeitos eram soldados portugueses vindos directamente de Portugal, o que queria dizer nossos amigos e aliados.

Segundo Samba, “Eles vinham proteger-nos dos roubos e outras maldades que os terroristas, encabeçados pelos mandingas, nossos vizinhos e preguiçosos natos que, invejando a nossa posição e riquezas, queriam tirar-nos tudo”. “Alguns dos nossos colegas já tinham feito amigos entre os brancos recém-chegados e em troca lhes tinham oferecido latas de conserva de peixe muito saborosas com o azeite a escorrer pelos dedos quando as comiam”, disse-me ele.

Decidimos fazer o mesmo e fomos, sem medo, até o sítio onde estavam alojados. Quando chegamos junto deles, notámos que o acampamento estava cercado de arame farpado por todos os lados excepto num sitio por onde todos entravam e saíam. Estas circunstâncias não agradaram a minha natureza de felino livre e mandrião, arrepiava-me só a ideia de estar fechado num sítio donde não se podia sair livremente, a maior parte deles estava de tronco nu, só tinham no corpo uns calções curtos que quase deixavam ver as nádegas.

Que falta de vergonha, pensei comigo, pessoas adultas com as nádegas de fora. Todos tinham na cabeça aqueles chapéus estranhos que traziam no primeiro dia e que tinham uma ponta redonda pela frente a cobrir o fronte e descaíam para trás em forma de dois rabos curtos. Estavam todos ocupados, isoladamente ou em pequenos grupos, alguns limpando suas armas, outros lavando roupa interior ou colocando tendas de campanha.

Houve duas coisas que saltaram logo a minha vista: Eram todos bastante jovens, fisicamente robustos e bem nutridos, todos apresentando uma pelugem de cor preta e/ou acastanhada no peito.

Era um espectáculo ainda mais incaracterístico do que a primeira vez que os vira, e de mais a mais, havia um cheiro esquisito e forte que, certamente, estaria relacionado com aquela gente estranha. Mais tarde vim a saber que se tratava do cheiro de alho que eles utilizavam abundantemente na sua alimentação. Não pude avançar mais.

Sem prevenir o meu amigo que avançava para dentro da cerca, parecendo alheio a tudo, pensando certamente, no pão e nas conservas que nos esperavam, dei meia volta e pus-me ao largo. Contudo, ninguém pode fugir do seu destino e estava destinado que a nossa geração entraria lá dentro e faria amigos entre esses brancos de origem e modos estranhos e, sobretudo, ficaria para sempre ligada a esta gente de hábitos libertinos, ao gosto inesquecível da sua sopa, da sua batata, do bacalhau e grão-de-bico e a sua civilização através da aculturação que viria a sofrer por meio da escola.

Passado o tempo da surpresa e da incompreensão, acomodámo-nos perfeitamente dentro do acampamento. Fazíamos pequenos trabalhos de limpeza e em contrapartida tínhamos direito à sobremesa do amigo. Cada um tinha o seu amigo de quem esperava que lhe trouxesse as sobras do prato igual a um cachorrinho de casa. Eu não tinha conseguido arranjar um amigo de imediato, na verdade, o medo inicial não tinha permitido muita ousadia da minha parte. Felizmente, tinha umas irmãs muito giras que não precisaram se deslocar ao acampamento. Devo dizer que esses jovens soldados portugueses eram muito atrevidos e mal-educados não se coibindo de entrar nos recintos das nossas moranças (casas) para irem atrás de uma rapariga da forma mais descarada que havia, agarrando nos seios e nos traseiros, mesmo à frente dos pais.

Os velhos da aldeia, em vez de os corrigirem daquela falta de educação, riam-se e deixavam-nos levar avante a sua insolência. “Na sua terra, certamente, não sabem o que é a vergonha”, diziam eles, senão como é que se podia entender que um adulto andasse, quase, todo nu em pleno dia, e corresse atrás de rapariguinhas que, ainda por cima, não lhes eram prometidas.

E foi assim que a coberto das minhas irmãs mais velhas que tinham amigos que vinham a nossa casa, tive acesso facilitado ao acampamento e também a possibilidade de me aproximar dos brancos e pouco a pouco habituar-me ao seu cheiro peculiar de alho moído e aceitar a sua presença no meu espírito ainda assustado.

Esse cheiro, foi para mim, o primeiro sinal da diferença entre o campo onde habitavam, em estado puro, a nossa gente, todos falando a mesma língua e os mesmos costumes com o mesmo odor de terra com mistura de calor e bosta de vaca e o ambiente urbano onde viviam pessoas vindas de outras partes e se misturavam cheiros de origens diferentes, como o do alho que veio com os soldados portugueses e o cheiro que resultava da mistura da urina e excrementos de porco que só vim a sentir quando mudamos para a localidade de Fajonquito e que estava relacionado com a presença de porcos domésticos, animal que até aquela data não conhecia.

Fotos: Arquivo

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

24 de Junho de 2009 > Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo

19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão

18 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...

domingo, 19 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)

Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > Um local de desolação e de morte... "Banjara gozava da fama, e do proveito, de ser o segundo pior destacamento da Guiné, a seguir a Beli, na zona de Madina do Boé. Não apenas pelos ataques mas, sobretudo, pelo perigo que representava, por estar muito isolado da Companhia, e por estar cercado por uma cintura de destacamentos IN, que vigiavam de fora do arame farpado e do alto das gigantescas árvores que o envolviam todos os movimentos da nossa tropa [tinha Sinchã Jobel do lado sul e Samba Culo do lado norte]" (António Reis) (*)

Fotos: © Alfredo Reis (2009). Direitos reservados.


1. Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...



... E já agora, aqui vai um exemplo das dificuldades para chegar a Banjara.

Digo-vos também que foi no caminho para lá que eu fui ferido e fui, por isso, para uma estadia de nove meses no Hospital Militar Principal da Estrela [,em Lisboa]...
[Não admira, por isso, que o António eleja Banjara como o pior Bu...rako que ele conheceu]


59. Operação sem nome. 15 de Julho de 1968 (**)

Situação particular: Do antecedente o IN coloca minas no itinerário Sare Banda-Banjara.

Missão: Transporte de frescos e correio. Patrulhamento do itinerário Geba-Banjara-Geba.

Força executante:

Dest A - CART 1690 (1 Secção +) ref. c/PEL MIL 111/Companhia Milícias 3

Dest B - PEL CAÇ NAT 64

Dest C - 1 PEL REC/ EREC 2350


Desenrolar da acção:

Em 16 de Julho de 1968, às 11h15 saiu do destacamento de Sare Banda o 1º Gr Comb , constituído por 2 secções do PEL CAÇ NAT 64 e seis milícias que iniciaram a picagem da estrada.

As 12h05 verificou-se o rebentamento de uma mina A/P, reforçada com 1 mina A/C, que provocou 6 mortos e 1 ferido grave às NT pelo que tive que pedir uma evacuação urgente e fiz transportar os corpos dos mortos (com excepção de 1 que ficou completamente pulverizado) e o ferido para Sare Banda.

O transporte foi feito num Unimog, levando como escolta uma secção de atiradores e 1 Daimler. O restante pessoal ficou a manter segurança no local do rebentamento e aguardando a chegada destas viaturas.

Quando as mesmas regressaram verifiquei que os elementos da Companhia de Milícia não queriam prosseguir na operação, pelo que tive de os obrigar a continuar a desempenhar a missão de que iam incumbidos: picar a estrada.

Consegui que a coluna prosseguisse em direcção a Banjara, que se atingiu às 16h25. A saída de Banjara verificou-se às 17h00, tendo a coluna atingido Bafatá às 18h30.

Foi cumprida integralmente a missão apesar do grande atraso em relação ao previsto.

A distância de Banjara a Geba era, em linha recta, de 27,5 km. Na prática era quase o dobro (47 km).

A. Marques Lopes

___________

Notas de L. G.:

(*) Vd. poste de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu... rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes)

(**) Vd. poste de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara (A. Marques Lopes)

sexta-feira, 13 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4028: FAP (17): Do Colégio Militar a Canjadude: O meu amigo Tartaruga, o João Arantes e Oliveira (Pacífico dos Reis)

Guiné > Zona Leste > Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (1973/74), Os Gatos Pretos > Pista de aviação de Canjadude, iluminada durante a noite > "Fotografia tirada de uma das tais grandes rochas (grandes para a Guiné), ou seja, de uma das rochas em que estava colocado um posto de sentinela. Consegue-se ver ainda o heliporto, que não sei se já existia quando o José Martins passou por estas bandas[, em 1968/70]" (JC).

Foto: © João Carvalho (2006). Direitos reservados


1. Mensagem do nosso amigo, camarada e dedicado colaborador José Martins, ex- Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70:

Boa tarde, aqui vai mais uma de aviadores.

Talvez, o que é mais que provável, o António Martins de Matos tenha conhecido o João Arantes e Oliveira, e queira dar algumas notas biográficas.

Um abraço, José Martins


2. MEMÓRIAS DA GUINÉ

Texto publicado na revista nº 173 - Outubro/Dezembro, 2008,
Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar:

Publicação Trimestral, 43º Ano. Fundador – Carlos Vieira da Rocha (189/1929); Director – Mário M. Silva Falcão (314/1936); Chefe de Redacção - Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949)

Da autoria de
José Manuel Marques Pacíficos dos Reis
Coronel de Cavalaria Reformado
Ex-aluno nº 363/1952 do Colégio Militar
Ex-Comandante da Companhia de Caçadores nº 5 – CTIG (Junho de 1968/ Septembro de 1969)(*)

[Com a devida vénia e autorização do autor. Fixação do texto e subtítulos, da responsabilidade do editor, L.G.]

Ao ter conhecimento do falecimento do meu amigo Tartaruga (137/1952), João Arantes e Oliveira, muito tempo depois do mesmo, vieram-me à lembrança os tempos que passámos no Gabú. A vida dos mortos está na memória dos vivos (Cícero). Para manter bem viva essa memória aqui a faço perdurar através de duas pequenas estórias que definem o carácter do nosso amigo Tartaruga.

(i) Um saco de sementes

Ao tempo estava a comandar a Companhia de Caçadores nº 5, aquartelada em Canjadude. A companhia era formada por soldados nativos todos desarranchados e por um pequeno número de militares da Metrópole. Os nativos comiam na tabanca. Os metropolitanos comiam do rancho com as limitações resultantes da logística (bacalhau e ovos liofilizados, falta de frescos, etc.).

Numa das muitas colunas ao Gabú (Nova Lamego) encontrei o Arantes e foi uma festa.
Entre cervejas confidenciei-lhe as minhas dificuldades logísticas. Não me pareceu que ele, na altura “pilotaço” na Base do Gabú, estivesse a ligar aos meus problemas. Os dias foram passando, operações e mais operações (tempo do General Spínola), quando no pequeno intervalo das mesmas aterra uma DO na nossa pista e sai lá de dentro o Tartaruga com um grande saco na mão e me diz:
- Olha, aqui tens a resolução dos teus problemas de frescos.

Entrega-me o saco.

Curioso, espreitei e estupefacto deparo com dezenas de saquetas com as mais variadas sementes: tomates, alfaces, couves, feijão, etc. Posteriormente confidenciou-me, com toda a simplicidade, que tinha ido à Metrópole e não se tinha esquecido da nossa conversa no Gabú. Claro que aquelas sementes foram ouro para todos nós.


(ii) O sistema americano no Vietname: sacos de serapilheira e... palha

O cenário é o mesmo. A reunião no Gabú é com os mesmos intervenientes. As minhas queixas eram diferentes.

Nesta altura um piloto mais “inteligente” ou mais “medroso” que os outros, que já vinham aterrando na nossa pista centenas de vezes, resolveu interditá-la até serem aumentados mais uns metros. Só quem esteve no ultramar é que pode aquilatar o problema de não ter uma pista operacional.

Enquanto não compactávamos os metros que faltavam com baga-baga, não recebíamos correio nem frescos (peixe, fruta, etc.). O Arantes compreendeu imediatamente o problema.
- Não há problema, pá. - E passou a explicar o sistema utilizado pela aviação americana no Vietname. - É tudo uma questão de sacos de serapilheira e palha! Deixa que eu levo-te os frescos.

E assim foi. No dia marcado vimos aparecer um DO a baixa altitude a rasar a pista. Ao passar por ela começaram a cair sacos de serapilheira do avião. Alguma coisa, no entanto, não estava correcta nos manuais americanos. Digo isto porque andámos a apanhar carapaus, sardinhas e pescada, conjuntamente com maçãs, em todas as árvores das redondezas.

Pequenas estórias que ilustram o camarada que infelizmente perdemos. Só espero que estas despretensiosas letras façam surgir o desejo de mais alguém cumprir a palavra de Cícero.
_______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes, da I Série, respeitantes a Canjadude e à CCAÇ 5:

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O nosso fotógrafo em Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74)

5 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIX: O ataque de foguetões a Canjadude, em Abril de 1973 (João Carvalho)

28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)

4 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIV: Os últimos dias de Canjadude (fotos de João Carvalho)

4 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCV: A última noite em Canjadude (CCAÇ 5) (João Carvalho)

5 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCVI: A dolce vita de Canjadude, até ao dia 27 de Abril de 1973 (João Carvalho)

6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

7 deAbril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXX: CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos de Canjadude (José Martins)


(...) Com o fim da Operação Mabecos Bravios, realizada entre 2 e 7 de Fevereiro de 1969 e que procedeu à retirada da guarnição do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento do Cheche, junto ao Rio Corubal, a guarnição deste destacamento reuniu-se à sua unidade em Canjadude.

Quando em 20 de Abril de 1969, o grupo de combate destacado em Cabuca foi rendido por outra unidade, e a CART 2338 foi transferida para Nova Lamego, o aquartelamento de Canjadude passou a dispor da totalidade dos elementos da CCA5 5, passando a ser a unidade de fronteira com a zona do Boé, a partir de Nova Lamego.

(...) A Companhia de Caçadores nº 5 teve como comandantes:
- o Capitão Miliciano de Infantaria Barros e Silva (Abril de 1967 -Junho de 1968);
- o Capitão de Cavalaria Pacífico dos Reis (Junho de 1968- Setembro de 1969);
- o Capitão de Infantaria Ferreira de Oliveira (Setembro de 1969-Março de 1970);
- o Capitão de Infantaria Gaspar Guerra (Março de 1970- Maio de 1970);
- o Capitão de Infantaria Silveira Costeira (Maio de 1970-Abril de 1972);
- o Capitão de Cavalaria Figueiredo de Barros (Abrild e 1972-Maio de 1973);
- e o Capitão Miliciano de Infantaria Silva de Mendonça (Maio de 1973-Agosto de 1974).

Como comandantes interinos houve vários Alferes Milicianos que assumiam o comando na ausência e/ou impedimento dos titulares.

(...) De composição maioritariamente da etnia Fula instalada em chão Mandinga, registaram-se alguns atritos com a população civil, nomeadamente após o ataque ao aquartelamento de Canjadude efectuado em 3 de Agosto de 1970 e, quando na época seca, os civis fechavam os poços para que os militares não pudessem utilizar a água, mas que foram rapidamente sanados.

O número de militares que passaram por esta unidade deve rondar o milhar, correspondendo três quartos destes a efectivos do recrutamento local.

Quanto a baixas teve, no período da sua existência, 16 mortos em combate ou por doença, incluindo 5 metropolitanos, sofrendo ainda, no período de Janeiro de 1970 a Julho de 1973, pelos registos existentes, 23 feridos dos quais alguns tiverem de ser evacuados para o Hospital Militar de Bissau. (...)

12 de Maio de e 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLVI: Procissão em Canjadude ou devoção mariana em tempo de guerra (José Martins)

quarta-feira, 11 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4010: FAP (15): Correio com antenas... (António Martins de Matos, ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)

1. Mensagem de António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen Pilav Res):

Amigo Luis: Depois de tudo o que se escreveu sobre o Guileje,...a Visão, ... o Nino Vieira, ... , os ânimos andam um pouco tensos, a necessitar de um tónico refrescante.

Junto te envio uma história ligeira e com uma certa piada (para mim claro, porque deve ter havido alguém chateado com a coisa).

A dar um título, penso que ficará bem “Correio com Antenas”

Um abraço
António Martins de Matos


2. FAP (15) > Correio com antenas (*)

por António Martins de Matos


No final de um destacamento de DO-27 em Nova Lamego (fins de 72 ou início de 73), e no momento de regressar a Bissau, o homem do SPM (Serviço Postal Militar) pergunta-me se posso largar um pequeno saco com correio num destacamento situado no trajecto para a Base de Bissalanca, não me lembro do nome, entre Bambadinca e Bafatá, sem pista, sem placa, ... sem nada... .(eventualmente poderá ser Missirá, mas penso que deveria ser um outro destacamento).
Mas que tivesse atenção porque o último piloto a largar o saco tinha sido um grande nabo, tinha calculado mal e este tinha-se perdido no mato, para desespero do pessoal.

Claro que sim, estamos aqui para apoiar a tropa, saco embarcado, viagem sem incidentes até ao respectivo destacamento, contacto estabelecido com o pessoal, boas notícias, vão receber mais um saco de correio, saco de fora da janela, passagem pelo lado direito do objectivo, subida do DO-27 quase à vertical para perder velocidade, inversão rápida, queda de asa à esquerda, picada à FIAT G-91, apontar ao centro do destacamento, saco largado, cai em pleno objectivo, recuperação da picada, ... a satisfação do dever cumprido!.

E não é que os malcriados nem sequer vêm ao rádio agradecer o esforço deste piloto que, na execução do circuito para a largada, quase tinha posto o cabo mecânico a deitar a carga ao mar ?!

Aterragem em Bissau, ... malandros, ... malcriados, ... mal agradecidos… Chega-se o cabo mecânico, ainda suado e amarelo pelo que tinha sofrido, e diz-me:
- Meu Tenente, trazemos uns fios presos à cauda do avião.

Desculpem lá o incómodo, ... oxalá o correio tenha valido a pena.

António Martins de Matos

2. Comentário de L.G.:

Quem disse que os nossos pilotos da BA12, Bissalanca, não eram capazes de fazer uma boa acção de escuteiro, e não tinham sentido de humor ? Nenhuma guerra se ganha com gente mal humorada e incapaz de fazer horas extraordinárias sem pedir mais patacão...
___________________

Nota de L.G.:

(*) Vd último poste desta série, FAP > 27 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3948: FAP (14): Um dia rotineiro na Base Aérea nº 12, em Bissalanca (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, 1972/74)

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3817: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (4): Unidades de coordenação na Zona Leste


4ª e última parte do trabalho de pesquisa do José Martins (ex-Fur Mil, Trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70)

(iii) Unidades de coordenação:

COMANDO DE AGRUPAMENTO Nº 24 (COM AGR 24, 1965/67)

Mobilizado no Regimento de Artilharia Anti Aérea Fixa, em Queluz, desembarcou em Bissau em 28 de Abril de 1965, deslocando-se para Bafatá em 18 de Maio de 1965 e assumindo o comando e coordenação dos batalhões instalados nos sectores de Bafatá, Nova Lamego e Fá Mandinga em 01 de Junho de 1965.

Foi rendido em 07 de Fevereiro de 1967 pelo Comando de Agrupamento nº 1980, recolhendo a Bissau e regressando à metrópole em 08 de Fevereiro de 1967.

COMANDO DE AGRUPAMENTO Nº 1980 (COM AGR 1980, 1967/68)

Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, em Lisboa, que desembarcou em Bissau em 6 de Fevereiro de 1967, deslocando-se para Bafatá e assumindo o comando e coordenação dos batalhões instalados nos sectores de Bafatá, Nova Lamego e Bambadinca em 7 de Fevereiro de 1967.

Foi rendido em 18 de Novembro de 1968 pelo Comando de Agrupamento nº 2957, recolhendo a Bissau e regressando à metrópole em 19 de Novembro de 1968.

COMANDO DE AGRUPAMENTO Nº 2957 (COM AGR 2957, 1968/70)

Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, em Lisboa, que desembarcou em Bissau em 15 de Novembro de 1968, deslocando-se para Bafatá e assumindo o comando e coordenação dos batalhões instalados nos sectores de Bafatá, Nova Lamego e Bambadinca em 7 de Fevereiro de 1967. Foram incluídos na zona à sua responsabilidade os sectores de Piche em 24 de Novembro de 1968 e Galomaro em 7 de Novembro de 1969.

Entre 11 de Março e 11 de Outubro, e de 26 de Julho a 6 de Novembro de 1969, integrou sob a sua coordenação o Comando Operacional nº 5 e o Comando Operacional nº 7, criados transitória mente na Zona Leste. Também integrou o Comando Operacional Temporário nº 1, criado em 26 de Junho de 1970.

Já na fase de sobreposição com o Comando de Agrupamento nº 2970, passou a integrar o Comando de Agrupamento Operacional Leste, criado por despacho ministerial de 20 de Junho de 1970.

COMANDO DE AGRUPAMENTO Nº 2970 (COM AGR 2970, 1970)

Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, em Lisboa, que desembarcou em Bissau em 24 de Julho de 1970, deslocando-se para Bafatá para render o Comando de Agrupamento nº 2957, mas foi extinto em 1 de Agosto de 1970 por alteração orgânica no dispositivo operacional. Os seus elementos foram integrados no Comando de Agrupamento Operacional Leste.

COMANDO DE AGRUPAMENTO OPERACIONAL LESTE

Criado de acordo com o despacho ministerial de 20 de Junho de 1970, integrou os elementos dos Comando de Agrupamento nº 2957 e 2970, sendo o seu pessoal nomeado em rendição individual.
A 22 de Agosto de 1970 passa a designar-se por Comando de Agrupamento Operacional nº 2, mantendo a sede em Bafatá e integrando os sectores de Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego e Galomaro.

Em 12 de Novembro de 1971 passa a integrar o sector de Pirada, então criado.

Em 3 de Dezembro de 1970 estabelece um escalão avançado em Nova Lamego ao qual, em 31 desse mesmo mês, se juntam os restantes elementos, completando assim o deslocamento para esta cidade.

Durante a retracção das nossas tropas deslocou-se 22 de Agosto de 1974 para Bafatá, em 6 de Setembro de 1974 para Bambadinca. Chegado a Bissau em 9 de Setembro de 1974, foi extinto.

Nas páginas finais, a que o autor chama O reverso da medalha, retiro algumas frases que deixo, como preito de respeito, carinho, saudade e solidariedade, aos que nele são mencionados:

Muitas foram as Mães que perderam os filhos!
Muitas foram as Esposas que perderam os seus Maridos!
Muitas foram as Crianças que ficaram órfãs!
Muitos foram os Jovens que perderam a vida ou ficaram mutilados!


José da Silva Marcelino Martins
josesmmartins@sapo.pt

Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria
Companhia de Caçadores nº 5 – CTIGuiné
Nova Lamego e Canjadude - Jun1968 a Jun1970
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3795: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (1): O princípio do fim, a história do Soldado António Rodrigues

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3797: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (2): Unidades de intervenção no subsector de Bajocunda
e
28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3810: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (3): Unidades de comando em Bajocunda